Oscar Brisolara
A fábula é um gênero literário que surgiu muito antes da narrativa
escrita. Era, a um tempo, uma forma de divertimento, uma vez que se
contavam histórias, às vezes, hilariantes; enquanto também, funcionava
como processo educativo.
Todos os povos possuem essa antiga tradição de uma literatura oral que atravessou os tempos e trouxe lições de uma
aprendizagem imemorável, anônima. Mesmo os primeiros fabulistas que as
transcreveram para a memória dos homens, como o grego Esopo e o romano
Fedro, afirmam nada haverem criado: apenas haviam escrito o que de há
muito se narrava de geração a geração como sabedoria dos mais antigos.
Pois conta-se que, nesses tempos de antanho, vinham por uma estrada
poeirenta, um velho montado a um burro e um menino os seguia andando
todos vagarosamente, naquela época em que para nada se tinha pressa.
Porém, um forte lavrador que preparava seu campo para o plantio do
trigo à beira desse caminho tortuoso entre a colina e o vale, ao vê-los,
afirma: - Que barbaridade!
O velho preguiçoso no lombo do jumento, enquanto a pobre criança caleja os pés nos seixos do caminho.
O pobre ancião, ouvindo as razões do agricultor e sentindo-se
envergonhado do próprio procedimento, desceu do animal, suspendeu
sofregamente a criança e a depôs no dorso do forte jumento.
Assim
prosseguiram novamente, caminho afora. Quando já haviam dobrado a
prega do cerro, espraiou-se diante deles um murmurante riacho em cuja
margem uma alegre senhora lavava as roupas dos seus meninos, cantando as
tradicionais toadas do destino triste daqueles que a vida não doirou
com o encanto de um castelo, ou o poder de um palácio.
Os pequenos
corriam pelas areias ardentes e refrescavam os pés, de quando em quando,
no frescor das águas que serpenteavam por entre troncos e rochas. Pois a
sonhadora lavadeira, ao ver os transeuntes que se aproximavam, olhou o
velho, com os pés cobertos do pó que o vento carregava de um lado para o
outro e marcas de suor seco nas faces em queimadas do sol, exclamou:
- Quanta injustiça no mundo.
Esse menino, na flor da idade, montado na
cavalgadura, enquanto o pobre ancião, já alquebrado dos anos de
trabalho, enfrenta o caminho duro, calejando os pés cansados... - O
menino, ouvindo a censura da mulher, saltou depressa do lombo da besta.
Confabularam brevemente sobre quem deveria ocupar o assento no animal e
chegaram à conclusão de que, afinal, o bicho era robusto e bem poderia
carregar a ambos pelo resto do caminho.
E assim se foram,
contemplando a paisagem que se estendia diante de seus olhos, rodeando
colinas, cortando regatos, e perderam-se, estrada a fora, por tempo sem
conta. Quando chegaram diante de um moinho, estava lá um moço robusto,
descarregando uma carroça repleta de sacos de trigo poeirento e pesado,
que jogava sob a mó. A imensa roda de água, cujos encaixes de
madeira rodavam pelo tombar da corrente de água gelada, girava
lentamente a pedra superior da mó que ia lentamente esmagando os grãos
macios e no fundo de sucessivas peneiras acumulava-se uma colina espessa
de branca farinha.
Ora, ao ver o moleiro que paravam à beira do
lago do moinho, avô e neto, no lombo do animal suado da caminhada,
estando o burro a sugar largos sorvos de água refrescante e sadia,
censurou: - Este mundo está certamente mal arranjado. Esses dois
preguiçosos, nas costas do coitado do animal, que além de enfrentar a
aspereza do caminho e ardor do sol, tem também de arcar com o peso de
seus corpos robustos e sadios. Para que receberam eles, da mãe natureza,
pernas e forças para enfrentar com elas seu próprio destino?
E os
dois seguiram, descendo a encosta diante do burro, cortando os pés
naquele caminho escaldante à hora do sol a pino, temendo que alguém os
aconselhasse a carregar o jumento. Quem vive a seguir somente a
opinião alheia, sem convicções próprias, nunca terá uma direção segura.
Que se fará hoje, quando passeatas e protestos criticam a tudo e a
todos, seja qual for a direção que se tomar?
Esta fábula é o retrato de muitos pais e pessoas que já não sabem qual direção tomar e se deixam levar pelos outros como um barquinho sem o leme, estão sem direção de suas próprias vidas e sem o controle das situações.
ResponderExcluirEstou plenamente de acordo com tua aplicação da fábula. Esta é a atualidade das fábulas. Elas se prestam sempre a novas leituras e aplicações a novas realidades. Fazem parte da sabedoria da antiguidade.
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