Segue o primeiro capítulo do meu novo livro, Dos Segredos de Eva Braun, para a sua avaliação, meu caro amigo.
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
INQUIETAÇÕES DE HELMUTH MOELLER NETO I
Meu avô havia plantado uma colina toda de trigo. Era outubro. Os
grãos maduros punham tudo de doirado. Na tarde grande, o sol já
havia perdido o prumo e pendia para o horizonte. Era então que o
reflexo dos raios oblíquos feria a retina do transeunte, unificando
o campo e o céu.
Eu teria meus nove anos e subia a encosta, cismando sozinho, como
seguidamente o fazia. Atingi as margens do regato que coleava entre o
campo e a messe. Curiosamente, percebi-me no reflexo de uma pequena
lagoa que se formava no remanso de duas pregas da encosta.
Deixei o corpo cair sentado sobre uma pedra meio encoberta de musgos
macios que me permitia banhar os pés descalços nas águas
refrescantes. O espelho tremente da água fluindo permitiu que me
visse integrado à paisagem como se de eu para mim houvesse uma
dualidade surpreendente.
Era eu, olhando para mim, que não era mais eu. Era um tu que era eu
em mim transfigurado. E nessa dualidade do sol, da água e do campo,
com fogo na alma e na mente, comecei por ver-me sem me afastar da
corrente que, de quando em quando, puxava minha alma em sonho para o
real do campo e da vida.
Eu, Helmuth, os cabelos loiros como o loiro do trigo, mais loiros
ainda pelo loiro doirado dos raios solares refletidos em mim, no
trigo e na água do remanso fazíamos sentido apenas porque um eu, na
racionalidade do espírito, assim nos via. Esse eu, era eu mesmo.
Eu, pelo loiro de meus cabelos,... pela história do meu avô colada
à minha imagem, era o alemãozinho, segundo me viam os moradores do
local e os colegas de aula. Mas, aos olhos dos amigos alemães de meu
avô que nos visitavam,... era o brasileirinho. Cheguei mesmo a
surpreendê-los, examinado disfarçadamente meus traços. Encontravam
marcas da minha avó. Traços de negro, diziam. Comparavam o nariz
dela com certas curvaturas do meu.
Eu ainda nada sabia dessas coisas de racismo. Arianismo. Nada. Era
apenas um elemento da natureza daquelas paragens tranquilas de
bosques, riachos e campos que olhava para mim mesmo e concebia-me no
flagrante do conjunto inseparável do que é bom e perfeito porque
simples e irremediavelmente é assim.
Desse modo, surpreendido de mim comigo mesmo, comecei minha longa
caminhada para entender por que era alemão e brasileiro... não era
alemão... nem brasileiro... para uns era uma coisa e para outros
outra... entre brasileiros: alemão... entre alemães: brasileiro...
até negro... Porque o sol, o riacho, o campo eram bons e perfeitos,
acolhiam-me sem interrogações nem preconceitos, como ao trigo que
será pó e pão e nada mais.
O livro é excelente! Parabéns professor.
ResponderExcluirObrigado, querido e bondoso professor Gerson Schulz.
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