Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Diotima por Józef Simmler, 1855 |
Diotima de
Mantinea foi uma filósofa e sacerdotisa grega. Seu nome em grego clássico é Διοτίμα. A filosofia de Diotima auxiliou
Platão a chegar a seu conceito clássico de amor. A única fonte que se tem sobre
ela é Platão, por isso, alguns chegam mesmo a afirmar que se trata de uma personagem do
grande filósofo. Porém, pelo que se sabe, todas as personagens das obras de
Platão correspondem a pessoas que viviam na Atenas do seu tempo. Mantinea (Μαντίνεια), era uma cidade grega do Peloponeso, região ao sul da Grécia, abaixo do golfo de Corinto, ode nascera Diotima.
Em O Banquete, há
uma passagem específica, quando se debate o amor, em que o pensador se refere a
ela. Sócrates, o mais importante dos presentes ao banquete, afirma ter sido
iniciado, em sua juventude, na filosofia do amor por Diotima.
Pois o tema
discutido nesse banquete é justamente o amor. Segundo ainda Sócrates, a
sacerdotisa e vidente Diotima ter-lhe-ia fornecido a genealogia do amor (Ἔρως), que, segundo ela,
seria filho da Abundância (Πόρος) e da Necessidade (Πενία). Na visão dela, o
amor seria um meio para a contemplação do divino. O amor revela um desejo de
imortalidade.
Há, ainda de
acordo com o pensamento da sacerdotisa, dois tipos de amor: um físico e outro
espiritual. Enquanto o amor físico visa a preservar a espécie, e a alcançar a
imortalidade através da descendência, o amor espiritual se pereniza através de
ideias e pensamentos, que, por si próprios, são imortais. O fim último do amor
é alcançar o divino.
Eros -William Adolphe Bouguereau |
Na mitologia
grega, Penia era a daímon (Δαίμων) (daímon é um ser espiritual como um anjo)
que personificava a pobreza, a necessidade, sendo, por isso, odiada, detestada
pelos homens. Era companheira da Aporia (Άπορία), a dificuldade; da Amecania (Άμηχανία),
o desamparo; da Ptoceia (Πτωχεία), a mendicância. Seus daimones opostos seriam
Plutos (Πλοῦτος), a
riqueza e a Euteneia (Ἔυθηνία),
a prosperidade.
Pois Diotima
fundava o amor no mito de Poros e Penia. No casamento de Afrodite, Poros
encontrava-se completamente bêbado.
Poros era filho
de Zeus e Métis. Primeiramente, é necessário fazer um comentário sobre Métis.
Tratava-se de uma divindade pré-olímpica, sem culto e sem estátuas. Nesse
tempos muito primitivos, ainda restavam resquícios do matriarcado, em que a
fecundação e a gravidez eram vistas como algo mágico pelo homem, masculino. Só tardiamente o homem
descobriu seu papel na geração humana, acabando, então com o sistema matriarcal
e criando o patriarcado machista.
Pois foi nesse
período que Zeus gerou em Metis o filho Poros. Mas foi como se a deusa lhe
concedesse um favor. Sucedeu que, então, que no casamento de Afrodite, uma
mendiga, morta de fome, buscava as sobras de comida. Chamava-se Penia. Depois de
conseguir entrar no banquete e de fartar-se com os alimentos e bebidas que
sobravam, propôs-se seduzir Poros. Isso não foi difícil, pois percebeu que ele
era extremamente sensível à adulação.
Esconderam-se no
jardim, fugindo aos olhares dos demais e mantiveram relações mais de uma vez.
Dessa relação, nasceu Eros, filho, portanto, de Poros, o excesso, a abundância,
e Penia, a pobreza, a miséria, a necessidade.
Assim, Eros, é
metafisicamente e metaforicamente a subjetividade e a objetividade, por isso é
um deus alado. Situa-se um pouco aquém da pura necessidade dura e física de sua
mãe e um pouco além da abundância e
vaidade de seu pai. Unem-se, por um lado, o desejo e a falta, o eu e o outro.
Amamo-nos a nós mesmos com a medida da falta do outro.
Todo o amor é
composto de ausência e completude. Não é pura ausência e nunca será completude
perfeita. Essa parcial incompletude move-nos na direção do outro, que perfaz o
caminho inverso. Marca-se pelos constantes encontros e desencontros, cujo
sentido, muitas vezes, não conseguimos entender.
A falta faz-nos
desejantes, erotizados, amorosos, em uma palavra, submetidos à ausência básica
que inspira em nós a fome da busca do outro, uma fome que nos conduz na direção
do outro e de todos os outros. O grande pintor René Magritte expressa em seu quadro
o rosto anônimo da eterna busca.
the-lovers- René Magritte |
Assim, na Grécia
clássica, surgiu a figura do erastés (ἐραστής),
o amante, homem aristocrata, envolvido em um relacionamento com um adolescente
do sexo masculino (chamaríamos isso hoje de pedofilia), conhecido como erómenos
(ἐρώμενος). A
relação entre ambos excedia em muito o meramente sexual.
Havia mesmo uma
disputa pelos erómenoi. O ideal do erastés era ser controlado e discreto,
generoso e simpático. Havia um período chamado hôraios, que nós consideraríamos
como infância, em que o adolescente se destacava pela beleza, modéstia, esforço
e coragem, mesmo na guerra.
Em O Banquete,
Platão afirma que “os erómenoi são os melhores meninos que amam homens e que
gostam de ser abraçados por eles.” De fato, esses meninos eram objetos de afeto
e paixão, contudo não necessariamente mantinham relações sexuais com seus parceiros.
Platão |
Platão, ainda em O
Banquete, afirma: "Porque eu não conheço nenhuma bênção maior para um jovem que
está começando na vida do que um amante virtuoso, ou para um amante do que um
jovem amado."
Essa seria a
concepção ideal de amor entre um erastés e um erómenos.
Sócrates |
Sabe-se que, na prática, as coisas não corriam sempre desse modo, tão nobre, tão altruísta.
Dentro das
diversas concepções de amor há uma grande aporia, ou seja, um conflito radical.
O fato essencial, porém, é que todo o modo de amar funda-se numa carência que
se situa na raiz do mito de Penia e Poros. Situa-se na essência psicológica do
próprio mito. Toda e qualquer espécie de amor funda-se em uma espécie de
buraco, de ausência que permitem a construção de todas as metáforas. Na falta
de algo, emprega-se, em seu lugar uma palavra, cujo sentido se fundamenta na
essência desta ausência.
O Banquete, obra que funda a maiêutica socrática, instaura toda a tensão entre Poros e Penia, ente amante e amado, entre
erômenos e erastés, entre sujeito e objeto. Isso se expressa no diálogo entre Alcibíades
e Sócrates: “Tu queres trocar o ouro de teu saber pelo cobre da minha
ignorância.”
O jovem
Alcibíades precisaria aprender que há um segredo dentro do próprio segredo que
somente pode ser desvelado por um olhar para dentro de si mesmo. Somente quem
encontrou-se a si mesmo, encontrou-se consigo mesmo e com a verdade quer habita
o seu espírito, pode encontrar-se com o outro. Caso contrário, o que se queria
amor será eterna cobrança, sempre do outro, sem perceber que pobreza, carência
e abundância moram dentro de nós. “Nosce te ipsum”, “γνώσει δὲ σαυτὸν”, “conhece-te a ti
mesmo” ou “conheça-se a si mesmo” é o princípio que está na raiz profunda do amor.
Como Eros é filho
de um imortal, Poros, e de uma mortal, Penia, ele traz em si esta dupla
dimensão, uma carnalidade física no caminho da perpetuidade das espécies, e uma
imortalidade divinizadora que apela para a abundância do espírito, e busca do
eterno apelo daquilo pode ser sempre outra coisa do que é, em uma constante
transformação porque, tudo é sempre polissêmico, sempre passível de ser novo e renovável.
Obrigado pelo texto.
ResponderExcluirEu que agradeço o prestígio de er minhas publicações.
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