Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
"Há quem afirme
serem
nove as musas.
Que erro! Pois
não veem
que
Safo de Lesbos
é
a décima?” — Platão
A divina Safo (Σαπφώ, Sappho) – a maior
poeta do amor feminino.
A cultura ocidental funda suas raízes
na civilização da antiga Grécia e na antiga Roma. A atividade literária do
mundo grego e do mundo latino caracterizaram-se pela busca de estruturas gerais
de ordem e equilíbrio típicos da cultura clássica. De modo particular, na
Grécia dos séculos IX e VI a. C., nasceram entre outros, dois gêneros
literários muito importantes: o épico e o lírico.
El rostro de la poetisa Safo, por Simeon Salomon, 1862. |
Assim, surgiram os primeiros
poetas líricos da Grécia: Minermo, Alceu e Safo, esta última, reconhecida já na
antiguidade grega, como a maior entre os poetas líricos.
Nasceu em Ereso, na Ilha de
Lesbos, de uma nobre família e viveu quase sempre em Mitilene. Casou-se e teve
uma filha, Cleide, e faleceu em avançada idade. É tradição que se tenha
suicidado, jogando-se ao mar de um penhasco por ter sido rejeitada por um
pretendido conhecido como Phaon.
Seus biógrafos apresentam-na como
uma pessoa controvertida. Ter-se-ia casado, teria mesmo uma filha, por outro
lado, devotaria paixões arrebatadoras por amigas e alunas de sua escola, para
as quais compusera calorosos versos eróticos. Esse modo de ser chegou mesmo a
levar alguns estudiosos a acreditar que se tratasse de duas personagens
homônimas, o que parece hoje descartado.
Safo - Andrea Gastaldi |
Compôs líricas de amor, poemetos
mitológicos e cânticos para núpcias, que foram reunidos em nove livros, dos
quais restam-nos apenas poucas centenas de versos, a maior parte apenas
fragmentos.
Safo era amante do belo,
refinada e elegante nos modos e no comportamento e foi estimada e admirada em
Mitilene pelas suas concidadãs, cujas filhas com ela se reuniam em um centro
feminino dedicado ao culto de Afrodite e das Musas, uma espécie de cenáculo
intelectual, uma comunidade situada entre o sacro e o profano.
Reunia moças aristocratas e
solteiras ou jovens esposas que apreciavam a superioridade cultural de Safo e
desejavam aprender a arte da declamação, música e dança.
As jovens solteiras somente
abandonavam essa espécie da academia quando se casavam, deixando na mestra a
amargura da separação.
Safo sentia um amor carnal por
algumas de suas discípulas e manifestou isso em diversas odes dedicadas a elas,
especialmente por ocasião em que alguma se ia casar e afastar-se da academia.
Porém, é preciso entender que na escola de Safo as moças aprendiam até mesmo
como se deviam comportar para se tornarem mais eróticas e provocantes para seus
maridos.
O amor era cultuado num momento
profundo de comunhão, ligado à oração, num ritual a Afrodite acompanhado de
canto. As meninas, nessa escola, aprendiam a linguagem e os sinais de Eros e
eram iniciadas nos rituais de satisfação
do companheiro e de si mesmas. Aprendiam também a vestir-se e a salientar a
beleza física, segundo tradição antiga. Ocorre que os analistas e tradutores
cristãos tentaram apagar todos os vestígios desses rituais.
Aprendiam a apreciar e declamar,
inclusive poesia erótica, ao som de música e a tornar a voz e os modos mais
graciosos, para encantar os futuros maridos. Não podemos esquecer que em
algumas comunidades gregas mais ricas e ato amoroso podia ser acompanhado por
músicos e cantores.
Se é verdade que o amor heterossexual e o matrimônio representaram uma parte importante da vida de Safo,
é também verdade que a glória poética e a vida ligada à arte e à poesia têm
profunda relação com suas atividades na sua academia.
Safo cantou o amor não apenas
como excitação imediata dos sentidos e perturbação das profundidades do ser,
como acontecia com toda a poesia erótica antiga, mas também como memória que
vive no espaço e no tempo, como manifestação comum da alegria de viver.
Em sua escola, Safo tinha um
grupo que em grego era conhecido mo θίασος,
termo usado frequentemente para referir-se à comitiva dos filiados ao culto de
Dionísio. Esse termo abrigava grupos de diferentes características. Entre os
seguidores de Dionísio, podia definir um grupo de atores vulgares que, muitas
vezes bêbados, praticavam certo teatro popular de rua conhecido como pantomima,
com também podia referir um grupo de pessoas que participavam das festividades
religiosas a Afrodite e Apolo.
Safo - Amanda Brewster Sewell |
A caracterização mais aceita da
escola de Safo é que se tratava de uma espécie de ambiente educacional
destinado a meninas aristocráticas na idade núbil, em que as alunas aprendiam,
como se disse acima, a cantar, a dançar, mas também a vestir-se de acordo com
os costumes das classes sofisticadas dessa época, conhecimentos essenciais para
uma noiva aristocrática desses tempos.
Porém, não há um consenso sobre
o real funcionamento da escola de Safo. Se por um lado há aqueles que destacam
o caráter religioso de culto que orientava as atividades da casa uma vez tinha
uma ligação das atividades à deusa Afrodite, o que faziam da mestre uma espécie
de sacerdotisa; por outro, existem aqueles que comparam esse grupo de meninas
às adolescentes de Esparta, que se exercitavam na poesia do compositor Álcman e
seu Partheneion, ou canção de solteira, com provocantes cantos corais nos
rituais de iniciação que precediam o matrimônio. Acontece que poderiam ocorrer
ambos os eventos. Porém, parece tratar-se de algo respeitoso e não vulgar como
ocorria nos bordéis e casas de prostituição.
Além de fugir de alguns excessos
e de incertezas que desaconselham
conclusões precipitadas, é essencial admitir o caráter comunitário de sua
escola.
Safo, como diz o próprio Platão,
mais do que educadora de meninas, fez parte das musas, produzindo um gênero de
poesia de altíssima qualidade. Sua genialidade se manifesta, em particular, numa
de suas famosas odes, em que ela se sente tomada de um ciúme furioso que
expressa um poder jamais igualado por nenhum outro poeta. É a mais antiga autora
erótica que se conhece. Veja-se o poema que manifesta esse ciúme diante de uma
de suas discípulas que se vai casar:
Contemplo como o igual dos próprios deuses:
escuta assim de perto quando falas
com tal doçura,
e ris cheia de graça. Mal te vejo
o coração se agita no meu peito,
do fundo da garganta já não sai
a minha voz,
a língua como que se parte, corre
um tênue fogo sob a minha pele,
os olhos deixam de enxergar, os meus
ouvidos zumbem,
e banho-me de suor, e tremo toda,
e logo fico verde como as ervas,
e pouco falta para que eu não morra
ou enlouqueça.
É também maravilhoso este poema dedicado a uma de suas amadas:
Ode a Anactória
A mais bela coisa deste mundo
para alguns são soldados a marchar,
para outros uma frota; para mim
é a minha bem-querida.
para alguns são soldados a marchar,
para outros uma frota; para mim
é a minha bem-querida.
Fácil é dá-lo a compreender a todos:
Helena, a sem igual em formosura,
achou que o destruidor da honra de Troia
era o melhor dos homens,
Helena, a sem igual em formosura,
achou que o destruidor da honra de Troia
era o melhor dos homens,
e assim não se deteve a cogitar
em sua filha nem nos pais queridos:
o Amor a seduziu e longe a fez
ceder o coração.
em sua filha nem nos pais queridos:
o Amor a seduziu e longe a fez
ceder o coração.
Dobrar mulher não custa, se ela pensa
por alto no que é próximo e querido.
Oh não me esqueças, Anactória, nem
aquela que partiu:
por alto no que é próximo e querido.
Oh não me esqueças, Anactória, nem
aquela que partiu:
prefiro o doce ruído de seus passos
e o brilho de seu rosto a ver os carros
e os soldados da Lídia combatendo.
e o brilho de seu rosto a ver os carros
e os soldados da Lídia combatendo.
Safo amava
muito e chamou o amor de essência da vida, como o mais poderoso dos sentimentos
humanos e exalta em seus poemas de uma maneira nova, rompendo com as formas
tradicionais de uma mesma cultura grega. Para o amor divino não é apenas um
sentimento da alma inefável, mas uma força violenta e irresistível que perturba
o coração ea alma de quem se apaixona e se resigna ao emaranhado de alegrias e
tristezas que gera.
À amada
Ventura, que iguala aos deuses,
Em meu conceito, desfruta
Quem, junto de ti sentada,
As doces falas te escuta,
Goza teu mago sorrir.
Quando imagino em tal gosto
É minha alma um labirinto;
Expira-me a voz nos lábios;
Nas veias um fogo sinto;
Sinto os ouvidos zunir.
Gelado suor me inunda;
O corpo se me arrepia;
Fogem-me as cores do rosto,
Como ao vir da quadra fria
Entra a folha a desmaiar.
Respiro a custo, e já cuido
Que se esvai a doce vida!
Arrisquemo-nos a tudo...
Contra uma angústia insofrida
Tudo se deve tentar.
Em meu conceito, desfruta
Quem, junto de ti sentada,
As doces falas te escuta,
Goza teu mago sorrir.
Quando imagino em tal gosto
É minha alma um labirinto;
Expira-me a voz nos lábios;
Nas veias um fogo sinto;
Sinto os ouvidos zunir.
Gelado suor me inunda;
O corpo se me arrepia;
Fogem-me as cores do rosto,
Como ao vir da quadra fria
Entra a folha a desmaiar.
Respiro a custo, e já cuido
Que se esvai a doce vida!
Arrisquemo-nos a tudo...
Contra uma angústia insofrida
Tudo se deve tentar.
O amor dela,
era tão requintadamente feminino, que varreu tudo à sua volta, em delicadeza e
leveza, e ainda hoje pode ser considerada maior poeta de todos os tempos,
porque nenhuma mulher foi capaz de cantar como o seu amor, pureza e sinceridade.
Famosa é a
estrofe sáfica, composta por três sílabas e um adônio sáfico[1].
Graça, delicadeza e paixão: essas são as características da poesia de Safo, havendo
espaço para a introspecção, criando especialmente o clima intimista.
É exatamente
dessa forma que reproduz viva na poesia a vida interior. O seu mundo favorito
reproduz a condição das mulheres gregas, para as quais ela não estava fechada,
porque, nascida em uma família aristocrática, também muito viajou pelas ilhas e
continente grego.
Também
trocou versos com o poeta Alceu, contemporâneo e compatriota seu. Outrossim, foi
uma esposa e mãe, sem que isso interferisse em sua atividade em sua escola nem
em sua atividade poética.
Em um tempo
e em um ambiente em que as mulheres gozavam de certa autonomia e independência,
Safo usou sua posição para moldar o seu mundo poético, em um círculo diferente
do meio masculino.
Mesmo a
ideia da morte na poesia de Safo sugere imagens harmoniosas de serenidade e
beleza, porque para ela o reino das trevas pode ser coberto de jardins de
flores e orvalhado. É fundamental sublinhar que Safo teve uma influência
considerável sobre os seus contemporâneos, especialmente em Alceu, Teógnis e
Baquílides.
Safo y Homero - Charles Nicolas Rafael LafondLafond |
Teócrito,
citado por Estrabão, falou sobre ela assim: “Safo é um ser maravilhoso que no
passado, na memória viva, não parece ter existido alguma mulher igual, que
pudesse competir com ela no poema, mesmo de longe; sua fama igualou a de Homero.”
Segue-se sua composição conhecida como
Hino a Afrodite, famosa desde os tempos antigos:
Hino a Afrodite
Afrodite imortal de
faiscante trono
filha de Zeus tecelã de enganos peço-te:
a mim nem mágoa nem náusea domine
Senhora o ânimo
Mas aqui vem - se há uma vez
a minha voz ouvindo de longe
escutaste e do pai deixando a casa
áurea vieste
atrelado o carro. Belos te levavam
ágeis pássaros acima da terra negra
contínuas asas vibrando vindos do céu
através do ar,
e logo chegaram. Tu ó venturosa
sorrindo no rosto imortal indagas
o que de novo sofri, a que de novo
te evoco,
o que mais desejo de ânimo louco
que aconteça. "Quem de novo convencerei
a acolher teu amor?" "Quem, Safo, te faz sofrer?"
"Se bem agora fuja, logo te perseguirá,
se bem teus dons recuse, virá te dar,
se bem não ame, logo amará - ainda que
ela não queira."
Vem junto a mim ainda agora, desfaz
o áspero pensar, perfaz quanto meu ânimo
anseia ver perfeito. E tu mesma - sê
minha aliada.
(Tradução de Jaa Torrano)
filha de Zeus tecelã de enganos peço-te:
a mim nem mágoa nem náusea domine
Senhora o ânimo
Mas aqui vem - se há uma vez
a minha voz ouvindo de longe
escutaste e do pai deixando a casa
áurea vieste
atrelado o carro. Belos te levavam
ágeis pássaros acima da terra negra
contínuas asas vibrando vindos do céu
através do ar,
e logo chegaram. Tu ó venturosa
sorrindo no rosto imortal indagas
o que de novo sofri, a que de novo
te evoco,
o que mais desejo de ânimo louco
que aconteça. "Quem de novo convencerei
a acolher teu amor?" "Quem, Safo, te faz sofrer?"
"Se bem agora fuja, logo te perseguirá,
se bem teus dons recuse, virá te dar,
se bem não ame, logo amará - ainda que
ela não queira."
Vem junto a mim ainda agora, desfaz
o áspero pensar, perfaz quanto meu ânimo
anseia ver perfeito. E tu mesma - sê
minha aliada.
(Tradução de Jaa Torrano)
[1] Adônio sáfico é um verso composto
por um dáctilo e um troqueu ou espondeu. (dáctilo é um pé poético da métrica
grega ou latina formado de uma sílaba longa e duas sílabas breves – troqueu é o
pé formado de uma longa e uma breve e o espondeu é formado de duas sílabas
longas).
SAFO É ADMIRADÍSSIMA PELOS ARTISTAS - VEJA-SE QUANTAS REPRESENTAÇ~IOES DELA:
SAFO É ADMIRADÍSSIMA PELOS ARTISTAS - VEJA-SE QUANTAS REPRESENTAÇ~IOES DELA:
John William Godward - In the Days of Sappho |
Safo (estudio) - Gustav Klimt |
Safo - Arnold Böcklin |
Safo - Gustav Klimt |
Safo - Julius Johann Ferdinand Cronenberg |
Safo - Pierre-Narcisse Guérin |
Safo - Rafael Sanzio |
Virginie Ancelot - Sappho |
Safo abrazando su lira - Jules Elie Delauney |
Safo Charles Gleyre (1867) |
Safo en el acantilado Leucadio - Pierre-Narcisse Guérin |
Angelica Kauffmann “Sappho inspirée par l’Amour” de 1775. |
SAFO John-William-Godward-Sappho |
jules-delaunay-safo-abrazada-a-su-lira- |
Safo tocando la lira - Léopold Burthe |
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