Não, não
conheço a Rússia, jamais entrei em seu território. Lamento isso. Mas está
seguramente em meus planos. Talvez seja minha próxima viagem para fora do país.
Porém, conheço detalhadamente Astapovo. Sua estaçãozinha de velhos trens... até
mesmo a modestíssima residência do encarregado da via férrea...
Naquele 28 de
outubro de 1910, eu estava lá. Solicitei-lhe que se contivesse um pouco. Seus
82 anos exigiam moderação. Mas ele não me ouviu. O povo precisava dele. Tinha a
obrigação de deixar um gesto que apontasse em direção contrária ao muito que
dissera em anos anteriores. Recuperara a crença na transformação do país...
Mas mestre,
essa fumaça está afetando seus pulmões. Ele viajava num vagão de terceira
classe, muito próximo da locomotiva que queimava carvão. As pás jogando o
combustível na caldeira. O inverno que se intensificava. No entanto, nada o
demoveu. A neblina condensava ainda mais a fumaça e a fuligem da combustão...
A custo, convencemo-lo
a descer naquela estaçãozinha para tomar ares. Astapovo. O médico aplicou
morfina e cânfora. Tudo o que temia acaba de ocorrer. Novamente a família. A
ganância sobre o rendimento de suas obras. Exigência de um testamento.
Jamais
esqueci Astapovo. A misteriosa fuga noturna do grande escritor. Fugia de quê? Velho.
Doente. Era Adão que fugia do paraíso. A maravilhosa mansão campestre de sua
cidade natal Yasnaya Polyana. Sasha, a
filha mais jovem, o acompanhava. Teria o velho Lev Tolstoy ensandecido aos 82?
O chefe da estação condoeu-se. Levou-o para sua pobre casa. Cobertura de zinco.
Foi a
primeira morte acompanhada ao vivo pelos jornais. O primeiro reality show da
história. A esposa tomou um trem especial e encontrou o velho já inconsciente. Eram
quase seis da manhã. Sete de novembro. A luz do raiar do dia já penetrava pelas
paredes mal calafetadas.
Voltou para o
trem. Agora já devidamente embalado para a derradeira viagem. Uma multidão o
aguardava na estação e o acompanhou até sua morada fatal. No bosque de Zaseka,
junto a um pequeno penhasco, estava a morada onde escolhera residir para todo
sempre. Finalmente, em 1947, mudei-me para estas paragens do sul do Brasil.
Menos frio.
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