Brasil: A polêmica ferrovia que a China quer construir através da América do Sul
A polêmica ferrovia que a China quer construir que atravessará a América do Sul, desde o Atlântico até o Pacífico
Uma
ferrovia que começa no Rio de Janeiro banhada pelo Oceano Atlântico,
atravessa a Mata Atlântica, o Cerrado no Centro Oeste, a Floresta
Amazônica e a Cordilheira dos Andes e termina na costa peruana em pleno
Oceano Pacífico: este é o ambicioso plano que a China quer consolidar no
Brasil e na América do Sul.
O
projeto ganhou novo impulso com a visita do primeiro-ministro chinês, Li
Keqiang, à região, que começou na noite da última segunda-feira no
Brasil e ainda inclui escalas na Colômbia, no Peru e no Chile.
A polêmica ferrovia que a China quer construir na América do Sul
No
encontro de Li Keqiang com a presidente Dilma Rousseff em Brasília,
nessa ocasião, foram assinados 35 acordos de cooperação entre os dois
países, englobando áreas como planejamento estratégico, transportes,
infraestrutura, energia e agricultura.
Durante o
encontro, a presidente Dilma declarou que Brasil, China e Peru iniciaram
os estudos de viabilidade da conexão ferroviária entre o Atlântico e o
Pacífico. “Trata-se da ferrovia transcontinental que vai cruzar o nosso
país no sentido leste oeste cortando o continente sul-americano”, disse a
presidente que, logo depois, em conversa com repórteres, classificou a
ferrovia como “estratégica para o Brasil”.
De
Brasília, Li Keqiang segue para o Rio de Janeiro, onde deve participar
da inauguração de uma exposição de marcas chinesas e de um passeio de
barco pela baía de Guanabara. A agenda do premiê chinês no Brasil
termina na próxima quinta-feira.
Ferrovia
Com o
projeto da ferrovia, Pequim pretende aumentar sua presença econômica no
continente e facilitar o acesso a matérias-primas, o que também gera
interesse do Brasil e do Peru.
Em
declaração no início da tarde desta terça-feira durante o encontro com
Li Keqiang, a presidente Dilma Rousseff afirmou que, com a ferrovia, “um
novo caminho para a Ásia se abrirá para o Brasil, reduzindo distâncias e
custos”.
Especialistas
acreditam que a construção da estrada de ferro marcaria uma nova fase
na relação da China com a região. No entanto, para que o projeto saia do
papel, será necessário superar grandes desafios de engenharia,
ambientais e políticos, dizem analistas ouvidos pela BBC.
“Seria uma
grande conquista e uma peça-chave da relação da China com a América do
Sul, se esse projeto realmente sair do papel”, diz Kevin Gallagher,
professor da Universidade de Boston e autor de estudos sobre a relação
China-América Latina. “Todo o projeto é uma grande promessa, mas deve
ser bem feito ou pode se tornar um pesadelo”, ressalva.
Intercâmbio
Keqiang começa sua visita ao Brasil em meio a um momento de desaceleração da economia chinesa e das sul-americanas.
A região
deve crescer menos de 1% neste ano, de acordo com o FMI (Fundo Monetário
Internacional), em parte por causa de uma atividade econômica mais
fraca no Brasil. E a falta de infraestrutura continua a ser um dos
principais problemas do país.
A China,
por sua vez, necessita de recursos naturais para sustentar sua expansão
econômica e tem interesse primordial na construção de projetos
ferroviários em outras regiões do globo..
Neste
contexto, a Ferrovia Transoceânica, cujo custo é estimado em até US$ 10
bilhões (atualmente cerca de R$ 30 bilhões), poderia cobrir as
necessidades dos vários países envolvidos.
“Próximo passo”
Com a
popularidade em baixa e abalada por escândalos de corrupção, Dilma
prepara um programa de concessões de infraestrutura previsto para ser
lançado em junho.
Segundo informações do jornal Folha de S.Paulo, trechos da ferrovia até a fronteira com o Peru estariam contemplados na segunda etapa das licitações.
Estudos
técnicos já foram iniciados em solo brasileiro para ligar o porto de
Açu, no Rio de Janeiro, a Porto Velho, na bacia amazônica.
A ligação
da capital de Rondônia ao Pacífico daria a produtores brasileiros uma
alternativa sobre o Atlântico e o Canal do Panamá para enviar
matérias-primas para a China.
“Há uma
lógica econômica por trás do projeto”, disse João Augusto Castro Neves,
analista para América Latina da consultoria Eurasia Group.
Nos
últimos anos, a relação entre a China e o Brasil é muito focada no
aspecto comercial, com o aumento das exportações de produtos como soja e
ferro para o gigante asiático.
Mas,
segundo Castro Neves, obras como a da Ferrovia Transoceânica poderiam
agregar valor a esse vínculo. “É o próximo passo no relacionamento”, diz
ele à BBC.
Protestos
O projeto
exacerbou as já tensas relações entre o Peru e a Bolívia, cujo
presidente, Evo Morales, protestou ao saber que a estrada de ferro
passaria por fora do território boliviano. “Não sei se o Peru está
jogando sujo”, disse Morales em outubro. Segundo ele, a ferrovia seria
“mais curta, mais barata” se passasse pela Bolívia.
No
entanto, o presidente peruano Ollanta Humala descartou essa
possibilidade em novembro, comentando sobre um acordo com a China para
iniciar os estudos do projeto. O trem vai passar “pelo norte do Peru,
por razões de interesse nacional”, disse Humala.
Juan
Carlos Zevallos, economista que presidiu a agência reguladora de
transportes peruana OSITRAN argumenta que a região apresenta
“desenvolvimento consolidado” de infraestrutura para explorar a estrada
de ferro, incluindo o porto de Paita, ponto de chegada da ferrovia.
Na opinião
de Zevallos, o projeto facilitaria a entrada de produtos peruanos no
Brasil, o maior mercado regional. “Esse é o interesse”, disse ele à
BBC. Especialistas antecipam possíveis problemas com grupos indígenas e
defensores do meio ambiente, dada a possibilidade de que o trem passe
por áreas consideradas sensíveis.
“Uma
estrada no meio da Amazônia para atender ao mercado chinês (…) seria uma
ilusão acreditar que não vai haver impacto”, critica Paulo Adario,
diretor da Campanha Amazônia do Greenpeace.
Adario
observou, contudo, que “a ferrovia tem menor impacto do que a rodovia
para o escoamento da produção” e defendeu que sejam feitos estudos para
medir o impacto socioambiental da obra. Também há desafios de engenharia
e custos para a construção de um trem que cruze a Cordilheira dos Andes
e desemboque no Pacífico.
Castro
Neves alertou que, se não houver planejamento adequado, o projeto pode
terminar paralisado, como outras grandes promessas de investimentos na
infraestrutura da região. “A questão não é apenas injetar dinheiro”, diz
ele. Gallagher disse que o projeto vai representar “um verdadeiro teste
para a relação” entre Pequim e da região.
“Se
conseguir construir um trem de alta velocidade que funcione e facilite o
comércio com a América Latina, de modo inclusivo e sem prejudicar o
meio ambiente, a China tem tudo para se tornar a nova ‘queridinha’ da
América Latina”, conclui.
Mais informações em:
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