sábado, 31 de maio de 2014

NOSSA SENHORA DA EXPECTAÇÃO DO PARTO DA SENHORA

NOSSA SENHORA DA EXPECTAÇÃO DO PARTO DA SENHORA OU NOSSA SENHORA DO Ó É A VIRGEM PROTETORA DAS MULHERES GRÁVIDAS


     No histórico da imagem de Nossa Senhora da Expectação do Parto da Senhora ou Nossa Senhora do Ó, a protetora das mulheres grávidas, na biblioteca do Museu de Torres Novas consta que a virgem ficou mais conhecida como Nossa Senhora do Ó pelo fato de começar pelo "Ó" cada uma das antífonas que a igreja canta nos sete dias que precedem o Natal.
     Há que diga que o "Ó" poderia ser também a letra mais próxima do formato ovalado de uma barriga grávida". A Igreja, em outros tempos, quis divinizar a gravidez da mãe de Cristo e assim deificar a missão mais nobre da mulher: a maternidade, mas depois as imagens de Nossa Senhora grávida presentes nas igrejas, por questões de moralismo, foram enterradas ou destruídas pela Igreja, sobrando poucas, uma delas no Conselho de Torres Novas (Portugal). Registram-se outras imagens em Águas Santas, Elvas, Tomar, Viseu e Sobral da Adiça.
     Não conseguiu essa intolerância, segundo o livro citado, contudo, evitar que as mulheres grávidas, em Portugal, fossem cheias de fé, implorar a proteção da virgem grávida. Nossa Senhora do Ó, segundo o livro do Museu de Torres Novas, deveria ser bem glorificada pela suprema honra de albergar em seu ventre o filho de Deus, tanto que consta da oração do Pai Nosso o verso: "Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus!".
     A citada imagem do livro, de Nossa Senhora do Ó, tem seis palmos de comprimento, está com a mão esquerda assenta no ventre e não no peito, como se verifica normalmente nas imagens de invocação.
ETZEL, Eduardo. Nossa Senhora da Expectação ou do Ó. São Paulo: Bovespa, 1985.

FIORIN COMENTA OBRA SANCTA LUCREZIA DEI CATTANEI

"Oscar Brisolara, quanto ao seu livro Sancta Lucrezia dei Cattanei, 
penso que a construção, com sua pluralidade de vozes, 
é o elemento estrutural que chama a atenção. 
É de um domínio da técnica narrativa impressionante. 
Além disso, você consegue apresentar os fatos históricos sob uma luz completamente diferente, mostrando que a história, no fundo, é uma construção discursiva."
Prof. Dr. José Luiz Fiorin, doutor e livre-docente em Linguística, escritor e professor da USP

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DIVA - O MITO - PARABÉNS! MINHAS ALUNAS.


CAMISETA AMARELINHA - CRIADOR: ALDYR GARCIA SCHLEE, QUE ESCREVEU O PREFÁCIO DO MEU LIVRO SANCTA LUCREZIA DEI CATTANEI. PARABÉNS ALDYR!


sexta-feira, 30 de maio de 2014

ORIGEM E FORMAÇÃO DOS NOMES DOS DIAS DA SEMANA II - DAYS OF THE WEEK, NAMES, ORIGIN AND FORMATION

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara





         Em artigo anterior, tratei da formação dos nomes dos dias da semana na cultura grega. Agora passarei a fazer o mesmo no que se refere à cultura latina.
         É sabido que os romanos receberam uma profunda influência grega, mesmo antes da conquista do território helênico. Acontece que o sul da Itália, no auge da colonização grega, era uma próspera colônia helênica conhecida como Magna Graecia (Μεγάλη Έλλάδα).
         Pelo Mar Adriático, estendia-se da Sicília até Tarento; pelo Mar Tirreno, estendia-se até Nápoles, cujo nome é de evidente origem grega: nea = nova e pólis = cidade (Νεάπολη).

MAGNA GRACIA
Μεγάλη Έλλάδα

         Essa cultura organizava-se principalmente a partir de um grupo de pensadores organizados conhecido com Círculo Helenizante dos Cipiões. Os Cipiões pertenciam a uma poderosa família cujo membro mais famoso fora o general vencedor de Aníbal, Cipião Emiliano Africano. Os romanos influentes costumavam concluir sua formação em Atenas.
         Chamava-se helenizade por que a Grécia, em grego era Ἑλλάς, Ἑλλάδος, a Hélade, e os gregos chamavam-se a si mesmos de helenos ( Ἕλενος, Ἑλένου). Conforme canta Castro Alves:


Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu...
(Castro Alves, O Navio Negreiro, In: A Cachoeira de Paulo Afonso, 1868)


         É um raro exemplo em que o vencido coloniza culturalmente o vencedor. Dizia-se mesmo: Graecia capta ferum victorem cepit et artes intulit in agresti Latio. (A Grécia vencida venceu o feroz vencedor e introduziu as artes no rústico Lácio.) Os gregos influenciaram os romanos em tudo: nas artes, nas ciências, na filosofia e na própria língua latina.
         O latim clássico (sermo classicus) é uma adaptação do latim popular (sermo vulgaris) ao modelo da língua grega, especialmente na sintaxe, em que a língua latina é adaptada para as declinações gregas.
         Quanto à religião, os romanos abandonam suas divindades nacionais e criam outras à imagem e semelhança das divindades gregas.

                  Retomando o artigo anterior, veja-se a semana primitiva em língua grega clássica:

Hemera Selenes (μέρα Σελήνης) - dia de Selene, divindade da lua. Equivale à nossa segunda-feira.
Hemera Areos (μέρα ρης) – dia de Ares, deus da guerra. Equivale à nossa terça-feira.
Hemera Hermou (μέρα ρμο) – dia de Hermes, mensageiro dos deuses. Equivale à nossa quarta-feira.
Hemera Zeus- (μέρα Διός) – dia de Zeus, deus supremo da terceira geração divina na mitologia grega.  Equivale à nossa quinta-feira.
Hemera Aphrodites  (μέρα φροδίτης) – dia de Afrodite, deusa do amor na mitologia grega. Equivale à nossa sexta-feira.
Hemera Kronou (μέρα Κρόνου) – deus supremo da segunda geração divina na mitologia grega. Equivale ao nosso sábado
         Assim procedem também os romanos, quanto aos dias da semana, que repete os dias gregos, conforme apresentei no artigo anterior e repeti acima:

         - Lunae dies, dia da deusa Lua;
         - Martis dies, dia de Marte, deus da guerra;
         - Mercurii dies, dia de Mercúrio, mensageiro dos deuses;
         - Iovis dies, dia de Júpiter, deus supremo dos romanos;
         - Veneris dies, dia de Vênus, deusa do amor e da beleza;
         - Saturni dies, dia de Saturno, deus da agricultura;
         - Solis dies, dia do deus Sol.

Grego
Latim
Italiano
Espanhol
Francês
Hemera Selenes
Dies lunae
Lunedì
Lunes
Lundi
Hemera Areos
Dies Martis
Martedì
Martes
Mardi
Hemera Hermou
Dies Mercurii
Mercxoledì
Miercoles
Mercredi
Hemera Dios
Dies Iovis
Giovedì
Jueves
Jeudi
Hemera Aphrodites 
Dies Veneris
Venerdì
Viernes
Vendredi
Hemera Kronou
Dies Saturni
Sabato
Sábado
Samedi
Hemera Heliou
Dies Solis
Domenica
Domingo
Dimanche

         Criou-se, com o cristianismo, a semana do latim litúrgico, que por motivos religiosos, suprimiu os nomes ligados às divindades das religiões pré-cristãs. Essa nomenclatura litúrgica cristã deu origem aos dias da semana da língua portuguesa. Nesse calendário havia o Dominicus, que provém da palavra latina Dominus, que significa Senhor, portanto, é o dia do Senhor. O sábado provém do Shabbat, procedente do hebraico, significando repouso, em que, conforme o Gênesis, o Senhor, depois da criação, descansou.

Latim litúrgico
Português
Secunda feria
Segunda-feira
Tertia feria
Terça-feira
Quarta feria
Quarta-feira
Quinta feria
Quinta-fgeira
Sexta feria
Sexta-fgeira
Sétima feria
Sábado
Prima feria
Domingo

         ORIGEM DOS NOMES DOS DIAS DA SEMANA EM INGLÊS

Monday, segunda-feira, dia da Lua, moon;
Tuesday, terça-feira dia de marte é dia Tiw (também conhecido como Tew, Tyr ou Tywar) foi um deus da guerra e da glória na mitologia norueguesa e no paganismo germânico;
Wednesday, quarta-feira, o dia do deus Germânico Woden, mais conhecido como Odin, que era o deus mais alto da mitologia nórdica;
Thursday, quinta-feira, dia de Tor, com nome escandinavo;
Friday, sexta-feira, o dia de Frija alemã, Frig na Inglaterra, Freyja, deusa da beleza;
Saturday, sábado, é o dia de Saturno;
Sunday, domingo, o dia do Sol, Sun.

ORIGEM DOS DIAS DA SEMANA EM ALEMÃO

der Montag – Segunda-feira, dia da lua, Mond, em alemão;
der Dienstag – Terça-feira, relacionado a Tyr, deus nórdico da guerra;
der Mittwoch – Quarta-feira, meio da semana, dia de Odin;
der Donnerstag – Quinta-feira, Thor, transformado em Donner, dia do trovão;
der Freitag – Sexta-feira, dia de Freyja, deusa da sensualidade e da beleza;
der Samstag – Sábado, origem judaica do Shabbat, dia de descanso;
der Sonntag – Domingo, dia do sol, Sonne, em alemão.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

ORIGEM E FORMAÇÃO DOS NOMES DOS DIAS DA SEMANA I - DAYS OF THE WEEK, NAMES, ORIGIN AND FORMATION

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara




         Parece ter se originado na Grécia primitiva a semana que gerou a que temos hoje, com sete dias. Consagravam-nos, os gregos antigos, cada dia a divindades específica. Essa tradição foi seguida pela maioria dos povos.
         Veja-se a semana primitiva em língua grega clássica:
Hemera Selenes (μέρα Σελήνης) - dia de Selene, divindade da lua. Equivale à nossa segunda-feira.
Hemera Areos (μέρα ρης) – dia de Ares, deus da guerra. Equivale à nossa terça-feira.
Hemera Hermou (μέρα ρμο) – dia de Hermes, mensageiro dos deuses. Equivale à nossa quarta-feira.
Hemera Zeus- (μέρα Διός) – dia de Zeus, deus supremo da terceira geração divina na mitologia grega.  Equivale à nossa quinta-feira.
Hemera Aphrodites  (μέρα φροδίτης) – dia de Afrodite, deusa do amor na mitologia grega. Equivale à nossa sexta-feira.
Hemera Kronou (μέρα Κρόνου) – deus supremo da segunda geração divina na mitologia grega. Equivale ao nosso sábado.
Hemera Heliou (μέρα λιου) – dia de Hélios, divindade do sol. Equivale ao nosso domingo.
         DIVINDADES GREGAS QUE SE RELACIONAM COM OS DIAS
         Os gregos, em sua rica mitologia, consagravam cada dia da semana a uma divindade. Para o próprio dia eles tinham uma divindade específica. Tratava-se de uma divindade feminina. Chamava-se HEMERA (μέρα). Era filha de Nix (Νύξ, Νυκτός) personificação da noite e de Érebo (ρεβος), divindade da escuridão. 
          Este artigo está ilustrado com reprodução de diversos quadros e fotografias de esculturas de artistas consagrados. Ocorre que muitos artistas buscaram na mitologia o tema para suas obras.

HEMERA - Beauguerau (1825-1905)

NIX - Beauguerau

 ÉREBO - Schmidt - Dicionário de Mitologia

         À deusa grega Selene (Σελήνη) era dedicado o segundo dia da semana, correspondente à segunda-feira. Era a deusa do amanhecer. Ela dirige sua carruagem lunar pelos céus.

SELENE - Morgan - 1865


         O terceiro dia da semana, a atual terça-feira, era dedicada a Ares (ρης), filho de Zeus. É o deus sanguinário da guerra.
ARES - Louvre, Aquiles Borghese 

         O quarto dia da semana, a nossa quarta-feira, era consagrada a Hermes, mensageiro dos deuses.

HERMES

         Já o quinto dia, atual quinta-feira, era dedicada a Zeus, deus supremo na terceira geração divina.

                                                             
ZEUS
Zeus do Hermitage, interpretação livre romana do colosso criado por Fídias. A águia ao seu lado não fazia parte do original. (São Petersburgo - Rússia)   

         Os gregos consagravam o sexto dia da semana, que corresponde à sexta-feira, à deusa do amor, Afrodite.

AFRODITE - O Nascimento de Vénus (Afrodite) é uma pintura de Sandro Boticelli - 1843.

         Dedicavam o sétimo dia da semana, correspondente ao sábado, a Cronos, divindade suprema da segunda geração divina. Era um deus que devorava os próprios filhos. Zeus escapou-lhe por atimanhas de sua mãe Rea.

CRONOS
Francisco de Goya, Cronos (Saturno para os romanos )devorando a su hijo (1819-1823).


         O primeiro dia da semana, correspondente ao nosso domingo, era dedicado ao deus sol, Hélios.

HÉLIOS E SEU CARRO


         Em grego clássico, semana era hebdômada (βδομάς, βδομάδος), que originou o termo hebdomadário, que significa um periódico semanal. Com essas exposições e explicações, tento esclarecer a origem dos dias da semana, conforme usamos hoje em diversos idiomas. Vou continuar este estudo em outro artigo que publicarei a seguir.

quarta-feira, 28 de maio de 2014

O CALENDÁRIO ROMANO - ROMAN CALENDAR



         O calendário utilizado pelos romanos até o governo de Numa Pompílio, que ocorreu entre 715 e 673 Júlio César, tinha somente dez meses. Começava em março e acabava em dezembro. O início de cada mês era sempre na lua nova, portanto, cada mês tinha ora 28 ora 29 dias. Numa procedu a uma reforma e criou o ano de 12 meses, porém, somava apenas 355 dias, permanecendo, ainda uma diferença entre ele o o ano lunar.
         Os meses romanos era os seguintes:
1)   Martius – consagrado ao deus Marte, divindade da guerra, protetor dos soldados e agricultores. Durante este mês, ocorriam os festejos em homenagem a Marte.
2)   Aprilis – seu nome provém da deusa etrusca Apru, deusa primitiva do amor, correspondente à vindoura deusa romana Vênus e à grega Afrodite.
3)   Maius – dedicado à deusa Maya, mãe mitológica deus Hermes, mensageiro dos deuses na mitologia grega e seu correspondente romano Mercúrio.
4)   Iunius – era consagrado à mais poderosa deusa feminina de Roma, Juno (Iuno, Iunonis) esposa de Júpiter, o deus supremo dos romanos. Essa deusa correspondia à deusa grega Hera esposa do poderoso Zeus, de cujo nome provém a palavra Deus. Essa deusa era protetora da mulher e do matrimônio.
5)   Quintilis – era o quinto mês do ao.
6)   Sextilis – era o sexto mês do ano.
7)   September – era o sétimo mês do ano.
8)   October – era o oitavo mês do ano.
9)   November – era o nono mês do ano. 
10. December – era o décimo mês do ano.
         Esse calendário é atribuído a Rômulo. Teria iniciado pelo ano de 753 a. C. Começava sempre no equinócio da primavera, em que o dia e a noite são exatamente iguais. No hemisfério norte, ocorre no dia 20 de março. Segundo esse calendário, 61 ou mais dias sobravam, no inverno romano, que ficavam sem preocupação nenhuma até o equinócio que marcaria o início do ano seguinte.
         Em 713 a. C., Numa Pompílio fez uma reforma no calendário, acrescentando dois meses no final do ano: ianuarius e februarius. Ianuarius - era dedicado ao deus Jano (Ianus) que era uma divindade de dupla face: uma cuidava o interior da casa e a outra, o exterior. Assim, feverreiro, como era o último mês do ano, com as reformas posteriores, tornou-se o menor mês do ano.
         Februarius – era dedicado ao deus etrusco Februus divindade da morte e da purificação. Há quem afirme também que ele seria um deus da fecundidade, equivalente ao masculino da deusa Afrodite grega.
         Acontece que, pela dificuldade de obterem calendários escritos, até porque a maioria da população era analfabeta, tornando-os inúteis, o mês romano era dividido em três partes: as kalendas (kalendae), o primeiro dia de cada mês; as nonas (nonae), o 5º ou 7º dia de acordo com o mês; e os idos (idus), de acordo com o mês, 13º ou 15º dia do mês.
         As nonas ocorriam no 5º dia e os idos no 13º nos meses janeiro, fevereiro, abril, junho, agosto, setembro, novembro e dezembro.
         As nonas ocorriam no 7º dia e os idos no 15º março, maio, julho e outubro.
         LEITURA DO CALENDÁRIO
         O primeiro dia de cada mês lia-se Kalendis Januariis, kalendis Aprilibus, Kalendis Decembribus, etc.
         Assim também as nonas e os idos: Nonis Januariis, Nonis Aprilibus, Nonis Decembribus, etc. e Idibus Januariis, Idibus Aprilibus, Idibus Decembribus.
         O primeiro dia antes dessas marcas mensais (a véspera) chamava-se de Pridie. Assim, lia-se Pridie Kalendas Ianuarias, Pridie Nonas Iulias, Pridie Idus Decembres.
         O dia posterior a cada marca chamava-se Postridie. Assim, lia-se Postridie Kalendas Martias, Postridie Nonas Octobres e Postridie Idus Maias.
         Para os demais dias, lia-se contando o que faltava para a marca seguinte. Por exemplo: 29 de novembro dizia-se Ante diem tertium Kalendas Decembres; 3 de março era Ante diem quintum Nonas Martias; 8 de julho era Ante diem septimum Idus Iulias. Assim, contava-se sempre o que faltava para a marca seguinte, tantos dias para as nonas, tantos dias para os idos e tantos dias para as kaleendas.
         CALENDÁRIO JULIANO
         Esse calendário ainda continha algumas imprecisões que eram compensadas no final de cada ano. Para solucionar esses impasses, o então cônsul romano Caio Júlio César contratou, no ano 46 a. C., o astrônomo Sosígenes de Alexandria para fazer os acertos necessários.
         Inspirado no calendário solar egípcio de 365 dias, o astrônomo propôs o acréscimo de um dia no ano, apenas de quatro em quatro anos. Por que este ano passou a chamar-se bissexto? Porque o astrônomo resolveu contar duas vezes o sexto dia antes das calendas de março. Contava-se ante diem sextum Kalendas Martias e, em seguida, ante diem BIS SEXTUM Kalendas Martias. Esse sexto dia para as calendas de março, corresponderia ao nosso dia 24 de fevereiro. Eles contavam, com esse processo, duas vezes o correspondente ao dia 24 de fevereiro, que, no calendário deles, era o sexto dia antes do dia primeiro de março.
         Com o assassinato de Júlio César nos idos de março de 44 a. C., ou seja, em 15 de março, o senado romano mudou o nome do mês quintilis para iulius. O mesmo se deu com o imperador Augusto: o sextilis passou a chamar-se augustus.  

O IMPERADOR AUGUSTO – CAIO OTÁVIO TURINO - The Emperor Augustus - Gaius Octavius ​​Thurinus

  Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara

DIVI AUGUSTI IMPERATORIS

         Quando Júlio César foi assassinado em Roma, Otávio tinha apenas dezenove anos. Para estabelecer seus laços de parentesco com o grande general e ditador Júlio César é preciso lembrar que o jovem Caio Otávio era neto de Júlia, irmã do general Júlio, portanto sobrinho neto do grande político romano.
         A mãe de Caio Otávio era Átia e seu pai Caio Otávio. Seu nome de nascimento era Gaius Octavianus Thurinus. Primeiramente, comecemos pela sua mãe Átia (Atia Balba Caesonia), filha de Marco Átio Balbo (Marcus Atius Balbus) e Júlia Menor (Iulia Minor), irmã mais nova de do grande Júlio César.


DIVUS IULIUS CAESAR 

         A gens Iulia, segundo uma antiga tradição, era descendente de Iulo (Iulus) (Ascânio), filho Eneias, lendário herói troiano que teria sido o antepassado divino de Rômulo. Eneias seria, segundo o mito, filho de Anquises e da deusa Vênus. Assim, a mãe do imperador era conhecida em Roma como Átia dos Júlios (Atia Iulii).

         O pai de Augusto, Caio Otávio (Gaius Octavianus), provinha de uma família da ordem equestre, portanto, embora rico, não era patrício. A elite romana dividia-se em duas classes: os patrícios e os cavaleiros. Pertenciam à classe dos patrícios, os descendentes dos presumíveis fundadores da cidade (patres patriae, pais da pátria).
         Os cavaleiros, da ordem equestre, eram ricos comerciantes, cujos antepassados se caracterizavam por terem condições de aparelharem cavalos para a guerra. Muitos deles eram de origem etrusca, dos Tarquínios (Tarquinii), que formaram a última família real na primeira monarquia romana.
         A família dos Otávios (gens Octavii) pertencia, portanto à ordem equestre, com a qual os patrícios dividiam o direito de serem cônsules da República Romana. No último período da República, esse direito foi estendido até mesmo à plebe.
         Caio Otávio era órfão de pai desde os quatro anos e foi criado pela avó Júlia Menor, que era irmã de seu tio avô Júlio César. Quando Júlio foi assassinado, deixou-lhe em testamento sua fortuna pessoal, bem como sua herança política, ou seja, os cargos a que lhe fossem legados por direito de família. Em função disso, sua situação equivalia a de um filho adotivo do tio, assumindo o nome de Caio Júlio César Turino (Gaius Iulius Caesar Thurinus).
         O cognome Turino (Thurinus) foi-lhe dado por seu pai Gaius Octavianus, após ter vencido uma batalha em Thurii, cidade na baía de Tarento, no sul da Itália, em português Túrio. Foi a sufocação de uma revolta de escravos. Os nomes próprios em Roma eram compostos de três partes: o prenomen, que correspondia ao nosso nome; o nomen, correspondendo ao nosso sobrenome; e o cognomen, correspondente aos nossos apelidos. O prenomen era Gaius , o nomen era Octavianus e o cognomen era Thurinus.

         O senado, quando Octavianus assumiu o poder de imperador, atribui-lhe o título de Augustus, que significa consagrado. Depois dele, os imperadores romanos passaram também a usar esse título. Assim, como imperador, seu nome passou a ser Caio Júlio César Augusto Otaviano (Gaius Iulius Caesar Augustus Octavianus).

GAIUS IULIUS CAESAR AUGUSTUS OCTAVIANUS



AS HORAS DO DIA E DA NOITE ENTRE OS ROMANOS ANTIGOS - THE HOURS OF THE DAY AND NIGHT AMONG THE ANCIENT ROMANS



         Parece-nos natural que o dia seja dividido em 24 horas iguais e que, durante o ano inteiro, essa marcação seja igual durante o ano inteiro. Isso nos parece absolutamente indiscutível porque nos habituamos desde sempre com essa forma de marcar o tempo.
         Como vemos o dia clarear pela manhã e escurecer ao fim da tarde, assim nos parece ser nossa marcação de horas natural. Veja-se que as pessoas que nasceram com a televisão correm o risco de considerá-la tão natural como o amanhecer.
         Hora, nem todos os povos contavam as horas do dia e da noite da mesma forma e nem sempre esse modo foi como é hoje. Vejamos como se dava essa marcação entre os antigos romanos, dos quais herdamos quase todas as formas de medir o tempo e de nele nos situarmos. É sabido que o relógio mais comum (horologium solarium) era o relógio de sol.
         Veja-se abaixo o relógio de sol mandado construir pelo imperador augusto, usando um obelisco conhecido como Solarium Augusti:



         Diferentemente de nós, os romanos dividiam o tempo de luz, ou seja, o dia, em doze horas. Assim, no verão, as horas eram maiores do que no inverno.
         Expressavam as horas em números ordinais: hora prima, hora secunda, hora tertia, hora quarta, hora quita, hora sexta, hora septima, hora octava, hora nona, hora décima, hora undecima et hora duodecima. A hora prima (primeira hora) marcava o amanhecer. A hora duodecima marcava o fim do dia, ou seja, o pôr do sol. A hora sexta marcava o meio-dia. Daí vem o nome o nome sesta após o almoço.
         Porém, as horas da noite eram somente quatro: prima vigília, secunda vigília, tertia vigília et quarta vigília. Também tinha duração diferente de acordo com a época do ano.
         A origem dessas horas noturnas estava relacionada com os turnos de vigilância nos acampamentos militares. Daí vêm as palavras vigilante, vigia, vigilar e vigiar.
         Assim, para saber-se a duração de uma hora do dia ou da noite precisava-se levar em conta a época do ano em que se estava. Para medir, por exemplo, a duração das horas da noite, era necessário dividir por quatro o período que ia do pôr do sol ao amanhecer.

         Faziam, então, diferença entre hora do dia, variável de um dia para outro e a hora corrida, que chamaríamos de hora relógio. Para essa hora, tinham as ampulhetas de areia que marcavam um quarto de hora. Quatro viradas de ampulheta davam uma hora corrida. Daí a origem de haver em alguns idiomas, como o alemão, termos diferentes para essas especificidades diferentes de hora. Uhr é a hora do dia: Heute um 9 Uhr habe ich in der Schule Englisch. (Hoje às nove horas tenho aula de inglês). Stunde é uma hora relógio:  Jeden Tag sehe ich zwei Stunden Fern. (Todo dia eu vejo duas horas de televisão.)

terça-feira, 27 de maio de 2014

MOEDAS NA ANTIGA ROMA - COINS IN ANCIENT ROME

DENÁRIO
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara

         A palavra denário, em português, segundo o dicionário Houaiss, significa algo que contém o número dez, ou moeda romana antiga. Hoje, com essa forma, é pouco usada. O importante para língua portuguesa é o termo latino denarius, que originou a palavra dinheiro, em nosso idioma.
         Para entender esse processo, é importante compreender o sistema monetário romano. A partir de 211 a. C., no III século, portanto, durante a República Romana, regularizou-se o sistema de moedas romanas. Criou-se o aureus (significa áureo ou de ouro), a moeda mais valiosa; depois vinha o denarius (décima parte do aureus – daí origina-se seu nome); a seguir, o sestertius, moeda de bronze (cujo nome provém de semis-tertius que significa dois e meio, pois ele valia dois e meio asses, a moeda seguinte) o sestércio valia centésima parte do aureus, deu origem ao nosso centavo; a menor moeda romana era de cobre e chamava-se asse (ás), representava uma medida de peso, que equivalia a 12 onças (unciae) o que equivalia a uma libra latina de cobre(327g).
         A palavra denarius, com pequenas transformações fonéticas, conhecidas como metaplasmos, transformou-se em nosso termo português dinheiro, que, segundo o dicionário Houaiss consiste em meio de pagamento, na forma de moedas ou cédulas, emitido e controlado pelo governo de cada país ou cédula e moeda us. como meio de pagamento. Vejam-se as moedas romanas a seguir:


AUREUS


DENARIUS
SESTERTIUS

ASSE

         As imagens das moedas acima foram tomadas aleatoriamente. Cada governante, cônsul o imperador cunhava suas moedas, imprimindo-lhes sua imagem. Esse sistema monetário não era fixo. Foi modificado diversas vezes durante os séculos, mas manteve-se como base do sistema monetário romano.

sábado, 17 de maio de 2014

SAUSSURE E A ARTE POÉTICA - ANAGRAMÁTICA - SAUSSURE AND POETIC ART - ANAGRAMMATIC


Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara

         O grande linguista genebrino Ferdinand de Saussure era aficionado em regularidades e acreditava que subjazia à criação poética um processo secreto que regia a arte de poetar. Despendeu três importantes anos de seu trabalho nessa faina.

         O objetivo fundamental de Saussure era investigar a o segredo oculto, uma lei verificável do anagrama, do texto oculto latente que geraria o poema. O pesquisador genebrino acreditava existir um suporte secreto que guiaria o poeta. Esse suporte seria negado, oculto aos não iniciados na arte.

         Começa, em dezembro 1905, uma pesquisa que vai continuar até abril de 1909. A importância que o estudioso deu a esse trabalho manifesta-se na quantidade de material produzido. Consta que são oito caixas contendo em torno de 150 cadernos.

         Parece que sua curiosidade sobre o tema inicia pela observação de inscrições públicas. Os primeiros versos ele teria encontrado no Fórum Romano. Os seguintes estariam nos túmulos dos Cipiões.  Partiu da análise dos versos saturninos latinos, em que essas inscrições estavam versificadas. Prosseguiu seu trabalho, analisando também Homero, Virgílio, Lucrécio, Sêneca, Horácio, Ovídio, Ângelo Policiano, Thomas Johnson, Rosati, Pascoli e outros poetas.

         Todo esse trabalho buscava invariantes para o processo de criação poética. Partia do pressuposto de que os poetas, mesmo não tendo consciência do processo, construíam necessariamente seus versos em torno de uma ou algumas palavras-chave que se escondiam no interior do poema e que se manifestavam num lugar privilegiado da obra chamado por ele de locus princeps.

         Muitos estudiosos desde então têm dedicado pesquisas ao estudo inédito de Saussure. Entre eles Roman Jakobson, Robert Godel, Claude Lévi-Strauss, Tullio di Mauro, Jean Starobinski, Simon Bouquet, Claudine Normand, Johannes Fehr e, mais contemporaneamente, no Brasil, Edward Lopes, os irmãos Campos, apenas para mencionar os que mais se destacaram. Há, neste momento, uma série de dissertações de mestrado e teses de doutorado investigado esse enorme trabalho.

         O saturnino é um verso tipicamente romano. É preciso esclarecer que os romanos, no período áureo de sua literatura, do ano 78 a. C. até a morte de Augusto, em 14 p. C. (PARATORE, 1983, p. 7), abandonaram o verso saturnino para dedicarem-se ao hexâmetro grego.

         Essa influência continua mesmo muito além desse período, como prossegue também, paralelamente, o uso do metro nacional, porém este último vai perdendo gradativamente seu prestígio até cair no total esquecimento.

         O uso do metro grego em Roma tem muitos aspectos negativos, pois os romanos adotaram modelos literários estrangeiros e abandonaram sua cultura literária nacional.
         Havia o costume de os homens mais ilustrados de Roma aperfeiçoar sua formação junto aos mestres gregos, transferindo-se de modo especial para Atenas. Esse processo de helenização da cultura romana se manteve por muitos séculos, chegando mesmo até ao período da cristianização dessa cultura.

         O próprio cristianismo tem fortes marcas dos metros gregos em seus hinos e cânticos sagrados. Basta lembrar o Kyrie eleison (Κύριε ελέησον), poema de contrição que é cantado em petição de perdão dos pecados nos ritos iniciais da missa latina. Aliás, a própria doutrina cristã está impregnada de influências dos filósofos gregos e romanos, marcadamente os de orientação estoica.

         O verso saturnino era, portanto, um tipo de metro nacional, considerado indígena pelo refinado gosto dos poetas e leitores influenciados pelo círculo helenizante dos Cipiões, grupo de romanos que difundia a cultura grega na orgulhosa Roma.

         Retornando ao saturnino, lembremos que a Itália era também chamada pelos antigos romanos de Satura Tellus, ou seja, Terra de Saturno. Esse deus nacional correspondia ao deus grego Cronos (Χρόνος). Segundo a mitologia romana mais antiga, teria sido ele o criador do povo fortificado que viria a chamar-se mais tarde de romano. Teria ensinado aos habitantes da Itália o cultivo da terra.

         A imagem do antigo deus era representada sempre com uma foice e uma podadeira nas mãos. Teria introduzido na península itálica o costume da poda das videiras. As festas dedicadas a Saturno eram as saturnalia. Trata-se de festejos primitivos do mês de dezembro, festas de fim de ano, antes mesmo do surgimento da cidade de Roma. As saturnalia eram festas mais ou menos licenciosas, onde se subvertia a ordem social: os escravos, como quer uma antiga tradição, mandavam em seus amos e esses os serviam à mesa (GRIMAL, 1966, p. 475).

         Compreende-se, assim, que os requintados cidadãos romanos da época dos imperadores não vissem com bons olhos uma divindade primitiva, rude e ligada à terra. Por isso, rejeitaram também a literatura vinculada a essa divindade rural e elegeram os metros gregos de maior prestígio entre essa elite.

         Estas observações sobre a primitiva literatura romana justificam-se pelo fato de Saussure estar preocupado, nos anagramas, em descobrir os fundamentos da produção poética e que poderiam estar escondidos nesses meandros da história e da mitologia.

         Adotaram também, os romanos, os deuses gregos que assumiram em Roma outros nomes, mas mantinham as mesmas características de seus pares gregos. A própria língua latina, chamada hoje de latim vulgar, utilizada até então por toda a população romana, passa por profundas mudanças e, com base na gramática da língua grega, molda-se pelas declinações e pelos modelos formais e pelos demais parâmetros léxico-morfo-sintáticos desse idioma de maior prestígio em todo o Mediterrâneo, qual seja, o grego.

         Somente a classe culta de Roma falava e escrevia nessa variante da língua. O homem comum continuou a falar a velha língua latina formadora das atuais línguas neolatinas, excetuando-se a nomenclatura científica.

         O verso saturnino faz parte da chamada fase pré-literária de Roma (SOUZA, 1977, p. 26). Está ligado a uma velha tradição que afirmava haver sido Saturno o primeiro colonizador do Lácio. Era chamado de verso fáunio quando tinha caráter cômico.

         Apesar de muito se haver pesquisado a respeito do saturnino, não se chegou a esclarecer sua natureza, se possuía um número determinado de sílabas ou não, se tinha um determinado ritmo, se era marcado pela quantidade ou pelo acento, ou se não obedecia a marcação de qualquer natureza. Parece, entretanto, que a quantidade das sílabas na sucessão das palavras tinha alguma importância.

         Isso se deduz do estudo feito da inscrição em saturnino representada por um verso com que os Metelli, ricos cidadãos romanos do tempo de Névio (275 a 201 a. C.), responderam a provocações do poeta.
         É preciso explicar aqui um primitivo costume romano de manter discussões públicas através de inscrições afixadas em lugares de grande circulação. Poetas como Névio, mais tarde Marcial e Juvenal, usavam desse expediente para fazer críticas a cidadãos ilustres, muitas vezes até com fins menos nobres como os de obter favores e mesmo dinheiro.

         A inscrição que aparece a seguir é uma resposta dos METELLI, família de grande prestígio na cidade, a uma dessas inscrições críticas de Névio, poeta mordaz que se tornara célebre e odiado por esse tipo de poema que vai dar origem à sátira romana.

A inscrição é:
                       DABUNT MALUM METELLI NAEVIO POETAE.

         Nela, duas palavras de duas sílabas são seguidas de três palavras de três sílabas, cujo significado ambíguo poderia ser os Metelli darão uma maçã ou darão um mal ao poeta Névio. A palavra maçã em latim é malum, i e a palavra mal é malus, a, um, mas o acusativo singular de ambas (que é a forma de marcar o objeto direto) é malum.

         Névio, como foi dito acima, tornara-se famoso pelo tom agressivo de suas sátiras. Havia escrito um poema contra os Metelli que continha o seguinte verso, também ambíguo:

         FATO ROMAE METELLI FIUNT CONSULES.

que pode ser traduzido por os Metelli fazem-se Cônsules de Roma pelo destino ou por azar, por desgraça.

         Essas inscrições são exemplos de verso saturnino muito abundante então na grande metrópole das margens do Tibre, como em toda a península itálica. O saturnino, também conhecido por satúrnio, não é um tipo de verso exclusivo de Roma. Também os sabinos e os oscos o conheciam. Não há dúvida, porém, de que seja um verso indígena, isto é, oriundo da península itálica. Até o surgimento de Névio, foi a única forma de verso conhecida nessa primitiva Roma.

         Saussure elege casualmente esse tipo de poema para iniciar seus trabalhos, ao visitar Roma e encontrá-los em monumentos públicos antigos. Nessas pesquisas iniciais, acaba por descobrir algumas regularidades específicas.

         Para Saussure, esse tipo de verso foi tão importante que 17 de seus cadernos de estudos anagramáticos são dedicados a analisá-los. Seu interesse pelo tema confirma-se pelo que escreveu em um caderno de notas preliminares:

A razão pode ter residido na ideia religiosa de que uma invocação, uma prece, um hino, só produzia efeito com a condição de misturar as sílabas do nome divino ao texto (STAROBINSKI, 1974, p. 42).

         Sabe-se que todos os hinos sagrados primitivos da antiga Roma foram compostos em versos saturninos, especialmente por Livius Andronicus, poeta tarentino trazido como escravo para a Urbs, no século III a. C., com a conquista da Magna Graecia.  Assim era conhecida a colônia grega do sul da Itália que ia de Tarento à Sicília.

         Livius, como um dos únicos homens letrados na Roma de então, prisioneiro do general romano Livius Salinator, de onde lhe vem o prenome, foi encarregado da composição dos hinos oficiais às divindades romanas.

         Esse fato de ter sido o saturnino o molde literário do conjunto de hinos sagrados primitivos do povo romano deve ter levado Saussure, profundo conhecedor da história, a começar seus estudos anagramáticos por aí, como que na busca de algum vestígio de uma fórmula sagrada de composição que guiava o poeta religioso, cujos moldes poderiam ter passado à poesia laica sem que a história tivesse registrado o isso.

         Ainda analisando o saturnino, ele constata a existência de uma palavra-tema sob o poema. Em carta datada de 1906 afirma:

Tudo o que eu escrevia sobre o metro datílico (ou melhor, espondaico) subsiste, mas agora é pela Aliteração que cheguei a obter a chave do Saturnino, mais complicada do que parecia. Todo o fenômeno da Aliteração (e também das rimas) que se observa no Saturnino é tão somente uma parte insignificante de um fenômeno mais geral ou melhor, absolutamente total. A totalidade das sílabas de cada verso Saturnino obedece a uma lei de aliteração, da primeira à última sílaba; e sem que uma única quantidade de vogal a mais seja escrupulosamente levada em conta. O resultado é tão surpreendente que somos levados a nos perguntar, antes de tudo, como os autores desses versos (em parte literários com Andronicus e Naevius) podiam ter tempo para se dar a esse tipo de quebra-cabeça: pois o Saturnino é  um verdadeiro jogo chinês, independentemente de qualquer consideração sobre métrica (STAROBINSKI, 1974, p. 17).

         Pelas palavras acima, percebe-se a importância que tiveram, na teoria saussuriana, os estudos do verso saturnino, tão pouco conhecido hoje, pois que dele nos restam apenas fragmentos e inscrições públicas.

         Saussure emprega, no texto acima, os termos dactílico e espondeu. O dáctilo era um pé formado por uma sílaba longa e duas breves e o espondeu formado por duas sílabas longas.

         Segundo a métrica grega e latina, os versos eram medidos pela quantidade de tempo de sua realização e não pela intensidade como se faz na métrica contemporânea. As sílabas eram classificadas em longas e breves. Uma sílaba longa equivalia a duas breves. Assim, o verso tinha uma quantidade matematicamente precisa de duração como ocorre com a música.

         As sílabas agrupavam-se em pés. O pé é uma combinação de duas ou mais sílabas longas e breves. A sílaba do pé, que se pronuncia de modo mais intenso, na qual se eleva a voz, chama-se arsis e a sílaba em que se abaixa a voz chama-se thesis. A maior intensidade de voz  na pronúncia da arsis chama-se ictus. A arsis é geralmente formada por sílaba longa e a thesis por uma ou mais sílabas breves. O ritmo é, então, a sucessão simétrica e periódica de arsis e thesis.

         Os pés eram classificados de acordo com sua composição, ou seja, de grupos de sílabas de diferentes durações, conforme segue:

a) jambo: formado por uma sílaba breve e uma longa (rōsăs);
b) troqueu ou coreu: formado por uma sílaba longa e uma breve (mēnsă);
c) espondeu: formado por duas sílabas longas (vīrtŭs);
d) dátilo: formado por uma sílaba longa e duas breves (pātrĭbŭs);
e) anapesto: formado por duas sílabas breves e uma longa (bōnĭtăs);
f) tríbraco: formado por três sílabas breves (dōmĭně).

         As sílabas latinas, como também as gregas, podem ser longas por natureza ou por posição.  Como exemplo de sílabas longas por natureza podem-se apresentar os ditongos ou as resultantes de contrações de qualquer tipo. São longas por posição, as sílabas que precedem consoantes duplas ou geminadas. São breves por natureza vogais antes de vogais. Saliente-se que não se tinha o conceito de semivogal.

         Havia também, nessa métrica clássica, uma divisão do verso em duas partes, formando-se uma pausa no meio do verso que recebe o nome de cesura. Esse termo latino, que significa corte, dividia  o verso em dois hemistícios, ou seja, duas metades de verso (hemistício, do grego ήmi = metade e sticόV = verso). Saussure vai usar essa divisão na busca dos anagramas, como se verá mais adiante.

         Quero deixar claro que não estou fazendo um tratado de métrica greco-latina. O que exponho aqui é apenas o elementar para o leitor que não teve oportunidade de entrar em contato com esses tipos de metro. Essas informações são totalmente dispensáveis aos conhecedores da métrica clássica.

         Sobre o saturnino, Saussure chega a conclusões admiráveis. Afirma que uma vogal não tem direito de figurar no verso saturnino a não ser que tenha sua contravogal em um lugar qualquer do verso (STAROBINSKI, 1974, p. 17).

         A contravogal aparece em muitos versos de nossos autores. Veja-se o exemplo de Castro Alves: Donzela bela que me inspira a lira (CASTRO ALVES, 1974, p. 28). A assonância das vogais do verso citado em que o /e/ de “donzela” e de “bela” se contrapõe à vogal mais alta /i/ de “inspira” e “lira” é um tipo de oposição semelhante aos que Saussure encontra no saturnino latino. Porém, a regularidade encontrada pelo autor está acima desse processo. É algo mais fundamental e anterior a esses mecanismos.

         Assim como há essa simetria entre as vogais do verso saturnino, há idêntico processo entre as consoantes. Pode-se encontrar essa correspondência entre consoantes em nossa poesia. É o caso do poema simbolista de Eugênio de Castro:

 São amantes delirantes que em amenos
 Beijos se beijam, Flor, à flor dos frescos fenos (CASTRO, apud MOISÉS, 1985, p. 352).

         Nesses versos o fonema /m/ de “amantes” e “amenos” se opõe a /b/ de beijos e beijam. São bilabiais plosivas que se opõem de verso para verso. Portanto, as mesmas regularidades que Saussure encontrou no verso saturnino latino são encontráveis facilmente nos versos de língua portuguesa.

         Para construir seu poema, o poeta deveria impregnar-se das combinações fônicas da palavra-tema. Essa palavra-tema é fracionada, manifestando-se dentro de algumas palavras geralmente ligadas a nomes próprios do herói a quem o poema deve elogiar.

         Primeiramente, o poeta deveria ter diante de si um grande número de fragmentos do nome do herói do seu poema. Se o herói é Hercolei (forma latina de Hércules), o poeta dispõe dos fragmentos lei, co, ol, er, rc, cl, etc. de que se utilizará para distribuir dentro de seus versos.

         Esses fragmentos devem estar prodigamente distribuídos dentro do poema. Assim, o vocábulo afleita retoma o fragmento lei de Hercolei.

         Tanto vogais quanto consoantes da palavra-tema devem aparecer em todos os versos em números pares. Caso não apareça uma delas num verso, deve ser compensada no verso seguinte.

         Tanto o verso latino como o grego, conforme se viu, eram divididos em duas partes pela cesura, palavra que significa corte. A primeira parte do verso era chamada de primeiro hemistício e a segunda, de segundo hemistício. Conforme foi dito acima, constata também o linguista genebrino relações entre o primeiro hemistício e o segundo. As vogais ou consoantes da palavra-tema não existentes no primeiro hemistício necessariamente deveriam aparecer no segundo.

         Quanto ao termo anagrama, Saussure afirma em outro caderno ser mais adequado o termo anafonia que, para ele, seria uma simples assonância, a qual se constituiria de vogal mais alta, substituindo  vogal mais baixa da palavra-tema. Veja-se o exemplo já citado de Castro Alves: Donzela bela que me inspira a lira em que os /e/ de donzela e bela aparecem elevados na vogal /i/ mais alta de inspira e lira.

         Os romanos abandonaram, como foi dito, o verso saturnino para dedicarem-se ao hexâmetro, metro de origem grega, em que os grandes poetas  compuseram suas obras, de modo especial o poeta épico Homero que, no século IX a. C., escreveu a Ilíada e a Odisseia. Não significa que os gregos poetassem apenas nesse metro. O hexâmetro era o verso de maior prestígio na literatura grega, havendo, porém, muitos outros tipos de metro.

         Saussure também fez análise de poemas latinos que usavam o metro grego, como é o caso de Virgílio, na sua obra Eneida. Uma das características do hexâmetro era o emprego do ritmo dactílico, isto é, no verso grego que tinha seis pés, por isso hexâmetro, os quatro primeiros pés eram dáctilos ou espondeus. Como se viu acima, o espondeu era formado de duas sílabas longas e o dáctilo formado por uma sílaba longa e duas breves.

         Usando ainda da métrica latina e grega, Saussure apresenta como uma das provas de sua teoria a inscrição latina que traz dentro de si as sílabas do nome de Cipião, herói latino sobre o qual o poema cujo verso é apresentado abaixo foi escrito. Cipião, em latim, é Scipio:

         Taurasia Cisauna Samnio cepit (STAROBINSKI, 1974, p. 22).

         A tradução seria: capturou Taurasia, Cisauna e Amnio (nome de três cidades capturadas na guerra Púnica). O nome de Cipião (Scipio), o herói do poema, não aparece no verso, aparece somente no anagrama: o S aparece maiúsculo em Samnio o ci parece em Cisauna, o pi, em cepit e io, em Samnio.
         Outro verso traz o anagrama de Cornelius, apresentando somente as vogais do nome do herói:
         Mors perfecit  tua ut essent (STAROBINSKI, 1974, p. 23).

         Esse fragmento significa A tua morte aperfeiçoa para que sejam...

         Em Mors aparece a vogal /o/, do nome do herói, em perfecit  aparece a vogal /e/, ainda em perfecit  aparece /i/, e em ut,  aparece a vogal /u/. No verso ainda aparece a vogal /a/ cuja presença Saussure justifica pela possibilidade de significar Cornelia gens, ou seja, família dos Cornélios. Os romanos usavam o prenomen, que corresponde ao nosso nome. O de Cornélio era Lucius. O nomen corresponde ao sobrenome. Cornelius era então a relação do nome do herói com o de sua família a Cornelia gens. Encontra-se, também, em perfecit, o primeiro /e/ breve, enquanto que o /e/ de Cornelius é longo, mas Saussure justifica seu aparecimento pela assonância com o /e/ longo.

         Esse é o resultado do longo estudo de Saussure sobre os versos saturninos. Depois, passou a analisar os versos gregos. Começa a tratar da obra de Homero. Destaque-se o fato de que essa ordem é a estabelecida por Godel, não necessariamente a percorrida pelo autor.

         Aqui ele introduz o termo hipograma que significa o que está por baixo, o qual define como gênero de anagrama a reconhecer nas literaturas antigas. Em grego, a palavra Upogrάmma, atoV, significa inscrição, firma; o verbo Upogrάjw significa escrever por baixo, subscrever, registrar no protocolo, pintar debaixo, pintar os olhos; e o substantivo grajh,hV significa inscrição, contorno, traço, ação de pintar os olhos. Saussure lembra essas três palavras gregas para justificar a escolha do termo hipograma. Diz ele:

Sem ter motivo para manter particularmente o termo hipograma, no qual me detive, me parece que a palavra não corresponde demasiadamente mal ao que deve ser designado. Não está em desacordo muito grave com os sentidos de ύpogrάjein, ύpogrάjh ύpogrάmma. etc., se excetuarmos  o sentido de assinatura  que não é  senão um dos que ele toma, seja fazer alusão; seja reproduzir por escrito como um escrivão, um secretário, ou mesmo (pensávamos neste sentido especial mais divulgado) sublinhar por meio de pintura os traços do rosto. Quando tomarmos mesmo o sentido mais difundido ainda que mais especial, de sublinhar por meio de pintura os traços do rosto, não haverá conflito entre o termo grego e nossa maneira de empregá-lo; pois trata-se ainda no “hipograma” de sublinhar um nome, uma palavra, esforçando-se por repetir-lhe as sílabas, e dando-lhe assim uma segunda maneira de ser, fictícia, acrescentada, por assim dizer, à forma original da palavra(STAROBINSKI, 1974, p. 23-4).

         Em estudo posterior, dedicado ao poeta latino Lucrécio, Saussure propõe o termo paragrama para substituir o termo anagrama. Afirma:

O termo anagrama é substituído por este, mais justo, paragrama.  Nem anagrama, nem paragrama, querem dizer que a poesia se dirige para essas figuras segundo os signos escritos; mas substituir –grama por –fono em uma ou outra dessas palavras levaria justamente a fazer crer que se trata de uma coisa espantosa. Anagrama por oposição a Paragrama, será reservado ao caso em que o autor se contenta em dispor num pequeno espaço, como aquele de uma palavra ou duas, todos os elementos da palavra-tema, aproximadamente como  no “anagrama” segundo a definição; - figura de importância  absolutamente restrita no meio dos fenômenos oferecidos ao estudo, e que representa em geral uma parte ou um acidente do Paragrama(STAROBINSKI, 1974, p. 24).

         Portanto, o paragrama seria um tipo de anagrama especial, para casos em que esse esteja contido em poucas palavras. Continuando seu trabalho de estabelecer uma nomenclatura específica para sua teoria, Saussure introduz termos como logograma e antigrama.

A segunda utilidade de Logograma ao lado de antigrama é – além de marcar o antigrama tomado nele mesmo – poder aplicar-se à soma de antigramas quando há, por exemplo, dez, doze, quinze que se sucedem em uma passagem em torno de uma mesma palavra. Há logogramas que se decompõem em múltiplos antigramas e que têm, entretanto, uma razão para serem ditos de uma só palavra porque giram em torno de uma só palavra. Indica assim a unidade do tema, do motivo, e, deste ponto de vista, deixa de ser chocante na sua parte Logo – que não precisa mais ser tomada necessariamente no sentido da palavra fônica, nem mesmo de palavra: é um “grama”, gramma, em torno de um assunto que inspire o conjunto da passagem e é mais ou menos o logos, a unidade razoável, o comentário (STAROBINSKI, 1974, p. 25).

         O sentido primeiro da palavra grega grάmma (grama) é letra. Depois podia ser letras, isto é, a literatura. Ainda podia significar texto escrito, carta, inscrição, registro, lista, papel, documento, livro, gramática, ciências, quadro.

         Quer me parecer, porém, que Saussure a tenha empregado aqui no sentido de letra, com a significação de certo modo ambígua entre letra e fonema, já aludida neste trabalho, pois, quando busca no interior do verso letras que girem em torno da palavra-tema, busca, na verdade fonemas. Assim, antigrama seria a letra, ou melhor, o fonema, que evoca, por oposição, algum fonema dessa palavra-tema. É o caso das assonâncias do poema de Castro Alves aqui citado, em que o /e/ do primeiro hemistício é elevado para /i/ no segundo.

         Quanto ao termo logograma, não há dele registro nos dicionários da língua portuguesa. É também ele de origem grega. O radical logo de lόgoV em grego pode ter um grande número de significações como: palavra, dito, revelação divina, resposta dum oráculo, máxima, sentença, exemplo, decisão, resolução, condição, promessa, pretexto, argumento, ordem, menção, notícia que corre, conversação, relato, matéria de estudo ou de conversação, razão, inteligência, senso comum, juízo, a razão de uma coisa, valor que se dá a uma coisa, motivo, opinião, estima, justificação, explicação, a razão divina, o verbo de Deus.

         Parece, porém, que Saussure usa o termo logograma, em seu sentido mais literal, em que o radical logo recebe o sentido de palavra, enquanto que grama se reduz simplesmente a letra. O logograma seria a palavra onde se manifestam as letras da palavra-tema ou, mais especificamente, os fonemas.

         Starobinski usa a figura de Ísis reunindo o corpo despedaçado de Osíris para aludir ao trabalho de busca do hipograma. Assim como a imagem de Osíris guiava Ísis na sua busca, assim também o nome do deus ou do herói guia o pesquisador na busca das palavras-tema.

         Isso implica dizer que o poeta, além da construção do ritmo, do metro e das rimas, tinha ainda a árdua tarefa de disseminar, todo fragmentado, o nome do herói, como palavra-tema de sua obra, por entre os versos de sua composição.
         Mais adiante, o autor vai afirmar que esse procedimento é inevitável, mas pode ser inconsciente. Seria uma conditio sine qua non de todo o fazer poético, seja ele religioso ou leigo, antigo ou presente.

         Ainda aparentemente insatisfeito com a nomenclatura que usa, busca nesta fase de estudos, um novo termo, a anafonia. Esse termo provém do radical grego άna, que pode ser advérbio com os significados: em cima, no alto; que pode também ser preposição com o sentido de através de, ao longo de, durante, por, cada. Entra como segundo elemento da composição o substantivo grego jonή, que significa voz, e nas línguas neolatinas passa a ter a significação também de som.

Tomando o significado mais adequado de άna para este caso, que me parece ser, não do advérbio e, sim, da preposição através de, e o de jonή, como som, teríamos o significado do termo anafonia como a repetição de sons, de pares de sons, formando não apenas aliterações, mas verdadeiras cadeias de sons que, aos pares, marcam o jogo do poeta em torno da palavra-tema.

         Em carta a Antoine Meillet, datada de 23 de fevereiro de 1907, referindo-se à anafonia diz:

A diferença evidentemente incalculável entre um fonismo aliterante e um fonismo que se apoie sobre qualquer sílaba é que, enquanto ficamos ligados à inicial, pode parecer que é o ritmo do verso que está em jogo, e que procurando acentuar-se mais, provoca inícios de palavras semelhantes, sob um princípio que não supõe absolutamente, da parte do poeta, a análise da palavra. (...) Mas, se for verificado, ao contrário, que todas as sílabas podem concorrer à simetria do seu esquema rítmico que dite estas combinações, e, que um segundo princípio, independentemente do próprio verso, se associava ao primeiro para constituir a forma poética recebida. Para satisfazer esta segunda condição do carmen completamente independente  da constituição dos pés ou dos ictus, eu afirmo efetivamente (como sendo minha tese a partir de agora) que o poeta se entregava, e tinha como “metier”  comum entregar-se à análise fônica  das palavras que constituía provavelmente, desde os mais antigos tempos indo-europeus, a superioridade, a qualidade particular do kavis  dos hindus, dos Vates dos latinos, etc.(STAROBINSKI, 1974,  p. 27).

         Essa afirmativa saussuriana mostra que, para ele, o processo anagramático é muito mais amplo do que o simples processo das aliterações ou das rimas, encontrado nos estudos de teoria literária. O termo latino carmen empregado na citação acima significa simplesmente poema.

         Em seguida, Saussure dá um exemplo da anafonia num verso latino sobre Cipião, em que os fonemas da palavra-tema aparecem repetidos duas vezes:
          Subigit omne Loucnam opsidesque abdoucit (Subjugou toda Loucnam e afastou os reféns).

         Nesse verso há imprecisões gramaticais como omne, que está na função de objeto direto e pela sintaxe latina deveria ser omnem, mas como se verá abaixo, o poeta buscava a repetição de sons pares. Caso repetisse o m, ficariam três fonemas /m/, o que quebraria a série de pares que o verso apresenta. Saussure percebe que, nesse verso, há 8 repetições de fonemas que formam oito pares (STAROBINSKI, 1974, p. 26).

         É um jogo de repetições que o autor constata ainda no verso saturnino. Num caderno sem título, aparece a frase latina que Starobinski coloca em destaque:

         NUMERO DEUS PARI GAUDET. (Deus alegra-se com o número par).

         Essa citação manifesta uma espécie de deslumbramento do linguista genebrino diante dessas regularidades que deixam transparecer uma verdadeira teia de repetições de fonemas no interior dos versos, reapresentando, fragmentada a palavra-tema (STAROBINSKI, 1974, p.18).

         Starobinski apresenta um trabalho de Saussure sobre os Vedas indianos em que constata a mesma regularidade de repetições fônicas. O anagrama que perpassava o saturnino e o hexâmetro também se manifesta na literatura sagrada indiana com o mesmo rigor e frequência.

         Sempre movido pela preocupação da regularidade, Saussure introduz os termos monófono, dífono, trífono e polífono. A regularidade passa a ser não o monófono, fonema isolado que se repete, mas o dífono, pares de fonemas que se repetem. O dífono é mesmo, segundo o autor, a unidade mínima... (STAROBINSKI, 1974, p. 35). Seria ele a unidade mínima do anagrama de números pares de fonemas.

         O dífono é um par de fonemas da palavra-tema que pode aparecer contínua ou descontinuamente no termo. O trífono é composto de um dífono, mais um fonema. O monófono pode ocorrer, mas não é a primeira unidade, é uma subunidade. O polífono é um conjunto de mais de três fonemas da palavra-tema, ocorrendo num vocábulo ou em vocábulos contínuos.

         Como exemplos do que acima teorizei, podem ser citadas as ocorrências que se seguem: em peritus tem-se o dífono ri e o trífono ri-s, sendo o s um monófono, dentro do trífono. O monófono pode seguir o dífono, como no exemplo acima ou pode precedê-lo, como no caso seguinte: em fervida tem-se o trífono r-id composto do monófono r e do dífono id.

         Na sua teoria anagramática, Saussure apresenta também outros dois elementos que são locus princeps e manequim. Esses termos têm a mesma significação na teoria saussuriana. O primeiro é substituído pelo segundo.

         A expressão latina locus princeps, literalmente, significa lugar príncipe, ou seja, um lugar privilegiado no poema onde o nome do herói se manifesta. Num de seus cadernos aparece o que segue:

Toda peça bem composta deve apresentar, para cada um dos nomes importantes que alimentam o hipograma, um locus princeps: uma série de palavras, estreita e delimitável, que se pode designar como o lugar especialmente destinado a este nome. Isto sem prejuízo de qualquer hipograma mais extenso, e consequentemente mais disperso, que pode correr e que corre em geral, através do conjunto da peça, paralelamente ao hipograma condensado (STAROBINSKI, 1974, p. 37).

         Assim, o locus princeps é o lugar privilegiado em que aparece cada palavra-tema dentro do poema. É um conjunto de palavras mais ou menos próximas fisicamente em que se manifesta o nome do herói. Para demonstrar essa constância, analisa o autor um vaticínio religioso que aparece na obra de Tito Lívio, Res Romanae ab Urbe Condita, o qual, numa tradução livre, seria História Romana desde a Fundação da Cidade.

         Outro tema que Saussure abordou, mesmo que brevemente, é a questão da origem dos anagramas. No segundo cahier de notes préliminaires, ele analisa o anagrama na epopeia grega. A primeira hipótese a esse respeito lançada pelo estudioso é de que haveria laços da analogia com as religiões primitivas. Diz ele:

A razão pode ter residido na ideia religiosa de que uma invocação, uma prece, um hino, só produzia efeito com a condição de misturar as sílabas do nome divino ao texto (STAROBINSKI, 1974, p. 42).

         A observação saussuriana tem fundamento histórico, pois os cultos sagrados da antiguidade estavam relacionados com a forma linguística. Os primeiros estudos linguísticos realizados na antiga Índia tinham o intuito de reconstituir o texto sagrado na sua forma original, bem como de dar condições para que suas palavras fossem pronunciadas corretamente, pois, caso contrário, o texto não teria o efeito desejado.

         Exemplo disso na cultura ocidental é a missa em latim. O sacerdote tinha de pronunciar pausadamente a fórmula latina da consagração, pois erro de pronúncia ou omissão de qualquer termo implicaria nulidade do ato, isto é, o pão e o vinho não se converteriam respectivamente no corpo e no sangue de Jesus Cristo.

         Nos cultos eleussinos, realizados em Elêussis, pequeno bairro ateniense, onde os nobres gregos eram iniciados nos ofícios sagrados, havia fórmulas religiosas de significado hermético que eram pronunciadas nos atos religiosos.

         Demóstenes, em seu famoso discurso A Oração da Coroa, pronunciado contra seu adversário político e orador, Ésquines,  orgulha-se de participar desses cultos, citando a fórmula: ¢Auoή,  ¢Euoή (DEMÓSTENES, 1965, p. 48).

         A seguir, Saussure levanta outra hipótese de ordem puramente poética da existência dos anagramas: A razão pode ter sido não religiosa e puramente poética: da mesma ordem que aquela que preside aliás as rimas, as assonâncias, etc. (STAROBINSKI, 1974,  p. 46).

         Em favor dessa proposta, poder-se-iam apresentar os exemplos dos poetas populares que seguem certos princípios poéticos, como a métrica e a rima sem jamais terem tido contato com teorias da poética.

         Embora Saussure tenha admitido influências religiosas no processo anagramático, não quer dizer que acreditasse num princípio místico que regesse a composição poética, como um processo emancionista que estivesse por trás da produção dos poemas. Fazia alusão à crença que o poeta, ao compor sua obra, poderia ter sobre esse processo de origem religiosa. Não se trata aqui de uma crença do autor genebrino de que algo de místico envolve o sistema poético.

         O autor acredita que, entre alguns povos, como os romanos, leitores e ouvintes sabiam da existência do que ele chama também de palavra subposta, isto é, colocada por baixo, mesmo quando um poema comporta uma pluralidade de palavras-temas.

         Por fim, Saussure vai à procura de provas que confirmem sua teoria. Um dos argumentos relevantes em favor do anagrama é que Virgílio, percebendo o anagrama na obra de Homero como um instrumento forte para a poética, não quis que sua obra fosse inferior à do mestre e, portanto, usou do mesmo processo em seus poemas.

         Afirma ainda que
mais de um poeta francês confessou que a rima não somente o incomodava, mas o guiava  e inspirava, e dá-se exatamente o mesmo a respeito do anagrama (STAROBINSKI, 1974 p. 86).

         Isso significa que o anagrama seria um instrumento como a métrica, da mesma maneira que limita o poeta, dá-lhe também um instrumento de criatividade.

         Por mais que argumente, Saussure não consegue provar sua teoria dos anagramas. Por isso não a publicou. Levanta muitas hipóteses em favor e contra os princípios que enuncia e acaba sem uma conclusão que o deixe satisfeito.

         Starobinski se pergunta se não seria o próprio Saussure que, na busca de invariantes, as teria encontrado nos poemas, sem que disso se dessem conta os compositores ao produzir seus textos. Estas são suas afirmações:
 ... não partiria ele da decisão de Saussure de ler a poesia de Virgílio e de Homero como linguista e foneticista? Economista, ele aí teria decifrado sistemas de trocas; psicanalista, uma rede de símbolos do inconsciente. Não encontramos senão aquilo que procuramos, e Saussure procurou uma restrição fonética acrescentada à métrica tradicional do verso. Faltaria verificar se aquilo que ele procurou e achou, lendo os poetas antigos, corresponde a uma regra consciente seguida por eles (STAROBINSKI, 1974, p. 86).

         No texto seguinte, de uma carta a destinatário desconhecido, aparece mais fortemente sua dúvida quanto à consistência dos princípios anagramáticos:

Quando um primeiro anagrama surge, parece ser uma luz. Depois quando se vê que se pode acrescentar-lhe um segundo, terceiro, um quarto é que, longe de nos sentirmos aliviados de todas as dúvidas, começamos a não ter mais confiança absoluta no primeiro: porque chegamos a perguntar-nos se não poderíamos encontrar definitivamente todas as palavras possíveis em cada texto, ou até que ponto, aquelas que se ofereceram sem que as procurássemos são  verdadeiramente cercadas de garantias características, e implicam uma maior soma de coincidências que as da primeira palavra ou daquela a que não se prestava atenção (STAROBINSKI, 1974,  p. 89).

         Saussure, intrigado com essa espécie de conhecimento secreto, guardado por uma confraria de iniciados, vacila entre a afirmação da existência do hipograma, ou seja, palavra-tema, e sua inexistência. Ainda admite que poetas como Livius, Naevius e outros que compuseram inúmeros cantos religiosos mantivessem o segredo do ofício. Porém, pergunta-se como teriam procedido em relação a essas regras poetas profanos como Ovídio.

         Ainda com o intuito de obter uma comprovação para suas teorias, escreve uma carta ao diretor do Colégio Eton, em outubro de 1908. Buscava informações sobre um ex-professor desse colégio, Thomas Johnson, que teria traduzido para o latim uma série de poemas clássicos gregos, para serem usados como texto de aula. Acontece que Saussure, examinando esses poemas, encontra neles abundantes anagramas.

         Não se tem conhecimento se chegou a postar a carta ou se, em a tendo postado, tivesse recebido alguma resposta. Desejava saber se o referido professor, já falecido em 1908, havia deixado algum estudo sobre a suposta teoria secreta que guiaria os poetas na sua arte. O que se pode constatar é que provavelmente não tenha obtido informações relevantes, caso contrário elas apareceriam em seus textos posteriores.

         Em busca de uma prova externa para seus próprios estudos, ou seja, de alguém que lhe confirmasse a existência dos princípios que lhe pareciam reger a arte poética, em 19 de março de 1909, escreveu uma carta ao poeta  Giovani Pascoli, então professor da Universidade de Bolonha.

         Pascoli respondeu-lhe, certamente, embora essa carta-resposta não tenha sido encontrada no material deixado pelo linguista, pois Saussure envia-lhe segunda correspondência, em que lhe remete alguns exemplos de sua tese.

         Na segunda carta a Pascoli, afirma:

Há qualquer coisa de decepcionante no problema que propõem porque o número de exemplos não pode servir para verificar a intenção que pôde presidir o fato. Ao contrário, quanto mais o número dos exemplos se torna considerável, mais motivo existe para pensar que é o jogo natural das possibilidades  sobre as 24 letras do alfabeto que deve produzir quase regularmente essas coincidências (STAROBINSKI, 1974, p. 105).

         Essa afirmação demonstra o quanto o autor duvidava da própria teoria. A dúvida ficava por conta do número limitado de letras do alfabeto, apenas vinte e poucas, variando de idioma para idioma. Tal limitação numérica, portanto, permite esse jogo de construção de palavras-temas por simples leis de probabilidade matemática e possibilidades de combinações.

         A segunda correspondência não foi respondida por Pascoli. Saussure teria, conforme afirma seu aluno Léopold Gautier, interpretado o silêncio do poeta italiano como reprovação de sua teoria e interrompido seus estudos sobre os anagramas.

         Estas observações não visam a confirmar ou refutar a teoria anagramática de Saussure. Trata-se de uma demonstração de sua grande preocupação com a busca de regularidades sob a produção do texto poético. Isso comprova o tipo de raciocínio científico do autor muito próprio do paradigma de ciência de modelo positivo.

BIBLIOGRAFIA:

GRIMAL, Pierre (1966). Dicionario de la mitologia griega y romana. Barcelona: Labor.
SOUZA, Rômulo Augusto (1977). História da literatura latina. Belém: Editora Serviço de Imprensa Universitária.
STAROBINSKI, Jean. (1974). As palavras sob as palavras: os anagramas de Ferdinand de Saussure. São Paulo: Perspectiva.