sábado, 25 de outubro de 2014

FEDRA - O MITOLOGEMA DA CHANTAGEM AMOROSA


Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
      Esta é a narrativa clássica de Fedra, em grego Φαδρα, que, enjeitada em sua paixão, volta-se contra o amado, preparando-lhe uma armadilha.
         É o mito da filha do lendário Minos, filho de Zeus e Europa, pai do Minotauro, de Deucalião, Catreu, Ariadne e Fedra, e rei da ilha de Creta. A mãe de Fedra era Pasifae (Πασιφάη), filha de Hélios e Perseida.
           Teseu enfrentara o Minotauro no labirinto de Creta com o auxílio de Ariadne, irmã de Fedra. A jovem fornecera-lhe um novelo de linha para orientar-se no retorno e uma espada, sob a promessa de que se casaria com ela. Porém, no retorno para Atenas, Teseu abandonou-a em Naxos.
         Teseu (Θησεύς), rei de Atenas, era filho de Egeu e Etra. Na mesma noite, no entanto, em que Egeu teve relações com Etra, também Poseidon, deus dos mares, irmão de Zeus, a fecundou, ficando o menino com dupla paternidade.
           Ocorre que, com a morte de Minos, sucede-lhe no trono de Creta seu filho Deucalião. Este decide que Fedra deverá desposar Teseu.
       Por ocasião desse casamento, Teseu já tinha um filho, Hipólito, que gerara com Hipólita, rainha das Amazonas. Fedra apaixona-se pelo jovem Hipólito, que a evita para não manchar o leito paterno. Ela, então, suicida-se, enforcando-se, com um bilhete na mão, no qual acusa Hipólito de tê-la desonrado. Teseu, amaldiçoa o filho, lançando contra ele uma maldição, dom que recebera de seu pai Poseidon, mesmo diante do juramento de inocência feito por Hipólito. O jovem, diante da condenação paterna, foge com seu carro e sofre um acidente, enredando-se nas ameias dos cavalos, que fugiam de um monstro marinho e morre diante do pai. Ártemis, deusa a quem o jovem cultuava, já revelara a Teseu a inocência do filho. O pai arrependido, porém, não lhe consegue evitar a morte. O jovem morre docemente, perdoando o desditoso pai. (Versão de Eurípides, no Hipólito.).

         Segundo Junito Brandão, em sua obra Mitologia Grega, volume III:
A tradição insiste numa guerra entre os habitantes da Ática e as Amazonas, que lhes teriam invadido o país. As origens da luta diferem de um mitógrafo para outro. Segundo uns, tendo-se engajado, como se viu no capítulo anterior, na expedição de Héracles contra as Amazonas, Teseu recebera, como prêmio de suas proezas, a amazona Antíope, com a qual tivera um filho, Hipólito. Segundo outros, Teseu viajara sozinho ao país dessas temíveis guerreiras e tendo convidado a bela Antíope para visitar o navio, tão logo a teve a bordo, navegou a toda a vela de volta à pátria. Para vingar o rapto de sua irmã, as Amazonas invadiram a Ática. A batalha decisiva foi travada nos sopés da Acrópole e, apesar da vantagem inicial, as guerreiras não resistiram e foram vencidas por Teseu, que acabou perdendo a esposa Antíope. Esta, por amor, lutava ao lado do marido contra as próprias irmãs.
Para comemorar a vitória de seu herói, os atenienses celebravam, na época clássica, as festas denominadas Boedrômias.
Existe ainda uma outra variante. A invasão de Atenas pelas Amazonas não se deveu ao rapto de Antíope, mas ao abandono desta 137. Pritaneu era um edifício público de Atenas, uma espécie de "Lareira Comum", onde se homenageavam atenienses e embaixadores estrangeiros por Teseu, que a repudiara, para se casar com a irmã de Ariadne, Fedra. A própria Antíope comandara a expedição e tentara, à base da força, penetrar na sala do festim, no dia mesmo do novo casamento do rei de Atenas. Como fora repelida e morta, as Amazonas se retiraram da Ática.
Phaedra - Alexandre Cabanel

De qualquer forma, o casamento de Teseu com Fedra, que lhe deu dois filhos, Ácamas e Demofoonte, foi uma fatalidade. Hipólito, filho de Antíope e Teseu, segundo já se assinalou, consagrara se a Ártemis, a deusa virgem, irritando profundamente a Afrodite. Sentindo-se desprezada, a deusa do amor fez que Fedra concebesse pelo enteado uma paixão irresistível. Repudiada violentamente por Hipólito e, temendo que este a denunciasse a Teseu, rasgou as próprias vestes e quebrou a porta da câmara nupcial, simulando uma tentativa de violação por parte do enteado. Louco de raiva, mas não querendo matar o próprio filho, o rei apelou para "seu pai" Posídon, que prometera atender-lhe três pedidos.
O deus, quando Hipólito passava com sua carruagem à beira-mar, em Trezena, enviou das ondas um monstro, que lhe espantou os cavalos, derrubando o príncipe. Este, ao cair, prendeu os pés nas rédeas e, arrastado na carreira pelos animais, se esfacelou contra os rochedos. Presa de remorsos, Fedra se enforcou. Existe uma variante, segundo a qual Asclépio, a pedido de Ártemis, ressuscitara Hipólito, que foi transportado para o santuário de "Diana", em Arícia, na Itália. Ali, o filho de Teseu fundiu-se com o deus local, Vírbio, conforme se pode ver em Ovídio, Metamorfoses, 15,544.
Eurípides compôs duas peças acerca da paixão de Fedra por Hipólito.
Hippolytus - Sir  Lawrence Alma Tadema


Na primeira, Hipólito, da qual possuímos apenas cerca de cinquenta versos, a rainha de Atenas, num verdadeiro rito do "motivo Putifar", entrega-se inteira à sua paixão desenfreada, declarando-a ela própria ao enteado. Repelida por este, caluniou-o perante Teseu, como se disse linhas atrás, e só se enforcou após a morte trágica de seu grande amor. Na segunda versão, Hipólito Porta-Coroa, uma das tragédias mais bem elaboradas por Eurípides, do ponto de vista literário e psicológico, Fedra confidencia à ama sua paixão fatal e esta, sem que a rainha o desejasse, ou lhe pedisse "explicitamente", narra-a a Hipólito, sob juramento. Envergonhada com a recusa do jovem príncipe e temendo que este tudo revelasse ao pai, enforca-se, mas deixa um bilhete ao marido, em que mentirosamente acusa Hipólito de tentar seduzi-la. A imprudente maldição de Teseu provoca a terrível desdita do filho, acima descrita, mas a verdade dos fatos é revelada por Ártemis ao infortunado pai. Com o filho agonizante nos braços, Teseu tem ao menos o consolo do perdão de Hipólito e a promessa de que este há de receber honras perpétuas em Trezena! As jovens, antes do casamento, lhe ofertarão seus cabelos e "o amor de Fedra jamais cairá no esquecimento! "De fato, esse grande amor foi muitas vezes invocado, sobretudo na Phaedra de Lúcio Aneu Sêneca e na Phèdre de Jean Racine...
Teseu e o Minotauro -   Vladimir Korostyshevskiy/Shutterstock
Viena

Seja como for, o que se evidencia no mito transmutado em tragédia por Eurípides é a superlativação do "páthos da paixão".
A respeito especificamente de Fedra e Teseu acentua Paul Diel: "Teseu se perde (...). Apaixona-se pela irmã de Ariadne, Fedra. Sua fraqueza de espírito sacrifica o amor benéfico à sedução perversa e a arrasta a seu destino. Fedra simboliza a escolha perversa e impura. Não é, como Medéia, a mulher demoníaca, a feiticeira, que embruxa e devora o homem. Fedra representa um outro tipo de sedução perversa e impura: mulher nervosa, histérica, incapaz de um sentimento justo e ponderado, cujo amor-ódio, ora exaltado, ora inibido, usa a força do espírito em função da natureza caprichosa e questionadora de suas exigências. O mito representa esse tipo de mulher frequentemente sob a forma de uma amazona, que luta contra o homem, que lhe mata o espírito".138[i]
Para Diel, por conseguinte, o abandono de Ariadne e o casamento posterior de Teseu com Fedra intensificam e apressam-lhe o fim trágico: "O restante do mito é apenas uma ilustração do castigo. Aqui, como em toda parte, a punição não é exteriormente anexada à derrota (à culpa), tornando-se-lhe tão-somente a consequência manifesta (a justiça inerente). Ora, a derrota é o começo da banalização do herói; o castigo será a banalização manifesta (...). Viu-se que a derrota culposa de Teseu é caracterizada por dois aspectos típicos da perversão banal: a intriga (dominação perversa) e a falsa escolha (sexualidade pervertida). Estes mesmos aspectos determinam, aliás, o destino do casal Minos Pasífae. O herói ateniense teve, em suma, a mesma sorte que Minos e é por isso que sua vitória sobre o Minotauro foi apenas efêmera. A sabedoria do rei foi arruinada pela influência de Pasífae; o impulso heroico de Teseu será definitivamente destruído pelo que aconteceu com Fedra (...).
Ariadne em Naxos, abandonada por Teseu,  de Evelyn de Morgan (1877)

O mito do castigo se inicia logo após o retorno do herói. Morto Egeu, o vencedor do Minotauro assume o poder. As consequências da influência de Fedra, ilustradas anteriormente pela ascendência de Pasífae sobre Minos, somente irão surgir depois de certo tempo de incubação. A força heroica do jovem rei de Atenas ainda lhe mantém a auréola de sábio. Ele criou instituições públicas, mas essas realizações intelectuais não poderão substituir o combate do espírito abandonado daqui por diante. A despeito da organização da vida exterior, a corrupção interna do herói há de tornar-se, dentro em pouco, o flagelo da Ática.139[ii]
Alguns episódios da maturidade de Teseu estão intimamente ligados à sua grande amizade com o herói lápita Pirítoo. 140[iii] Conta-se que essa fraterna amizade entre o lápita e o ateniense se deveu à emulação de Pirítoo. Tendo ouvido ruidosos comentários acerca das façanhas de Teseu, o lápita quis pô-lo à prova. No momento, porém, de atacá-lo, ficou tão impressionado com o porte majestoso e a figura do herói da Ática, que renunciou à justa e declarou-se seu escravo. Teseu, generosamente, lhe concedeu sua amizade para sempre.
Com a morte de Hipodamia, Pirítoo passou a compartilhar mais de perto das proezas de Teseu. Duas das aventuras mais sérias dessa dupla famosa no mito foram o rapto de Helena e a catábase ao Hades, no intuito de raptar também a Perséfone. Os dois episódios, aparentemente grotescos, traduzem ritos muito significativos: o rapto de mulheres, sejam elas deusas ou heroínas, fato comum na mitologia, configura, como se comentou no Capítulo VI, 4, p. 114, Vol. I, não só um rito iniciático, mas também o importante ritual da vegetação: chegados a seu termo os trabalhos agrícolas, é necessário "transferir a matriz", a Grande Mãe, para receber a nova porção de "sementes", que hão de germinar para a colheita seguinte. seguinte. A catábase ao Hades, igualmente assinalada no Capítulo III, 3, deste Volume, simboliza a anagnórisis, o autoconhecimento, a "queima" do que resta do homem velho, para que possa eclodir o homem novo.
Voltando ao rapto e à catábase, é bom assinalar que os dois heróis, por serem filhos de dois grandes deuses, Posídon e Zeus, resolveram que só se casariam dali em diante com filhas do pai dos deuses e dos homens e, para tanto, resolveram raptar Helena e Perséfone. A primeira seria esposa de Teseu e a segunda, de Pirítoo. Tudo começou, portanto, com o rapto de Helena. O herói estava "à época", com cinquenta anos e Helena nem sequer era núbil. Assustados com a desproporção da idade de ambos, os mitógrafos narraram diversamente esse rapto famoso. Não teriam sido Teseu e Pirítoo os raptores, mas Idas e Linceu, que confiaram Helena a Teseu, ou ainda o próprio pai da jovem espartana, Tíndaro, que, temendo que Helena fosse sequestrada por um dos filhos de Hipocoonte, entregara a filha à proteção do herói ateniense.
A versão mais conhecida é aquela em que se narra a ida dos dois heróis a Esparta, quando então se apoderaram à força de Helena, que executava uma dança ritual no templo de Ártemis Órtia. Os irmãos da menina, Castor e Pólux, saíram-lhes ao encalço, mas detiveram-se em Tegéia. Uma vez em segurança, Teseu e Pirítoo tiraram a sorte para ver quem ficaria com a princesa espartana, comprometendo-se o vencedor a ajudar o outro no rapto de Perséfone. A sorte favoreceu o herói ateniense, mas como Helena fosse ainda impúbere, Teseu a levou secretamente para Afidna, demo da Ática, e colocou-a sob a proteção de sua mãe Etra. Isto feito, desceram ao Hades para conquistar Perséfone
Durante a prolongada ausência do rei ateniense, Castor e Pólux, à frente de um grande exército, invadiram a Ática. Começaram a reclamar pacificamente a irmã, mas como os atenienses lhes assegurassem que lhe desconheciam o destino, tomaram uma atitude hostil. Foi então que um certo Academo lhes revelou o lugar onde Teseu a retinha prisioneira. Eis o motivo por que, quando das inúmeras invasões da Ática, os espartanos sempre pouparam a Academia, o jardim onde ficava o túmulo de Academo. Imediatamente os dois heróis de Esparta invadiram Afidna, recuperaram a irmã e levaram Etra como escrava, como já se falou no Vol. I, p. 113. Antes de abandonar a Ática, colocaram no trono de Atenas um bisneto de Erecteu, chamado Menesteu, que liderava os descontentes, particularmente os nobres, irritados com as reformas de seu soberano, sobretudo com a democracia. Muito bem recebidos por Plutão, Teseu e Pirítoo, foram, todavia, vítimas de sua temeridade.
Convidados pelo rei do Hades a participar de um banquete, não mais puderam levantar-se de suas cadeiras. Héracles, quando desceu aos Infernos, tentou libertá-los, mas os deuses somente permitiram que o filho de Alcmena "arrancasse" Teseu de seu assento, para que pudesse retornar à luz. Pirítoo há de permanecer para sempre sentado na Cadeira do Esquecimento. Conta-se que, no esforço feito para se soltar da cadeira, Teseu deixou na mesma uma parcela de seu traseiro, o que explicaria terem os Atenienses cadeiras e nádegas tão pouco carnudas e salientes...
O erro fatal dos dois heróis foi o terem se sentado e comido no mundo dos mortos. Como se mostrou no Vol. I, p. 305, e no Vol. II, p. 244-245, se o comer configura fixação, o sentar-se implica em intimidade e permanência. As duas atitudes simbolizam, pois, uma inadvertência desastrosa cometida pelo lápita e pelo ateniense.
Deveras grotesca é a interpretação evemerista dessa catábase, relatada por Pausânias. Segundo tal variante, Teseu e Pirítoo, em vez de terem descido ao Hades, haviam realizado uma simples viagem ao Epiro, à corte do rei Hedoneu, cujo nome teria sido confundido com o de Hades ... Por "coincidência", a esposa do rei do Epiro chamava-se Perséfone e a filha do casal, Core. Um cão feroz guardava-lhe o palácio: seu nome era Cérbero!
Os heróis apresentaram-se a Hedoneu e pediram-lhe a mão de Core, acrescentando que se casaria com ela aquele que vencesse ao cão Cérbero. Na realidade, o que desejavam, uma vez adquirida a confiança do rei, era raptar-lhe a esposa e filha. Percebendo-lhes as intenções, o soberano mandou metê-los na prisão. Pirítoo, por ser considerado mais desavergonhado e cínico, foi lançado a Cérbero, que o devorou de uma só bocada. Teseu continuou preso. Certo dia, tendo Héracles, grande amigo de Hedoneu, passado pelo Epiro, solicitou ao rei a liberdade de Teseu, que, de imediato, foi solto e regressou a Atenas. ...
Para Paul Diel, Pirítoo é um aventureiro fanfarrão, que, "prestes a enfrentar Teseu, se declara, por enleio, um seu escravo (...). Tomando-o por amigo inseparável, o herói de Atenas deixa claro que sua própria "queda" está próxima e será definitiva (...). Juntos raptam Helena, mas tratam-na como se fora um espólio, o produto de uma caçada, e é pela sorte que decidem a quem a mesma pertencerá...Teseu, como êmulo de Pirítoo, comporta-se como um autêntico bandido. E não o faz como no episódio de Minos, em que deixa patente a malícia de suas intenções secretas, quando fica bem claro o ruidoso cinismo de seus crimes. A partir desse momento é impossível recuar. A íngreme encosta inclina-se para o abismo. Teseu fracassará no mais profundo dos abismos, o Hades, símbolo da legalidade do inconsciente". 141[iv] Se Pirítoo fica emaranhado na própria cadeira em que se sentou, Teseu é "salvo", graças a Héracles. Todo o esforço do filho de Alcmena, no entanto, foi em vão: reconduz apenas um "espírito morto" ao mundo dos vivos. A liberação foi passageira. O herói de Atenas desperta unicamente para sucumbir em definitivo. A falsa escolha de Teseu, Fedra, torna-se o instrumento de sua punição.
Omitindo a figura de Pirítoo, o Dr. Henderson é menos severo com o herói ateniense. Comentando-lhe a "descida" ao Labirinto, a morte do Minotauro e o rapto de Ariadne, escreve o psiquiatra norte-americano: "Teseu e Perseu tiveram que vencer seu medo aos demoníacos poderes inconscientes maternos e libertar dos mesmos a uma jovem figura feminina. Perseu cortou a cabeça da Górgona Medusa, que com o olhar terrível transformava em pedra a quantos contemplasse. Em seguida venceu o dragão que guardava Andrômeda. Teseu representa o jovem espírito patriarcal ateniense que arrostou os terrores do Labirinto com seu Minotauro, o qual possivelmente simboliza a decadente Creta matriarcal. Em todas as culturas o labirinto configura uma representação intrincada e confusa do mundo da consciência matriarcal: somente pode atravessá-lo quem está disposto a uma iniciação especial no mundo misterioso do inconsciente coletivo. Após levar de vencida esse perigo, Teseu resgatou Ariadne, donzela sequestrada. Tal resgate simboliza a liberação da anima do aspecto devorador da imagem materna. Enquanto não se consegue tal proeza, o homem não pode alcançar sua verdadeira capacidade para relacionar-se com o sexo oposto"142[v]
Retornando da outra vida, o herói encontrou Atenas dilacerada por lutas internas e pelas facções políticas. Entristecido com seus concidadãos e sem mais vigor para lutar, desistiu de tentar reassumir as rédeas do poder.
É precisamente sob esse aspecto que se tem que concordar com Paul Diel: onde estão a timé e a areté do filho de Posídon? Esgotaram-se no triste abandono de Ariadne e no trágico acidente de Fedra ou dissolveram-se nas trevas do Hades? A catábase teria deixado de ser uma escalada para a luz? Assim parece, realmente. Após o abandono criminoso de Ariadne e o funesto casamento com Fedra, Teseu, cego pela calúnia e pelo medo de perder o trono, torna-se tão tirânico, que faz perecer seu próprio filho. Repete-se o sacrifício monstruoso, outrora praticado por Minos contra os atenienses. Tentando extingui-lo, o herói acaba por renová-lo. É a derrocada irremediável.
Desistindo, pois, de lutar, o rei de Atenas, após enviar secretamente seus filhos para Eubéia, onde reinava Elefenor, amaldiçoou Atenas e retirou-se para a ilha de Ciros. O rei local, Licomedes, aliás parente do herói, temendo que Teseu reivindicasse a posse da ilha, onde possuía muitos bens, levou-o ao cume de um penhasco, à beira-mar, sob o pretexto de mostrar-lhe o panorama da ilha e o precipitou, pelas costas, no abismo.
A morte trágica de Teseu, como é de praxe no mundo heroico, talvez configure o regressus ad uterum do filho de Etra, que, a essas alturas, como escrava de Helena, fora levada para Tróia. Lançado do píncaro de um rochedo ao mar, domínio de seu pai Posídon, o herói teve sua catarse final.
Curiosamente, a morte traiçoeira de seu rei não provocou da parte dos atenienses nenhuma reação...
Menesteu, como desejavam os Dioscuros, continuou a reinar em Atenas. Os dois filhos do herói, Ácamas e Demofoonte, participaram da Guerra de Tróia como simples combatentes. Com a morte de Menesteu, regressaram a Atenas e retomaram o trono, que de direito lhes pertencia.
Um herói, como já se disse na Introdução, só é, as mais das vezes, condignamente reconhecido após a morte, quando se torna daímon, um verdadeiro héros, um intermediário entre os imortais e os homens.
O rei de Atenas, mais cedo do que se esperava, mostrou a seus ingratos concidadãos que continuava a ser herói. Durante a batalha de Maratona, em 480 a. C, contra os persas invasores, como igualmente se comentou na Introdução, os hoplitas atenienses perceberam que um herói, de porte gigantesco, combatia à sua frente. Era o eídolon de Teseu que, mais uma vez, defendia sua Atenas. Após as Guerras Greco-Pérsicas, o Oráculo de Delfos ordenou aos atenienses que recolhessem as cinzas do herói e lhes dessem sepultura no interior da Pólis. Tão honrosa tarefa coube ao grande general de Atenas, Címon. Este, tendo conquistado a ilha de Ciros, viu uma águia que, pousada sobre um montículo, rasgava a terra com suas unhas aduncas. O general compreendeu bem a significação do prodígio. Mandou escavar o túmulo e encontrou a ossada de um homem de altura gigantesca e junto da mesma uma lança de bronze e uma espada. Essas relíquias foram solenemente transportadas para Atenas e, em meio a grandes festas, se lhes deu sepultura condigna.
Seu túmulo magnífico, na cidade de Palas Atená, tornou-se abrigo inviolável dos escravos fugitivos e dos oprimidos. É que Teseu, em vida, fora o campeão da democracia, o refúgio e o baluarte dos injustiçados.
Em conclusão, muitos dos episódios descritos da saga de Teseu são provas iniciáticas: a penetração no Labirinto e sua luta com o Minotauro são um tema exemplar das iniciações heroicas. Sua união com Ariadne, hipóstase de Afrodite, é, na realidade, uma hierogamia. A catábase ao Hades é o exemplar típico de um regressus. Tomadas em bloco, as gestas do décimo rei de Atenas são transposições de um ritual arcaico que marcava o retorno dos efebos à cidade, após as provas iniciáticas a que eram submetidos no campo, nas montanhas ou nas florestas.




[i]  138 Ibid., p. 191sq.
[ii]  139 Ibid., p. 194.
[iii]  140 - Pirítoo é um herói lápita, filho de Zeus e Dia, ou, segundo outros, de Ixíon e da mesma Dia. Desde a Ilíada, I, 262sqq, Pirítoo, juntamente com Teseu e outros heróis, é considerado como o vencedor dos Centauros, aliás seus meios-irmãos, desde que se adote a variante de sua genealogia como filho de Ixíon, já que este último era igualmente pai dos Centauros com o eídolon de Hera, segundo se mostrou no Cap. XIII, 2, p. 282, Volume I. Presentes ao casamento de seu meio-irmão com Hipodamia, os Centauros, excitados pelo vinho, tentaram raptar-lhe a noiva, o que deu origem à luta sangrenta entre os lápitas, comandados por Pirítoo, Teseu e outros grandes heróis, e os monstruosos Centauros. A vitória decisiva dos lápitas selou ainda mais a amizade entre Teseu e Pirítoo.
[iv]   141.Ibid., p. 194sq
[v] 142.JUNG, C. G. et alii. Man and bis Symbols. London, Aldus Books, 1969, p. 125.

BIBLIOGRAFIA
BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega, vol. III. p. 166 a 174.

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