O cristianismo institucional, que tem alimentado a civilização ocidental há mais de dois mil anos, pode ter sido construído sobre uma gigantesca falha em sua história: a Negação do feminino. Durante muitos anos convivi com uma vaga sensação de que algo estava radicalmente errado com o meu mundo. Sentia que, por um período longo demais, o feminino em nossa cultura vinha sendo desprezado e desvalorizado. Mas foi somente em 1985 que encontrei provas documentais de uma devastadora fratura na história cristã e nos ensinamentos da Igreja de Roma. Em abril daquele ano, sabendo do meu grande interesse pelas Escrituras judaico-cristãs e pela origem do cristianismo, uma amiga me indicou o livro The Holy Blood and the Holy Grail”(O Santo Graal e a Linhagem Sagrada).
CAPÍTULO I – A Noiva Perdida
Segundo uma lenda do século IV; preservada em francês antigo, Maria Madalena levou o Sangraal à costa sul da França. Histórias que surgiram depois contam que esse Sangraal era o Santo Graal – um cálice. Na verdade, versões posteriores afirmaram tratar-se do cálice usado por Jesus na Última Ceia, na noite de sua prisão. O Graal foi reverenciado como uma das relíquias mais sagradas da cristandade. Entretanto, de acordo com as lendas, ele foi perdido e permanece oculto até os dias atuais.
O rei está ferido e aleijado, diz a lenda, e o reino tornou-se terra infértil porque o Graal desapareceu. A história promete que, quando o recipiente sagrado – que uma vez guardou o sangue de Cristo – for encontrado, o rei será curado e tudo ficará bem. Existe algum cristão que nunca tenha ouvido falar na busca pelo Graal, alguém que não tenha lamentado seu desaparecimento? Algumas das últimas lendas européias dizem que, quando Jesus agonizava, José de Arimateia colheu seu sangue em um cálice e o levou de barco para a Europa Ocidental, enquanto os seguidores de Jesus eram perseguidos em Jerusalém (42 d.C.). Um dos relatos afirma que ele transportou duas galhetas contendo o sangue e o suor de Jesus para Glastonbury, no Sudeste da Inglaterra, com um bordão de pilriteiro que brotou e se desenvolveu quando foi plantado em solo inglês – o cajado florido.
Outras fontes relatam que Arimatéia levou o sagrado Sangraal à costa mediterrânea da França. Essas variadas lendas geraram numerosas criações poéticas com o passar dos séculos, muitas delas ligando o Graal ao rei Artur e sua Távola Redonda de cavaleiros, que procuraram o cálice sagrado por toda a Europa. O ponto central de todas as poesias é que o cálice é sagrado, que vale a pena procurá-lo, que ele está perdido ou escondido e que, se for localizado, fornecerá a cura para a terra infértil. Há um consenso de que o Graal seria uma relíquia cristã sagrada, porque foi tocado pelas mãos de Jesus. Na verdade, ele é o mais sagrado e impalpável artefato de toda a civilização ocidental.
Por mais estranho que pareça, porém, a Igreja Católica Romana sempre demonstrou pouco entusiasmo pelo Graal e suas lendas. Foi sugerido por Arthur E. Waite e outros estudiosos do assunto que o mistério do Graal e de seus adeptos oferece uma alternativa à versão ortodoxa (católica) do cristianismo e que a competência dos sacerdotes desse “outro” cristianismo deriva diretamente de Jesus, dispensando a sanção da Igreja de Roma. Portanto, não é surpresa que essa instituição tenha sempre tentado suprimir o Santo Graal e suas lendas!
A Fé dos Nossos Pais
Qualquer versão do cristianismo que ofereça uma alternativa às doutrinas ortodoxas da Igreja é vista como um anátema. Essa é a definição de heresia. A controvérsia da heresia é que ela não depende da verdade, mas do fato de a doutrina estar ou não de acordo com as afirmações oficiais da fé. Os indivíduos educados na ortodoxia católica foram cuidadosamente ensinados a aceitar as doutrinas pela fé e sempre as admitiram como verdade única. No entanto, desde os primeiros tempos, houve numerosas versões paralelas do cristianismo, cada uma delas com suas próprias crenças e interpretações das mensagens dos Evangelhos (bem como escritos sobre a vida de Jesus, o Cristo, os “Evangelhos Apócrifos”, que por contar uma versão diferente da história de Jesus foram desconsiderados quando os livros que compõe a a atual Bíblia foram selecionados).
Com o passar dos séculos, a mensagem de Cristo institucionalizou-se. Pouco a pouco, foram sendo desenvolvidas doutrinas que nem sempre refletem a fé dos primeiros cristãos que habitavam a Palestina do primeiro século. A versão oficial do cristianismo, que evoluiu gradualmente e foi sistematizada por concílios da Igreja nos séculos III e IV d.C., baseou-se no consenso dos membros mais antigos presentes nessas assembleias, em geral pressionados pelo imperador romano reinante e por outras facções políticas. Tais concílios votaram pela articulação de doutrinas como a natureza da Trindade, a divindade de Jesus, a virgindade de Maria e a própria natureza da divindade. Eles selecionaram do cânon judaico as escrituras que seriam consideradas canônicas pelos cristãos, bem como os evangelhos e as epístolas da Igreja primitiva que deveriam ser incluídos na Bíblia. Foram esses “patriarcas” que decidiram quais eram os evangelhos que refletiam os verdadeiros ensinamentos e a biografia de Jesus e quais eram as cartas de Paulo e dos primeiros líderes da Igreja que fariam parte das Escrituras oficiais.
Um dos critérios de seleção para o cânon oficial das Escrituras era que os textos fossem trabalhos autênticos dos apóstolos de Jesus. Assim, os Evangelhos de Mateus e de João e o Livro da Revelação (denominado Apocalipse de João) foram considerados canônicos, embora estudiosos atuais sugiram que nenhum deles tenha sido realmente escrito por um apóstolo de Jesus. Na verdade, um grande número de pesquisadores considera altamente improvável que os autores dos quatro Evangelhos canônicos tenham até conhecido o histórico Jesus de Nazaré! Além disso, há evidências de que trechos desses textos foram apagados, adicionados, adulterados e talvez até censurados nos séculos que se passaram. É muito difícil, à luz desses fatos, considerar o cânon existente nas Escrituras a única interpretação possível da Palavra de Deus. A “versão oficial” do cristianismo que foi articulada pelos primeiros concílios da Igreja é a mesma que tem sido transmitida até hoje: a chamada “fé dos nossos pais”. Essa é a versão ortodoxa, mas não necessariamente a única versão da fé cristã. Nem obrigatoriamente a verdadeira.
A questão que precisa ser examinada é a seguinte: há outra história de Jesus que possa se aproximar mais da verdade do que aquela propagada pela Igreja durante a Idade Média, antes da Reforma Protestante? Existe uma versão alternativa da doutrina cristã? Poderia ter havido uma Igreja alternativa? Em caso afirmativo, quais teriam sido os dogmas (se dogmas houvessem) de sua fé? E qual teria sido a sua relação com a mensagem cristã primitiva e com o próprio Jesus?
O Sangraal
Poetas medievais do século XII, época em que a lenda do Graal apareceu na literatura européia, mencionam uma “Família do Graal”, presumivelmente guardiões do cálice mais tarde considerados indignos desse privilégio. Alguns estudiosos do Graal estabelecem uma conexão entre o termo sangraal e a palavra gradales, que na língua provençal parece ter significado “taça”, “travessa” ou “bacia”. Mas já se sugeriu que, dividindo-se a palavra sangraal depois do g, o resultado é sang raal, que em francês antigo significa “sangue real”. Essa segunda derivação do francês sangraal é extremamente instigante e talvez esclarecedora. De repente surge outra interpretação da conhecida lenda: em vez de taça ou cálice, a nova versão afirma que Maria Madalena levou o “sangue real” (a descendência de Jesus, o Cristo) à França mediterrânea.
Outras narrativas creditam a José de Arimateia o ato de ter “transportado” o sangue de Jesus àquela região em uma espécie de vaso. Talvez tenha sido Maria Madalena, sob a proteção de José de Arimateia, que de fato tenha conduzido a descendência da linhagem real do rei Davi à costa francesa do Mediterrâneo. Quem era essa Maria, conhecida dos primeiros cristãos como “a Madalena”? E como ela poderia ter levado o sangue real para a França? O sangue real poderia ter sido levado em um recipiente terreno, um “vaso de barro” (2 Coríntios 4:7)? E se esse “vaso” fosse (o próprio útero de) uma mulher?
Talvez essa Maria fosse, na verdade, a mulher de Jesus e tenha levado um filho dele (e/ou sua descendência) para a Provença! As duas genealogias de Jesus apresentadas no Novo Testamento sustentam que o carismático mestre descendia da casa do rei Davi, e as promessas messiânicas feitas a Israel estão todas especificamente ligadas ao sangue real de sua princesa judaica do “tronco de Jessé”, o pai do rei Davi. A esposa de Jesus, caso tivesse um filho dele, teria sido, literalmente, a portadora do Sangraal, a linhagem real de Israel. A procura do Santo Graal é um mistério de muitos séculos. Pistas que ligam Maria Madalena ao Sangraal das antigas lendas são abundantes na arte, na literatura e no folclore da Idade Média, assim como nos acontecimentos históricos subsequentes e nas próprias Escrituras.
Muitas dessas pistas serão discutidas nos capítulos seguintes, numa tentativa de demonstrar que a Noiva de Jesus foi, talvez por acidente(ou intencionalmente), excluída da história como resultado de tumultos de ordem política na província de Israel logo após a crucificação. Não tenho provas definitivas de que a “outra Maria” era a mulher de Jesus nem que ela tenha dado à luz um filho(s) de sua linhagem. Mas é possível provar que a crença nessa versão da história cristã foi divulgada na Europa durante a Idade Média e que, mais tarde, acabou obrigatoriamente sepultada pelas impiedosas torturas da Inquisição. Em nossa busca, procuraremos identificar e examinar as evidências da Igreja alternativa – a “Igreja do Santo Graal” – presentes em símbolos na arte e literatura européias e nos próprios Evangelhos do Novo Testamento.
Quem era Maria Madalena?
Nosso primeiro passo será estabelecer a identidade da “outra Maria”, encontrada nos quatro Evangelhos “oficiais”. Existem fortes indícios de que Maria Madalena pode ser identificada como Maria de Betânia, a irmã de Marta e Lázaro, mencionada nos Evangelhos de Lucas e João. Essa amável Maria sentava-se aos pés de Jesus, enquanto sua irmã, Marta, servia os convidados (Lucas 10:38-42); depois, ungiu Jesus com bálsamo de nardo (João 11:2, 12:3). Referências bíblicas a Maria Madalena incluem informações de que ela era uma das mulheres que acompanharam Jesus depois que ele a curou da possessão de sete demônios (Lucas 8:2, Marcos 16:9). Também é apontada como uma das mulheres aos pés da cruz (Marcos 15:40, Mateus 27:56, João 19:25) e a primeira que chegou à tumba às primeiras luzes da manhã da Páscoa (Marcos 16: 1, Mateus 28:1, Lucas 24:10, João 20:1-3). O Evangelho de João afirma que ela foi sozinha ao sepulcro e encontrou Jesus, acreditando, primeiramente, que ele era o jardineiro. Chegou a abrir os braços para abraçá-lo quando o reconheceu, chamando-o de rabboni, uma forma afetuosa da palavra “rabino”.
Obviamente, essa Maria chamada “a Madalena”, era uma amiga e companheira íntima de Jesus. A Igreja ocidental tem uma antiga e forte tradição que apoia a ideia de que só havia uma amiga querida de Jesus chamada Maria. A bíblica Canção de Salomão, interpretada com frequência na tradição judaico-cristã como uma alegoria do amor de Deus por seu povo, era muito popular entre os cristãos durante a Idade Média. São Bernardo de Claraval (1090-1153, criador da Regra da Ordem dos Cavaleiros Templários, que prestavam culto secretamente, ao Feminino Sagrado), em seus sermões sobre o Cântico dos Cânticos, comparou a noiva da canção, simbolicamente, com a Igreja e com a alma de cada um dos que creem. O protótipo que ele selecionou para ilustrar essa “Noiva” de Cristo era Maria, a irmã de Lázaro, que se sentou aos pés de Jesus, absorvendo seus ensinamentos (Lucas 10:39-42) e que, mais tarde, ungiu os pés dele com nardo e secou-os com o próprio cabelo (João 11:2, 12:3). Mas São Bernardo também disse repetidas vezes em seus sermões que era possível que essa Maria de Betânia fosse a mesma Maria Madalena.
Novecentos anos antes de São Bernardo, em Alexandria, um teólogo cristão chamado Orígenes (aproximadamente 185-254 d.C.) identificou Maria Madalena especificamente como a Noiva do Cântico dos Cânticos. Essa associação foi amplamente aceita e louvada na Idade Média. O Evangelho de João identifica com clareza a mulher que ungiu Jesus com o precioso bálsamo como a irmã de Lázaro (João 11:2), e a tradição francesa chama Madalena de “a irmã de Lázaro”. A Igreja Católica Romana nem sequer tem uma data dedicada a essa Maria de Betânia, embora os dias de Marta e de Lázaro sejam celebrados no calendário anglicano. Seriade esperar que a Igreja honrasse essa “irmã favorita”, dedicando-lhe uma festividade, como faz com os outros amigos de Jesus. Entretanto, existe um dia em que se homenageia Maria Madalena – 22 de julho -, exatamente uma semana antes do de Marta.
É mesmo natural e correto que o dia da mais importante das irmãs-santas seja celebrado em primeiro lugar. A passagem da Escritura litúrgica oficial da Igreja Católica Romana lida durante séculos na celebração do dia de Maria Madalena foi extraída do Cântico dos Cânticos, que, por associação, identificou Madalena como a noiva descrita no Cântico. No século VI, o Papa Gregório I estabeleceu que Maria Madalena e Maria de Betânia eram a mesma pessoa: ”Acreditamos que aquela a quem Lucas chama de ‘pecadora’ e aquela a quem João chama de ‘Maria’ são a mesma mulher de quem, segundo Marcos, sete demônios foram expulsos“.
A “Prostituta” (sacerdotisa) Sagrada
Embora dois Evangelhos, o de Marcos e o de Lucas, sustentem que Maria Madalena foi curada por Jesus da possessão de sete demônios, não está escrito, em lugar nenhum, que ela era uma prostituta. Apesar disso, esse estigma a tem seguido por toda a cristandade. A história original da unção de Jesus em Betânia pela mulher do vaso de alabastro deve ter sido mal interpretada pelo autor do Evangelho de Lucas, que o escreveu quase cinqüenta anos depois do acontecimento. A unção realizada pela mulher em Betânia era similar a uma conhecida prática ritual das sacerdotisas sagradas, ou “prostitutas” do templo, nos cultos às deusas do Império Romano. E até o termo “prostituta” é uma denominação imprópria. Essa palavra, escolhida pelos tradutores modernos, é empregada para a palavra hierodulare, ou “mulheres sagradas” do templo da deusa, que desempenhavam um papel expressivo no dia-a-dia do mundo clássico.
Sua importância como sacerdotisas da deusa tem origem no período neolítico (7000-3500 a.C.), quando Deus era honrado e amado como PODER FEMININO (Matriarcado) nas terras hoje conhecidas como Oriente Médio e Europa. No mundo antigo, a sexualidade era considerada sagrada, uma dádiva especial da Deusa do Amor, e as sacerdotisas que oficiavam nos templos dessa deusa no Oriente Médio eram sagradas para os cidadãos dos Impérios Romano e Grego. Conhecidas como “mulheres consagradas”, eram pessoas de prestígio, as invocadoras do amor, do êxtase e da fertilidade da deusa. Em alguns períodos da história judaica, elas fizeram parte do ritual de adoração do Templo de Jerusalém, embora alguns profetas de Jeová deplorassem a influência da Grande Deusa, localmente chamada de Asserá.
A descoberta, resultante de escavações feitas em Israel, de milhares de estatuetas da Deusa do Amor suméria/cananéia (Inana, Astarté) segurando os seios convenceu os estudiosos de que a adoração da versão hebraica dessa divindade era comum na antiga Israel. As sacerdotisas da Deusa do Amor eram uma visão comum em todas as cidades do Império Romano, inclusive em Jerusalém. No contexto dos Evangelhos, a mulher que portava o vaso de alabastro contendo o bálsamo pode ter sido uma dessas sacerdotisas. Curiosamente, entretanto, Jesus não se mostrou nem um pouco ultrajado com a atitude dela quando o ungiu. Ele até disse aos amigos que se reuniam para um jantar na casa de Simão, em Betânia, que a mulher o ungira para seu enterro (Marcos 14:8, Mateus 26:12).
A importância de tal declaração não poderia ter sido mal compreendida pela comunidade cristã primitiva, que preservou essa história em sua tradição oral. A unção para o funeral era a representação de uma parte indispensável do ritual que cultuava o pôr-do-sol e o alvorecer, bem como os Deuses da Fertilidade de toda a região banhada pelo Mar Mediterrâneo. A unção realizada pela mulher do vaso de alabastro era algo familiar aos cidadãos do império por causa dos rituais de sua Deusa do Amor. Em tempos mais remotos, porém, a unção do rei sagrado era um privilégio exclusivo da noiva real. Por milênios, esse mesmo ato fez parte do rito de casamento das filhas da casa real, que, assim, conferiam majestade ao seu consorte.
Naqueles tempos antigos, até cerca do terceiro milênio a.C., a maioria das sociedades do Oriente Próximo e do Oriente Médio era matrilinear – posição e propriedades eram passadas de mãe para filha. Na verdade, entre as casas reais de grande parte da região, essa prática se manteve inclusive durante o período clássico. Tanto a rainha de Sabá quanto Cleópatra do Egito reinaram como herdeiras dinásticas. Na Palestina, quase contemporaneamente a Jesus, o rei edomita Herodes, o Grande (que reinou de 37 a 2 a.C.), reclamou o trono de Israel baseado em seu casamento com Mariana, uma descendente da casa dos Macabeus, os últimos reis legítimos na Palestina.
Cultos do Rei Sacrificado
Vestígios de práticas matrilineares ancestrais e de adoração da deusa ainda estavam presentes no primeiro século, na Palestina, uma província romana helenizada. Esses antigos mitos e costumes eram visíveis nos cultos das Deusas da Fertilidade da região. A unção feita pela mulher dos Evangelhos é remanescente da poesia romântica ligada aos ritos do Casamento Sagrado, celebrando a união de um deus local e uma deusa. É bem possível que o verdadeiro significado da unção em Betânia tivesse sido exatamente este: o Casamento Sagrado do rei sacrificado. Seu conteúdo mitológico teria sido entendido pela comunidade helenizada de cristãos que ouviram o Evangelho ser pregado nas cidades do Império Romano, onde os cultos das Deusas do Amor não haviam sido completamente abandonados, o que só aconteceu no final do século V d.C.!
E no Evangelho de João, a mulher – a Noiva – cujo nome é citado como aquela que fez a unção, é Maria de Betânia. Entretanto, é sempre a Maria chamada “a Madalena” que é representada na arte ocidental carregando o vaso de alabastro que contêm o precioso bálsamo. E é no seu dia que a Igreja Católica Romana cumpre a tradição de ler no Cântico dos Cânticos (3:2-4) a história da Noiva à procura do Noivo Amado, de quem fora separada. Nas pinturas medievais e renascentistas, invariavelmente, é Madalena que vemos, de cabelo solto, aos pés da cruz, com Maria, mãe de Jesus, e é também ela que beija os pés de Jesus em pinturas da Descida da Cruz (a retirada do corpo de Jesus da cruz).
Essas obras nos trazem à memória a mitologia pagã de vários deuses do Sol e da Fertilidade (Osíris, Dumuzi e Adônis), que foram mortos e ressuscitaram. Em cada caso, a viúva (Ísis, Inana e Afrodite) derramou seu luto e desolação sobre o corpo do amado, lamentando sua morte com infinita tristeza. A mitologia egípcia, por exemplo, relata que Ísis, a Noiva-Irmã de Osíris, orou sobre o corpo mutilado dele e concebeu o filho, Hórus, após a morte do pai. Em cada culto, é a Noiva que chora a morte do deus sacrificado. Na poesia usada nos cultos de adoração de Ísis, alguns versos são idênticos aos do Cântico dos Cânticos e outros são paráfrases bem próximas.
Mais recentemente, estudiosos observaram semelhanças entre as imagens eróticas do Cântico e a poesia romântica da Babilônia, da Suméria e de Canaã na Antiguidade. As evidências dessas similaridades foram descobertas em tábuas cuneiformes e em antigos templos e arquivos no século XX. A Noiva Perdida da tradição cristã aproxima-se muito desses mitos e histórias remotos. Existe uma tradição muito antiga que identifica Maria de Betânia como Maria Madalena na Igreja ocidental. Na arte medieval, essa mulher também era associada à Noiva-Irmã da mitologia antiga. O conceito da Noiva-Irmã desses mitos tem extrema importância em nossa história. A Noiva, Deusa da Lua ou da Terra na Antiguidade, era a esposa do Rei-Sol, mas era muito mais do que isso. Era amiga íntima e parceira do Noivo-Deus – a sua imagem refletida em um espelho, sua “outra metade”, um alter-ego feminino ou “alma gêmea”.
Por esse motivo, o símbolo do espelho é mantido na iconografia da deusa. O Noivo arquetípico simplesmente não poderia ser completo sem ela! O relacionamento entre eles era muito maior do que uma união sexual – havia uma profunda intimidade espiritual e um “parentesco” resumidos na palavra “irmã”. O Casamento Sagrado do Noivo com sua Noiva-Irmã não se limitava à paixão física, era uma união de êxtase espiritual e emocional mais profunda também. Os cristãos da Igreja dos primeiros tempos associaram de imediato Maria Madalena à Noiva-Irmã “negra” do Cântico dos Cânticos. Em Vênus in Sackcloth (Vênus em hábito de penitência), Marjorie Malvern examina a metamorfose de Maria Madalena: de prostituta a contraparte/amiga de Jesus, por dois milênios na literatura e arte ocidentais. O livro mostra a mudança na arte do século XII, que começou a representar Maria Madalena como a companheira de Jesus, no estilo da mitologia de Vênus, Afrodite e de outras Deusas do Amor, cujos domínios eram a fertilidade e o casamento.
A autora sugere que essa transformação resultou do contato com a poesia romântica do mundo árabe no tempo das Cruzadas (e dos Cavaleiros Templários). Ela observou que essa intimidade foi suprimida no século XIII e que a mãe de Jesus adquiriu uma posição de destaque que não possuía nos próprios Evangelhos. Malvern também chama a atenção para o entusiasmo que havia na Idade Média pelas peças sobre a Paixão de Cristo e para a especial fascinação que as pessoas demonstravam pelas cenas da unção em Betânia e do encontro, no jardim, de Madalena com Jesus ressuscitado. Acredito que foi a propagação da heresia do Santo Graal o motivo dessa surpreendente transformação de Maria Madalena – que passou de prostituta a sagrada Noiva-Irmã – nas representações artísticas do século XII. A Maria retratada em muitas dessas pinturas medievais não era a “pecadora arrependida” nem a “prostituta regenerada”, nem apenas uma amiga de Jesus. Ela era a sua amada. Muitas pessoas podem sentir-se inclinadas a rejeitar a idéia de que Jesus era casado com Maria Madalena, a irmã de Lázaro. O motivo é muito simples: elas acreditam que, se ele tivesse se casado, os “Evangelhos nos teriam contado” esse fato. Porém, um exame mais cuidadoso das Escrituras revela várias evidências que corroboram esse matrimônio sagrado.
Talvez, então, seja melhor começarmos nossa busca com uma análise do Cântico dos Cânticos, cuja interpretação alegórica não esconde as imagens intensamente eróticas do poema de amor. Devemos, também, examinar o motivo condutor da Noiva e do Noivo nas Escrituras hebraicas e nos Evangelhos cristãos. Mais tarde, continuaremos com a busca do Santo Graal. Mas, primeiramente, vamos estudar o rito ancestral do Casamento Sagrado, celebrado nas terras do Oriente Médio e no Cântico da Noiva e do Noivo arquetípicos. Continua …
Link partes anteriores:
- Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro
- Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro (Prólogo)
SEJA UM ASSINANTE DO BLOG: Para os leitores do Blog que ainda não são assinantes e desejam acessar as postagens em seus endereços de E-Mail, solicitamos, por favor, que façam a sua inscrição aqui neste LINK: https://linktr.ee/thoth3126
Siga o canal “Blog Thoth3126” no WhatsApp: https://www.whatsapp.com/channel/0029VaF1s8E9Gv7YevnqRB3X
Nenhum comentário:
Postar um comentário