MITO E FÁBULA – O ABSOLUTO E O RELATIVO
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Aos desatentos, o simples parece uniforme, a uniformidade causa tédio
e os entediados
só veem monotonia ao seu redor
(Martin Heidegger).
Desejo que este blog se inscreva na linha do mito, da fábula, que estão fora do tempo ou, pensando melhor, inscrevem-se em certo tempo primordial, no qual os procedimentos humanos não eram iguais aos de hoje. Essa inserção remete todos os ditos para outra dimensão, em que a palavra evoca, em cada destinatário, ora o sentido que ele procura, ora o que sua acuidade permite, ora ainda, o que a sua obtusidade veda. E na infinita polissemia do universo dos símbolos, das metáforas e narrativas, cuja imagem acústica, em sendo sempre a mesma, viaja pelos insondáveis universos do espírito dos indivíduos, desvelando portentos e remetendo ao insuspeitável, procuro sugerir, para não doutrinar.
Conta uma antiga fábula que, havendo um conflito generalizado na floresta, toda a ordem estava por desestabelecer-se. O leão, que era o rei da floresta, devorava muitos de seus súbditos. E, a partir desse abuso de poder, outras rupturas se seguiram: a abelha atacava os bois e cavalos, as moscas, os cães; o porco emporcalhava as águas do lago, o macaco roubava a comida das raposas, e assim por diante. Enfim, a vida na floresta tornara-se insuportável.
Júpiter, o deus dos deuses, em sua infinita sapiência, atendendo aos apelos gerais, instituiu um novo rei. Ordenou a Mercúrio, seu mensageiro, que jogasse um enorme tronco no meio do pântano. Imediatamente comunicou a todos que não se aproximassem do supremo mandatário, que tinha poderes para fulminar todo o que fosse apanhado a menos de mil metros de seu leito de folhas macias. Que todos voltassem aos antigos princípios, pois, caso contrário, as tropas do novo potentado silencioso puniriam os infratores com castigos inimagináveis. Não é preciso detalhar o que se passou desde então. Poderíamos resumir tudo em uma cena quase grotesca em que o leão aparece, silenciosamente, trincando uma maçã, com um enorme feixe de capim sob o braço esquerdo.
Pois ocorre que, num país muito distante, diferentemente do que acontece em nossos tempos, sucedeu fato semelhante. Havia aí o costume muito elogiável de se escolherem, para ocupar o poder, apenas as pessoas cuja vida pregressa fosse marcada pela sensatez de seus atos. Como na floresta da fábula, também na terra sem nome, de há muito, o crime e a corrupção haviam-se tornado a regra, de tal maneira que, ser honesto era caso de chacota.
O mandante supremo, na ocasião, sensato como de costume, ordenou que se disseminassem lâmpadas vermelhas por toda parte, de tal forma que ninguém estivesse fora do alcance de uma delas. Elas seriam as guardiãs da lei e da ordem. Ao ser alertado por um assessor solícito sobre a inocuidade da medida, uma vez que as lâmpadas não possuíam poder algum, respondeu:
“Elas servem apenas como um sinal dos tempos, para que todos, antes de agir, olhem para a lâmpada de suas consciências. O de que necessitamos não é de truculência, mas sim de um processo educativo eficiente, que produza pessoas sensatas, colaborativas, desarmadas de espírito e capazes de entender apenas ao apelo simples da própria consciência. A educação deve ensinar a cada indivíduo a ler os sinais dos tempos, próprios de cada momento. A ciência e a tecnologia são importantíssimas para o progresso e a manutenção dos corpos. Mas, unicamente elas, são insuficientes para a construção de um país saudável. Quem souber ler esses sinais, sabe como proceder em cada situação que a existência falaz lhe apresenta. A educação humanística dos espíritos é o instrumento eficiente para formar o cidadão fraterno. É esse processo que conduz à formação do cidadão, despido de um discurso absoluto, pleno de certezas. Emerge o ser que busca o novo, o inusitado. A prepotência de se instituir uma palavra absoluta, absolutamente estabelecida e definida, é, em si mesma, a negação total do diálogo, a condenação da dialética.”
Se olharmos para a proposta do administrador anônimo, perceberemos que ele propõe um modelo de postura educacional que se opõe a um tipo de discurso absolutizante da voz oficial como infalível. Esse discurso absolutista é o representante indiscutível de uma pseudociência, que transforma um discurso determinado em infalível, naquilo que ele quer dizer, confundido-o com aquilo que ele deve dizer em nome de um sistema.
Por fim, esse discurso se confunde com a própria palavra divina, como se o mesmo Deus estivesse falando, o que se configura como idolatria, confluindo para uma postura que impede, nega e proíbe ao ouvinte, de ouvir; e nega também a liberdade do falante, de falar.
A prepotência da palavra absoluta, cuja base é o pensamento indo-europeu, precipuamente o manifesto em certas vertentes da filosofia grega, negou a possibilidade do feminino; negou a condição humana para o negro e para o índio, enquanto defendeu a escravidão que, sob certas máscaras, ainda permanece. Erigiu em absoluto o que é essencialmente relativo. Fetichizou-o, negando, assim, a possibilidade sempre nova e surpreendente da manifestação do Absoluto. A prepotência da palavra absoluta, a pretexto de sacralizar, divinizar alguns espaços, alguns tempos e algumas pessoas, acabou negando, para todos, a possibilidade dialogal do encontro.
Para o indo-europeu, pastor, a cavalo, o primeiro a descobrir e utilizar o ferro, ser homem é ser dono, proprietário, dominus. O homem masculino, e somente ele, é o proprietário da terra, dos animais, da família; consequentemente da mulher e dos filhos, dos outros homens, que, por direito, são seus escravos. Surge seu protótipo mais perfeito, o paterfamilias romano, que se torna o arquétipo do homem no mundo ocidental.
E chega ao cúmulo de se tornar dono do próprio Deus (o ar luminoso, Zeus), sinônimo de dia, que lhe serve de meio e condição para ser dominus e controlar sua propriedade. É dono de Deus, ora pelo exercício ritual de poderes mágicos, ora através da racionalidade, para explicar física e racionalmente o mundo e o universo.
Todo aquele que ingressa na propriedade, que é o âmbito do homem, se torna inimigo e ladrão. E essa invasão se faz, ora através da guerra, ora através da lógica: os dois elementos essenciais que compõem a substância do império contra a colônia, que é, para o indo-europeu, a única forma de ser homem. Embevecido pelo poder mágico-operativo da linguagem, o indo-europeu faz dela a arma do domínio absoluto de tudo, porque seu discurso é lógico ou científico. Esse poder da palavra faz desse homem sem nome, escondido por trás das paredes dos gabinetes, dono da natureza, dos outros, de si e do Fundamento.
Essas são as consequências práticas do modelo absoluto de ciência, que se propõe como neutro e gera um discurso opressor. Grupos de opressão usam da linguagem, que se esconde por trás da ciência, para dominar e oprimir. Usam a religião (religiões) para explorar, colocando Deus a serviço de seus interesses.
Desse processo, emerge um modelo de educação que sufoca o aluno, em vez de dar-lhe oportunidade para a realização pessoal. Porque esse discurso é expressão da ciência e da lógica, cabe apenas ao aluno o papel de decorar, aprender, no mais mesquinho sentido que esse termo pode ter (apreender). Fixar o que outro disse, porque é verdade, que a autoridade do mestre certifica. Constrange esse pobre oprimido a reproduzir, no processo de avaliação, o que é correto, o que é belo, já de todo sempre estabelecido como tal, e, portanto, indiscutível, porque já consagrado.
Um professor pode abafar com afeto o crescimento do aluno. A mão que afaga a cabeça pode ser pesada demais a ponto de não permitir o crescimento, a rebeldia, o confronto, o face-a-face. Esse discurso deve ser relativizado de tal forma que se estabeleça na educação o processo da eterna busca e não da decoreba de formulações teóricas “corretas e científicas”.
Em nome dessa absoluta relativização do discurso, crio este espaço. Relativização tão absoluta, que se admite a si mesma como relativa, concedendo espaço até mesmo ao discurso absoluto, pois, se tudo é relativo, o próprio discurso de que tudo é relativo também o é, concedendo espaço ao que é absolutamente indiscutível.
Este é uma fonte de cultura. Usem e abusem.
ResponderExcluirOBRIGADO PELAS GENEROSAS PALAVRAS, MEU QUERIDO GENRO.
ExcluirMeu marido amado, só eu sei como te apaixonaste pelas personagens de teu livro! Às vezes, durante a noite, davas um pulo da cama por causa delas, e então corrias para o computador para ires decidindo seus destinos. Outras vezes, perdias o sono e conversavas comigo sobre o que pretendias fazer com a vida deles. Pedias-me sugestões. Eu dava. Algumas acolhias, generosamente. Outras não. De jeito nenhum. Afinal, elas eram/são tuas!
ResponderExcluirQuerido, que Deus derrame bênçãos sobre tua cabeça privilegiada, para que ela não cesse de transmitir tanta beleza ao escreveres. Que Deus te ilumine, a cada dia mais. Beijos de amor. Cris
Amada do meu coração, que o Senhor colocou no meu caminho como alento nos meus momentos difíceis, e companheira generosa dos tempos de vitória, só tu sabes quantas esperas e quanta paciência nos foi necessária para chegarmos aqui, tu sempre incansável a meu lado. Não fora teu ombro amigo, teu beijo farto, teu coração vibrante, impossível seria esta conquista. Que o Altíssimo te abençoe pelas vezes sem conta que apontaste em meu texto os desvios do arroubado narrador. Obrigado pelo olhar crítico que se distanciava do marido e criticava o escritor apressado, pouco cuidadoso com o detalhe formal. Amo-te com o mais profundo afeto e paixão que a maturidade da existência guardou de reserva no fundo dessa alma inquieta e sonhadora. Beijos de sereno anseio e arrebatada vibração.
ExcluirVim comentar e encontro essas palavras maravilhosas escritas por um casal ímpar, que a felicidade permaneça em suas vidas, que este livro emocionante, que retrata uma Lucrécia muito mais humanizada do que a história nos oferece, seja um sucesso e abra as portas para este grande escritor...Parabéns ao casal, com certeza a participação da Cris é fundamental na criação desta personagem linda e arrebatadora, através da Cris foi despertada ou aguçada esta sensibilidade do autor para nos passar o íntimo de alguém que, antes de ser uma figura histórica, foi uma grande mulher...Adoro vocês...Sucesso sempre...Emminha Torino
ResponderExcluirenquanto isso no twitter...
ResponderExcluirEmminha Torino @LovelyEmminha
siga http://oscarbrisolara.blogspot.com.br/ um novo olhar sobre Lucrécia Bórgia pelo escritor Oscar Brisolara, imperdível blog e lançamento da obra :)
Obrigado, querida amiga. Tu também tens parte nesta minha conquista. Só eu sei o quanto te dedicaste na construção deste blog e no controle do facebook, a que este neófito arredio hesitava em aderir.
ResponderExcluirBeijos com gratidão.
O Absolutismo em síntese com o tempo se torna monótono e vazio. O compartilhar de idéias, projetos e realizações é por si só rico e repleto de alternativas em que o ambiente seja ele educacional, trabalhista ou social torna-se alegre, motivador e com resultados surpreendentes, desde que haja respeito e consideração entre aqueles que compartilham do mesmo espaço.
ResponderExcluirAfonso Elias
Sábias palavras, meu amigo Afonso.
ResponderExcluirOscar, meu querido irmão
ResponderExcluirLi, com lágrimas teimosas, todos os textos do teu blog. Lindos.Assim que eu retornar ao Brasil, quero ter acesso a Sancta Lucrezia dei Cattanei, com quem já simpatizo.
Beijos a Cris.Saudades muitas de vcs dois.
Num oceano de belas e gentis palavras, não sei o que dizer. Mas expresso o meu carinho e amor por este casal que aprendi amar e respeitar. São minha família, meu porto seguro. Deus os abençoe. Obrigado por tudo. bjss
ResponderExcluirObrigado, meu querido e generoso genro.
ExcluirVou tentar conceituar e expressar a minha humilde opinião.
ResponderExcluirRelativo: Algo que serve para exprimir relação, Que depende de certas condições, Que não é absoluto, Que é calculado com referência a uma proporção, ou seja, um valor comparativo/proporcionado.
Absoluto: Que subsiste por si próprio, Que não tem limites, que não sofre restrição, por fim, Incondicional, Incontestável e completamente puras.
Muitos intelectuais, formadores de opinião tendem a afirmar e considerar como verdadeiro que "TUDO É RELATIVO".
Mas o Deus que eu acredito e ABSOLUTO!
Concordo plenamente contigo, meu estimado genro. Que o Senhor retribua tua generosidade espontânea.
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