Prof. Dr. Oscar Luiz
Brisolara
Euclides vivia numa casinhola em
ruínas, quase escondida entre pequenos arbustos, cujo crescimento não dava
conta controlar. A casa de madeira de forma retangular sustinha-se sobre quatro
esteios fortes de madeira antiga, unidos por linhas ainda sólidas em que se
apoiavam as tesouras, caibros e ripas sobre as quais repousavam de há quase
um século as velhas telhas de cerâmica cota, forjadas pelos escravos.
Haviam aproveitado telhas da
antiga sede da velha estância. Essas haviam sido confeccionadas nos sucessivos
invernos, quando a atividade da salga da carne para o charque não era mais possível
pela insuficiência de insolação. Os negros eram deslocados da indústria saladeril
para as estâncias e empregados em outros serviços. Colhia-se, com enormes
carretas puxadas a boi, argila de boa qualidade nos abundantes banhados. Então,
classificavam-se os negros e negras, de acordo com a bitola de suas coxas, para
que as telhas resultassem uniformes. E eram dias e dias de labor duro e gelado.
Assim, com todo o cuidado, iam
moldando na própria coxa, cada um suas telhas, que depositava ao sol para
obterem certa consistência. Por fim, formava-se uma enorme fornalha para a
cocção final. Por essas paragens, toda a telha era ainda oriunda desse processo
primitivo e rude.
Pois lá estava a velha
casinhola, muito distinta do que fora. Os esteios de sustentação dos cantos já
haviam pendido para o norte, ora pelo efeito das erosões não mais controladas
que, ano a ano, iam retirando o solo de sustentação e apoio, ora pela ação dos
fortes ventos minuanos que sopram do sul por meses a fio, sem trégua.
Pois lá estava o velho
octogenário Euclides, os poucos cabelos embranquecidos, as carnes levadas pela
escassa alimentação e a pele enegrecida pelas constantes doenças e higiene
precária, sentado à soleira da porta, aguardando o destino final.
A casa era a imagem evidente da
decadência. Mas estava lá, afrontando o tempo. Todo o conjunto inclinava-se
como se estivesse a desabar. Fendas abriam-se acima e abaixo resultantes da
perda do prumo. Os filhos se tinham ido dali à procura de trabalho. A velha
Lili estava há anos habitando a colina dos ausentes de sob a lápide fria. Não
tinha reservas nem condições físicas para manter uma vaca para o leite, uma
galinha para um ovo, um leitão para carne. Vivia ali, sabe-se lá de quê.
Mirrava, colhendo o sol débil das manhãs de inverno, sempre à mesma soleira,
isolado como ninguém, naquele ermo, distante de tudo. Nos verões ardentes, a
centenária figueira acolhia-o sob o galharedo farto e refrescante.
Acontece que um passante notou.
Outro falou no armazém. Os do ônibus observaram. O caminhão coletor do leite
também. E foram ver. Estava rígido como um salame velho. Estendido no chão da
sala. Ninguém sabe desde quando. E o
velório. Enterro. Gente. Falas. Fim.
E lá ficou a tapera. Nada que
interessasse a ninguém. A velha figueira abandonada. O mato apagou o caminho da
porta, da porteira e da estrada. Sem mais, em pouquíssimo tempo, a casa ruiu.
Foi-se integrando à natureza. Os cupins as madeiras, a umidade os tijolos e
telhas, tudo as forças invisíveis corroeram. Aos poucos, nada restou. Somente o
observador atento descobrirá vestígios que o tempo apagará completamente.
Mas enquanto alguém está sob o
teto, tudo se mantém em seu lugar. Há a presença de uma energia que sustém as
velhas residências, mesmo sob condições adversas. É o poderoso espírito da casa,
que provém do âmago das entranhas da vida. Não há explicações. Simplesmente é.
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