Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Em nossos tempos, falar em dativo parece estranho. Acontece
que as línguas modernas costumam chamar de objeto indireto ou complemento
nominal à ocorrência morfológico-sintática que os gramáticos latinos denominavam
de dativo.
Em latim e em grego clássico, não se podia falar de objeto
indireto. Esse objeto caracteriza-se por complementar o sentido de um verbo,
ligando-se a ele através de uma preposição. Ex.: Os rios dão água aos homens. Flumines
hominibus aquam donant. A palavra rio, em latim, pode ser traduzida por flumen
(nominativo) e fluminis (genitivo). Como, nesta frase, o sintagma nominal “Os
rios” exerce a função de sujeito e está no plural, em latim deve receber a
desinência –ES, que marca o nominativo plural, por isso aparece na frase latina
a forma FLUMINES.
A forma verbal “dão” em latim pode ser DONANT. O latim
prefere a estrutura sintática em que o verbo aparece no fim da frase. A palavra
homem, no nominativo singular é HOMO, e no genitivo é HOMINIS. Como, na frase
portuguesa, a palavra HOMEM exerce a função de objeto indireto, ou seja, quem
dá, dá alguma coisa a alguém, neste caso particular os rios dão água aos homens,
esse objeto indireto deve traduzir-se pelo dativo plural latino, da terceira
declinação, cuja desinência é –IBUS. Portanto, ficará HOMINIBUS.
E a palavra água, em latim AQUA para o nominativo singular e
AQUAE para o genitivo singular, como exerce, na frase da língua portuguesa a
função de objeto direto, em latim passará para o caso acusativo singular, cuja
desinência é –AM, resultando, assim, AQUAM. A frase
latina será, então:
FLUMINES HOMINIBUS AQUAM DONANT.
Porém, nos idiomas cuja maioria das funções sintáticas é
marcada por desinências nominais, não há objetos indiretos. A forma de marcação,
como se disse, é desinencial. Assim, o sujeito e o predicativo são marcados com
a desinência do nominativo; o objeto direto é marcado com a desinência do
acusativo; sendo o objeto indireto e o complemento nominal marcados com a
desinência do caso dativo.
A reflexão acima mostra o que é o dativo nos idiomas em que as palavras
são declinadas. Ele não é o objeto indireto. Designa-se, nesses idiomas, como objeto
dativo. Veja-se que, na frase latina, a palavra HOMINIBUS não vem precedida
de preposição, portanto, não se trata de um objeto indireto. Pelos critérios da
língua portuguesa, HOMINIBUS é tão objeto direto quanto AQUAM. Por isso, em
latim, AQUAM é objeto acusativo e HOMINIBUS é objeto dativo. Creio que, após a
reflexão acima, está clara a concepção de dativo.
O termo ético é aplicado ao dativo, pois não se trata apenas
do caso dativo, mas de um caso especial de dativo pronominal. Assim como os
substantivos, nas línguas clássicas, os pronomes também são declinados. Têm os
mesmos casos dos substantivos. Ainda mais, o dativo ético somente se dá com os
pronomes clíticos, isto é, aqueles que somente têm sua existência presa a um
outro termo da frase. Assim, os clíticos são átonos, isto é, não possuem sílaba
tônica, mas apoiam-se na tonicidade do termo a que se prendem.
Em alguns idiomas, como o italiano e o espanhol, alguns
clíticos fazem parte das formas verbais. Vejam-se as formas verbais espanholas
com pronomes presos a elas: darte (dar-te), regalarselas (presenteá-las), dime (dize-me), haciendole (fazendo-lhe), apenas para
exemplificar.
Casos de formas pronominais clíticas italianas presas ao
verbo: vederla (vê-la), invitarti (convidar-te), aiutarlo (ajudá-lo), etc.
Em português isso também acontece nos casos de ênclise, ou seja, quando o clítico é colocado após o verbo. A diferença entre a língua portuguesa e o espanhol e italiano consiste me que essa junçao não se faz diretamente ao verbo, mas através de hífen: fazê-lo, contar-lhe, viram-no, etc.
Em português isso também acontece nos casos de ênclise, ou seja, quando o clítico é colocado após o verbo. A diferença entre a língua portuguesa e o espanhol e italiano consiste me que essa junçao não se faz diretamente ao verbo, mas através de hífen: fazê-lo, contar-lhe, viram-no, etc.
Por fim, esse clítico pronominal está inserido numa situação
ética, isto é, como afirma o gramático brasileiro Evanildo Bechara: “...representa
aquele pelo qual o falante tenta captar a benevolência do seu interlocutor na
execução de um desejo. (...) Ex.: Não me reprovem estas ideias.” BECHARA
2009, p. 424).
Também a linguista e gramaticista portuguesa Maria Helena Mira
Mateus aborda esse tema. Então, afirma sobre o caso dativo: “O dativo ético designa tipicamente o
locutor, manifestando o seu interesse na situação expressa pela frase. (…) Ex.: Acaba-me
depressa os trabalhos de casa!” (MIRA MATEUS, 2003, p. 840).
O fato é que o dativo ético trata de uma situação pragmática
marcada pela participação e pelo envolvimento emotivo de uma pessoa a respeito
de uma circunstância indicada pelo predicado. É sempre, como se disse, expresso
por um clítico pronominal.
Dativo ético é uma expressão já existente na gramática
latina, em que o pronome pessoal no caso dativo era usado para indicar a pessoa
emotivamente ou moralmente envolvida na ação. Veja-se este exemplo de Cícero: “...tu mihi istius audaciam
defendis? (“...E Você me vem para defender a audácia deste homem?").
Em português
contemporâneo, a construção com dativo ético é muito comum. Ocorre sempre o
afetamento do sujeito pela ação do verbo. Veja o seguinte exemplo muito
frequente no dia a dia: Não é que ele me morre. Ou, então: Não é que me
morreu o gato. O nome dado ao fenômeno gramatical é um tanto sofisticado, mas o fato representado é muito
comum.
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