Prof.
Dr. Oscar Luiz Brisolara
Considero
importante olhar para Lucrécia a partir do entendimento do sentido de Estado de
Cristandade. Quando o imperador romano Constantino, o Grande, em 313 dC
estabeleceu a aliança entre o Império Romano e a Igreja Católica, houve mais um
processo de descristianização da Igreja, do que uma cristianização do Império.
Esse imperador jamais foi verdadeiramente cristão.
Ressalve-se
que, em todos os tempos, como os há em abundância hoje, e sempre houve padres,
bispos, cardeais e papas marcados pela santidade de seus atos e pela pureza de
sua fé. As generalizações são quase sempre injustas e, no mais das vezes,
perversas e tendenciosas.
Voltando ao
imperador Constantino, ao perceber o expressivo crescimento do número de
cristãos entre os romanos, converteu-se, ele próprio, à nova religião, como
estratégia política para chegar ao poder. Era, então, regente, o filho do imperador
Maximiano, Marcus Aurelius Valerius Maxentius,
conhecido politicamente como Maxêncio, que assumira o poder em 306, sem, no
entanto, ser nomeado César. Constantino, ávido de poder, declarou guerra ao
frágil ocupante do cargo de imperador.
Era ele um
general lombardo (de Milão). Como estratégia de persuasão, afirma a suas tropas
ter recebido uma aparição de Jesus Cristo, que lhe garantira a vitória na
disputa pelo trono. Cria o seguinte emblema para seus soldados: “In hoc signo vincis” (sob este símbolo
vencerás). Elabora também o chi-rô, monograma que combina as duas primeiras
letras gregas do nome de Jesus Cristo. Dessa forma, torna-se imperador,
obtendo fragorosa vitória.
No entanto, o
processo mais importante de seu governo foi o estabelecimento do que se conhece
como Estado de Cristandade: uma espécie de fusão entre a religião e o estado,
sacralizando os reis e potentados feudais; dando, por outro lado, função
administrativa, econômica e política aos sacerdotes, bispos, cardeais e ao
próprio papa.
É nesse Estado
de Cristandade que famílias importantes como Orsini, Sforza, Medici, della
Rovere, Bórgia e, tantas outras, elegeram bispos, cardeais e muitos papas, num
processo em que se afirmava que o poder provinha de Deus e em nome dele deveria
ser exercido. Do mesmo modo, sacralizava-se o poder material dos reis, cuja
coroa era recebida das mãos, ora de um bispo, ora de um cardeal e, nas
situações mais importantes, do próprio sumo pontífice, o papa. Esse processo
acobertava a corrupção do poder temporal dos reis e corrompia muitos ministros
religiosos da mesma Igreja.
Hoje, pelo
menos teoricamente, o poder se funda em princípios de orientação filosófica e
sociológica diferente. Um desses princípios consta na Constituição Brasileira, da
seguinte forma: “Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido...” Ele
está expresso em termos diferentes na maioria dos textos constitucionais
hodiernos ou mesmo nos princípios de direito de países que não têm
constituição, como a Inglaterra, que seguem princípios de direito
consuetudinários, ou seja, de acordo com os costumes.
Ocorre,
todavia, que, mesmo estando consagrados nos códigos de leis, princípios de
outra ordem, o espírito do Estado de Cristandade subjaz aos comportamentos
humanos ligados ao poder, e se manifesta nas práticas reais das políticas da maioria
dos estados, fundando a corrupção, quer econômica, quer política, e distorcendo
a aplicação das leis. Seus efeitos se fazem sentir de forma mais acentuada em
países cujo percurso político embrenha-se no emaranhado de normas nunca
cumpridas com isenção.
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