terça-feira, 14 de outubro de 2014

EU... E AS FORMIGAS

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Criei-me com mamãe e as formigas. Minha mãe sempre tinha muito a fazer... aulas manhã e tarde... papai trabalhava longe numa estação experimental agrícola do governo federal.
Não tínhamos nenhum vizinho a menos de um quilômetro... os alunos se iam e ficávamos mamãe e eu... ela lá dentro e eu, na rua, com as formigas...
Grande parte do que aprendi em toda a minha vida foi com elas. Quase tudo... Havia-as de todos os tipos e tamanhos. Algumas mesmo me picavam... ardia muito... essas faziam seu ninho como se fosse um montículo de açúcar mascavo... amarronzado claro e fofo... eu, invariavelmente pisava sobre ele... somente me dava conta do desastre para mim quando a perna estava tomada e já estavam no íntimo... algumas já me tinham mesmo chegado à alma... aí, era o desespero... doía muito... mas passava... sempre passa... primeiro aprendizado...
Os professores... primeiro mamãe... depois os outros... esses não ensinam muito... não precisa... eles têm de deixar a gente aprender... e aprendemos sempre... até o que eles não sabem... se nos amarem... é o máximo... porém, se forem egoístas e vaidosos, atrapalham bastante...
Mamãe sabia tudo... foi bom... depois a Maria dos Reis... linda como um anjo... doce como uma flor... foi importantíssima e mora na minh’alma desde e para todo sempre... Tenho um sestro estranho de encontrar já sua lápide...
Depois foi Frei Irineu... disse-me que somente seria sábio quando me esquecesse dos saberes da escola... quase cumpri essa sina... Sei que ele paira sobre minha cabeça de há muitos anos já faz... muitos iluminados já o viram...
Hoje quase já não encontro formigas... mas elas passeiam pela minha alma... especialmente aquelas da terra... Ah! Seus largos trilhos... tão educadas... tão sensíveis... uma nunca deixa de cumprimentar a que passa em sentido contrário, no caminho... Jamais correm, mas não param... Sabias que elas não têm nomes? E se encontram... beijam-se no caminho... nunca se ouviu dizer que uma passasse fome ou tivesse de viver na rua... cada qual sabe exatamente o seu compartimento...
Pacientemente acomodadas... passam o inverno inteiro lado a lado, sem brigar... a comida é tão rigorosamente planejada que cabe a cada uma sua porção diária... Se a primavera tarda um pouco... reduzem todas o consumo para que a Cantareira não esvazie... Nunca vi nenhuma lavando carro com água pública... Também ninguém defeca na casa comum... E vocês sabem, elas são milhões.
Sabem que jamais ouvi falar que tenham mudado sua constituição? Li muitos livros desde os publicados muito antes de J. C. e ninguém falou dessas reformas... É porque, de fato, não aconteceram...
FORMIGA SAÚVA Atta sexdens piriventris Santschi

Abri muitos palheiros de formigas cortadeiras... Essas são as mais sábias... sabiam que não há aí cadeias?... nem mesmo guardas da ordem?... todas são operárias, são também soldados na defesa da casa... e, para isso, dão a vida... sem que se construam monumentos para heróis... Não os há simplesmente... Não há heroísmo nenhum em cumprir o próprio dever...
Também descobri que nunca fizeram greve por esses milênios sem conta... Nunca se ouviu dizer que os salários atrasassem ou que alguém recebesse menos do que os outros... jamais se pensou que isso pudesse acontecer...

Os filhos são todos educadíssimos... nascem de um ovo branco grande... somente a rainha põe ovos... o que me chocou um pouco foi a duração da vida das formigas: de seis a dez semanas desde o nascimento até a morte... os espíritos devem retornar mais rapidamente... dos 100 milhões de anos em que elas existem, jamais se soube que alguma tenha sido julgada por desobediência... 

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