Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Naquele 1947, não havia rádio na minha casa. Televisão seria
coisa de futuro muito distante. Os anos corriam lentos. Os brinquedos eram bois
feitos de sabugo, jungidos por um jugo de madeira cortada à faca, que meu pai
fazia magistralmente bem, para eu juntar meus sabugos-bois de trabalho.
Minha imã, única companheira desses tempos, tinha bonecas de
espiguinhas de milho, verdes com seus loiros cabelos longos, pendentes de suas
faces sem rosto. Um dia, ela ganhou uma boneca com a cabeça de gesso e o corpo
de pano. Mamãe fez sucessivos corpos de outros panos, quando aqueles rasgavam
ou sujavam. E assim, por muito tempo, esses eram os brinquedos de nossa
infância. E outras tantas bonecas ficaram soltas no campo sem menina que as
amasse. Quando veio a ter bonecas de loja, o rebrilhar de seus cabelos não se
igualou jamais às bonequinhas de milho que lhe moravam na alma.
Certa vez, papai trouxe para mim um caminhãozinho de
tabuinhas que ele conseguiu não sei onde. Ah, como era lindo, com suas rodinhas
de pau roliço e eixo de arame! E, quando alguma coisa nele estragava, esperava
papai, que pacientemente fazias os consertos e tudo vinha a funcionar
magicamente no chão terroso de nosso pátio e em nossos espíritos sonhadores e
muito felizes.
Depois, havia as vaquinhas de batata. A cabeça fazia-se com
uma batatinha mais miúda. Pescoço e patas de pauzinhos de graveto. Essas nós mesmos
confeccionávamos. Eram mais frágeis e menos duradouras.
Depois, eram as comidas de flores de malmequer, cujos miolos
se desprendiam sob a pressão de nossos dedos finos e frágeis. E os anos se
escorreram por entre esses dedos, sem que disso nos déssemos conta, e continuávamos
imensamente felizes.
Natais, não os havia. Nem festa alguma. Embora as rezas
fossem costumes diários. De quando em quando, um baile de ramada, pelas
redondezas. No mais, tudo era silêncio por aqueles espaços perdidos no ermo de
campos que a vista mal alcançava, de colinas arredondadas, montanhas distantes
e bosques solitários e calmos.
Havia os mistérios do mato. A escuridão provocada pela
densidade das árvores causava certo pavor e curiosidade. Não íamos muito
adiante.
Havia também o lajeado grande em que brincávamos com
formigas, burrinhos do capim e joaninhas coloridas. E sabíamos muito... das
formiguinhas vermelhas que picavam e doía bastante, dos formigões que mordiam
com seus ganchinhos agudos, dos camoatins com ferrão, que provocavam uma dor de
quase morrer e que faziam os olhos incharem e parecermos japoneses. E as
picadas eram sempre no entorno dos olhos.
Mas, por teimosia, incautos, por uma primeira vez, mexíamos com
eles, e aprendíamos pela dor o que não havíamos feito pela exortação dos pais.
Assim, entendemos com que violência eles protegiam a prole e, desde essa
experiência dolorosa, aprendemos a respeitar suas moradias, penduradas nos troncos.
Depois, era o riacho. Muito tímido. Não tinha mais que um
metro de largura e alguns palmos de fundo. E serpenteava de longe. Saía da
curva do mato. Cortava o gramado verde. Depois fazia uma largo de areias claras
onde o gado bebia.
No verão, sentados com os pés na água fresca, perseguíamos
moscas e libélulas, que fugiam ágeis de nossas mãos inexperientes. Tínhamos horror
de cobras, mas brincávamos com aranhinhas e escorpiões, tendo cuidado de tocar
neles com pauzinhos, pois mamãe dizia que picada de aranha matava e a do
escorpião doía por muitos dias. E nós os esmagávamos como a periculosos inimigos
ameaçadores.
Brincávamos com as galinhas do terreiro... corríamos atrás dos patos e dos pintinhos, levando bicadas da choca que deles cuidava. Com ela, aprendemos um pouco o lidar da vida e dos outros. Sem saudosismos nem comparações, apenas constato que as mudanças do tempo trazem situações novas para as crianças de todo sempre.
Brincávamos com as galinhas do terreiro... corríamos atrás dos patos e dos pintinhos, levando bicadas da choca que deles cuidava. Com ela, aprendemos um pouco o lidar da vida e dos outros. Sem saudosismos nem comparações, apenas constato que as mudanças do tempo trazem situações novas para as crianças de todo sempre.
Oscar Brisolara, muito bom. Me reportei a uma infância quase igual, embasamento da minha vida. Parabéns, bom mesmo. Acho que moramo no mesmo tempo e quase nos mesmos lugares. Um aração.
ResponderExcluirObrigado. É sempre excelente receber comentários positivos. Abraço.
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