Depois da publicação de meu livro “Dos segredos de Eva Braun”, Eva passou a me perseguir. Pedi um lanche a uma tele-entrega e vejam a latinha de Coca-Cola Zero que o motoboy me entregou. Estará Eva a me alertar que está atenta ao que digo sobre ela? De onde me virá a próxima comunicação?
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sábado, 28 de fevereiro de 2015
HOMERO – ILÍADA – PASSAGEM EM QUE O OCTOGENÁRIO PRÍAMO VAI AO CAMPO INIMIGO SOLICITAR O CADÁVER DO FILHO TOMBADO EM COMBATE
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Homero,
o inesquecível poeta da cultura helênica, não é sem razão, universalmente reconhecido
até hoje. Embora tenha escrito seus poemas há quase mil anos antes de Cristo, é
lido e reeditado constantemente.
No meu entender, a mais poética e mais emocionante passagem da Ilíada de Homero encontra-se no Canto XXIV, aliás o derradeiro da renomada tragédia grega.
Aquiles, depois de sangrento e demorado embate ao redor dos muros de Troia, havia abatido o grande Heitor, filho do rei Príamo, e comandante dos exércitos troianos, que, por sua vez, abatera Pátroclo, companheiro inseparável do heroico e imbatível filho de Peleu. Este promovera longos festejos funerais em homenagem ao amigo, arrastando seguidas vezes o corpo de Heitor ao redor do túmulo de Pátroclo, sob o olhar dos familiares do troiano que, do alto das muralhas, tudo presenciavam, impotentes.
O octogenário Príamo, avançada já a noite, pede aos filhos que lhe preparem uma carroça, pois decidira buscar o cadáver do filho Heitor, no acampamento do inimigo Aquiles.
Enquanto o exército grego, após as exéquias de Pátroclo, herói e amigo de Aquiles, repousa em absoluto silêncio, como narra a história: “O exército grego descansa após os jogos fúnebres em honra a Pátroclo. Aquiles, porém, não consegue conciliar o sono. Vira de um lado para outro na cama com saudades de seu amigo. Inconsolado, amarra o corpo de Heitor em sua biga e o arrasta três vezes ao redor do túmulo de Pátroclo.”
Quando o vetusto rei revela à esposa Hécuba sua intenção de recuperar o corpo do filho, esta, envolta em prantos, insiste a fim de que desista desse intento. Aquiles certamente roubar-lhe-ia a existência. Assim, alquebrada e só, restar-lhe-ia o aguardo ermo do findar da existência, que já se mostrava próximo.
Hermes, por encargo dos deuses, metamorfoseara-se em soldado grego, e fora ao encontro do velho rei. Apresentara-se como combatente das tropas de Aquiles. Fingira nada conhecer e ouvira a revelação do transeunte. Dispusera-se, então, a conduzi-lo à tenda do iracundo Aquiles. Apesar de fazer menção ao risco que corriam, oferece-lhe ajuda.
Apesar de extremamente desconfiado, Príamo aceitara a ajuda do estrangeiro. Zeus infundira profundo sono aos guardas, de tal forma que os intrusos chegam à tenda do herói grego, sem que ninguém o percebesse. Aquiles ficara pasmado ao perceber a presença deles, porém já aguardava o velho, pois sua mãe, a deusa Tétis, o havia prevenido da procura do rei inimigo, e convencido a acolher o pedido de um pai desolado. Dirige-se a ele com palavras que carregam certo tom de censura:
“Quê! De noite, ancião, corcéis e mulas
Se algum te visse carretar no escuro
Tesouros tais, que alvitre buscarias;
Não és mancebo, e um velho te acompanha,
Para a qualquer ataque resistires.
Tu não me temas, defender-te quero,
Pois te assemelhas a meu pai querido.”
Apesar de extremamente desconfiado, Príamo aceitara a ajuda do estrangeiro. Zeus infundira profundo sono aos guardas, de tal forma que os intrusos chegam à tenda do herói grego, sem que ninguém o percebesse. Aquiles ficara pasmado ao perceber a presença deles, porém já aguardava o velho, pois sua mãe, a deusa Tétis, o havia prevenido da procura do rei inimigo, e convencido a acolher o pedido de um pai desolado. Dirige-se a ele com palavras que carregam certo tom de censura:
“Quê! De noite, ancião, corcéis e mulas
Chicotas, quando o sono os mais procuram!
De inimigos cercado, não te assustas?Se algum te visse carretar no escuro
Tesouros tais, que alvitre buscarias;
Não és mancebo, e um velho te acompanha,
Para a qualquer ataque resistires.
Tu não me temas, defender-te quero,
Pois te assemelhas a meu pai querido.”
O rei apresenta os tesouros para o resgate do corpo do filho. Aquiles o acolhe. Oferece-lhe uma refeição e manda preparar uma tenda para que descansem até o amanhecer. Eis as palavras com que o velho suplicante, beijando as mãos de Aquiles, dirige-se ao inimigo:
“Lembre-te, ó Pelides,
“Lembre-te, ó Pelides,
O idoso pai, como eu posto à soleira
Da pesada velhice. Por vizinhos
Talvez opresso, defensor não tenha;
Vivo ao menos te sabe, e folga e espera
Ver tornar cada dia o egrégio filho.
Ai! Gerei tantos bravos na ampla Tróia,
Dos quais eu penso que nenhum me resta.
Cinquenta ao vir o assédio, eram de um leito
Dezenove, os demais de outras mulheres:
Morte nos tem segado quase todos.
O único esteio nosso, pela pátria
A combater, acabas de roubar-mo,
Heitor… Venho remi-lo à frota Argiva
Com magníficos dons. Respeita os numes;
Por teu bom pai, de um velho te apiades:
Mais infeliz do que ele, estou fazendo
O que nunca mortal fez sobre a terra:
Esta mão beijo que matou meus filhos.”
Da pesada velhice. Por vizinhos
Talvez opresso, defensor não tenha;
Vivo ao menos te sabe, e folga e espera
Ver tornar cada dia o egrégio filho.
Ai! Gerei tantos bravos na ampla Tróia,
Dos quais eu penso que nenhum me resta.
Cinquenta ao vir o assédio, eram de um leito
Dezenove, os demais de outras mulheres:
Morte nos tem segado quase todos.
O único esteio nosso, pela pátria
A combater, acabas de roubar-mo,
Heitor… Venho remi-lo à frota Argiva
Com magníficos dons. Respeita os numes;
Por teu bom pai, de um velho te apiades:
Mais infeliz do que ele, estou fazendo
O que nunca mortal fez sobre a terra:
Esta mão beijo que matou meus filhos.”
O velho aedo grego, cego e viandante por tantas cidades gregas, difundia os heróis de sua pátria, com a maestria estética que a arte lhe concedeu.
terça-feira, 17 de fevereiro de 2015
A DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA E IRRIGAÇÃO NA ANTIGA PÉRSIA – OS QANATS
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Especialmente no Irã, região com muitas áreas desérticas e áridas, criou-se, desde tempos imemoráveis, durante o primeiro milênio a. C., o processo conhecido como Qanat.
Os qanats (ou Kanats) são uma rede de canais subterrâneos ligados a poços de água potável. Uma leve inclinação permite à água escoar-se até os locais de consumo que podem ser populações urbanas ou áreas agrícolas. As fontes são aquíferos situados em planaltos, cujas reservas se escoam lentamente em direção às áreas de consumo. Os ramos menores dos qanats são conhecidos como kariz. Eles distribuem a água aos diversos pontos de consumo.
O fato de esse sistema ser todo subterrâneo evita a evaporação e a contaminação das águas. Esse sistema, construído há milênios, tem-se mostrado resistente, mesmo aos sucessivos terremotos ocorridos na região, e se mantém funcionando até os dias de hoje. Também não sofre influências das inundações.
Os qanats mantém a água fresca para o consumo humano e o ar que circula por esses canais serve também para refrigerar as casas. A profissão de muqannis, construtores de qanats, é passada de pai para filho, existindo até hoje. Eles estabelecem o ponto onde se encontra um aquífero, geralmente nas encostas ou nos sopés das montanhas, fazem a perfuração e ligam aos canais que levam aos consumidores. Também constroem canais nos locais necessários.
A maioria dos qanats não têm mais de cinco quilômetros de extensão, mas há alguns muito mais longos. Na província de Kerman, no Irã, há um com mais de setenta quilômetros de extensão e na província de Khorasan, construído em tempos imemoráveis, existe um qanat com 275 km de extensão, servindo a milhares de consumidores urbanos e também a muitíssimos pomares e lavouras. A profundidade dos poços vai de 20 a 200 metros, dependendo da profundidade do aquífero.
Qanat - Iran |
Os persas, desde o ano 500 a. C., usavam relógios de água para medir o fluxo e a justa distribuição entre os consumidores. Era eleito, na comunidade, uma ancião que ficava responsável pela justiça na distribuição de água aos consumidores, que agrícolas, quer urbanos. Hoje, empregam os modernos medidores de água.
Em certas regiões em que é necessário o levantamento do nível das águas, são usados, geralmente, moinhos de vento para essa função.
Desde 400 a. C., os persas guardam também gelo no deserto. Colhem-no nas montanhas geladas e o armazenam em reservatórios muito bem vedados. Enormes reservas subterrâneas, são mantidas congeladas. Quando o disponibilidade do aquífero diminui, um floxo de água passa pelo depósito de gelo, derretendo a reserva que se junta à água que flui.
Esse milenar sistema continua atual na Pérsia milenar, atual Irã, garantindo a gentes, animais e plantas o suprimento mais indispensável à vida, do qual nenhum ser vivo pode prescindir.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
AS TORRES DO SILÊNCIO – O TRATAMENTO DADO AOS MORTOS NA RELIGIÃO MAZDEÍSTA
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
O
mazdaismo é uma religião
primitiva, surgida no oriente próximo,
que deu origem a todos cultos monoteistas de
hoje. Tanto o judaísmo, quanto o cristianismo e o islamismo têm suas vertentes no mazdeísmo. Seu criador é o sábio persa Zaratustra, também
conhecido entre os gregos como Zoroastro: aquele que fala com os
astros. Ele teria nascido
durante o antigo Império Aquemênida, no séulo VII a. C., fundado
por Ciro, o Grande.
Para
os mazdeístas, os cadáveres são impuros, não devem contaminar a
terra. Para não contaminar a sacralidade do solo, evitam enterrar ou
cremar os defuntos.
Torre do silêncio - Yazd |
Para
eliminar os corpos dos mortos, constroem nas montanhas, torres altas,
de pedra, sobre cujos topos depositam os restos mortais humanos e aí
os deixam, expostos aos fortes raios solares e à predação das aves
de rapina. Assim expostos, permanecem até que restem apenas os ossos
ressecados e sem mais carne alguma. Nesse estado, são recolhidos e
jogados a um rio para que sigam rumo ao mar, preservando o solo.
Essas
torres do silêncio são conhecidas também como dakhmas e são
construídas a grande distância das regiões habitadas, de forma a
não perturbar os vivos com seus maus odores ou com a presença de
grande quantidade de abutres.
Zoroaster - Raphael Sanzio |
Em
Yazd, capital do estado de
Yazd, região habitada há mais de cinco mil anos antes de Cristo, há
um magnífico templo mazdaísta. É uma cidade com mais de um milhão
de habitantes, em que o culto à religião de Zaratustra é ainda
muito vivo. Aí há uma imensa torre do silêncio, sobre as montanhas
de mais de mil mdetros de altitude.
sábado, 14 de fevereiro de 2015
DOS SEGREDOS DE EVA BRAUN
Segue o primeiro capítulo do meu novo livro, Dos Segredos de Eva Braun, para a sua avaliação, meu caro amigo.
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
INQUIETAÇÕES DE HELMUTH MOELLER NETO I
Meu avô havia plantado uma colina toda de trigo. Era outubro. Os
grãos maduros punham tudo de doirado. Na tarde grande, o sol já
havia perdido o prumo e pendia para o horizonte. Era então que o
reflexo dos raios oblíquos feria a retina do transeunte, unificando
o campo e o céu.
Eu teria meus nove anos e subia a encosta, cismando sozinho, como
seguidamente o fazia. Atingi as margens do regato que coleava entre o
campo e a messe. Curiosamente, percebi-me no reflexo de uma pequena
lagoa que se formava no remanso de duas pregas da encosta.
Deixei o corpo cair sentado sobre uma pedra meio encoberta de musgos
macios que me permitia banhar os pés descalços nas águas
refrescantes. O espelho tremente da água fluindo permitiu que me
visse integrado à paisagem como se de eu para mim houvesse uma
dualidade surpreendente.
Era eu, olhando para mim, que não era mais eu. Era um tu que era eu
em mim transfigurado. E nessa dualidade do sol, da água e do campo,
com fogo na alma e na mente, comecei por ver-me sem me afastar da
corrente que, de quando em quando, puxava minha alma em sonho para o
real do campo e da vida.
Eu, Helmuth, os cabelos loiros como o loiro do trigo, mais loiros
ainda pelo loiro doirado dos raios solares refletidos em mim, no
trigo e na água do remanso fazíamos sentido apenas porque um eu, na
racionalidade do espírito, assim nos via. Esse eu, era eu mesmo.
Eu, pelo loiro de meus cabelos,... pela história do meu avô colada
à minha imagem, era o alemãozinho, segundo me viam os moradores do
local e os colegas de aula. Mas, aos olhos dos amigos alemães de meu
avô que nos visitavam,... era o brasileirinho. Cheguei mesmo a
surpreendê-los, examinado disfarçadamente meus traços. Encontravam
marcas da minha avó. Traços de negro, diziam. Comparavam o nariz
dela com certas curvaturas do meu.
Eu ainda nada sabia dessas coisas de racismo. Arianismo. Nada. Era
apenas um elemento da natureza daquelas paragens tranquilas de
bosques, riachos e campos que olhava para mim mesmo e concebia-me no
flagrante do conjunto inseparável do que é bom e perfeito porque
simples e irremediavelmente é assim.
Desse modo, surpreendido de mim comigo mesmo, comecei minha longa
caminhada para entender por que era alemão e brasileiro... não era
alemão... nem brasileiro... para uns era uma coisa e para outros
outra... entre brasileiros: alemão... entre alemães: brasileiro...
até negro... Porque o sol, o riacho, o campo eram bons e perfeitos,
acolhiam-me sem interrogações nem preconceitos, como ao trigo que
será pó e pão e nada mais.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
SANCTA LUCREZIA DEI CATTANEI
O LIVRO
"SANCTA LUCREZIA DEI CATTANEI" TAMBÉM SE EENCONTRA DISPONÍVEL NA INTERNET TAMBÉM
NO SITE MERCADO LIVRE
"SANCTA LUCREZIA DEI CATTANEI" TAMBÉM SE EENCONTRA DISPONÍVEL NA INTERNET TAMBÉM
NO SITE MERCADO LIVRE
R$ 30,00
LANÇAMENTO DE MEU NOVO LIVRO
Hoje encaminhei
para livrarias e vendas na INTERNET meu novo livro
DOS
SEGREDOS DE EVA BRAUN
PROMOÇÃO R$ 25,00
PROMOÇÃO R$ 25,00
Por
enquanto, encontra-se à disposição dos leitores na INTERNET, no
site Mercado Livre, e nas livrarias Vanguarda, de Rio Grande e
Pelotas e na Livraria da FURG.
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015
O FILÓSOFO CÉTICO
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Escrevia com pena de aço e tinteiro. Pela sua pena, escorria a alma. Mas não tinha fé. Olhava para os objetos do universo e constatava a maravilhosa organização de tudo. Estudara na grande escola dos filósofos da Babilônia. Dominava as matemáticas: os sutis cálculos que permitiam as construções gigantescas que encantavam os olhos dos transeuntes.
Percorrera as teorias sobre a origem do universo. As hipóteses
científicas gregas dos quatro elementos fundamentais: a água, o
fogo, a terra e o ar. Depois, dedicara longos anos aos estudos da
alma humana. A formação dos tipos marcantes de categorias
universais de indivíduos. Identificava os amorfos, os apaixonados,
os apáticos, os coléricos, os fleumáticos, os nervosos, os
sanguíneos e os sentimentais apenas ao contemplar suas faces.
De longe, vinham caravanas à busca de seus conselhos. A todos sempre
tinha uma palavra de ânimo, de alento, de acordo com as necessidades
individuais detectadas pela sabedoria que lhe permitia enxergar, pela
máscara das faces, as ansiedades ocultas e as frustrações
angustiantes.
Muitos desejavam mesmo construir-lhe um templo ou uma academia ao que
sempre se negara. De graça recebera, graciosamente distribuía a
cada um segundo se lhe parecia mais adequado.
Porém, fé, não a tinha. Jamais presenciara um milagre, a não ser
aqueles que sua sabedoria e sua ciência puderam explicar. Percorrera
os caminhos, das verdejantes margens do fecundante Tigre e do
Eufrates, transpondo os desertos e planícies cultivadas até as
costas da Síria. Transpusera, em seu camelo, seguindo as caravanas
que comercializavam preciosidades, as montanhas de Golan e chegara à
rumorosa Damasco. Descera pacientemente, por longos dias, pelas
margens do Jordão, que vadeara rumo a Jericó.
Seguira mais para o sul, onde costeara o Mar Morto até chegar às
margens do Mar Vermelho. Aí, com seu camelo, junto a enorme
caravana, transpusera, numa barca, esse mar, e seguira rumo ao Nilo.
Nas calmas planícies de Amarna, aprendera, por dois anos, com aos
sacerdotisas de Isis, toda a ciência oculta que os sábios das
margens do grande rio acumularam por milênios sem conta.
Depois, refizera o caminho de retorno à pátria, pacientemente, até
chegar à Caldeia, onde, humildemente, nas montanhas de Ur,
distribuída a todos, os dons de sabedoria que a existência lhe
confiara, enquanto aguardava o derradeiro momento.
Porém, não recebera o dom da fé. Invejava os monges ismaelitas que
jejuavam no deserto e oravam, no seu majestoso templo, em altas
vozes, enquanto o sol se deitava no horizonte sombrio e avermelhado
como uma romã muito madura, pela tardinha inebriante. Invejava
também a fé ingênua dos pastores que conduziam lentamente seus
rebanhos pelas montanhas, na esperança de uma vida futura feliz,
diferente da miséria em que arrastavam seus corpos escaldantes e
lacerados.
Numa tarde calma, desfaleceu, na pobre cabana que o abrigara por
incontáveis meses e anos. Quando chegou a primeira caravana da manhã
seguinte, já permanecia enrijecido sobre seu catre de panos limpos e
rotos. Fizeram, então, uma gruta de pedras rudes, onde depuseram seu
corpo, que, de tão magro, sequer emitiu os odores enojantes dos
cadáveres. E os passantes o cultuam ternamente como a um terno e
amado santo.
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
A MAGIA DO RIO TIBRE, CORTANDO A VELHA ROMA
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Roma - Ponte Sant'ângelo com castelo ao lado |
Descia os velhos degraus de pedra desgastados pelos séculos
de contínuos movimentos de andantes, rumo ao leito do Tibre, pacífico e calmo. Era
setembro de 2012. Tomara a escadaria, caminhando para o castelo Sant’Ângelo.
Partira do centro velho em direção do que fora o antigo túmulo dos imperadores
romanos, iniciado por Adriano, no segundo século d. C. e concluído, em seguida,
por Antonino Pio.
Transpusera já a velha ponte. Tomara a longa escadaria. Aproximava-me
das águas. Altos muros protegem a cidade de inundações. Chegara já ao fundo.
Uma pista para exercícios físicos segue entre o muro e a correnteza. Como as
águas estavam muito baixas, pude sentar-me sobre o tosco de uma pedra rústica e
tocar as águas razoavelmente limpas do vetusto rio. Uma fina chuva umedecia a
capa plástica adquirida ao sair dos Museus Vaticanos.
Descendo as escadarias do Tibre |
Uma energia forte invadiu, então, o meu espírito. Parecia
uma força física, que emanava daquelas águas ou das margens. A mente me era
invadida por imagens fortes. Lembrei-me de que Júlio César por ali cavalgara.
Talvez houvesse mesmo desalterado seu cavalo com aquelas águas.
Oscar e Cris na ponte Sant'Ângelo |
Cícero,
o grande orador, por ali também andara, talvez cismando argumentos para seus
discursos proferidos no senado romano ou no tribunal do júri, junto ao templo
de Júpiter Capitolino.
O próprio Pedro, apóstolo e primeiro Papa, teria bebido ali,
e fora executado, por ordem de Nero, no bosque dos Vates, onde se ergue a atual
pomposa sede das igrejas católicas do mundo todo. Sua cruz se erguera a não
mais de cinco quarteirões de onde me encontrava.
César fora executado pelos republicanos, a uma distância um
pouco maior, do ponto onde eu meditava, a uns vinte quarteirões irregulares, em
ruas curvas e assimétricas.
Marco Aurélio escolhera a margem esquerda do rio para
construir seu majestoso túmulo, transformado, depois, em castelo pelos papas, o
imponente Sant’Ângelo, que se transformaria, mais de um milênio depois, na sede
dos exércitos pontifícios do Papa Alexandre VI e seu filho general, o condottiere
Cesare Borgia.
Lucrézia Bórgia, irmã de Cesare, também filha do Papa,
vivera muito próxima desse ponto. Muitas vezes, deveria ter por ali passado, em
sua carruagem, partindo do palacete Bórgia, ás margens do rio, rumo aos
aposentos Bórgia do Vaticano. Ainda não fora construída a suntuosa Basílica de
São Pedro.
Tibre e seus muros |
Aquelas águas haviam presenciado mesmo a cruel execução de Beatrice
Cenci, ocorrido pouco mais de meio século depois da queda dos Bórgia. Beatrice,
assediada pelo pai e depois estuprada por ele, decidira, com o auxilio dos
próprios irmãos e da madrasta, vingar-se do agressor. Assassinaram Francesco
Cenci. Descobertos, mesmo sob protesto popular, foram executados diante do
público, no Castelo Sant’ângelo, ao lado do Tibre.
Esse rio abrigou, em suas margens, os lendários gêmeos
Rômulo e Remo, amamentados pela loba romana. Foi, primeiramente, o rio
fecundante da Satura Tellus, protegida pelo deus agrícola Saturno. A seguir, o
fecundante rio, viu Júpiter, divindade de cultura grega, ser cultuado no topo
do Capitólio, por quase dois milênios.
Por fim, Pedro, judeu missionário, morre na colina dos
vates, instaurando, para milênios, o cristianismo, a partir da margem esquerda
do milenar curso de águas romano.
Tibre, Oscar |
E o Tibre, paciente e silencioso, acolheu a lenda dos gêmeos
e da loba e os agricultores de de Saturno. Abençoou, com águas fecundantes e desalteradoras, os seguidores de
Júpiter e sua divina esposa, Juno. Por sua vez, recebeu a mais universal das
crenças, a fé dos seguidores de Cristo, sempre com a mesma paciência e servilidade.
Eu, cismando às suas margens, cada vez que visito Roma,
sinto a força dessas águas, nascidas no alto do Fumaiolo, na Cordilheira dos
Apeninos e seus gelos eternos. É algo inefável, que invade a alma e aponta para
o infinito, enquanto o rio desliza rumo ao Mar Tirreno.
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