Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
O padrão universal para a linguagem científica teve início
na primeira metade do século XVIII, com Carolus Linnaeus (Carl von Linné –
1707-1778), aportuguesado para Carlos Lineu. Acontece que, por toda a Idade Média, havia o hábito de os pesquisadores
publicarem seus estudos em latim ou em grego clássico. Estudo que não fosse redigido em
um desses idiomas não era considerado sério e mesmo científico, uma vez que,
latim e grego, na forma clássica, não eram mais falados por povo algum. Isso os
estabilizava e evitava a mudança. Os grandes pensadores chegavam mesmo a
traduzir seus nomes para o latim. Veja-se, somente para citar alguns, René
Descartes era Renatus Cartesius,
daí o adjetivo cartesiano; Carl von Linné era Carolus Linnaeus; e, assim,
tantos outros.
Nos primeiros tempos da Idade Moderna, manteve-se esse
costume. Porém, cada vez mais havia estudiosos que não dominavam suficientemente
essas línguas em nível de produzirem textos científicos, utilizando-se
delas. Além do mais, surgiam muitos termos novos na linha da ciência.
Outro fato que contribuía para a confusão na linguagem
científica era o surgimento das línguas modernas, cujos povos concorriam entre
si em matéria de ciência. Havia mesmo diferentes sistemas de medidas que,
parcialmente, se mantém até hoje. Surgiram os grandes congressos internacionais
de ciência, com muitos cientistas apresentando seus trabalhos em seu idioma
nativo. Como não havia uma nomenclatura científica universal, o mesmo objeto de
pesquisa recebia um termo em inglês, outro em francês e um terceiro em alemão,
apenas para citar alguns idiomas.
Foi então que Carlos Lineu propôs uma universalização linguística.
Lineu, que era botânico, zoólogo e médico sueco de prestígio universal, em
1735, publicou, ainda em latim, um livro intitulado "Systema Naturae", no qual apresentava determinadas
regras capazes de padronizar a forma de nomear espécies. Criou os nomes científicos dos seres vivos em língua latina e elaborou princípios que, daí em diante deveriam orientar todas as criações na nomenclatura dos seres vivos. Tais sugestões foram
amplamente aceitas e são utilizadas até hoje. Esse sistema compreende as
seguintes características:
- Todo o ser vivo possui um nome científico;
-Todo nome científico é composto por duas palavras. A
primeira se refere ao Gênero da espécie, e o segundo, ao epíteto (ou nome)
específico, que é o que caracteriza a espécie em questão;
- O epíteto específico pode se referir a uma característica
própria daquele indivíduo, como a sua localização, organização corporal, dentre
outros; ou mesmo uma homenagem a algum cientista, personagem, etc.;
- Os nomes científicos, quando escritos, devem estar
destacados em itálico. Em casos em que os nomes estejam sendo redigidos à mão;
ou em outras situações nas quais utilizar o itálico se apresente inviável, tais
nomenclaturas devem estar grifadas;
- A primeira letra do nome científico deve ser apresentada
em maiúsculo e a primeira letra do epíteto específico, em minúsculo;
- A partir da segunda vez que se escreve o nome de
determinada espécie, o Gênero pode se apresentar abreviado. Ex: Cachorro - Canis
familiaris -
C. familiaris;
- Em algumas situações, quando o cientista não conseguiu,
ainda, identificar a que espécie um determinado indivíduo pertence, ou quando
não é de interesse que esta seja explicitada; ele utiliza, após o nome do
Gênero, o termo sp., na Zoologia; ou spec., na Botânica. Tanto um como outro
não devem ser colocados em itálico, ou mesmo sublinhados; e devem estar
acompanhados de um ponto final: Hypsiboas sp.
(perereca pertencente ao Gênero Hypsiboas); Hypsiboas goianus (perereca-de-pijama).
Vejam-se alguns exemplos de nomes científicos: Ser humano - Homo
sapiens; Leão - Panthera leo; Tigre - Panthera tigres; Barata-americana - Periplaneta americana;
Milho - Zea mays; Ipê-amarelo - Tabebuia alba, etc.
O prestígio de Lineu era tanto que dele disse o filósofo
suíço Jean-Jacques-Rousseau em uma mensagem: "Diga-lhe que não conheço
maior homem no mundo." O grande escritor alemão Johan Wolfgang von Goethe escreveu:
"Além de Shakespeare e Spinoza, não conheço ninguém entre os que já não se
encontram entre nós que me tenha influenciado mais". E o autor sueco August Strindberg escreveu:
"Lineu era na realidade um poeta que por acaso se tornou um naturalista".
Lineu trabalhou também no estabelecimento da escala que
Ander Celsius havia proposto, chamada centígrada, estabelecendo o 0º (zero
grau) para o ponto de fusão da água, além de estabelecer os 100º (cem graus
centígrados) para o ponto de ebulição.
O estabelecimento de uma nomenclatura científica universal
para os seres vivos foi um passo importante para a universalização de muitos
outros sistemas linguísticos para a ciência. Uma área fundamental para a
ciência é a área médica que também criou uma nomenclatura universal a partir do
grego e do latim.
Para isso, estabeleceram-se três princípios fundamentais:
- simplificação da linguagem;
- precisão na significação das palavras;
- intercâmbio científico entre as nações com diferentes
idiomas de cultura.
O uso de radicais, prefixos e sufixos gregos e latinos,
comuns a vários termos, permite expressar em poucas palavras fatos e conceitos
que, de outro modo, demandariam locuções e frases extensas. Cada termo médico,
tal como ocorre em outras áreas do conhecimento humano, caracteriza um objeto,
indica uma ação ou representa a síntese de uma ideia ou de um fenômeno, a
definição de um processo, contendo em si, muitas vezes, verdadeira holofrase,
cujo sentido está implícito na própria palavra.
Assim, hepatectomia é um termo
que compõe uma holofrase, uma palavra que, por seus elementos formadores, traz
o seu sentido. O elemento grego ἧπᾰρ, ήπᾰτος (hêpar,
hēpatos), fígado, mais o
prefixo grego ἐκ,
que significa fora, extração, e, finalmente, o radical grego τομία, que significa corte, incisão,
cirurgia. Assim, pelo conhecimento dos elementos formadores do termo, para o
entendedor dos elementos formadores, o termo vai funcionar como uma frase,
holofrase, ou seja, uma palavra que funciona, em termos informativos, como uma
frase. O termo hepatectomia vai ser entendido como cirurgia para extração parcial
ou total do fígado.
Linguagem científica |
A partir desse processo
holofrásico, criou-se um conjunto vocabular que abrange todos os ramos da
ciência médica. Partiu-se da formação de termos e seus processos derivativo e
compositivo. No processo derivativo, seguiram-se os dois sistemas de derivação,
através da anexação ao radical de elementos prefixais e sufixais. Há um
processo de formação das palavras conhecido como parassíntese em que são
acrescidos um prefixo e um sufixo ao termo a ser formado. Com o acréscimo de
prefixo, temos o termo ápode. O termo forma-se do prefixo grego -α, que
significa ausência, sem, e o radical de πούς, ποδός (pus,
podós), pé, que é ποδ-, mais
o sufixo formador de adjetivos e substantivos -e. Assim, ápode significa sem
pés, desprovido de pés.
No processo de formação
vocabular em que se usa o processo de justaposição, o sistema linguístico
permite que simplesmente se justaponham os radicais um ao outro ou que se faça
uma aglutinação, ou seja, a composição de um novo vocábulo em que um ou mais dos
elementos formadores sofra alterações.
Assim, cardiopatia forma-se pela
justaposição dos radicais gregos καρδία(cardia),
coração, e πατία(patia), sensação,
doença, resultando o significado de doença do coração. No termo pediatra, há uma
formação do termo técnico por aglutinação. A palavra é formada pelo radical
grego παῖς(pais), παιδός (paidós), criança, que se transforma em
português para ped, que se junta ao radial grego ἰατρεία(iatreia), medicina,
significando medicina infantil.
Como os idiomas clássicos, o
grego e o latim, são línguas declináveis, ou seja, as palavras modificam-se de
acordo com a função sintática que exercem na frase, há termos que se originam
de diferentes formas sintáticas da língua original.
Veja-se o caso que marca o
sujeito é o nominativo. A palavra leão, em latim, tem a forma do nominativo leo.
O nome próprio Leo é formado do nominativo latino. Porém, o genitivo dessa
palavra é leonis. O genitivo é o caso mais importante em cada idioma. Seu
nome se forma de genitor, que é pai, gerador. Nas línguas declinadas, todas as
palavras se formam a partir do genitivo. Assim, o adjetivo português leonino é
formado com base no genitivo latino leonis.
Como o idioma grego clássico
ocorre o mesmo, o que já não se passa com o grego moderno falado atualmente na
Grécia. Tomemos o termo do grego clássico correspondente a fígado que é ἧπᾰρ (hêpar), para o nominativo, e ήπᾰτος (hēpatos) para o genitivo. A grande
maioria dos termos médicos são formados do genitivo grego.
Carolus Linnaeus's Floral Clocks |
Observem-se exemplos como
hepatite, hepatologia, hepático, gastro-hepático, somente para analisar alguns
casos. Em hepatite, usa-se o radical do genitivo ήπᾰτ- (hēpat-) e o sufixo grego –ιτε (ite) que significa inflamação. Num sentido
simples, hepatite seria uma inflamação do fígado. Hepatologia acrescentaria o radical
λογία (loguía), cujo sentido
comum é estudo, tratado.
Genericamente, hepatologia seria
um estudo ou tratado do fígado. Em gastro-hepático, há o acréscimo do genitivo
do termo grego γαστήρ (gastér,
nominativo), γαστρός
(gastrós, genitivo), que significa estômago, cujo radical gastro, e mais o
sufixo grego –ικο, que
significa relativo a. Resulta, então, o sentido relativo ao estômago e ao
fígado.
Há um grande número de termos
médicos formados do latim, como é o caso de femural, que se forma do termo
latino femur (nominativo) femuris, (genitivo), fêmur. O adjetivo
femural é então relativo ao fêmur, pelo acréscimo do sifixo português -al, que sigrifica relativo a.
A área da química emprega uma
série de prefixos e sufixos específicos para a formação de seus termos
científicos, que marcam propriedades dos elementos como composição e valência.
Em todas as áreas das ciências
existe um grande número de termos científicos, cuja formação segue os mesmos
parâmetros abordados acima. Há também certa formação fundada nos nomes próprios
dos pesquisadores que descobriram determinados elementos científicos. Assim,
cada área elabora seus glossários específicos e, muitas vezes, um termo tem um
sentido em uma área da ciência e outro em outra.
Veja-se o termo morfologia. Em medicina
é a parte que se ocupa do estudo das estruturas do corpo humano, ou seja,
anatomia, embriologia, histologia, significa que você estudará os órgãos sem se
preocupar com seu funcionamento apenas com o que cada órgão tem e como ele é
formado e constituído.
Já em termos de linguagem, a
morfologia estuda as classes e a forma das palavras, seus componentes, como
raiz, radical, vogal temática, prefixos, sufixos, desinências, etc.
Acontece que o termo morfologia
forma-se dos radicais gregos μορφή(morfé),
nominativo, μορφής
(morfés) genitivo, significa forma e λογία(loguía), nominativo e λογίας(loguías), genitivo, que significa estudo. Por essa formação
etimológica, percebe-se que o termo tem um sentido muito amplo de estudo da
forma, e sua especificidade vai depender da área a que está sendo aplicado, ou
seja, a forma a que o estudo se refere.
O que estes estudos do vocabulário
científico mostram é que todos os idiomas empregam os mesmos procedimentos,
resultando termos científicos muito semelhantes, mantidas apenas as
especificidades de cada idioma. Veja-se o termo antropologia que se forma dos radicais
gregos ἄνθρωπος(ânthropos), nominativo, e ἀνθρώπου(anthrópu), genitivo, e λογία(loguía), nominativo e λογίας(loguías).
Carolus Linnaeus |
Assim, seguindo a mesma formação,
em inglês é anthropology;
em alemão, Anthropologie; em
francês, anthropologie; em
espanhol, antropologia; em italiano, antropologia; em cirílico russo, антропология; e, em esperanto, antropologio.
Pode-se constatar a grandíssima semelhança que o processo confere aos termos de
modo universal.
Todas as áreas do saber possuem
um vocabulário específico e seguem mais ou menos os mesmos critérios na criação
dessa terminologia, por isso, este estudo pode estar a serviço da cultura em
quaisquer que sejam suas manifestações.
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