Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Desde o século VI a. C., os estudiosos têm manifestado uma grande preocupação
com a história. Heráclito de Éfeso afirma que o mundo está em constante
transformação a que ele chama de devir.
De Nietzsche, no século XI a Mircea Eliade, no século
XX, muito se discutiu sobre o devir e o mito do retorno. O mito de Perséfone,
na Grécia antiga, que passava o inverno com Hades nas profundezas da Terra, quando na superfície o inverno castigava o mundo, e o verão com a mãe Deméter, quando a vegetação se renovava, é uma constatação da repetição dos fenômenos
naturais.
Já, na mitologia, se criaram os arquétipos de
repetição, que tornarão mitologemas heróis reais ou míticos. Karl Gustav Jung
tem um livro célebre sobre a teoria dos arquétipos, Os Arquétipos e o Inconsciente
Coletivo, em que mostra a função dos mitos na interpretação. Sobre isso, diz
Junito Brandão em sua Mitologia Grega: “Na verdade, o Mito, como verdade última,
é elemento de orientação do ser. O homem, desde suas origens, não produz os
Mitos. As idéias mitológicas ocorrem a ele; ele não as pensa, mas é pensado por
elas, poderíamos dizer. Os núcleos componentes de todos os Mitos das diversas
culturas, os mitologemas, representam estruturas mentais básicas de todos os
homens... Geia, Deméter, Sêmele... expressam o arquétipo da Grande Mãe.”
(Brandão, Mitologia Grega, vol. I, orelha).
Publius Ovidius Naso |
Como diz Mircea Eliade em seu Mito do Eterno
Retorno: “Na maior parte das sociedades primitivas, o Ano Novo equivale ao
levantamento do tabu sobre as novas colheitas, que são assim declaradas
comestíveis e inócuas para toda a comunidade. Nos lugares onde diversos tipos
de grãos e frutas são cultivados, amadurecendo sucessivamente durante as diversas
estações, algumas vezes encontramos a celebração de festivais do Ano Novo. Isso
significa que as divisões do tempo são determinadas pelos rituais que orientam
a renovação das reservas alimentares; isto é, os rituais que garantem a
continuidade da vida da comunidade por inteiro. Isso não justifica qualquer
conclusão de que esses rituais seriam meros reflexos da vida econômica e
social: nas sociedades tradicionais, os aspectos “econômicos” e ”sociais”
tinham um significado completamente diferente daquele que lhes dão os modernos
europeus.) A adoção do ano solar como unidade de tempo é de origem egípcia. A
maior parte das demais culturas históricas — e mesmo o próprio Egito, até um
determinado período — tinha um ano, ao mesmo tempo lunar e solar, com duração
de 360 dias (ou seja, 12 meses de 30 dias cada um), ao qual foram acrescentados
cinco dias intercalados. Os índios zuni chamavam os meses de "passos do
ano", e o ano de "passagem do tempo".
Os judeus antigos tinham uma concepção hierofânica
da história. Isto é, todos os fenômenos históricos eram revelações divinas. Assim,
uma derrota militar, uma tempestade ou uma seca eram castigos divinos pelos
pecados cometidos. Pelo contrário, as vitórias, a chuva, as boas colheitas eram
manifestações divinas de que o povo estava agindo de acordo com a vontade
divina.
Muitos povos representavam a história como uma
serpente com o rabo preso à boca. Simbolizava que a história, como o ano
cósmico, se repetia constantemente. Há hoje quem afirme de outra forma, que a
história é um espiral. Os fenômenos se reptem, mas m outro nível.
Há, também o mito, que se iniciou entre os gregos e
que os romanos apresentam magistralmente em As Metamorfoses de Públio Ovídio, em
que se crê em um tempo primordial, em que as coisas eram melhores do que são
hoje. Ovídio fala em uma era de ouro: “Ocorreu durante o governo de Cronos.
Os homens viveram livres de sofrimentos, paz e harmonia predominaram durante
esta era. Os humanos não envelheciam, mas morriam pacificamente. A primavera
era eterna e as pessoas eram alimentadas com bolotas de um grande carvalho, com
frutas silvestres e mel que gotejava das árvores. A principal característica
dessa era, consistia em que a terra produzia comida em abundância, de modo que
a agricultura era uma atividade supérflua. Esta característica também
define quase todas as versões posteriores do mito. Esta era terminou quando Prometeu deu
o segredo do fogo aos homens.” (Resumo do poema de Ovídio).
Esse mito existe até o presente momento no
imaginário das pessoas que afirmam ter sido a realidade do passado muito melhor
do que a de hoje.
As religiões sempre apresentam um conceito
transcendente da história. Haverá um futuro ligado à divindade, um paraíso, que
será o prêmio das boas ações humanas, ou o castigo para as más.
Friedrich Nietzsche |
Porém, a abordagem mais complexa do mito do
retorno é a apresentada por Nietzsche em sua obra Gaia Ciência. Diz ele: “E se
um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais
desolada solidão e dissesse: ‘Esta vida, como você a está vivendo e já viveu,
você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo
nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é
inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente,
tudo na mesma sequência e ordem – e assim também essa aranha e esse luar
entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do
existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de
poeira!’. – Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o
demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual
lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!”. Se esse
pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o
esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma
vez e por incontáveis vezes?‟, pesaria sobre
os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem
consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa
última, eterna confirmação e chancela” – (Friedrich Nietzsche, Gaia Ciência,
341.)
O filósofo alemão não cria em qualquer intervenção
divina. Para ele, a existência é completamente imanente. Não existe nenhum grau
de transcendência.
Essa obra é o texto fundamental da filosofia do
autor, aliada a outra: Assim Falava Zaratustra. Como entender essa afirmativa
do filósofo? Ele mesmo não esperava nenhuma univocidade, pois não cria em uma
verdade. Para ele não há fatos, há simples interpretações.
Rafael Trindade se pergunta a partir do mito proposto
por Nietzsche “O Eterno Retorno talvez seja um dos pensamentos mais conhecidos
e importantes de Nietzsche. Procurando encontrar alternativas para fugir do
niilismo decorrente da morte de Deus, o pensador alemão invoca a ideia do
Eterno Retorno como possibilidade de aceitar e afirmar a vida. O importante não
é pensá-lo como uma hipótese cosmológica, mas sim como um desafio ético. Você
viveria sua vida mais uma vez e outra, e assim eternamente? Se você fosse
condenado a viver a mesma existência infinitas vezes, e nada além disso, como
se sentiria?” ( https://arazaoinadequada.wordpress.com/2013/02/26/nietzsche-eterno-retorno/).
Esse eterno retorno seria o fundamento de uma
ética do comportamento humano, o fundamento essencial de uma ética
exclusivamente de cunho imanentista.
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