O menino do
tapa-buracos de pano pregados... joelhos... traseiros... camisa... por tudo. Não
o charminho de hoje. Remendo humilhante de pobre... mal feito... outra cor...
outro pano... na escola... uniforme? A camisa de saco. De farinha, de açúcar. A
calça também. Tingida de cores: vermelho, azulão. Se não, fica suja, encardida
do chão...
Furava o joelho... remendo tapava... Furava o traseiro...
remendo, de novo. Sapato furado. Por baixo, vai certo. Por cima, não dá. E a
graxa brilhava. Encobria a miséria. Que é só pro domingo, pra missa, na igreja.
Depois, pé descalço... dá menos cuidado.
E a água de balde... trazia aos pouquinhos... trabalho dos
miúdos... de balde após balde... um em cada mão... o arco cortante nas palmas
das mãos... as costas doendo... espinho no pé... pedrinhas cortantes doíam na sola...
Trabalho infantil? E quem vai fazer? O
pai tem sua quota, que já é tão dura? A mãe tem a sua, que pesa demais. Sobrava
pra eles.
Por que a cacimba é sempre lá embaixo, papai? Já viste a água
correndo pra cima, menino maluco? Na volta da escola, descia e subia. Enchendo
as vasilhas. O uso da noite. A comida. As lavagens. Bebida dos bichos. Dos
porcos, galinhas... os pintos, coitados, só bebem pouquinho...
Sentava nas pedras, olhava no céu as nuvens correndo... sonhava
montar numa delas e ver o que havia no além do horizonte, da serra bicuda, onde
o sol se escondia, quando a noite voltava. Tinha ido tão perto, de a cavalo,
dizia... Foi ver futebol num domingo de festa...
Assim foi crescendo... a vida mudava... veio o ônibus... Cresceu...
os tempos mudaram.. Os amigos, de carona, nos caminhões que passavam, ganharam
o mundo... Ele, ele não, esperava sua nuvem... um dia ela veio... e se foi...
No internato encontrou acolhida do corpo... comida pra alma...
por lá costuraram as brechas, os saberes desatados... dia após dia... mês após
mês... ano após ano... e foram cerzindo com alma e afeto... até que chegou o
dia do encanto... conseguiu ele mesmo fazer os remendos... nas fendas, nas
falhas, ausências, buracos... foi tudo cerzindo, com todo cuidado...
Já os anos passados, grisalhos cabelos, de pele encolhida, com
dedos cansados descobre o dom a que todos acolhem... é ele o artífice de
ofícios que a vida lhe deu... Ensina remendos... remendam-se os outros a seu
modo de ser...
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