Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Na segunda
metade do século XIX, houve um conflito sangrento entre grupos religiosos, na comunidade de origem germânica, situada, então, em São Leopoldo, no
estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente no vale do Rio dos Sinos, o Reno
gaúcho.
As
colônias de imigrantes eram divididas em linhas, região agrícola que congregava
agricultores de ambos os lados de uma estrada rural, conhecida como linha. Pois
essa cruenta luta religiosa iniciou-se na linha Ferrabraz, região situada hoje
no município de Sapiranga, envolvendo também os atuais municípios de Campo Bom,
Novo Hamburgo e Lomba Grande, de modo especial.
Jacobina
Maurer, esposa de João Jacó Maurer, na ausência de sacerdotes e pastores que
promovessem os cultos religiosos, iniciou por interpretar a Bíblia na
comunidade. Ela tinha ataques epilépticos que passaram a ser interpretados com sinais
divinos. Aos poucos, a pregadora passou a ser considerada como uma reencarnação
de Jesus Cristo.
Jacobina Maurer |
Nessas
comunidades de imigrantes alemães, obrigados a abandonar suas terras na Europa, em consequência das invasões
napoleônicas nos reinos do norte da Alemanha, havia tanto católicos quanto
protestantes. Porém, como o Império Brasileiro era católico, houve um
favorecimento nas heranças para os filiados à Igreja Romana.
Embora
a distribuição de terras públicas aos imigrantes fosse feita igualitariamente,
sem considerar o credo religioso, como o país ainda não tinha um sistema notarial
de registros civis organizado em toda parte, as igrejas católicas faziam os
registros de nascimentos, batizados, casamentos e óbitos. Dessa forma, os
protestantes ficavam excluídos desses serviços, sendo prejudicados no momento de reconhecimento
de suas heranças. Isso criou um clima de insatisfação na comunidade luterana,
gerando também um velado clima de disputa entre os dois grupos religiosos.
Havia também,
na região, um sentimento de traição, pois lhes havia sido prometido apoio
financeiro e técnico por parte do Império, porém, quase nada foi cumprido.
Entregaram-lhes apenas as terras, sem praticamente mais nada. Tiveram que
sobreviver com a caça, a pesca e com os frutos silvestres até conseguirem derrubar as
florestas e plantar as primeiras lavouras, bem como lhes coube a abertura da
maioria das estradas, que, nos primeiros tempos, não passavam de picadas, abertas a machado e facão.
Nessa
situação, além de Jacobina liderar o culto, João Jacó Maurer era uma espécie de
curandeiro rural, chamado no local de “Wunderdoktor”, médico maravilhoso, uma forma de ironia. Recolhia os doentes na
própria casa e deles tratava.
No
final do século XIX, por volta de 1872, criou-se uma comunidade de seguidores
de Jacobina, que já era considerada um novo Messias. Construíram um templo no morro do
Ferrabraz e, ao redor dele, as casas dos membros da comunidade.
Esse
grupo passou ser malvisto pelos líderes econômicos locais. Surgiram conflitos. No
ano seguinte, em 1873, o casal Maurer foi preso pelo período de quarenta e
cinco dias. Os demais membros da comunidade passaram a denominar os seguidores
de Jacó e Jacobina de Muckers, ou seja, santarrões, em alemão. Destaque-se que
entre os Muckers havia tanto católicos quanto protestantes. Tanto os sacerdotes
católicos quanto os pastores luteranos os rejeitavam.
Túmulo de Jacobina |
Apesar
disso, os seguidores de Jacobina aumentavam em número e em dedicação ao culto
religioso. Mesmo alguns importantes líderes regionais se aliaram a eles e
passaram a fazer parte dessa comunidade religiosa.
Em
1874, foi atribuída aos Muckers uma série de atentados e crimes, como assassinatos
e incêndios de casas comerciais e residências.
No
final de junho de 1874, a polícia local, mal preparada, atacou os Muckers.
Eles, acreditando na imortalidade de Jacobina, resistiram bravamente, com o
improvisado armamento que tinham, composto apenas de alguns velhos revólveres e
umas armas de caça. Tamanha era a inexperiência das tropas oficiais, que entraram
com canhões em uma terra recém lavrada, e ficaram atolados, não podendo os
cavalos movê-los em frente. Tornaram-se, desse modo, alvos fáceis dos fanáticos
religiosos que, em muito maior número, os abateram e tomaram posse de seus
armamentos. Os militares tiveram 39 baixas, contra apenas 6 dos Muckers. Isso
foi interpretado como uma proteção divina.
O coronel
Genuíno Olímpio Sampaio, que comandara o desastrado ataque anterior, em 18 de
julho seguinte, cerca o templo dos Muckers, mata 16 membros da seita, porém,
Jacobina consegue se evadir, protegida por seus adeptos. O coronel, no entanto,
foi ferido, vindo a falecer de hemorragia no dia seguinte.
No
dia 21, ainda houve um outro ataque infrutífero, uma vez que, utilizando o método
de guerrilha, os Muckers, espalharam-se pela floresta. Insistentemente, no dia
2 de agosto, guiados por um traidor, Carlos Luppa, os militares voltaram a
atacar.
Região onde viveram os Muckers |
Uma
força militar de 506 homens, sob a liderança do Capitão Dantas, apoiados por
mais de 300 colonos contrários aos fanáticos, foram guiados pelo traidor Luppa, pela floresta
do Ferrabraz, onde jacobina estava escondida com um grupo que somava apenas dezessete pessoas. Um jornal da época afirma que os soldados todos se portaram
bravamente no ataque. Todos os Muckers aí encontrados foram massacrados e
enterrados numa vala comum Com eles, Jacobina.
A
inabilidade das forças de repressão destruiu um grupo de fanáticos religiosos
que poderia ter sido, habilmente, conduzido a um acordo pacífico e a uma reorganização
da comunidade local. Nesse tempo, sucedeu o mesmo com o grupo de Antônio
Conselheiro, na Bahia, onde milhares de caboclos foram massacrados pelas tropas do exército
Euclides da Cunha narrou essa tragédia magistralmente em Os Sertões,
e Mário Vargas Llosa em A Guerra do Fim do Mundo, voltou a esse tema. Esses exemplos comprovam a inabilidade dos comandos militares em atuar nos movimentos sociais, nesse período em que a nação enfrentava os problemas iniciais, nos primórdios da formação nacional. Nosso país acolhia cidadãos das mais diversificadas origens sociológicas, religiosas e políticas. Exigia-se maior preparo por parte dos chefes da nação. O escritor gaúcho Luiz Antônio de Assis Brasil
analisa, em detalhes, o conflito dos Muckers e suas paixões, em sua excelente
narrativa, intitulada Videiras de Cristal.
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