Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
João Simões Lopes Neto, com formação acadêmica e intelectual
de elite, para relatar a realidade dos peões de estância e sua filosofia de
vida, simples e despojada, criou a pessoa de Blau.
Para narrar tanto o seu momento presente como para recuperar
as origens da Província, Blau Nunes tinha de ser velho. Assim, teria percorrido
longa etapa de nossa história e, ao mesmo tempo, convivido com as mudanças, de
tal forma que pudesse interpretar os fatos.
O que me parece singular nessas narrativas é o mito da onça
de ouro que o santão lhe deu, isso de acordo com a lenda “A Salamanca do
Jarau”.
Pois nessa lenda, narra Blau que se havia perdido nos campos
um boi barroso pelos lados do morro do Jarau. Ele, como peão, vendo no cair da noite que o
boi barroso não voltara com os demais, saiu ao seu encalço. Pois o sol se havia
ido e, ao aproximar-se do cerro, encontrou o santão, uma espécie de ser do
outro mundo, a quem saúda com a saudação cristã:
— Laus’Sus-Cris’!… (Era uma corruptela da saudação cristã em
latim muito usada pelos missionários jesuítas que há duzentos anos haviam
colonizado os índios daquelas paragens. Em latim seria Laudetur Jesus Christus
ou Seja louvado Jesus Cristo.)
Pois o sacristão da lenda havia sido morto e punido por se
apaixonar por Teniaguá, uma entidade feminina pagã árabe, a perambular pelos
campos e montes do cerro do Jarau até que alguém o libertasse pela saudação
cristã, o que acabara de fazer Blau.
Depois de o peão ter passado por sete provas na caverna do
morro e ser aprovado em todas, o santão dá-lhe um prêmio:
- "Nada quiseste; tiveste a alma forte e o coração sereno,
tiveste, mas não soubeste governar o pensamento nem segurar a língua!... Não te
direi se bem fizeste ou mal. Mas como és pobre e isso te aflige, aceita este
meu presente, que te dou. É uma onça de ouro que está furada pelo condão
mágico; ela te dará tantas outras quantas quiseres, mas sempre de uma em uma e
nunca mais que uma por vez; guarda-a em lembrança de mim!" (J. S. L.NETO, A SALAMANCA DO JARAU cap.
VII).
Pois a onça de ouro, moeda muito valiosa daquele tempo,
valeu-lhe para o resto da vida. Como o santão lhe ordenara, sempre tirava uma
moeda por vez da guaiaca do cinturão. Sempre tirava uma onça por vez e nunca
nada lhe faltou.
Essa onça de ouro é metáfora da imprevisibilidade dos peões
dessas épocas que mal sabiam contar. Iam comprando e pagando e nunca lhes
faltava, sem que, no entanto, tivessem preocupações e fizessem previsões para o
futuro. Iam simplesmente vivendo com aquilo que a natureza lhes proporcionava,
com um pequeno lote de gado, viviam pobres e felizes. Nessa imprevisibilidade
despreocupada estava sua riqueza.
Esse é o Blau Nunes que Simões Lopes apresenta como seu
narrador principal. Eis como é apresentado pelo autor nos “Contos Gauchescos”:
“E do trotar sobre
tantíssimos rumos: das pousadas pelas estâncias; dos fogões a que se aqueceu;
dos ranchos em que cantou, dos povoados que atravessou; das coisas que ele
compreendia e das que eram-lhe vedadas ao singelo entendimento; do pêlo-a-pêlo
com os homens, das erosões da morte e das eclosões da vida entre o Blau –
moço militar – e o Blau – velho paisano ficou estendida uma longa estrada
semeada de recordações – casos, dizia – que de vez em quando o vaqueano
recontava, como quem estendesse ao sol, para arejar, roupas guardadas ao fundo
de uma arca.
Querido digno
velho!
Saudoso Blau!
Patrício, escuta-o.”
Belo texto, professor Oscar! Blau é um interlocutor perfeito para as reflexões de JSLN.
ResponderExcluirÉ verdade, meu caro Luiz Carlos Vaz, ele é, a um tempo, narrador e personagem. A estratégia narrativa é excelente.
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