Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Eu teria meus dez anos. Na enorme e absolutamente silenciosa sala de estudos do seminário menor, com mais trezentos meninos, preparava-me para minha aula de francês. Decifrava a fábula do mestre La Fontaine, Le Corbeau et le Renard.
O tal corvo, como rezava na fábula, tinha roubado um queijo, que ostentava do alto de uma grande árvore. Eu sou filho de agricultores e nunca havia visto corvo comer queijo. Os corvos que eu conhecia, eram aves enormes e pretas que, aos bandos, devoravam carniça de animais mortos de doença pelos campos.
Raposa também, para mim, era um animalzinho lindo. Porém, seu cheiro espantava todo mundo. Devorava galinhas, pelas caladas da noite. E a narrativa se me parecia inverossímil. Não é preciso dizer que, por esses tempos, não havia o Google.
E a tal raposa, vendo a ave preta nas alturas de um carvalho, começou elogiar a beleza do bobão. Quando o coitado já se mostrava por todos os ângulos para que ela pudesse apreciá-lo melhor, a danada deu o golpe derradeiro, solicitando-lhe que cantasse, para apreciar-lhe a sonoridade da voz. E lá se foi o queijo árvore abaixo.
Depois de muito perguntar, remeteram-me à Enciclopédia Britânica e à Larousse. Até que enfim, depois de confabular com o octogenário Frère Exupéry de Savoie, descobri que o tal corvo da Europa não é nosso corvo. O nosso é o urubu carniceiro. O que eles chamam de corvo é uma ave muito inteligente, que fala como os papagaios. O velho leu, como exemplo, para mim, o poema O Corvo, do Poe.
Da raposa, o bondoso frade contou-me muitas histórias. Disse-me que havia crescido nas montanhas da Savoia francesa. Conhecera muitas damas da nobreza que usavam peles de raposa como mantas, nas festas de inverno.
Disse-me que a raposa europeia é um canídio lindo e silvestre. Caça galinhas e era caçada pelo valor de sua pele. A confusão com a nossa, que deveria ser chamada de gambá, pelo cheiro que a europeia não tem, resulta de outra razão. Essa confusão deve-se ao fato de ambas devorarem galinhas.
Assim, depois de três dias, sabia eu menino tudo de raposas e de corvos. Então, o velhinho encarregou-me de fazer um texto para os colegas sobre a fábula e os saberes prévios necessários para seu melhor entendimento.
Desse modo, fui gradativamente introduzido na interpretação daquilo que as fábulas têm de educativo. Há os bobos e os espertalhões. Isso por tempos sem conta e lugares mundo afora.
Sempre ouvi acusações ao gênero fabular. As fábulas seriam o veículo de manutenção da ideologia dominante e conservadora. Elas se inserem no nível do simbólico e servem a qualquer fim a que se vise. Não se pode acusar Millôr, de, em suas Fábulas Fabulosas, defender qualquer forma de conservadorismo.
Sempre ouvi acusações ao gênero fabular. As fábulas seriam o veículo de manutenção da ideologia dominante e conservadora. Elas se inserem no nível do simbólico e servem a qualquer fim a que se vise. Não se pode acusar Millôr, de, em suas Fábulas Fabulosas, defender qualquer forma de conservadorismo.
Jean de la Fontaine
Maître Corbeau, sur un arbre perché,
Tenait en son bec un fromage.
Maître Renard, par l'odeur alléché,
Lui tint à peu près ce langage :
"Hé ! bonjour, Monsieur du Corbeau.
Que vous êtes joli ! que vous me semblez beau !
Sans mentir, si votre ramage
Se rapporte à votre plumage,
Vous êtes le Phénix des hôtes de ces bois."
A ces mots le Corbeau ne se sent pas de joie ;
Et pour montrer sa belle voix,Il ouvre un large bec, laisse tomber sa proie.
Le Renard s'en saisit, et dit : "Mon bon Monsieur,
Apprenez que tout flatteur
Vit aux dépens de celui qui l'écoute :
Cette leçon vaut bien un fromage, sans doute. "
Le Corbeau, honteux et confus,
Jura, mais un peu tard, qu'on ne l'y prendrait plus.
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