Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
De repente, virei para o lado, na sala, o trabalho, um vulto eu vi. Sorrindo no escuro. Como de sempre, os cabelos grisalhos, encaracolados. De um velho livro, amarelecido do tempo, ressurge falando, contando de ti.
Pois é, releio estas histórias desde o tempo em queque ela era menina. Ela, curiosa, abria o livro. Punha-o ao colo, como se estivesse a lê-lo. Folheava atentamente cada página. Franzia cenho em gesto de reflexão, copiando cada movimento meu diante dos livros. Permanecia desse modo até que se cansava do jogo. Tomava uma de suas bonecas, muitas, e saía sala afora, correndo como o fazem todas as meninas do mundo pelos séculos sem conta.
E o vento na
janela punha gelo na cena. Ouvia o tempo passando. Cortando o silêncio da noite
gelada, um leve assobio da esquina mais próxima subia e baixava, como o som dos
velhos rádios, nos tempos em que não havia televisão. Eu lia o jornal. Notícias
de tudo. Do mundo distante, do Estado, daqui: poucas. Folheava uma nota fiscal
amassada. O secretário, este crápula, ficou com o troco. É sempre assim, não
aprende. Ou aprende demais. Sabe do meu constrangimento. Rouba-me sabendo que
sei de tudo. Uns trocos todo dia. A vida. A pobreza, coitado. Os filhos. A mesa. Quem
sabe das coisas, só deixa pra lá.
Silêncio na
sala de jantar. Só o plic-plic-plic da velha máquina de costura num ritmo sem
fim. Roupinhas e peças. Uns panos nos outros. Encantos que surgem das mãos
talentosas, dela lá dentro. Atravesso a sala grande. Lá está a menina. O cabelo
desfeito. O bico na boca. Chupava como se sorvesse algo. Suas coxinhas roliças.
Calcinha colorida. Perninha marrom. Cerrados os olhos, resfolegando macio.
Levei-a. Depus sobre os lençóis branquinhos. Continuou a dormir com a paz dos
anjos.
Pois sempre
fora assim. Foi minha. Muito mais minha. E lia. Crescia como uma flor. A flor
dos meus sonhos. Era a minha menina. E moça. Lindésima. Os olhos, cobiça de
tantos. Só a dor de perdê-la doía cá dentro. O peito me arfava. Arfava e doía.
Detalhes te conto. São tantos. E tantos meus sonhos.
Um dia, nós
juntos. Um sonho fantástico. Ela doutora. O juiz escutando. “Sim, doutora”.
“Pois, não excelência.” De embalos, tropeços, a vida caminha. E ela mais linda,
de dia após dia. Um dia me fui. Na curva da vida, o corpo não pode, o sonho
incabível quebrou no meu peito. E tudo se foi. Mas ela ficou. E conto outro dia
o resto da história.
Meu velho,
onde estás? Não vejo teu vulto. Só sinto nas trevas um sopro que passa. E olho
estas páginas. Onde, te foste ocultar? Do amarelo das folhas, saía uma voz. Perdia-se
ao longe, sem eco nem nada.
E vi o que
não era. Nem voz, nem imagem, nem brancos cabelos, nem sala, nem nada. E eu
olho nas folhas. No amarelo do tempo. Eu não te conheço, nem nuca te vi. Mas
como te vejo no sebo do livro, no livro do sebo, que trouxe pra mim, tua voz,
teu afeto. E sofro, sozinho, com ganas de ver-te. Quem dera poder-te de novo te
ouvir! E as falas de longe que escuto na noite? E a voz de teu sonho, escondida
na alma, falou-me por ora. Quem sabe, do sonho, em vias estranhas, escute outra
vez essa fala sem voz, que a alma recebe e o corpo não vê?
Que pena que
sejas apenas a mancha que marca na página o tempo que foi. Fala mais dela.
Conta outros sonhos que a sina cortou. Fala, que eu ouço, meu velho, meu sogro.
Jamais tu me viste, nem vi o teu rosto. Mas andas comigo, por todos os cantos.
E diz do teu sonho que eu faço ocorrer.
Emocionante.Lindo. De pensar num mundo mais terno. Carinho, Cris e Oscar.
ResponderExcluirQuerida maninha, obrigado pelo apoio de sempre. Sabes, o carinho imenso que temos por ti é recíproco. Viajamos muito contigo. Até o fim do ano estaremos os dois aposentados, eu e a Cris. Quem sabe planejamos algo juntos?
ExcluirBeijos com muito afeto. Oscar e Cris.
Querida maninha, obrigado pelo apoio de sempre. Sabes, o carinho imenso que temos por ti é recíproco. Viajamos muito contigo. Até o fim do ano estaremos os dois aposentados, eu e a Cris. Quem sabe planejamos algo juntos?
ExcluirBeijos com muito afeto. Oscar e Cris.
Comovente.Lindo. De pensar num mundo mais terno. Carinhos, Cris e Oscar
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