sábado, 31 de janeiro de 2015

SPARTACUS E OS GLADIADORES

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Milão, monumento a da Vinci
Os gladiadores eram uma espécie de desportistas, em Roma, deste a antiguidade. Muitos se tornavam famosos e tinham clubes de fãs, como é o caso de Spartacus ou Espártaco, aportuguesado.
Os romanos eram apaixonados por espetáculos que envolvessem sangue e morte. Construíram-se muitos estádios para esse tipo de luta, sendo que o mais famoso dele ficou conhecido pelo nome de Coliseu, Colosseum, em latim, Colosseo, em italiano, por estar, ao lado dele, a colossal estátua construída por Nero, em homenagem a si próprio, que se erguia a mais de trinta metros de altura. Hoje, dela nada mais resta.
Segundo Plutarco, Espártaco seria grego, vindo da Trácia (Plutarco, Vidas Paralelas, A Vida de Crasso). Os lutadores trácios se caracterizavam por usar escudo redondo e espada curta. Teria vivido entre 109 e 71 a. C.. Teria desertado do exército romano e, em virtude disso, condenado à escravidão.
Foi adquirido por um treinador de gladiadores (lanista) muito conhecido em Cápua, Lêntulo Batiato. Em razão de ser muito violento e infligir maus tratos a seus escravos, um grande número deles fugiu, entre eles estava Espártaco. Segundo ainda Plutarco, pelo caminho, teriam encontrado carroças carregadas de armas destinadas aos gladiadores. Assaltaram-nas e armaram-se.
O exército romano organiza uma, então, expedição contra Espártaco e seus seguidores. Confiaram a captura deles ao pretor romano Caio Cláudio Glabro, que os sitia em uma colina de difícil acesso. Eles conseguem escapar por uma das laterais. Então, muitos pastores e guardadores de bois das redondezas armaram-se e juntaram-se a eles, tornando-se um exército considerável. Os desvalidos uniam-se a Espártaco, que não tinha nenhum outro objetivo a não ser fugir da escravidão romana.
Os romanos mandam, então, o comandante Públio Varínio ao encalço deles, com um exército, no intuito de destroçá-los. O exército de dois mil homens de Varínio foi fragorosamente derrotado pelos insurgentes.
Roma envia, então, um exército mais poderoso, sob o comando dos cônsules. A expedição anterior tinha sido enviada pelo Senado, que ficara desmoralizado. Lúcio Publícola e Lêntulo, os dois cônsules do ano, partiram ao encalce dele.
Para se entender o sistema administrativo de Roma dessa época, ou seja, o republicano, veja-se o seguinte: segundo as leis da República, dois cônsules, eleitos para o mandato de um ano, pelas tribos romanas, comandava o país. Esses tinham em conjunto o poder que seria hoje do presidente da república. Havia o Senado Romano, cujos membros eram vitalícios, que representavam o poder legislativo, mas acumulavam algumas funções administrativas. Os cônsules e seus auxiliares exerciam o poder executivo.
Pois os cônsules organizaram sua tropa para combater os revoltosos de
Morte de Espártaco, por Louis-Ernest Barrias, (1871),
jardins do Palácio das Tulherias, (Paris)
Espártaco, que estava ao norte da Itália, no vale do rio Pó. Após algumas vitórias de Publícola sobre alguns grupos de germanos que se haviam aliado ao gladiador, Lêntulo, com um exército de dez mil homens, sofreu uma tão fragorosa derrota das tropas de Espártaco, que a caro custo conseguiu salvar a própria vida.
Sabedor desse fracasso, o Senado encarrega seu membro de mais alto prestígio, dono do Banco de Roma, Marco Licínio Crasso, a chefiar o ataque ao revoltoso.
Crasso organiza um poderoso exército, escolhendo muitos jovens da elite romana, enquanto Espártaco já estava no sul, na Sicília. Crasso, inicialmente, cerca as tropas de Espártaco com um fosso e uma muralha. Numa noite de neve, as tropas rebeldes derrubam uma parte da ala muralha, por onde passa dois terços das tropas. Espártaco infringe uma fragorosa derrota à tropas de Crasso. Então o grande general Pompeu, experimentado na guerra da Espanha, vem em defesa de Crasso, vence as tropas de Espártaco e entra em Roma triunfante, roubando as glórias de Crasso.
Espártaco pereceu em combate nessa luta contra os romanos. Sua derrota deveu-se à desobediência das tropas, que não obedeciam, quando ele as mandava recuar, a fim de reorganizá-las. Animados pelas vitórias sobre o glorioso exército romano, os combatentes seguiam em frente, sem comando, até serem derrotados. Crasso manda crucificar seis mil revoltosos ao longo da Via Ápia, em Roma, para desestimular qualquer tipo de levante popular.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

MÁFIA – HISTÓRIA E ORIGENS

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Stazione di Milano Centrale 
A MÁFIA é uma instituição secreta muito antiga, surgida no período medieval. Hoje, é quase um consenso que se trata de uma organização criminosa. Porém, ao ler depoimentos de alguns membros graduados dessa instituição, percebi que eles se consideram pertencentes a uma organização político-econômica, não mais corrupta do que outras entidades e partidos políticos, tais como o PdL (Popolo della Libertà), de Silvio Berlusconi ou a DC (Democrazia Cristiana), do líder político assassinado no século passado, Aldo Moro.
Como toda a entidade secreta, é muito difícil conhecer-lhe os membros, os objetivos, a história. A maioria dos dados que são publicados são duvidosos, ora originados de seus adversários, ora de seus membros, com os interesses mais diversos.
Segundo a hipótese mais comum, não há uma única máfia. As lutas pela posse da terra, no período feudal, fizeram surgir organizações secretas que combatiam os grandes proprietários rurais, visando ao partilhamento dos latifúndios destinados à agricultura. Houve também movimentos urbanos, compostos por indivíduos que pertenciam a grupos que não tinham emprego, nem possuíam meio próprio de prover a própria existência. Essas organizações citadinas também contribuíram para a formação da máfia.
Embora haja hipóteses de que o nome máfia se tenha formado a partir do adjetivo siciliano mafiusu, originado do árabe mahyas, cujo sentido é alarde agressivo, jactância ou marfud, que significa rejeitado, não há nenhuma certeza disso. Sabe-se que desde os tempos pré-cristãos os árabes invadiam a Sicília. Eram conhecidos como cartagineses. Depois, a partir do século XI, houve sucessivas invasões dos povos conhecidos como Sarracenos. Porém, é pouco provável que deles se origine o nome da instituição.
A organização é também conhecida como “cosa nostra” (assunto nosso ou coisa nossa). “Camorra”, seria o nome que a máfia recebia em Nápoles. Na Calábria, é conhecida como 'Ndrangheta.
Com relação ainda ao termo máfia, no entanto, o que me parece mais provável é que seja um acrônimo, como afirmam muitos. Seria um nome formado a partir das iniciais de uma frase ou um lema, ao modo das siglas. Esse acrônimo se teria formado da frase Morte Ai Francesi Italiani Anelono (ou outra variante Morte Alla Francia Italia Anela), cuja tradução mais ou menos livre seria: Morte aos franceses, aliança aos italianos.
Essa frase se teria originado durante a conquista da Sicília por Napoleão, no fim do século XIX. O imperador da França nomeava administradores franceses para a ilha. A máfia fazia atentados para assassiná-los Assim, os grupos já organizados anteriormente ora para as lutas rurais, ora para a busca de direitos dos marginalizados urbanos teria surgido esse novo movimento que seria denominado de máfia.
O fato é que a máfia cresceu, tornou-se poderosa. Expandiu-se pelos demais países da Europa e passou a exigir dos comerciantes uma taxa de segurança. Os que não concordassem em pagar o valor estipulado tinham seus estabelecimentos depredados.
Assim, tornou-se ainda mais poderosa, migrando também para os Estados Unidos e Canadá, países que tinham prósperas colônias de imigrantes italianos. Ali, aumentaram suas áreas de atuação, que incluíam também o tráfico e a comércio de drogas.

Nos dias de hoje, fala-se em máfia russa, máfia chinesa, máfia coreana e muitas outras, inclusive uma brasileira. Estariam, esses novos grupos ligados à máfia italiana, ou seria apenas uma denominação metonímica, devido a se dedicarem aos mesmos ramos de atividades extralegais?

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

CONSTANTINO, FUNDADOR DO CRISTIANISMO

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Há quem afirme, e com certo grau de razão, que teria sido o Imperador Constantino, O Grande, no século III d. C., o verdadeiro fundador do Cristianismo. Sem a participação desse imperador, o cristianismo não teria sido o que foi.
Porém, o cristianismo criado pelos imperadores romanos foi o do descaminho. O cristianismo dos reis, das elites, da corrupção e do crime.
Constantino jamais foi de fato cristão. Usou do cristianismo, incipiente no Império Romano, e prestigiado entre a plebe, para firmar-se no poder.
Quando Diocleciano assume o poder em Roma, no fim do século III, não mais por pertencer à família dos Césares, mas por ser um respeitável general de origem humilde, divide com seu colega Maximiano, o poder, embora se considerasse superior a esse.
Palácio Laterano
Tornando-se impossível manter a unidade do império, formou uma tetrarquia com outros três colegas também generais, e dividiu novamente o vasto império construído pela poderosa Roma. Eram eles Maximiano, Galério e Constâncio Cloro.
Por fim, Diocleciano e Maximiano abdicam em favor de Constâncio Cloro e Galério. Constâncio casara com Júlia Helena, de quem havia nascido Constantino. Depois, abandonou-a, para ligar-se a Fausta, irmã de Maxêncio e filha de seu colega Maximiano.
A decadência do império era evidente. As reformas de Diocleciano eram paliativas. Não havia harmonia entre Constâncio Cloro e Galério. A vida de Constâncio teve um fim trágico com seu assassinato na Britânia. O exército, então, nomeou como seu substituto o filho dele Constantino, que acompanhava o pai como general do exército romano.
Maxêncio, filho de Maximiano, assume o poder de uma facção do império. Maximiano suicida-se. Maxêncio e Constantino disputam o poder, militarmente. Maxêncio é morto e Constantino unifica o império.
Júlia Helena, mãe de Constantino, era cristã. Ele se vale disso para usar do cristianismo para influenciar suas tropas nas lutas contra Maxêncio. Narra aos soldados que Cristo lhe havia aparecido e dito que se tivesse como símbolo a cruz, venceria. Criou, então, a expressão emblemática “In hoc signo vinces”, (Por este sinal vencerás.), que se tornou o lema de seu exército. Daí em diante, aproxima-se da cúpula da Igreja.
San Giovanni in Laterano
Dá início ao que se vai tornar um estado sacerdotal, monárquico, governado pelo Papa. Até esse momento, os papas eram pobres. A maioria deles foi mártir nas mãos dos imperadores romanos, desde o primeiro, São Pedro, que foi crucificado e morto, sob a condenação de Nero, no ano 67 d. C..
Constantino estabelece, primeiramente, a liberdade religiosa e proíbe qualquer tipo de perseguição aos cristãos. Pelo Tratado de Latrão, destina o Palácio Laterano, no monte Célio, como residência papal. Numa eleição, manipulada pelo imperador, é escolhido para novo Papa, Silvestre I. Silvestre era uma homem fraco e comodista e curvou-se a todas as exigências do imperador, aceitando as regalias de vida próprias de um rei.
O Palácio Lateranense, também conhecido como Palácio de Latrão, situa-se do lado externo dos muros de Roma, à esquerda de quem sai pela Porta de São João. Há, ao lado do palácio, um obelisco egípcio dos faraós Tutmés III e IV, trazido para Roma pelo Imperador Constantino II.
Durante o Império Romano, esta área ao lado das altas muralhas da capital do mundo pertencia à família dos Lateranos, Laterani, em Latim. Sextus Lateranus foi o primeiro cônsul da antiga República Romana, do período pré-cristão, que construiu ali o palácio que existe até hoje. Constantino destinou-o aos Papas e construiu ao seu lado a igreja que ficou conhecida como Basílica de São João de Latrão. A esta, seguiram-se tantas outras monumentais, por diversas partes do mundo.
Até serem construídos a Igreja e o Palácio do Vaticano, próximos ao Rio Tibre, local onde São Pedro foi crucificado, o Palácio Laterano e a Basílica de Latrão foram a sede da Igreja Católica. Aliás, o nome Vaticano provém de Vates, os sacerdotes que faziam vaticínios entre os antigos romanos pagãos.
Esse foi o começo da formação dos Estados Pontifícios, um reino que, ia, no auge de sua magnificência, desde o norte de Nápoles até próximo a Florença. Gradativamente, os Papas tornaram-se também reis materiais, tendo um território no centro da Itália a administrar, e um povo a reger.
Essa situação fez com que muitos deles, atingidos pela paixão pelo poder e pela cobiça do dinheiro, abandonassem sua missão fundamental, ou seja, cuidar das almas e das fragilidades humanas, da justiça social, sendo mediadora entre os governantes nas disputas políticas. Pois essa ação destruidora de Constantino criou o grande descaminho e decadência da Igreja. Fanáticos imperadores cristãos, como Teodósio I, foram iconoclastas, destruindo muito da arte pagã. Felizmente, no século passado e neste, parece que uma estrela brilha na mente e na alma de alguns Papas que se voltaram para a justiça e a fé. Salve João XXIII, salve João Paulo II, salve Francisco.


segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

MINHA VISITA ÀS RUÍNAS DE POMPEIA EM FEVEREIRO DE 2008

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Era janeiro de 2008, acabáramos, minha esposa Cristina e eu, de realizar uma longa viagem rodoviária de mais de três mil quilômetros, desde Lisboa, passando por todo o interior da Espanha, o sul da França e depois descêramos pelo Itália, de Veneza até Roma. Decidimos, então, visitar Nápoles, que se encontra a pouco mais de 200 km ao sul da capital.
Nápoles é a terceira cidade italiana em número de habitantes, abrigando em torno de um milhão e meio de cidadãos. Porém, se somarmos as outras cidades menos populosas dos arredores e os habitantes rurais, teremos mais de três milhões de pessoas nos arredores do vulcão, por ele atingíveis. Consiste na maior concentração humana em região vulcânica.Além do mais, Nápoles é também um importante centro industrial e comercial.
Essa cidade tem sua espada de Dâmocles pendurada sobre a cabeça, que é o Vesúvio. Na maior erupção da história, o magma, a mais de 700º graus, desceu até as águas da baía de Nápoles e o mar ferveu, segundo a narrativa de Plínio, o Jovem. Foi vítima dessa tragédia o tio do narrador, Plínio o Velho, desejando fazer estudos sobre o vulcão e auxiliar os desamparados.
erupção do Vesúvio de 1944

Nossa curiosidade na velha Nápoles, cidade fundada pelos gregos ainda muito antes de Cristo, era o Vesúvio. Desde o tempo dos antigos romanos, este vulcão é famoso. Ele se situa a pouco mais de vinte quilômetros da cidade, em uma estrada que leva de Nápoles ao centro da Itália. A maior erupção do século XX ocorreu em 17 março 1944, em que foram destruídas as populações de San Sebastiano AL Vesuvio, Massa di Somma e parte de San Giorgio em Cremano, enquanto que a Segunda Guerra Mundial avançava na Itália.
Ocorria a invasão norte-americana da Itália. Com Vesúvio cuspindo lava e cinzas, os  jipes do Exército dos USA. fugiam com pressa. A erupção ocorreu poucos meses após a chegada das forças aliadas em Nápoles e causou grandes problemas. Um esquadrão inteiro de 88 bombardeiros B-25 da USAF foi destruído durante a erupção do vulcão. Alguns religiosos fanáticos acreditavam que fosse Deus defendendo a Itália.
jipes dos USA, fugindo do Vesúvio na guerra,  em 1944
Voltando ao Monte Vesúvio, trata-se, geologicamente, do resultado do choque entre duas placas tectônicas com movimentos convergentes, a placa Africana e a Euroasiática. A Africana, sendo a menos densa mergulhou sob a outra ficando o seu material sobre grande pressão. Assim este material foi começando a aquecer até fundir-se, formando magma. Como o magma é menos denso que a rocha sólida que o envolve, foi empurrado para cima. Quando conseguiu encontrar um ponto mais débil e fraco na crosta, o magma rompeu-o, gerando a erupção do vulcão.
Com 1220 metros de altura, desde 1944, o Vesúvio não entra em erupção. Em 1968, deu alguns sinais de atividade, não chegando a expelir lava. Estudiosos descobriram um enorme bloco rochoso obstruindo a saída do vulcão que poderia estar funcionando como uma rolha de champanha. Segundo alguns especialistas, uma colossal pressão originada pelo magma gerado pela pressão das placas tectônicas se estaria concentrando sobre esse tampão de rocha. A explosão seria uma questão de tempo. Sendo hoje, como se viu, as populações vizinhas muito numerosas, em questão de minutos, poderiam ser dizimados milhões de cidadãos.
Em termos de mitologia, o Vesúvio era um lugar sagrado tanto para os romanos quanto para os gregos, pois seria o lugar em que Héracles (Hércules, para os romanos) teria nascido. Na encosta do monte, situava-se Herculanum, cidade natal do herói.
No entanto, a erupção historicamente mais relevante do Vesúvio foi a do ano 79 d. C., descrita por ilustres escritores como Plínio o Jovem. Essa desastrosa manifestação da natureza destruiu especialmente três importantes cidades daquele tempo: Pompeia, Herculanum e Estábia. 
Pompeia, que visitamos nessa ocasião, tinha, no tempo de sua destruição, em torno de vinte mil habitantes. Os seus moradores já se haviam habituado aos tremores de terra de pequena intensidade, comuns naquela época. Em 62 d. C., um abalo sísmico havia provocado sérios estragos nos arredores da baía de Nápoles. Pontes, prédios e templos haviam ruído. Em Pompeia, havia provocado muitos e sérios desastres.
Porém, em 79, a erupção foi catastrófica. Plínio, o Jovem tinha uma residência de campo (Villa, para os romanos) em Miseno, do outro lado do golfo de Nápoles. Desse ponto privilegiado, pode observar a calamidade. Veja-se sua descrição:
“Era o nono dia antes das calendas de setembro (24 de agosto, em nosso calendário), pela sétima hora (13 horas, para nós), quando minha mãe me mostrou que se formava uma nuvem volumosa e de forma incomum. Havia tomado seu banho de sol, depois um banho frio, e, num leito, estudava. Levantou-se e subiu a um lugar do qual podia ver melhor. A nuvem parecia-se muito com um pinheiro porque, depois de elevar-se em forma de um tronco, desabrochava no ar seus ramos. Creio que era arrastada por uma rápida corrente de vento e que, quando esta cedia, a nuvem, vencida por seu próprio peso, dilatava-se e expandia-se, parecendo às vezes branca, às vezes escura ou de diferentes cores, conforme estivesse mais impregnada de terra ou de cinzas. O Vesúvio brilhava com enormes labaredas em muitos pontos e grandes colunas de fogo saíam dele, cuja intensidade fazia mais ostensivas as trevas noturnas. O dia nascia já em outras regiões, mas aqui continuava noite, uma noite fechada, mais tenebrosa que todas as outras; a única exceção era a luz dos relâmpagos e outros fenômenos semelhantes..Podiam-se ouvir os soluços das mulheres, o lamento das crianças e os gritos dos homens. Muitos clamavam pela ajuda dos deuses, mas muitos outros imaginavam que não havia mais deuses e que o Universo estava imerso numa eterna escuridão”. (Plínio, o Jovem, Epistolae, Livro VI – Trata-se de uma carta de Plínio a seu jovem amigo Tácito, futuro historiador, que lhe solicitava a descrição do que havia visto em Pompeia).
Somente 1600 anos depois da tragédia de Pompeia é que se iniciaram as escavações de estudos no local. Até essa época, somente os ladrões e vândalos escavavam para roubar os objetos de valor que os fugitivos atingidos pelo magma carregavam consigo. Geralmente, quebravam-lhes as mãos que podiam conter objetos preciosos.
Sempre o Vesúvio - pavoroso e lindo
As escavações arqueológicas somente se iniciaram no final do século XVIII, em Pompeia, quando começaram a emergir monumentos importantes, como o templo de Isis, o de Apolo e o Grande Teatro, bem como milhares de corpos petrificados, a maioria dos quais se encontra ainda lá, sobre mesas ou ao solo. Acredita-se que tenham sido mortos pela erupção, em Pompeia, em torno de dezesseis mil pessoas.
As escavações arqueológicas continuam até hoje. Um dos arqueólogos confirmou-me que há trabalho para mais, pelo menos, duzentos anos. A fase atual dedica-se a minúcias que revelam o modo de vida desse povo. Dedicam-se, os estudiosos, aos pequenos objetos caseiros ligados a costumes culturais e religiosos, indicadores de crenças e concepções da vida e da existência. Os trabalhos são extensos, mesmo porque há muitas áreas da cidade ainda não escavadas. Foram, primeiramente, escavados os prédios e as ruas centrais da cidade, restando os bairros periféricos.
Alguns prédios estão bastante conservados, podendo-se identificar os nomes dos moradores e até mesmo as pinturas das paredes, porém, toda a parte de madeira que sustentava os tetos simplesmente desapareceu pelas altas temperaturas das emanações vulcânicas.
A narrativa de uma das cartas de Plínio, o Jovem, a seu amigo Tácito, feita 25 anos após a catastrófica ocorrência, afirma também que, por volta das 13 horas, teria iniciado uma chuva de cinzas que se ia adensando mais e mais. Em determinado momento, a própria cúpula teria explodido e enormes blocos teriam sido jogados pelos ares, a grande altura e distância. Assim, o monte que teria em torno de 1.280 metros de altura, reduzira-se para os 1.220 metros atuais.
O Vesúvio encobriu também, nessa tragédia do ano 79 d. C., as cidades menores de Herculanum e Estábia. Enquanto Pompeia era uma rica cidade agrícola, destacada pela fertilidade de seu solo, Herculanum era uma cidade muito menor, destinada, essencialmente, aos ricos, especialmente aos sábios, que aí construíam residências de luxo destinadas ao lazer e à reflexão.
Ao se transitar pelas ruas de Pompeia, entra-se em um clima de tragédia. Veja-se o aspecto de uma rua central da cidade como se encontrava no gélido fevereiro de 2008.













Uma das cenas que mais me chocou, ao observar os corpos petrificados pelo vulcão, foi a imagem de uma criança, com aparência de uns doze anos, sentada, com as mãos à cabeça, numa atitude de completa impotência diante do ímpeto da natureza. Sem nada entender, simplesmente sentou-se. E lá está hoje, entre caixotes e velhos vasos, num depósito.













Outra cena marcante é a de um corpo de mulher grávida, dentro de um expositor transparente, de bruços, exposto junto com uma grande quantidade de quinquilharias.













Depois a cidade, suas ruas, seus templos, tudo o que foi e que não é mais do que apenas ruínas. Uma cidade sem moradores, um ambiente pesado e fantasmagórico.

















































Por trás de tudo, sempre o Vesúvio, com seu aspecto ameaçador, aterrante. De sua imponente montanha, em que subi para observar-lhe as entranhas e passei a fita amarela e preta para que, debruçado sobre o abismo, sentisse-lhe o cheiro e lhe observasse as entranhas, o vulcão ameaça, a cada dia milhões de cidadãos que, descuidados, cumprem sua rotina, diariamente. Nessa feliz apreensão de imagem de minha esposa Cristina, parece estar o vulcão voltando a se manifestar, com as nuvens em seu cume, felizmente apenas no nível da aparência.


O aterrador e o belo, o bem e o mal se imiscuem na vida, lado a lado, revelando, em seu silêncio, que a existência contempla muitos momentos de alegria, prazer e felicidade, mas é, inexoravelmente trágica.

domingo, 25 de janeiro de 2015

MITO DO ETERNO RETORNO

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Desde o século VI a. C., os estudiosos têm manifestado uma grande preocupação com a história. Heráclito de Éfeso afirma que o mundo está em constante transformação a que ele chama de devir.
De Nietzsche, no século XI a Mircea Eliade, no século XX, muito se discutiu sobre o devir e o mito do retorno. O mito de Perséfone, na Grécia antiga, que passava o inverno com Hades nas profundezas da Terra, quando na superfície o inverno castigava o mundo,  e o verão com a mãe Deméter, quando a vegetação se renovava, é uma constatação da repetição dos fenômenos naturais.
Já, na mitologia, se criaram os arquétipos de repetição, que tornarão mitologemas heróis reais ou míticos. Karl Gustav Jung tem um livro célebre sobre a teoria dos arquétipos, Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, em que mostra a função dos mitos na interpretação. Sobre isso, diz Junito Brandão em sua Mitologia Grega: “Na verdade, o Mito, como verdade última, é elemento de orientação do ser. O homem, desde suas origens, não produz os Mitos. As idéias mitológicas ocorrem a ele; ele não as pensa, mas é pensado por elas, poderíamos dizer. Os núcleos componentes de todos os Mitos das diversas culturas, os mitologemas, representam estruturas mentais básicas de todos os homens... Geia, Deméter, Sêmele... expressam o arquétipo da Grande Mãe.” (Brandão, Mitologia Grega, vol. I, orelha). 
Publius Ovidius Naso
Como diz Mircea Eliade em seu Mito do Eterno Retorno: “Na maior parte das sociedades primitivas, o Ano Novo equivale ao levantamento do tabu sobre as novas colheitas, que são assim declaradas comestíveis e inócuas para toda a comunidade. Nos lugares onde diversos tipos de grãos e frutas são cultivados, amadurecendo sucessivamente durante as diversas estações, algumas vezes encontramos a celebração de festivais do Ano Novo. Isso significa que as divisões do tempo são determinadas pelos rituais que orientam a renovação das reservas alimentares; isto é, os rituais que garantem a continuidade da vida da comunidade por inteiro. Isso não justifica qualquer conclusão de que esses rituais seriam meros reflexos da vida econômica e social: nas sociedades tradicionais, os aspectos “econômicos” e ”sociais” tinham um significado completamente diferente daquele que lhes dão os modernos europeus.) A adoção do ano solar como unidade de tempo é de origem egípcia. A maior parte das demais culturas históricas — e mesmo o próprio Egito, até um determinado período — tinha um ano, ao mesmo tempo lunar e solar, com duração de 360 dias (ou seja, 12 meses de 30 dias cada um), ao qual foram acrescentados cinco dias intercalados. Os índios zuni chamavam os meses de "passos do ano", e o ano de "passagem do tempo".
Os judeus antigos tinham uma concepção hierofânica da história. Isto é, todos os fenômenos históricos eram revelações divinas. Assim, uma derrota militar, uma tempestade ou uma seca eram castigos divinos pelos pecados cometidos. Pelo contrário, as vitórias, a chuva, as boas colheitas eram manifestações divinas de que o povo estava agindo de acordo com a vontade divina.
Muitos povos representavam a história como uma serpente com o rabo preso à boca. Simbolizava que a história, como o ano cósmico, se repetia constantemente. Há hoje quem afirme de outra forma, que a história é um espiral. Os fenômenos se reptem, mas m outro nível.
Há, também o mito, que se iniciou entre os gregos e que os romanos apresentam magistralmente em As Metamorfoses de Públio Ovídio, em que se crê em um tempo primordial, em que as coisas eram melhores do que são hoje. Ovídio fala em uma era de ouro: “Ocorreu durante o governo de Cronos. Os homens viveram livres de sofrimentos, paz e harmonia predominaram durante esta era. Os humanos não envelheciam, mas morriam pacificamente. A primavera era eterna e as pessoas eram alimentadas com bolotas de um grande carvalho, com frutas silvestres e mel que gotejava das árvores. A principal característica dessa era, consistia em que a terra produzia comida em abundância, de modo que a agricultura era uma atividade supérflua. Esta característica também define quase todas as versões posteriores do mito. Esta era terminou quando Prometeu deu o segredo do fogo aos homens.” (Resumo do poema de Ovídio).
Esse mito existe até o presente momento no imaginário das pessoas que afirmam ter sido a realidade do passado muito melhor do que a de hoje.
As religiões sempre apresentam um conceito transcendente da história. Haverá um futuro ligado à divindade, um paraíso, que será o prêmio das boas ações humanas, ou o castigo para as más.
Friedrich Nietzsche
Porém, a abordagem mais complexa do mito do retorno é a apresentada por Nietzsche em sua obra Gaia Ciência. Diz ele: “E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: ‘Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma sequência e ordem  – e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!’.  – Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!”. Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela” – (Friedrich Nietzsche, Gaia Ciência, 341.)
O filósofo alemão não cria em qualquer intervenção divina. Para ele, a existência é completamente imanente. Não existe nenhum grau de transcendência.
Essa obra é o texto fundamental da filosofia do autor, aliada a outra: Assim Falava Zaratustra. Como entender essa afirmativa do filósofo? Ele mesmo não esperava nenhuma univocidade, pois não cria em uma verdade. Para ele não há fatos, há simples interpretações.
Rafael Trindade se pergunta a partir do mito proposto por Nietzsche “O Eterno Retorno talvez seja um dos pensamentos mais conhecidos e importantes de Nietzsche. Procurando encontrar alternativas para fugir do niilismo decorrente da morte de Deus, o pensador alemão invoca a ideia do Eterno Retorno como possibilidade de aceitar e afirmar a vida. O importante não é pensá-lo como uma hipótese cosmológica, mas sim como um desafio ético. Você viveria sua vida mais uma vez e outra, e assim eternamente? Se você fosse condenado a viver a mesma existência infinitas vezes, e nada além disso, como se sentiria?” (https://arazaoinadequada.wordpress.com/2013/02/26/nietzsche-eterno-retorno/).

Esse eterno retorno seria o fundamento de uma ética do comportamento humano, o fundamento essencial de uma ética exclusivamente de cunho imanentista. 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

OS MUCKERS - A SANGRENTA LUTA RELIGIOSA NO RIO GRANDE DO SUL, NO FINAL DOSÉCULO XIX

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Na segunda metade do século XIX, houve um conflito sangrento entre grupos religiosos, na comunidade de origem germânica, situada, então, em São Leopoldo, no estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente no vale do Rio dos Sinos, o Reno gaúcho.
As colônias de imigrantes eram divididas em linhas, região agrícola que congregava agricultores de ambos os lados de uma estrada rural, conhecida como linha. Pois essa cruenta luta religiosa iniciou-se na linha Ferrabraz, região situada hoje no município de Sapiranga, envolvendo também os atuais municípios de Campo Bom, Novo Hamburgo e Lomba Grande, de modo especial.
Jacobina Maurer, esposa de João Jacó Maurer, na ausência de sacerdotes e pastores que promovessem os cultos religiosos, iniciou por interpretar a Bíblia na comunidade. Ela tinha ataques epilépticos que passaram a ser interpretados com sinais divinos. Aos poucos, a pregadora passou a ser considerada como uma reencarnação de Jesus Cristo.
Jacobina Maurer
Nessas comunidades de imigrantes alemães, obrigados a abandonar suas terras na Europa, em consequência das invasões napoleônicas nos reinos do norte da Alemanha, havia tanto católicos quanto protestantes. Porém, como o Império Brasileiro era católico, houve um favorecimento nas heranças para os filiados à Igreja Romana.
Embora a distribuição de terras públicas aos imigrantes fosse feita igualitariamente, sem considerar o credo religioso, como o país ainda não tinha um sistema notarial de registros civis organizado em toda parte, as igrejas católicas faziam os registros de nascimentos, batizados, casamentos e óbitos. Dessa forma, os protestantes ficavam excluídos desses serviços, sendo prejudicados no momento de reconhecimento de suas heranças. Isso criou um clima de insatisfação na comunidade luterana, gerando também um velado clima de disputa entre os dois grupos religiosos.
Havia também, na região, um sentimento de traição, pois lhes havia sido prometido apoio financeiro e técnico por parte do Império, porém, quase nada foi cumprido. Entregaram-lhes apenas as terras, sem praticamente mais nada. Tiveram que sobreviver com a caça, a pesca e com os frutos silvestres até conseguirem derrubar as florestas e plantar as primeiras lavouras, bem como lhes coube a abertura da maioria das estradas, que, nos primeiros tempos, não passavam de picadas, abertas a machado e facão.
Nessa situação, além de Jacobina liderar o culto, João Jacó Maurer era uma espécie de curandeiro rural, chamado no local de “Wunderdoktor”, médico maravilhoso, uma forma de ironia. Recolhia os doentes na própria casa e deles tratava.
No final do século XIX, por volta de 1872, criou-se uma comunidade de seguidores de Jacobina, que já era considerada um novo Messias. Construíram um templo no morro do Ferrabraz e, ao redor dele, as casas dos membros da comunidade.
Esse grupo passou ser malvisto pelos líderes econômicos locais. Surgiram conflitos. No ano seguinte, em 1873, o casal Maurer foi preso pelo período de quarenta e cinco dias. Os demais membros da comunidade passaram a denominar os seguidores de Jacó e Jacobina de Muckers, ou seja, santarrões, em alemão. Destaque-se que entre os Muckers havia tanto católicos quanto protestantes. Tanto os sacerdotes católicos quanto os pastores luteranos os rejeitavam.

Túmulo de Jacobina
Apesar disso, os seguidores de Jacobina aumentavam em número e em dedicação ao culto religioso. Mesmo alguns importantes líderes regionais se aliaram a eles e passaram a fazer parte dessa comunidade religiosa.
Em 1874, foi atribuída aos Muckers uma série de atentados e crimes, como assassinatos e incêndios de casas comerciais e residências.
No final de junho de 1874, a polícia local, mal preparada, atacou os Muckers. Eles, acreditando na imortalidade de Jacobina, resistiram bravamente, com o improvisado armamento que tinham, composto apenas de alguns velhos revólveres e umas armas de caça. Tamanha era a inexperiência das tropas oficiais, que entraram com canhões em uma terra recém lavrada, e ficaram atolados, não podendo os cavalos movê-los em frente. Tornaram-se, desse modo, alvos fáceis dos fanáticos religiosos que, em muito maior número, os abateram e tomaram posse de seus armamentos. Os militares tiveram 39 baixas, contra apenas 6 dos Muckers. Isso foi interpretado como uma proteção divina.
O coronel Genuíno Olímpio Sampaio, que comandara o desastrado ataque anterior, em 18 de julho seguinte, cerca o templo dos Muckers, mata 16 membros da seita, porém, Jacobina consegue se evadir, protegida por seus adeptos. O coronel, no entanto, foi ferido, vindo a falecer de hemorragia no dia seguinte.
No dia 21, ainda houve um outro ataque infrutífero, uma vez que, utilizando o método de guerrilha, os Muckers, espalharam-se pela floresta. Insistentemente, no dia 2 de agosto, guiados por um traidor, Carlos Luppa, os militares voltaram a atacar.
Região onde viveram os Muckers

Uma força militar de 506 homens, sob a liderança do Capitão Dantas, apoiados por mais de 300 colonos contrários aos fanáticos, foram guiados pelo traidor Luppa, pela floresta do Ferrabraz, onde jacobina estava escondida com um grupo que somava apenas dezessete pessoas. Um jornal da época afirma que os soldados todos se portaram bravamente no ataque. Todos os Muckers aí encontrados foram massacrados e enterrados numa vala comum Com eles, Jacobina.
A inabilidade das forças de repressão destruiu um grupo de fanáticos religiosos que poderia ter sido, habilmente, conduzido a um acordo pacífico e a uma reorganização da comunidade local. Nesse tempo, sucedeu o mesmo com o grupo de Antônio Conselheiro, na Bahia, onde milhares de caboclos foram massacrados pelas tropas do exército
Euclides da Cunha narrou essa tragédia magistralmente em Os Sertões, e Mário Vargas Llosa em A Guerra do Fim do Mundo, voltou a esse tema. Esses exemplos comprovam a inabilidade dos comandos militares em atuar nos movimentos sociais, nesse período em que a nação enfrentava os problemas iniciais, nos primórdios da formação nacional. Nosso país acolhia cidadãos das mais diversificadas origens sociológicas, religiosas e políticas. Exigia-se maior preparo por parte dos chefes da nação. O escritor gaúcho Luiz Antônio de Assis Brasil analisa, em detalhes, o conflito dos Muckers e suas paixões, em sua excelente narrativa, intitulada Videiras de Cristal.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

GUERRAS DE RELIGIÃO NA EUROPA

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
As chamadas guerras de religião, na Europa, tiveram sempre o mote religioso como pano de fundo, porém, desenvolveram-se por trinta anos, durante o século XVII. São conhecidas também pelo nome genérico de Guerra dos Trinta Anos, que considero impróprio, pois não se constituíram em um único conflito e envolveram diferentes povos em seu desenrolar.
Martinho Lutero tinha promovido, na primeira metade do século XVI, o movimento que ficou conhecido como Reforma Protestante, a partir do catolicismo da Alemanha, vindo a atingir, posteriormente, também parte da França, do Reino Unido, dos Países Baixos (BENELUX), parte dos países escandinavos e do leste europeu.
Em 1517, nas portas da igreja do castelo Wittenberg, protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica Romana, divulgando seus princípios fundamentais que passaram a ser conhecidos como Cinco Solas. Eram elas representadas por cinco expressões latinas: Sola Fide (somente a fé); Sola scriptura (somente a escritura); Solus Christus (somente Cristo); Sola gratia (somente a graça) e Soli Deo gloria (glória somente a Deus).
Como reação à proposta protestante, aconteceu o massacre da noite de São Bartolomeu. Os reis da França apoiavam o catolicismo romano e promoveram um massacre de partidários do protestantismo em Paris, na noite de 23 para 24 de agosto de 1572, dia de São Bartolomeu. Na realidade, esses massacres se prolongaram pelos meses seguintes.
Uma manhã nos portões do Louvre,
pintura de Édouard Debat-Ponsan.
Na realidade, a Reforma escondia conflitos entre a Igreja de Roma e diversas cortes europeias de então. Havia uma concepção geral cristã de que o poder provinha de Deus. Quem oficializava a divina legitimidade do poder era o papa. Muitos conflitos populares se deram por toda a Europa e o resultado prático foi a divisão do continente em dois blocos: o católico e o protestante.
Em 1545, a Igreja Romana convoca o Concílio de Trento que toma medidas para se opor ao protestantismo, especialmente restabelecendo o Tribunal do Santo Ofício, conhecido como sagrada inquisição. Criou-se um Index Librorum Prohibitorum (conhecido depois apenas como Index), que trazia uma listagem de obras cuja leitura era proibida aos cristãos. Sugem novas ordens religiosas, sendo a mais importante delas a Companhia de Jesus, cujos membros passaram a ser conhecidos como jesuítas.
A ordem é fundada por um grupo de estudantes de Paris, liderados pelo jovem basco espanhol Iñigo López de Loyola, que se consagraria na história como Inácio de Loyola. Inácio, num combate contra os luteranos em Pamplona, é ferido e confinado por longa convalescência em que passa a ler “Flos Sanctorum”, de Jacopo de Varazze, uma coleção de vidas de santos de diversos países daquele tempo.
Castelo de Warttenburg - Turígia

A partir dessas leituras, Inácio chega à conclusão que a melhor forma de se combater o protestantismo era através do ensino e não através da espada, como iniciara em sua carreira. Em vez de soldados, cria uma ordem religiosa de professores e uma rede mundial de escolas. Recebe, então, como adeptos à sua ordem, uma legião de sábios de todas as áreas, desiludidos com a situação social de seu tempo. Assim, forma uma das ordens religiosas mais influentes em todo o mundo. Quase todos os grandes homens, desde os meados do século XVI, receberam influência ou formação jesuíta. Aliás, nosso Papa Francisco é jesuíta.
Porém, esse não foi o único, nem o mais importante movimento desses tempos. Passados os primeiros conflitos religiosos originados da reforma protestante, assinou-se a Paz de Augsburgo. Esse acordo foi assinado entre Carlos V, da Espanha, e a Liga de Esmalcalda, que reunia os reis luteranos do Sacro Império Romano.
Acontece que os reis germânicos protestantes, que estavam em conflito com o Império de Habsburgo, em Viena, que viria a formar o futuro Império Austro-Húngaro, tinham de enfrentar a invasão dos turcos do Império Otomano. Carlos V, católico, faz um acordo com a França, também católica, e com os reis protestantes do Sacro Império, e com o Papa Paulo III, reúnem um poderoso exército e vencem os otomanos.
Essa aliança gerou uma tolerância ao protestantismo dentro do Sacro Império Germânico, que tinha sede em Paris, mas que incluía grande parte da Germânia. Criou-se um princípio que cada rei teria sua religião.
Porém, com o surgimento do calvinismo, um grupo radical que acreditava ter Deus eleito um grupo de privilegiados para o paraíso, ficando os demais destinados ao inferno, reacenderam-se as guerras de religião por toda a Europa. Geralmente, o sucesso na profissão e o sucesso financeiro seriam sinais de que esses cidadãos pertenciam ao número dos escolhidos. Há quem diga que João Calvino, com sua obra Instituição da Religião Cristã, de 1534, é o verdadeiro criador do capitalismo.
Com Fernando II de Habsburgo, educado pelos jesuítas, começa o projeto expansionista dos Habsburgos. Esse expansionismo era uma ameaça tanto para os protestantes vizinhos, como para a França. Os conflitos internos entre os reis germanos favoreciam os propósitos de Fernando. Um exemplo disso é a Boêmia, atual República Checa, em que a disputa pelo trono colocou, frente a frente, católicos e protestantes. Fernando buscou o apoio da Espanha e do Papa para defender os católicos. Os exércitos de Fernando, católico, atacaram a maioria protestante e dominaram a Boêmia e a Morávia, defenestraram ministros e deputados, destruíram igrejas protestantes e impuseram o domínio dos Habsburgos na região.
Aumenta ,então, o atrito entre os franceses o os Habsburgos. Fernando II foi imperador do Sacro Império Romano de 1619 a 1637, quando faleceu. As guerras de religião empobreceram comprometedoramente a Alemanha, pois, os conflitos, em sua maioria, desenvolveram-se em seu território. Criaram-se muitas divisões internas. Em 1648, quando são feitos os acordos finais, a França sai altamente favorecida, consolidando sua influência econômica em toda a Europa.
As guerras de religião, muito mais do que conflitos religiosos, escondiam os interesses pessoais de reis, tanto católicos quanto protestantes, que usavam da fé popular para consolidar seu poder e riqueza. É o que ocorre especialmente com a casa dos Habsburgos, que se valeu do apoio papal e espanhol para construir um poderoso império que desaguaria no Império Austro-Húngaro.




terça-feira, 20 de janeiro de 2015

OS ÁRABES NA EUROPA


 Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Lia ontem, em um site francês, uma análise da situação dos migrantes árabes na Europa, mormente na França, Alemanha e Inglaterra.
Como minoria racial, eles, desde a infância, a partir da escola, sofrem bullying por parte das crianças nativas. Como o padrão não é ser árabe, eles são estigmatizados, até mesmo pelas vestes que muitos usam, de maneira especial as meninas. Houve, na França, uma tentativa de minimizar os efeitos dessa rejeição com a proibição de vestes especiais na escola.
Comparando com a situação brasileira, ocorre o mesmo em relação aos negros. Alguém diria que chamar um jovem de origem africana de “negrão” é o mesmo que chamar um de origem europeia de brancão. Isso não corresponde à verdade, pois no epíteto “negrão” há toda a carga pejorativa do estigma proveniente do período da escravidão. Em “negrão” não há apenas uma especificação da cor da pele, mas traz uma qualificação negativa, o que não acontece com o qualificativo brancão.

O mesmo ocorre com os árabes na Europa: são geralmente estigmatizados nas comunidades em que vivem. Por isso, as charges dos meios de comunicação que, em relação às raças regionais apenas marcam alguns tipos especiais, para os cidadãos de origem árabe, envolvem um qualificação de inferioridade em relação aos concidadãos seus, como ocorre, especialmente com os turcos, na Alemanha. A simples qualificação de turco, que a própria pele já traz marcada, é uma forma de discriminação em relação aos demais alemães. Os poloneses vivem situação laborial semelhante à dos turcos na Alemanha, porém, é mais difícil identificá-los pela cor da pele ou pelos traços fisionômicos.
A discriminação é notória, até bem pouco tempo, o trem que conduzia ao bairro turco de Berlim Ocidental não dispunha de ar condicionado. A discriminação racial começa por aí. Isso pode ajudar a medir os efeitos da imagem de um árabe, veiculada por um órgão de imprensa qualquer, mesmo por aqueles que pretendem defender os direitos das minorias. A própria imagem já carrega uma discriminação, que habita o imaginário da comunidade, e se reflete na leitura dos receptores, independentemente do teor do texto que acompanhe o ícone. Já está previamente estabelecida uma leitura, marcada no próprio ideário da comunidade, mas velada, no mais das vezes, quase nunca expressa explicitamente.