Os Cavaleiros Templários – História – Parte 4
Uma
vez aprovada a Ordem e permitindo-lhe a sua regra assumir o seu papel
duplo, religioso e militar, poderíamos considerar que estava adquirido o
enquadramento jurídico favorável ao seu desenvolvimento. Condição
necessária mas não suficiente porque os Templários tinham necessidade de
uma logística poderosa. Precisavam, não só, de realizar recrutamentos
importantes para formarem batalhões de monges-soldados na Terra Santa,
mas também garantir a manutenção desses exércitos em operações.
Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch
OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES SENHORES DE MANTOS BRANCOS – OS SEUS COSTUMES, OS SEUS RITOS, OS SEUS SEGREDOS.
Parte anterior em:
Segunda Parte – O Templo, Potência Econômica e Política – Os Mistérios da Sua Riqueza
01 – OS BENS DO TEMPLO – ASSEGURAR A LOGÍSTICA
Era
necessário fornecer-lhes alimentação, armas, vestuário, equipamentos,
armas, cavalos, etc. As necessidades em breve iriam tornar-se colossais.
Imaginamos mal, hoje em dia, como os Templários conseguiram fazer-lhes
frente. Por vezes, houve que manter até quinze mil «lanças» na Palestina
e uma lança significa um cavaleiro com o seu séquito completo:
escudeiro, sargento de armas. Essas quinze mil lanças representam, na
verdade, entre sessenta e cem mil homens. A isso há que acrescentar a
intendência: todos os irmãos conversos encarregados dos abastecimentos,
manutenção, reparações e alojamentos.
Pensemos
que, a fim de ter sempre à disposição uma montada fresca, cada cavaleiro
possuía três cavalos enquanto mais dois eram atribuídos a cada um dos
seus sargentos. Em redor desta tropa gravitavam também os capelães do
Templo e os operários encarregados das construções e da sua manutenção.
Não esqueçamos que os Templários construíram e defenderam imensas
fortalezas na Palestina e que asseguraram também a guarda de inúmeras
praças-fortes em Espanha. Logo, era absolutamente necessário garantir as
retaguardas da Ordem e financiar o esforço de guerra a partir do
Ocidente.
Depender
de uma corrente contínua de donativos teria sido muito arriscado e, de
qualquer modo, insuficiente. Essas dádivas eram perfeitamente
necessárias, mas, a utilização dos seus produtos devia ser racionalizada
e maximizada. Convinha, é claro, provocar um verdadeiro ímpeto de
simpatia e de generosidade para com
o Templo e torná-lo o mais duradouro possível. Depois, seria necessário
gerir por forma a multiplicar a eficácia do financiamento.
O PEDITÓRIO
No que se refere à primeira fase, a propaganda organizada por São Bernardo viria a revelar-se eficaz: os que se não alistassem nas fileiras da Ordem sentir-se-iam amiúde obrigados a doar para participarem nesse ímpeto. A verdadeira «digressão» que Hugues de Payns e os seus companheiros fizeram depois do concílio de Troyes permitiu acionar o sistema. Tinha, é claro, o duplo objetivo do recrutamento e da coleta de dádivas. Hugues de Payns começou pelas regiões onde tinha a certeza de ser bem recebido: a Champagne, em primeiro lugar, como é lógico, e, em seguida, Anjou e o Maine. Conhecia bem Foulques V de Anjou, que participara na primeira cruzada e mantinha uma centena de homens de armas na Terra Santa. Já estava conquistado para a causa dos Templários.
No que se refere à primeira fase, a propaganda organizada por São Bernardo viria a revelar-se eficaz: os que se não alistassem nas fileiras da Ordem sentir-se-iam amiúde obrigados a doar para participarem nesse ímpeto. A verdadeira «digressão» que Hugues de Payns e os seus companheiros fizeram depois do concílio de Troyes permitiu acionar o sistema. Tinha, é claro, o duplo objetivo do recrutamento e da coleta de dádivas. Hugues de Payns começou pelas regiões onde tinha a certeza de ser bem recebido: a Champagne, em primeiro lugar, como é lógico, e, em seguida, Anjou e o Maine. Conhecia bem Foulques V de Anjou, que participara na primeira cruzada e mantinha uma centena de homens de armas na Terra Santa. Já estava conquistado para a causa dos Templários.
O que é
mais, Hugues de Payns fora encarregado, junto dele, de uma missão muito
agradável, dado que era portador de uma carta de Balduíno, rei de
Jerusalém. Este, que não tinha herdeiro homem, desejava ver Foulques
casar com a sua filha, Mélisande, e suceder-lhe no trono de Jerusalém.
Foulques aceitou e ajudou a facilitar a digressão de Hugues de Payns
junto dos seus vassalos. Hugues continuou o seu périplo passando pelo
Poitou e pela Normandia.
Aí,
encontrou o rei Henrique I de Inglaterra que o aconselhou a transpor o
Canal da Mancha. O primeiro Mestre da Ordem, com a recomendação no
bolso, dirigiu-se então à Grã-Bretanha e chegou, inclusive, à Escócia.
Foi bem recebido em toda a parte e acumulou dádivas e presentes
diversos. O ouro e prata recolhidos foram rapidamente expedidos para
Jerusalém, enquanto Hugues continuava a sua digressão, passando pela
região de Flandres, para a concluir no seu ponto de partida: a
Champagne.
Nesse
momento, uma pequena hoste já se formara em seu redor, ao longo das
etapas, pronta para embarcar para o Oriente. Durante esse tempo, os seus
companheiros da primeira hora não tinham ficado inativos. Também eles
haviam recrutado, tendo-se cada um deslocado ao local onde tinha a
certeza de ser melhor recebido: Godefroy de Saint-Omer, em Flandres,
Payen de Montdidier, no Beauvaisis e na Picardia, Hugues Rigaud, no
Delfinado, na Provença e no Languedoque, outro fora a Espanha.
Assim, em
1129, os habitantes dos vales do Ródano puderam ver passar uma tropa
comandada por Hugues de Payns e Foulques de Anjou, com destino à Terra
Santa. Em muito pouco tempo, o Mestre do Templo conseguira recrutar
trezentos cavaleiros, sem contar os escudeiros e os sargentos que os
acompanhavam. A digressão de propaganda fora um verdadeiro êxito e as
dádivas começavam a afluir de todos os lados. Durante décadas, o
movimento em prol do Templo não
iria deixar de crescer. No Ocidente, já se criavam casas da Ordem, que
tinham como dever não só assegurar a intendência, mas também, continuar a
propaganda com o fito de atraírem novos recrutas e doações. Se olharmos
bem, o progresso da Ordem do Templo parece fantástico, quase
inexplicável na sua magnitude.
TUDO SE DOA
As primeiras doações foram, é claro, as dos primeiros Templários, dado que a sua regra os proibia de terem propriedade privada. Foi, portanto, o caso dos bens de Hugues de Payns, de Godefroy de Saint-Omer, em Ypres, na Flandres, dos de Payen de Montdidier, em Fontaines, etc. Mas houve também bens e direitos oferecidos por particulares: casas, terras, armas, objetos diversos, dinheiro, roupas, «taxas»… Havia até quem doasse a sua própria pessoa à Ordem do Templo em troca de uma vantagem espiritual. Bernard Sesmon de Bézu foi um curioso exemplo disso.
As primeiras doações foram, é claro, as dos primeiros Templários, dado que a sua regra os proibia de terem propriedade privada. Foi, portanto, o caso dos bens de Hugues de Payns, de Godefroy de Saint-Omer, em Ypres, na Flandres, dos de Payen de Montdidier, em Fontaines, etc. Mas houve também bens e direitos oferecidos por particulares: casas, terras, armas, objetos diversos, dinheiro, roupas, «taxas»… Havia até quem doasse a sua própria pessoa à Ordem do Templo em troca de uma vantagem espiritual. Bernard Sesmon de Bézu foi um curioso exemplo disso.
Ele doou a
sua própria pessoa a fim de que os Templários o ajudassem a salvar a
sua alma e o acolhessem na sua Ordem quando a sua morte estivesse
próxima, fazendo-o assim participar in extremis no seu empenho e nos
benefícios celestes que daí pudessem resultar. Precisava: “E se a morte
viesse surpreender-me enquanto estou ocupado no século, que os irmãos me
recebam e que, num local oportuno, inumem o meu corpo e me façam
participar das suas graças e benefícios.” Em contrapartida, fazia dos
Templários seus herdeiros. Além destes aspectos testamentários, viu-se
também pessoas venderem os seus bens à Ordem em renda vitalícia.
Outros
cediam direitos diversos ou locais particulares, como a levada de um
riacho para que os Templários pudessem construir lá um moinho. Quanto a
Roger de Béziers, foi muito generoso. Doou: “[…] o seu domínio chamado
Champagne, situado no condado de Razès, nas margens do rio Aude, que o
divide ao meio […] com todos os seus habitantes, homens, mulheres e
crianças, as suas casas, foros, usufrutos, as suas terras isentas de
foros e terras aráveis, os seus prados, pastagens, terrenos baldios, as
suas culturas e terrenos incultos, as suas águas e aquedutos, com todos
os moinhos e direitos de moinho, as pescarias com entradas e saídas.”
Isto sem
contrapartida alguma, visto que afirmava: “Os irmãos do Templo não me
deverão, sobre o seu domínio, nem rendimentos, nem vínculos pessoais,
nem direito de portagem e de passagem.” Algumas dádivas foram
nitidamente mais modestas, como a daquele camponês que se compromete a
fornecer, todos os anos pela Páscoa, dez ovos à casa do Templo próxima
do local onde habita. Os que doavam eram amiúde desinteressados ou
esperavam do seu ato um benefício quanto à remissão dos seus pecados.
Mas outros tratavam isto como negócios. As suas doações eram realizadas
então contra determinadas liberalidades por parte da Ordem e, muitas
vezes, a garantia de esta os proteger, a eles e aos seus interesses,
garantia muito apreciável naqueles tempos de insegurança.
De
qualquer modo, foi tudo muito depressa. Os bens multiplicaram-se
rapidamente. Assim, a casa dos Templários de Douzens, no Aude, não
recebeu menos de dezesseis doações importantes, em cinco anos. Na
Flandres, o entusiasmo foi fulgurante: em alguns dias, foram instaladas
quatro comendas, em Ypres, Cassel, Saint-Omer e Bas-Wameton. A partir
daí, toda a região foi percorrida de imediato, o conde Guillaume Clito
concedeu-lhes as sisas (impostos) das Flandres, isto é, os foros devidos
por cada herdeiro quando entrava na posse do seu feudo. No Languedoque,
fora organizada uma reunião pública na catedral de Toulouse para dar a
conhecer a Ordem. O efeito imediato foi, é claro, um peditório
substancial, mas seguiram-se-lhe inúmeras doações, tanto no Languedoque
como no Roussillon.
Esta
região deu, aliás, um bom exemplo da extensão contínua da Ordem. Em
1130, os Templários receberam um imóvel em Perpignan. Transformaram o
local em fortaleza, com uma igreja fortificada. Em 1136 e 1137,
foram-lhes doadas casas, campinas, terras cultiváveis, vinhas e os
homens que nelas trabalhavam. Aconteceu o mesmo em 1138 e 1140. Sabemos
menos bem o que se passou nos anos seguintes mas, em 1149, Gaufred,
conde de Roussillon, doou o Mas da Garrigue du Pont-Couvert-sur-Réart
que foi transformado em recebedoria. Em 1157, os Templários viram
transferidos para si diversos direitos. Em 1170, o conde Guinard
doou-lhes o castelo do Mas-Pal, junto do qual criaram a aldeia de
Bompas.
Em 1176,
outras terras vieram juntar-se a todas estas propriedades. Em 1180,
começaram a secar um conjunto de pântanos que haviam acabado de lhes
serem doados. Dez anos mais tarde, os Templários tornaram-se
proprietários de todos os terrenos planos situados a oeste de Perpignan.
Em 1207, o rei de Aragão concedeu-lhes terras que tinha no Roussillon
e, em 1208, o bispo de Elne atribuiu lhes a igreja da cidade com os seus
rendimentos. Ocorreram novas doações de terras e de direitos em 1214,
1215 e 1217. Em 1237, na sequência de novas doações, a comendadoria
geral do Roussillon foi instalada no Mas-Deu, entre Trouillas e
Villemolagne. Isto mostra a regularidade das doações durante um século.
Na
verdade, neste lapso de tempo, o Templo recebeu, nesta região, muitas
outras terras mas não as citamos, dado que nem sempre conhecemos as
datas precisas. O movimento de generosidade que se exerceu em prol da
Ordem do Templo adquiriu proporções especialmente importantes na França.
No entanto, outros países participaram nesta construção. Para
esquematizar, poderíamos dizer toda a Europa. Mesmo assim, alguns foram
mais longe do que outros. Isso foi especialmente verdade nos reinos da
Península Ibérica. Logo em Maio de 1128, a Rainha D. Teresa, de
Portugal, dera aos Templários o castelo de Soure, ponto de resistência
aos sarracenos. Não esqueçamos que os árabes da dinastia dos Almorávidas
ainda ocupavam, nessa época, metade da Península Ibérica.
Em 1130, a
entrada de Raimundo III de Barcelona para a Ordem, trazendo com ele o
castelo de Oranera, foi o ponto de partida de uma vaga de recrutamento,
de doações de fortalezas e dinheiro. Quanto ao rei Afonso de Castela e
Aragão, quis inclusive doar, por
testamento, um terço do seu reino aos Templários. Elevaram-se protestos e
o testamento acabou por ser anulado, mas a Ordem foi indenizada, apesar
de tudo, com a atribuição das fortalezas de Curbin, Montjoye, Calamera,
Monzon e Remolina. Por vezes, algumas praças-fortes só lhes foram
atribuídas em troca de alguns esforços. Foi assim que D. Afonso de
Portugal lhes concedeu a de Ceira e toda a região que a rodeava, com a
condição de expulsarem os sarracenos que a ocupavam.
Eles
fizeram-no e aproveitaram para fundar as cidades de Coimbra, Ega e
Ródão. Perante o seu poderio crescente, as pequenas ordens militares que
haviam sido fundadas em Castela e em Aragão, como a Ordem de Montreal,
fundiram-se com a do Templo, trazendo consigo os seus bens. Assim, com
bastante rapidez, a Ordem do Templo encontrou-se solidamente implantada
na França, Espanha, Portugal, Inglaterra, Alemanha, Bélgica e, depois,
na Armênia, Itália e em Chipre, sem esquecer a Terra Santa.
A ORGANIZAÇÃO DAS COMENDAS
Todas estas doações provocaram muitas invejas. Vimos que o testamento do rei de Aragão foi contestado; aqui e ali, alguns particulares consideraram-se lesados, inclusive algumas ordens religiosas protestaram porque, à medida que aumentava o entusiasmo em relação ao Templo, viam rarefazer-se as dádivas de que eram alvo. Por uma espécie de equilíbrio misterioso inerente à natureza humana, quantos mais amigos tinham os Templários mais suscitavam invejas e inimizades. Inúmeras vezes, os bispos e até a Santa Sé tiveram de intervir para dirimir litígios. Assim, no caso da capela de Obstal, os Templários tinham obtido que as esmolas dadas nesse local, durante os três dias das Rogações e os cinco seguintes, pertencessem à Ordem, beneficiando delas, durante o resto do ano, os cônegos de Saint-Martin d’Ypres.
Todas estas doações provocaram muitas invejas. Vimos que o testamento do rei de Aragão foi contestado; aqui e ali, alguns particulares consideraram-se lesados, inclusive algumas ordens religiosas protestaram porque, à medida que aumentava o entusiasmo em relação ao Templo, viam rarefazer-se as dádivas de que eram alvo. Por uma espécie de equilíbrio misterioso inerente à natureza humana, quantos mais amigos tinham os Templários mais suscitavam invejas e inimizades. Inúmeras vezes, os bispos e até a Santa Sé tiveram de intervir para dirimir litígios. Assim, no caso da capela de Obstal, os Templários tinham obtido que as esmolas dadas nesse local, durante os três dias das Rogações e os cinco seguintes, pertencessem à Ordem, beneficiando delas, durante o resto do ano, os cônegos de Saint-Martin d’Ypres.
Foi
necessária a intervenção do arcebispo de Reims e dos bispos de Chartres,
Soissons, Laon, Arras, Mons e Châlons e até mesmo uma confirmação
pontifícia para tornar possível essa disposição. Fosse como fosse, a
quantidade e diversidade destas ofertas em breve exigiu, dos Templários,
uma aptidão muito especial para a gestão e a organização. Escolheram
para célula de base do seu desenvolvimento as comendas. Na verdade, se a
sua criação dependeu, na maior parte das vezes, do acaso e se realizou
em função das oportunidades, o seu desenvolvimento correspondeu a
critérios racionais. A organização dessas comendas ocidentais foi, em
todos os aspectos, notável. Elas reuniram, segundo as regiões, culturas,
prados, vinhas, fontes, ribeiros, lagos, construções diversas, rendas,
direitos.
Sempre que lhes foi possível, os Templários procuraram realizar uma cobertura eficaz das regiões onde estavam bem implantados. Procuraram
também colocar a mão em determinados locais famosos por terem albergado
cultos antigos e que se julgava possuírem poderes especiais.
Tão frequentemente quanto podiam, dado que tinham os pés perfeitamente
assentes em terra, tentaram também garantir rendimentos regulares, em substituição
dos aleatórios. Sempre que lhes foi possível, converteram os direitos e
percentagens que haviam recebido em taxas fixas. É verdade que, cada
dia, a manutenção do seu exército do Oriente lhes custava extremamente
caro e devia ser assegurada, a qualquer preço.
Foi também
por isso que criaram, um pouco por todo o lado, silos de armazenamento,
comprando e armazenando cereais nos anos de grande produção e
revendendo-os, mais caro, certamente, mas a um preço que continuava a
ser bastante razoável, quando a colheita era má. Resultado: benefícios
confortáveis para a Ordem, mas também uma ausência total de fome nas regiões em que estava implantada
– e isso durante os dois séculos da sua existência. Para racionalizar a
exploração das suas terras e direitos e maximizar o rendimento deles, o
Templo não podia satisfazer-se com as doações que lhe eram feitas.
Gerir terras dispersas não teria sido muito prático nem muito econômico.
A Ordem inventou, portanto, a reconstrução.
Completou
as suas propriedades mediante uma política de compras e permutas,
procurando formar conjuntos coerentes para a exploração. Se havia
direitos detidos por terceiros sobre as terras ou os bens que lhes
haviam sido concedidos, tentava sempre comprar esses direitos, de modo a
possuir um máximo de bens livres de quaisquer encargos. Quanto às
terras mais isoladas ou menos interessantes que não se integravam no
seio de uma exploração racional, não hesitava em livrar-se delas, quer
trocando-as, quer cedendo a sua gestão. O objetivo era sempre, numa
primeira fase, permitir à comendadoria viver em auto-subsistência e, em
seguida, libertar o máximo de excedentes possível de modo a financiar o
esforço de guerra no Oriente.
O poderio
da Ordem inquietava várias personalidades e não era raro tentarem
dissuadir as pessoas de doarem os seus bens ao Templo. Os
monges-soldados não hesitavam, para atingirem os seus fins, em recorrer à
artimanha. Utilizavam intermediários, verdadeiros testas de ferro, para
comprarem os bens que cobiçavam que, em seguida, lhes eram revendidos.
Na verdade, os Templários não eram os únicos que praticavam uma
verdadeira política fundiária. Os seus amigos cistercienses eram um
bocado parecidos com eles nessa matéria, mas procediam de forma menos
sistemática. Desde o início que os Templários haviam tido consciência da
importância das trocas comerciais para o desenvolvimento econômico.
A
utilização destes termos pode parecer curiosa porque pertencem a um
vocabulário moderno. No entanto, apesar das diferenças de épocas, são
adequados, na medida em que a Ordem do Templo se comportou exatamente do
mesmo modo que as multinacionais atuais. O
recrutamento fora rápido, mas todos quantos se desejavam alistar nem
sempre eram talhados para se converterem em soldados de elite. Havia,
entre eles, burgueses e camponeses que raramente eram feitos cavaleiros
e, depois, havia também que «reciclar» os feridos que já não mais podiam
combater. Na maior parte das vezes, eram adstritos às comendas
ocidentais onde se utilizavam, da melhor forma, os conhecimentos e
competências de cada um deles. Encarregaram-se das plantações,
da preparação dos solos férteis, do comércio. Havia poucos homens de
armas nessas comendas, na maior parte das vezes, dois ou três cavaleiros
e alguns sargentos, encarregados sobretudo do policiamento, isto é, da proteção das casas do Templo e das rotas utilizadas para o seu comércio.
Para além
do Mestre e de alguns cavaleiros, a comendadoria abrigava geralmente um
esmoler, um enfermeiro, um ecônomo, um recebedor dos direitos devidos ao
Templo, alguns artesãos «irmãos de mestres», dirigidos por um
«alveitar», um irmão responsável pela venda dos produtos, um capelão e
um clérigo mais especialmente encarregado do correio e do equivalente
aos atos notariais atuais. Juntavam-se-lhes criados e artesãos laicos
que constituíam a «mesnada», a «gens» do Templo. Esta criadagem era
bastante numerosa. Assim, em Baugy, no Calvados, compreendia um pastor,
um vaqueiro, um porqueiro, um guardador dos frangos, um encarregado das
florestas, dois porteiros e seis operários. É claro que a composição
destes grupos dependia das explorações e da importância das terras
possuídas porque, muitas vezes, os Templários tinham para gerir
superfícies tão grandes como meia província, com quintas disseminadas,
vilas fortificadas, múltiplas capelas para guarnecer, etc.
Na
administração dos bens da Ordem, o ecônomo ou recebedor podia ser
secundado por um tenente ou por um celeireiro. Os Templários sabiam
empregar métodos racionais, mas isso não os impedia de se mostrarem
pragmáticos e de se adaptarem aos hábitos locais. Isso era tanto mais
necessário quanto empregavam uma mão-de-obra radicada no local: vilões
ou servos. Estes últimos pertenciam-lhes muitas vezes, em consequência
de doações ou heranças. Se alguns desses servos foram alforriados pelos
Templários, tal não se deveu a razões humanitárias. Com efeito, os
irmãos da Ordem possuíram inclusive escravos sem terem problemas de
consciência. Acontecia comprarem-nos e venderem-nos. Tratava-se,
geralmente, de prisioneiros mouros.
Em Aragão,
cada comendadoria utilizava, em média, duas dezenas de escravos. Com
efeito, os Templários submetiam-se às regras da região, sabendo muito
bem que uma política demasiado liberal de alforria, por exemplo, poderia
afastar deles uma nobreza que não teria desejado segui-los nesse campo e
teria receado a expansão dessas medidas. Só utilizavam, portanto, os
vilões naqueles locais onde isso não levantava qualquer problema mas,
quando as condições se prestavam a tal, não hesitavam em alforriar os
seus servos, porque se tinham dado conta de que os homens livres
produziam nitidamente mais do que os outros. Amiúde, ensinavam aos seus
camponeses novos métodos de exploração e, não querendo perder esse
investimento em formação, como diriam os economistas modernos,
obrigavam-nos por vezes a assinar contratos que os obrigavam a investir
na exploração mediante obras de benfeitoria.
A partir
de então, o vilão não se sentia tentado a ir-se embora, dado que
pretendia recuperar os frutos dos seus esforços. Por este meio, o Templo
estabilizava o seu pessoal e, ao mesmo tempo, organizava um sistema de
investimento permanente que foi uma fonte importante de progresso para a
agricultura europeia da época. Aos camponeses menos afortunados
confiavam terras por arrendamento ou locação. Por vezes, nas regiões
insuficientemente povoadas, deparavam-se-lhes dificuldades para
assegurar a exploração das propriedades. Então, tinham de atrair
cultivadores oferecendo-lhes vantagens especiais. Isso foi
particularmente verdade na
Península Ibérica, em relação às terras tomadas aos árabes. Chegaram
mesmo a recorrer a muçulmanos para cultivarem e valorizarem as suas
propriedades, mediante determinadas condições de submissão.
Assim, em
Villastar, na fronteira do reino de Valência, pediram aos sarracenos
expulsos pela reconquista cristã que regressassem. Para tal, em 1267,
concederam-lhes um foral em que lhes garantiam o direito de praticarem o
seu culto, os isentavam de rendas e foros (impostos) durante um
determinado período de tempo, exigiam deles uma estrita neutralidade
militar e pediam-lhes que jurassem fidelidade à Ordem do Templo. Que
exemplo de política realista numa época que julgamos, por vezes,
integralmente submetida a um ideal religioso! As comendas foram,
realmente, centros de produção importantes e exemplos recolhidos no Sul e
no Norte de França mostram-no bem.
Em
Richerenches, na Provence, a generosidade de numerosas famílias da
região permitira aos Templários possuírem um imenso domínio. Várias
centenas de pessoas foram contratadas para desmatar o solo, secar as
zonas pantanosas. Depois, criaram-se, nessas terras, milhares de cavalos
e carneiros que viviam quase livres em imensas superfícies rodeadas por
muros de pedras. A lã dos carneiros permitia a confecção de roupas que,
depois, eram exportadas. As peles serviam para fabricar sacos,
proteções, arreios. A carne dos carneiros era salgada ou defumada para
ser conservada e enviada, nomeadamente, para a Terra Santa. A própria
comendadoria estava instalada num quadrilátero com 74 m a norte, 81 m a
sul, 58 m a leste e 55 m a oeste, rodeada por muralhas e torres. No
interior, para além da comendadoria propriamente dita, encontravam-se
uma capela e as oficinas onde se desenvolvia um artesanato que não tinha
como única finalidade a satisfação das necessidades locais.
Os
Templários de Richerenches tinham arranjado também os ribeiros e lagos
próximos, o que lhes havia permitido ampliarem as suas pastagens e
entregarem-se à piscicultura. Apreciadores de peixes e, muitas vezes,
também da boa mesa, estes monges-soldados deixaram-nos até receitas de
cozinha. É o caso desta, conservada numa crônica: “Uma bela solha de
cinco a seis libras, esvaziada das entranhas, abundantemente lavada em
água envinagrada, é recheada com tomilho, salva, louro, trufas e azeite.
Cozinhada em forno muito quente durante uma hora, arrefecida no
parapeito da janela e envolvida em gelatina, é cortada em fatias, como
um patê…”
A COMENDA, POTÊNCIA ECONÔMICA E COMERCIAL
Já vimos que, para além da exploração agrícola, os Templários se faziam pagar pelos serviços, como os moinhos que afetavam e cuja utilização estava sujeita a foros. Era, aliás, um dos pecadilhos dos seus amigos cistercienses cujos mosteiros borguinhões, no século XIII, possuíam cada um, em média, uma dezena de moinhos. Azenhas (moinhos movidos pela força da água de um riacho), na maior parte dos casos, mas também moinhos de vento, serviam, é claro, para a moagem de cereais, o esmagamento das azeitonas e do miolo das nozes para a extração de óleo, mas também para tarefas artesanais e semi-industriais como o pisoar dos tecidos de lã. Por vezes, os Templários associavam tanarias aos seus moinhos ou aproveitavam-nos para criarem verdadeiras redes de irrigação.
Já vimos que, para além da exploração agrícola, os Templários se faziam pagar pelos serviços, como os moinhos que afetavam e cuja utilização estava sujeita a foros. Era, aliás, um dos pecadilhos dos seus amigos cistercienses cujos mosteiros borguinhões, no século XIII, possuíam cada um, em média, uma dezena de moinhos. Azenhas (moinhos movidos pela força da água de um riacho), na maior parte dos casos, mas também moinhos de vento, serviam, é claro, para a moagem de cereais, o esmagamento das azeitonas e do miolo das nozes para a extração de óleo, mas também para tarefas artesanais e semi-industriais como o pisoar dos tecidos de lã. Por vezes, os Templários associavam tanarias aos seus moinhos ou aproveitavam-nos para criarem verdadeiras redes de irrigação.
Os outros
agricultores podiam beneficiar-se delas, a troco de foros. Os Templários
possuíam também fornos, mas é preciso notar que os direitos que
obrigavam a pagar pela sua utilização eram geralmente menos elevados do
que os dos outros proprietários, o que atraía para eles uma clientela
fiel e lhes valia algumas inimizades entre os concorrentes. Os
Templários recebiam ainda outros direitos. Para além dos dízimos, que já
referimos, retiravam rendimentos das casas que arrendavam, bem como de
lojas. Detinham, por vezes, os direitos sobre o conjunto das vendas nas
feiras, nomeadamente em Provins, como lembra Bruno Lafille: “Não se
vende, em Provins, nenhum novelo de lã, nenhuma meada de fio, nenhum
colchão de penas, almofada, veículo ou roda sem que os Templários
recolham um imposto sobre o preço de venda.”
Com
efeito, o conde Henrique cedera-lhes, contra dez marcos e meio de prata,
o imposto de lugar recebido quando das feiras. Em 1214, adquiriram
também o imposto de lugar sobre os animais destinados ao matadouro.
Recebiam, por fim, um direito sobre a pesagem das leis. A pedra de peso
que servia de padrão de pesagem na cidade de Provins foi-lhes confiada e
montaram dois estabelecimentos de pesagem: um, em Sainte-Croix, na
cidade baixa, e outro em La Madeleine, na cidade alta. É difícil
imaginar a riqueza que tudo isso representava na época. Em 1307, quando
foi feito o inventário da casa dos Templários de Baugy, que era apenas
um estabelecimento muito secundário e modesto, encontraram-se nada menos
que: 14 vacas, 5 vacas leiteiras, 1 bezerro, 7 vitelas, 200 bois
adultos, 100 carneiros, 180 ovelhas e cordeiros, 98 porcos e marrãs, 8
jumentos, 8 potros de mais de um ano, 4 potros de leite, 6 cavalos,
tonéis de vinho e cerveja, silos cheios de trigo, frumento, aveia,
celeiros cheios de feno e erva, três belas charruas e inúmeras alfaias
para arar.
A riqueza
agrícola das comendas devia-se, em grande parte, às extraordinárias
qualidades de gestores dos Templários. Punha-os à frente daquilo a que
poderíamos chamar um verdadeiro império financeiro, tanto mais que
souberam também ser banqueiros, como veremos mais à frente. Mas
utilizaram também a sua experiência para fazer progredir as técnicas da
época. Nomeadamente, melhoraram as técnicas de armazenamento de grãos em
silos, o que permitiu evitar, durante a existência da Ordem, todas as
fomes. Estas reapareceram depois da extinção do Templo.
Em todo o
caso, esta riqueza, legítima aos olhos de alguns, gerou todas as lendas
escritas e faladas de tesouros escondidos nos locais das antigas
comendas do Templo. É certo que só se empresta aos ricos, mas não
esqueçamos que uma grande parte dessa riqueza era investida e que os
excedentes serviam essencialmente para financiar o esforço de guerra no
Oriente. Mesmo assim, todos têm o direito de sonhar ao descobrir esses
subterrâneos de que as comendas eram, amiúde, dotadas. Louis Charpentier
pensa que a sua entrada pode ser detectada em lugares, que, geralmente,
têm nomes como Épine, Épinay, Pinay, Épinac, Belle-Épine, Courbe, Épine, etc.
Esses
subterrâneos são, muitas vezes, difíceis de se encontrar, hoje em dia.
Em parte soterrados ou inundados, o solo revolto nem sempre permite
encontrar os seus vestígios. Mesmo assim, conseguiu-se desenterrar
alguns, como em Dormelle, no Seine-et-Marne. Encontrou-se lá uma bela
galeria com abóbada de berço, suficientemente grande para que três
cavaleiros pudessem cavalgar nela, lado a lado. Dirigia-se para a
comenda de Paley, situada a nove quilômetros. E por certo haverá outras
mais sob o solo de França. Mas veremos um pouco mais à frente que, se os
túneis subterrâneos existem mesmo e estão por vezes ligados a
mistérios, não é apenas através das «épines» que podemos descobri-los,
mas antes através de outras chaves, que são as de São Pedro.
Mais informações sobre os Templários:
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