Prof. Oscar Luiz Brisolara*
Um dos editoriais do Zero Hora de quinze de novembro, cujo título é O custo do feriadão, está escrito num tom de reprovação à atitude da maioria dos governantes em prolongar o feriado, transferindo o dia do funcionário público para o subsequente dezesseis. O texto está marcado pela indignação de uma voz corrente em setores de nossa sociedade, que se manifesta em desacordo com a medida do poder público.
Na mesma linha de raciocínio, há os que contabilizam e quantificam as perdas que o país tem com as múltiplas interrupções do processo produtivo, ocorridas em decorrência de medidas de origem cívica ou religiosa. Chegam a cifras astronômicas que, somadas, contribuiriam para minimizar os males que afligem nossa pobre e combalida economia brasileira.
Como tudo pode ser sempre observado de outro ângulo, por sujeitos de ponto de vista diverso, volto-me para o tempo primordial em que o Senhor forjou o mundo, o que explica, de uma certa forma, a origem da maior parte de nosso cotidiano. Consta no texto bíblico do Gênesis que, depois de criar todas as coisas Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom. Sobreveio a tarde e depois a manhã: foi o sexto dia. Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho. Ele abençoou o sétimo dia e o consagrou, porque nesse dia repousara de toda a obra da Criação (Gên 1: 31; 2: 1-3).
A metáfora sagrada do descanso do Senhor deu origem ao feriado semanal cristão do domingo (do latim dies dominicus, dia do Senhor), calcado na tradição religiosa de nossa cultura. Assim, cada feriado foi instituído em nosso calendário fundamentado em tradição específica, cujas raízes estão plantadas no processo mesmo em que se forjou nossa história, ressalvados sempre os casuísmos de que alguns políticos fazem uso para propósitos menos nobres.
Tudo sempre pode ser convertido em valores e somado às causas de nossa miséria e ineficiência pública. Certa categoria de empresários poderia dizer que a orgia desses feriados debita-se diretamente na conta de suas empresas, cujos lucros ficam, dessa forma, vilmente espoliados pelos demagogos de plantão.
Os marxistas afirmariam, em contraposição, que os lucros dos capitalistas provêm da mais-valia do trabalho do proletariado, indevidamente creditado na conta do empresário, fruto de um processo injusto de produção e acumulação de capital nas mãos de poucos privilegiados. Estes valem-se da ideologia para, através de discurso político, dar uma aparência de lógica social e justiça à tal forma de estruturar a economia. O feriado (de feriatus, particípio passado de ferior, estar em festa), para os defensores do proletariado, se algum prejuízo causar, deve ser debitado na conta do próprio trabalhador.
A eterna polissemia do discurso permite sempre novas e inusitadas leituras de cada fato. Pode ocasionar também indignações justificadas de acordo com o foco segundo o qual cada indivíduo observa o mundo que o cerca e as formas de organizá-lo. Esse raciocínio, levado a extremas consequências, permitiria que se atribuíssem os custos dos feriados à tradição iniciada pelo Criador em seu descanso após o ato primordial. Portanto, pague a conta, Senhor!
*Mestre em Lingüística Aplicada (PUCRS)
Doutor em Letras (PUCRS)
Professor de Latim e de Filologia Românica do Departamento de Letras e Artes da Furg
Nenhum comentário:
Postar um comentário