Prof. Dr.
Oscar Luiz Brisolara
O
grande linguista genebrino Ferdinand de Saussure era aficionado em
regularidades e acreditava que subjazia à criação poética um processo secreto
que regia a arte de poetar. Despendeu três importantes anos de seu trabalho nessa
faina.
O
objetivo fundamental de Saussure era investigar a o segredo oculto, uma lei
verificável do anagrama, do texto oculto latente que geraria o poema. O
pesquisador genebrino acreditava existir um suporte secreto que guiaria o
poeta. Esse suporte seria negado, oculto aos não iniciados na arte.
Começa,
em dezembro 1905, uma pesquisa que vai continuar até abril de 1909. A
importância que o estudioso deu a esse trabalho manifesta-se na quantidade de
material produzido. Consta que são oito caixas contendo em torno de 150
cadernos.
Parece
que sua curiosidade sobre o tema inicia pela observação de inscrições públicas.
Os primeiros versos ele teria encontrado no Fórum Romano. Os seguintes estariam
nos túmulos dos Cipiões. Partiu da
análise dos versos saturninos latinos, em que essas inscrições estavam
versificadas. Prosseguiu seu trabalho, analisando também Homero, Virgílio,
Lucrécio, Sêneca, Horácio, Ovídio, Ângelo Policiano, Thomas Johnson, Rosati,
Pascoli e outros poetas.
Todo
esse trabalho buscava invariantes para o processo de criação poética. Partia do
pressuposto de que os poetas, mesmo não tendo consciência do processo,
construíam necessariamente seus versos em torno de uma ou algumas
palavras-chave que se escondiam no interior do poema e que se manifestavam num
lugar privilegiado da obra chamado por ele de locus princeps.
Muitos
estudiosos desde então têm dedicado pesquisas ao estudo inédito de Saussure.
Entre eles Roman Jakobson, Robert Godel, Claude Lévi-Strauss, Tullio di Mauro,
Jean Starobinski, Simon Bouquet, Claudine Normand, Johannes Fehr e, mais contemporaneamente,
no Brasil, Edward Lopes, os irmãos Campos, apenas para mencionar os que mais se
destacaram. Há, neste momento, uma série de dissertações de mestrado e teses de
doutorado investigado esse enorme trabalho.
O
saturnino é um verso tipicamente romano. É preciso esclarecer que os romanos,
no período áureo de sua literatura, do ano 78 a. C. até a morte de Augusto, em
14 p. C. (PARATORE, 1983, p. 7), abandonaram o verso saturnino para
dedicarem-se ao hexâmetro grego.
Essa
influência continua mesmo muito além desse período, como prossegue também,
paralelamente, o uso do metro nacional, porém este último vai perdendo
gradativamente seu prestígio até cair no total esquecimento.
O
uso do metro grego em Roma tem muitos aspectos negativos, pois os romanos
adotaram modelos literários estrangeiros e abandonaram sua cultura literária
nacional.
Havia
o costume de os homens mais ilustrados de Roma aperfeiçoar sua formação junto aos
mestres gregos, transferindo-se de modo especial para Atenas. Esse processo de
helenização da cultura romana se manteve por muitos séculos, chegando mesmo até
ao período da cristianização dessa cultura.
O
próprio cristianismo tem fortes marcas dos metros gregos em seus hinos e
cânticos sagrados. Basta lembrar o Kyrie eleison (Κύριε ελέησον), poema de
contrição que é cantado em petição de perdão dos pecados nos ritos iniciais da
missa latina. Aliás, a própria doutrina cristã está impregnada de influências
dos filósofos gregos e romanos, marcadamente os de orientação estoica.
O
verso saturnino era, portanto, um tipo de metro nacional, considerado indígena
pelo refinado gosto dos poetas e leitores influenciados pelo círculo
helenizante dos Cipiões, grupo de romanos que difundia a cultura grega na
orgulhosa Roma.
Retornando
ao saturnino, lembremos que a Itália era também chamada pelos antigos romanos
de Satura Tellus, ou seja, Terra de
Saturno. Esse deus nacional correspondia ao deus grego Cronos (Χρόνος). Segundo a mitologia romana mais antiga,
teria sido ele o criador do povo fortificado que viria a chamar-se mais tarde
de romano. Teria ensinado aos habitantes da Itália o cultivo da terra.
A
imagem do antigo deus era representada sempre com uma foice e uma podadeira nas
mãos. Teria introduzido na península itálica o costume da poda das videiras. As
festas dedicadas a Saturno eram as saturnalia. Trata-se de festejos primitivos
do mês de dezembro, festas de fim de ano, antes mesmo do surgimento da cidade
de Roma. As saturnalia eram festas mais ou menos licenciosas, onde se subvertia
a ordem social: os escravos, como quer uma antiga tradição, mandavam em seus
amos e esses os serviam à mesa (GRIMAL, 1966, p. 475).
Compreende-se,
assim, que os requintados cidadãos romanos da época dos imperadores não vissem
com bons olhos uma divindade primitiva, rude e ligada à terra. Por isso,
rejeitaram também a literatura vinculada a essa divindade rural e elegeram os
metros gregos de maior prestígio entre essa elite.
Estas
observações sobre a primitiva literatura romana justificam-se pelo fato de
Saussure estar preocupado, nos anagramas, em descobrir os fundamentos da
produção poética e que poderiam estar escondidos nesses meandros da história e
da mitologia.
Adotaram
também, os romanos, os deuses gregos que assumiram em Roma outros nomes, mas
mantinham as mesmas características de seus pares gregos. A própria língua
latina, chamada hoje de latim vulgar, utilizada até então por toda a população
romana, passa por profundas mudanças e, com base na gramática da língua grega,
molda-se pelas declinações e pelos modelos formais e pelos demais parâmetros
léxico-morfo-sintáticos desse idioma de maior prestígio em todo o Mediterrâneo,
qual seja, o grego.
Somente
a classe culta de Roma falava e escrevia nessa variante da língua. O homem
comum continuou a falar a velha língua latina formadora das atuais línguas
neolatinas, excetuando-se a nomenclatura científica.
O
verso saturnino faz parte da chamada fase pré-literária de Roma (SOUZA, 1977,
p. 26). Está ligado a uma velha tradição que afirmava haver sido Saturno o
primeiro colonizador do Lácio. Era chamado de verso fáunio quando tinha caráter
cômico.
Apesar
de muito se haver pesquisado a respeito do saturnino, não se chegou a
esclarecer sua natureza, se possuía um número determinado de sílabas ou não, se
tinha um determinado ritmo, se era marcado pela quantidade ou pelo acento, ou
se não obedecia a marcação de qualquer natureza. Parece, entretanto, que a
quantidade das sílabas na sucessão das palavras tinha alguma importância.
Isso
se deduz do estudo feito da inscrição em saturnino representada por um verso
com que os Metelli, ricos cidadãos romanos do tempo de Névio (275 a 201 a. C.),
responderam a provocações do poeta.
É
preciso explicar aqui um primitivo costume romano de manter discussões públicas
através de inscrições afixadas em lugares de grande circulação. Poetas como
Névio, mais tarde Marcial e Juvenal, usavam desse expediente para fazer
críticas a cidadãos ilustres, muitas vezes até com fins menos nobres como os de
obter favores e mesmo dinheiro.
A
inscrição que aparece a seguir é uma resposta dos METELLI, família de grande
prestígio na cidade, a uma dessas inscrições críticas de Névio, poeta mordaz
que se tornara célebre e odiado por esse tipo de poema que vai dar origem à
sátira romana.
A inscrição é:
DABUNT MALUM METELLI
NAEVIO POETAE.
Nela,
duas palavras de duas sílabas são seguidas de três palavras de três sílabas, cujo
significado ambíguo poderia ser os Metelli darão uma maçã ou darão um mal ao
poeta Névio. A palavra maçã em latim é malum, i e a palavra mal é malus, a, um,
mas o acusativo singular de ambas (que é a forma de marcar o objeto direto) é malum.
Névio,
como foi dito acima, tornara-se famoso pelo tom agressivo de suas sátiras.
Havia escrito um poema contra os Metelli que continha o seguinte verso, também
ambíguo:
FATO ROMAE METELLI FIUNT CONSULES.
que pode ser traduzido por os
Metelli fazem-se Cônsules de Roma pelo
destino ou por azar, por desgraça.
Essas
inscrições são exemplos de verso saturnino muito abundante então na grande
metrópole das margens do Tibre, como em toda a península itálica. O saturnino,
também conhecido por satúrnio, não é um tipo de verso exclusivo de Roma. Também
os sabinos e os oscos o conheciam. Não há dúvida, porém, de que seja um verso
indígena, isto é, oriundo da península itálica. Até o surgimento de Névio, foi
a única forma de verso conhecida nessa primitiva Roma.
Saussure
elege casualmente esse tipo de poema para iniciar seus trabalhos, ao visitar
Roma e encontrá-los em monumentos públicos antigos. Nessas pesquisas iniciais,
acaba por descobrir algumas regularidades específicas.
Para
Saussure, esse tipo de verso foi tão importante que 17 de seus cadernos de
estudos anagramáticos são dedicados a analisá-los. Seu interesse pelo tema
confirma-se pelo que escreveu em um caderno de notas preliminares:
A razão pode ter residido na ideia religiosa de que uma
invocação, uma prece, um hino, só produzia efeito com a condição de misturar as
sílabas do nome divino ao texto (STAROBINSKI, 1974, p. 42).
Sabe-se
que todos os hinos sagrados primitivos da antiga Roma foram compostos em versos
saturninos, especialmente por Livius Andronicus, poeta tarentino trazido como
escravo para a Urbs, no século III a. C., com a conquista da Magna Graecia. Assim era conhecida a colônia grega do sul da
Itália que ia de Tarento à Sicília.
Livius,
como um dos únicos homens letrados na Roma de então, prisioneiro do general
romano Livius Salinator, de onde lhe vem o prenome, foi encarregado da
composição dos hinos oficiais às divindades romanas.
Esse
fato de ter sido o saturnino o molde literário do conjunto de hinos sagrados
primitivos do povo romano deve ter levado Saussure, profundo conhecedor da
história, a começar seus estudos anagramáticos por aí, como que na busca de
algum vestígio de uma fórmula sagrada de composição que guiava o poeta
religioso, cujos moldes poderiam ter passado à poesia laica sem que a história
tivesse registrado o isso.
Ainda
analisando o saturnino, ele constata a existência de uma palavra-tema sob o
poema. Em carta datada de 1906 afirma:
Tudo o que eu escrevia sobre o metro
datílico (ou melhor, espondaico) subsiste, mas agora é pela Aliteração que
cheguei a obter a chave do Saturnino, mais complicada do que parecia. Todo o
fenômeno da Aliteração (e também das rimas) que se observa no Saturnino é tão
somente uma parte insignificante de um fenômeno mais geral ou melhor, absolutamente
total. A totalidade das sílabas de cada verso Saturnino obedece a uma lei de
aliteração, da primeira à última sílaba; e sem que uma única quantidade de
vogal a mais seja escrupulosamente levada em conta. O resultado é tão
surpreendente que somos levados a nos perguntar, antes de tudo, como os autores
desses versos (em parte literários com Andronicus e Naevius) podiam ter tempo para
se dar a esse tipo de quebra-cabeça: pois o Saturnino é um verdadeiro jogo chinês, independentemente
de qualquer consideração sobre métrica (STAROBINSKI, 1974, p. 17).
Pelas
palavras acima, percebe-se a importância que tiveram, na teoria saussuriana, os
estudos do verso saturnino, tão pouco conhecido hoje, pois que dele nos restam
apenas fragmentos e inscrições públicas.
Saussure
emprega, no texto acima, os termos dactílico e espondeu. O dáctilo era um pé
formado por uma sílaba longa e duas breves e o espondeu formado por duas
sílabas longas.
Segundo
a métrica grega e latina, os versos eram medidos pela quantidade de tempo de
sua realização e não pela intensidade como se faz na métrica contemporânea. As
sílabas eram classificadas em longas e breves. Uma sílaba longa equivalia a duas
breves. Assim, o verso tinha uma quantidade matematicamente precisa de duração
como ocorre com a música.
As
sílabas agrupavam-se em pés. O pé é uma combinação de duas ou mais sílabas longas
e breves. A sílaba do pé, que se pronuncia de modo mais intenso, na qual se
eleva a voz, chama-se arsis e a
sílaba em que se abaixa a voz chama-se thesis.
A maior intensidade de voz na pronúncia
da arsis chama-se ictus. A arsis é geralmente formada por sílaba longa e a thesis por uma ou mais sílabas breves. O
ritmo é, então, a sucessão simétrica e periódica de arsis e thesis.
Os
pés eram classificados de acordo com
sua composição, ou seja, de grupos de sílabas de diferentes durações, conforme
segue:
a) jambo: formado por uma sílaba
breve e uma longa (rōsăs);
b) troqueu ou coreu: formado por
uma sílaba longa e uma breve (mēnsă);
c) espondeu: formado por duas
sílabas longas (vīrtŭs);
d) dátilo: formado por uma sílaba
longa e duas breves (pātrĭbŭs);
e) anapesto: formado por duas sílabas
breves e uma longa (bōnĭtăs);
f) tríbraco: formado por três
sílabas breves (dōmĭně).
As
sílabas latinas, como também as gregas, podem ser longas por natureza ou por
posição. Como exemplo de sílabas longas
por natureza podem-se apresentar os ditongos ou as resultantes de contrações de
qualquer tipo. São longas por posição, as sílabas que precedem consoantes
duplas ou geminadas. São breves por natureza vogais antes de vogais.
Saliente-se que não se tinha o conceito de semivogal.
Havia
também, nessa métrica clássica, uma divisão do verso em duas partes,
formando-se uma pausa no meio do verso que recebe o nome de cesura. Esse termo latino, que significa
corte, dividia o verso em dois hemistícios,
ou seja, duas metades de verso (hemistício, do grego ήmi = metade e sticόV =
verso). Saussure vai usar essa divisão na busca dos anagramas, como se verá
mais adiante.
Quero
deixar claro que não estou fazendo um tratado de métrica greco-latina. O que
exponho aqui é apenas o elementar para o leitor que não teve oportunidade de
entrar em contato com esses tipos de metro. Essas informações são totalmente
dispensáveis aos conhecedores da métrica clássica.
Sobre
o saturnino, Saussure chega a conclusões admiráveis. Afirma que uma vogal não
tem direito de figurar no verso saturnino a não ser que tenha sua contravogal
em um lugar qualquer do verso (STAROBINSKI, 1974, p. 17).
A
contravogal aparece em muitos versos de nossos autores. Veja-se o exemplo de
Castro Alves: Donzela bela que me inspira
a lira (CASTRO ALVES, 1974, p. 28). A assonância das vogais do verso citado
em que o /e/ de “donzela” e de “bela” se contrapõe à vogal mais alta /i/ de
“inspira” e “lira” é um tipo de oposição semelhante aos que Saussure encontra
no saturnino latino. Porém, a regularidade encontrada pelo autor está acima
desse processo. É algo mais fundamental e anterior a esses mecanismos.
Assim
como há essa simetria entre as vogais do verso saturnino, há idêntico processo
entre as consoantes. Pode-se encontrar essa correspondência entre consoantes em
nossa poesia. É o caso do poema simbolista de Eugênio de Castro:
São amantes delirantes que em amenos
Beijos se beijam, Flor, à flor
dos frescos fenos (CASTRO, apud MOISÉS, 1985, p. 352).
Nesses
versos o fonema /m/ de “amantes” e “amenos” se opõe a /b/ de beijos e beijam.
São bilabiais plosivas que se opõem de verso para verso. Portanto, as mesmas
regularidades que Saussure encontrou no verso saturnino latino são encontráveis
facilmente nos versos de língua portuguesa.
Para
construir seu poema, o poeta deveria impregnar-se das combinações fônicas da
palavra-tema. Essa palavra-tema é fracionada, manifestando-se dentro de algumas
palavras geralmente ligadas a nomes próprios do herói a quem o poema deve
elogiar.
Primeiramente,
o poeta deveria ter diante de si um grande número de fragmentos do nome do
herói do seu poema. Se o herói é Hercolei
(forma latina de Hércules), o poeta dispõe dos fragmentos lei, co, ol, er,
rc, cl, etc. de que se utilizará para distribuir dentro de seus versos.
Esses
fragmentos devem estar prodigamente distribuídos dentro do poema. Assim, o
vocábulo afleita retoma o fragmento lei de Hercolei.
Tanto
vogais quanto consoantes da palavra-tema devem aparecer em todos os versos em
números pares. Caso não apareça uma delas num verso, deve ser compensada no
verso seguinte.
Tanto
o verso latino como o grego, conforme se viu, eram divididos em duas partes
pela cesura, palavra que significa corte.
A primeira parte do verso era chamada de primeiro hemistício e a segunda, de segundo
hemistício. Conforme foi dito acima, constata também o linguista genebrino
relações entre o primeiro hemistício e o segundo. As vogais ou consoantes da
palavra-tema não existentes no primeiro hemistício necessariamente deveriam
aparecer no segundo.
Quanto
ao termo anagrama, Saussure afirma em outro caderno ser mais adequado o termo anafonia
que, para ele, seria uma simples assonância, a qual se constituiria de vogal
mais alta, substituindo vogal mais baixa
da palavra-tema. Veja-se o exemplo já citado de Castro Alves: Donzela bela que
me inspira a lira em que os /e/ de donzela e bela aparecem elevados na vogal
/i/ mais alta de inspira e lira.
Os
romanos abandonaram, como foi dito, o verso saturnino para dedicarem-se ao
hexâmetro, metro de origem grega, em que os grandes poetas compuseram suas obras, de modo especial o
poeta épico Homero que, no século IX a. C., escreveu a Ilíada e a Odisseia. Não
significa que os gregos poetassem apenas nesse metro. O hexâmetro era o verso
de maior prestígio na literatura grega, havendo, porém, muitos outros tipos de
metro.
Saussure
também fez análise de poemas latinos que usavam o metro grego, como é o caso de
Virgílio, na sua obra Eneida. Uma das características do hexâmetro era o
emprego do ritmo dactílico, isto é, no verso grego que tinha seis pés, por isso
hexâmetro, os quatro primeiros pés eram dáctilos ou espondeus. Como se viu
acima, o espondeu era formado de duas sílabas longas e o dáctilo formado por
uma sílaba longa e duas breves.
Usando
ainda da métrica latina e grega, Saussure apresenta como uma das provas de sua
teoria a inscrição latina que traz dentro de si as sílabas do nome de Cipião,
herói latino sobre o qual o poema cujo verso é apresentado abaixo foi escrito.
Cipião, em latim, é Scipio:
Taurasia Cisauna Samnio
cepit (STAROBINSKI, 1974, p. 22).
A
tradução seria: capturou Taurasia, Cisauna e Amnio (nome de três cidades
capturadas na guerra Púnica). O nome de Cipião (Scipio), o herói do poema, não
aparece no verso, aparece somente no anagrama: o S aparece maiúsculo em Samnio
o ci parece em Cisauna, o pi, em cepit e io, em Samnio.
Outro verso
traz o anagrama de Cornelius, apresentando somente as vogais do nome do herói:
Mors perfecit tua ut essent (STAROBINSKI, 1974, p. 23).
Esse fragmento significa A tua
morte aperfeiçoa para que sejam...
Em
Mors aparece a vogal /o/, do nome do
herói, em perfecit aparece a vogal /e/, ainda em perfecit
aparece /i/, e em ut, aparece a
vogal /u/. No verso ainda aparece a vogal /a/ cuja presença Saussure justifica
pela possibilidade de significar Cornelia
gens, ou seja, família dos Cornélios. Os romanos usavam o prenomen, que
corresponde ao nosso nome. O de Cornélio era Lucius. O nomen corresponde ao
sobrenome. Cornelius era então a relação do nome do herói com o de sua família
a Cornelia gens. Encontra-se, também, em perfecit,
o primeiro /e/ breve, enquanto que o /e/ de Cornelius é longo, mas Saussure
justifica seu aparecimento pela assonância com o /e/ longo.
Esse
é o resultado do longo estudo de Saussure sobre os versos saturninos. Depois,
passou a analisar os versos gregos. Começa a tratar da obra de Homero.
Destaque-se o fato de que essa ordem é a estabelecida por Godel, não
necessariamente a percorrida pelo autor.
Aqui
ele introduz o termo hipograma que significa o que está por baixo, o qual
define como gênero de anagrama a reconhecer nas literaturas antigas. Em grego,
a palavra Upogrάmma, atoV,
significa inscrição, firma; o verbo Upogrάjw significa escrever por
baixo, subscrever, registrar no protocolo, pintar debaixo, pintar os olhos; e o
substantivo grajh,hV
significa inscrição, contorno, traço, ação de pintar os olhos. Saussure lembra
essas três palavras gregas para justificar a escolha do termo hipograma. Diz
ele:
Sem ter motivo para manter particularmente
o termo hipograma, no qual me detive, me parece que a palavra não corresponde
demasiadamente mal ao que deve ser designado. Não está em desacordo muito grave
com os sentidos de ύpogrάjein, ύpogrάjh ύpogrάmma. etc., se excetuarmos
o sentido de assinatura que não
é senão um dos que ele toma, seja fazer
alusão; seja reproduzir por escrito como um escrivão, um secretário, ou mesmo
(pensávamos neste sentido especial mais divulgado) sublinhar por meio de
pintura os traços do rosto. Quando tomarmos mesmo o sentido mais difundido
ainda que mais especial, de sublinhar por meio de pintura os traços do rosto,
não haverá conflito entre o termo grego e nossa maneira de empregá-lo; pois
trata-se ainda no “hipograma” de sublinhar um nome, uma palavra, esforçando-se
por repetir-lhe as sílabas, e dando-lhe assim uma segunda maneira de ser,
fictícia, acrescentada, por assim dizer, à forma original da
palavra(STAROBINSKI, 1974, p. 23-4).
Em
estudo posterior, dedicado ao poeta latino Lucrécio, Saussure propõe o termo paragrama
para substituir o termo anagrama. Afirma:
O termo
anagrama é substituído por este, mais justo, paragrama. Nem anagrama, nem paragrama, querem dizer que
a poesia se dirige para essas figuras segundo os signos escritos; mas
substituir –grama por –fono em uma ou outra dessas palavras levaria justamente
a fazer crer que se trata de uma coisa espantosa. Anagrama por oposição a
Paragrama, será reservado ao caso em que o autor se contenta em dispor num
pequeno espaço, como aquele de uma palavra ou duas, todos os elementos da
palavra-tema, aproximadamente como no
“anagrama” segundo a definição; - figura de importância absolutamente restrita no meio dos fenômenos
oferecidos ao estudo, e que representa em geral uma parte ou um acidente do
Paragrama(STAROBINSKI, 1974, p. 24).
Portanto,
o paragrama seria um tipo de anagrama especial, para casos em que esse esteja
contido em poucas palavras. Continuando seu trabalho de estabelecer uma
nomenclatura específica para sua teoria, Saussure introduz termos como logograma
e antigrama.
A segunda
utilidade de Logograma ao lado de antigrama é – além de marcar o antigrama
tomado nele mesmo – poder aplicar-se à soma de antigramas quando há, por
exemplo, dez, doze, quinze que se sucedem em uma passagem em torno de uma mesma
palavra. Há logogramas que se decompõem em múltiplos antigramas e que têm,
entretanto, uma razão para serem ditos de uma só palavra porque giram em torno
de uma só palavra. Indica assim a unidade do tema, do motivo, e, deste ponto de
vista, deixa de ser chocante na sua parte Logo – que não precisa mais ser
tomada necessariamente no sentido da palavra fônica, nem mesmo de palavra: é um “grama”, gramma, em torno de um assunto que
inspire o conjunto da passagem e é mais ou menos o logos, a unidade razoável, o comentário
(STAROBINSKI, 1974, p. 25).
O
sentido primeiro da palavra grega grάmma (grama) é letra. Depois
podia ser letras, isto é, a literatura. Ainda podia significar texto escrito, carta,
inscrição, registro, lista, papel, documento, livro, gramática, ciências, quadro.
Quer
me parecer, porém, que Saussure a tenha empregado aqui no sentido de letra, com
a significação de certo modo ambígua entre letra e fonema, já aludida neste
trabalho, pois, quando busca no interior do verso letras que girem em torno da
palavra-tema, busca, na verdade fonemas. Assim, antigrama seria a letra, ou
melhor, o fonema, que evoca, por oposição, algum fonema dessa palavra-tema. É o
caso das assonâncias do poema de Castro Alves aqui citado, em que o /e/ do
primeiro hemistício é elevado para /i/ no segundo.
Quanto
ao termo logograma, não há dele registro nos dicionários da língua portuguesa.
É também ele de origem grega. O radical logo de lόgoV em grego pode ter um
grande número de significações como: palavra, dito, revelação divina, resposta
dum oráculo, máxima, sentença, exemplo, decisão, resolução, condição, promessa,
pretexto, argumento, ordem, menção, notícia que corre, conversação, relato, matéria
de estudo ou de conversação, razão, inteligência, senso comum, juízo, a razão
de uma coisa, valor que se dá a uma coisa, motivo, opinião, estima, justificação,
explicação, a razão divina, o verbo de Deus.
Parece,
porém, que Saussure usa o termo logograma, em seu sentido mais literal, em que
o radical logo recebe o sentido de palavra, enquanto que grama se reduz
simplesmente a letra. O logograma seria a palavra onde se manifestam as letras
da palavra-tema ou, mais especificamente, os fonemas.
Starobinski
usa a figura de Ísis reunindo o corpo despedaçado de Osíris para aludir ao
trabalho de busca do hipograma. Assim como a imagem de Osíris guiava Ísis na
sua busca, assim também o nome do deus ou do herói guia o pesquisador na busca
das palavras-tema.
Isso
implica dizer que o poeta, além da construção do ritmo, do metro e das rimas,
tinha ainda a árdua tarefa de disseminar, todo fragmentado, o nome do herói,
como palavra-tema de sua obra, por entre os versos de sua composição.
Mais
adiante, o autor vai afirmar que esse procedimento é inevitável, mas pode ser
inconsciente. Seria uma conditio sine qua
non de todo o fazer poético, seja ele religioso ou leigo, antigo ou
presente.
Ainda
aparentemente insatisfeito com a nomenclatura que usa, busca nesta fase de
estudos, um novo termo, a anafonia. Esse termo provém do radical grego άna, que
pode ser advérbio com os significados: em cima, no alto; que pode também ser
preposição com o sentido de através de, ao longo de, durante, por, cada. Entra
como segundo elemento da composição o substantivo grego jonή, que significa voz, e
nas línguas neolatinas passa a ter a significação também de som.
Tomando o significado mais
adequado de άna para
este caso, que me parece ser, não do advérbio e, sim, da preposição através de,
e o de jonή,
como som, teríamos o significado do termo anafonia como a repetição de sons, de
pares de sons, formando não apenas aliterações, mas verdadeiras cadeias de sons
que, aos pares, marcam o jogo do poeta em torno da palavra-tema.
Em
carta a Antoine Meillet, datada de 23 de fevereiro de 1907, referindo-se à
anafonia diz:
A diferença evidentemente
incalculável entre um fonismo aliterante e um fonismo que se apoie sobre
qualquer sílaba é que, enquanto ficamos ligados à inicial, pode parecer que é o
ritmo do verso que está em jogo, e que procurando acentuar-se mais, provoca
inícios de palavras semelhantes, sob um princípio que não supõe absolutamente,
da parte do poeta, a análise da palavra. (...) Mas, se for verificado, ao
contrário, que todas as sílabas podem concorrer à simetria do seu esquema
rítmico que dite estas combinações, e, que um segundo princípio,
independentemente do próprio verso, se associava ao primeiro para constituir a
forma poética recebida. Para satisfazer esta segunda condição do carmen completamente independente da constituição dos pés ou dos ictus, eu
afirmo efetivamente (como sendo minha tese a partir de agora) que o poeta se
entregava, e tinha como “metier” comum
entregar-se à análise fônica das
palavras que constituía provavelmente, desde os mais antigos tempos indo-europeus,
a superioridade, a qualidade particular do kavis
dos hindus, dos Vates dos latinos,
etc.(STAROBINSKI, 1974, p. 27).
Essa
afirmativa saussuriana mostra que, para ele, o processo anagramático é muito
mais amplo do que o simples processo das aliterações ou das rimas, encontrado
nos estudos de teoria literária. O termo latino carmen empregado na citação acima significa simplesmente poema.
Em
seguida, Saussure dá um exemplo da anafonia num verso latino sobre Cipião, em
que os fonemas da palavra-tema aparecem repetidos duas vezes:
Subigit omne Loucnam opsidesque abdoucit
(Subjugou toda Loucnam e afastou os reféns).
Nesse
verso há imprecisões gramaticais como omne, que está na função de objeto direto
e pela sintaxe latina deveria ser omnem, mas como se verá abaixo, o poeta
buscava a repetição de sons pares. Caso repetisse o m, ficariam três fonemas
/m/, o que quebraria a série de pares que o verso apresenta. Saussure percebe
que, nesse verso, há 8 repetições de fonemas que formam oito pares (STAROBINSKI,
1974, p. 26).
É
um jogo de repetições que o autor constata ainda no verso saturnino. Num
caderno sem título, aparece a frase latina que Starobinski coloca em destaque:
NUMERO DEUS PARI GAUDET. (Deus
alegra-se com o número par).
Essa
citação manifesta uma espécie de deslumbramento do linguista genebrino diante
dessas regularidades que deixam transparecer uma verdadeira teia de repetições
de fonemas no interior dos versos, reapresentando, fragmentada a palavra-tema (STAROBINSKI,
1974, p.18).
Starobinski
apresenta um trabalho de Saussure sobre os Vedas indianos em que constata a
mesma regularidade de repetições fônicas. O anagrama que perpassava o saturnino
e o hexâmetro também se manifesta na literatura sagrada indiana com o mesmo rigor
e frequência.
Sempre
movido pela preocupação da regularidade, Saussure introduz os termos monófono, dífono,
trífono e polífono. A regularidade passa a ser não o monófono, fonema isolado
que se repete, mas o dífono, pares de fonemas que se repetem. O dífono é mesmo,
segundo o autor, a unidade mínima... (STAROBINSKI, 1974, p. 35). Seria ele a
unidade mínima do anagrama de números pares de fonemas.
O
dífono é um par de fonemas da palavra-tema que pode aparecer contínua ou
descontinuamente no termo. O trífono é composto de um dífono, mais um fonema. O
monófono pode ocorrer, mas não é a primeira unidade, é uma subunidade. O polífono
é um conjunto de mais de três fonemas da palavra-tema, ocorrendo num vocábulo
ou em vocábulos contínuos.
Como
exemplos do que acima teorizei, podem ser citadas as ocorrências que se seguem:
em peritus tem-se o dífono ri e o trífono ri-s, sendo o s um
monófono, dentro do trífono. O monófono pode seguir o dífono, como no exemplo
acima ou pode precedê-lo, como no caso seguinte: em fervida tem-se o trífono r-id composto do monófono r e do dífono id.
Na
sua teoria anagramática, Saussure apresenta também outros dois elementos que
são locus princeps e manequim. Esses termos têm a mesma significação na teoria
saussuriana. O primeiro é substituído pelo segundo.
A
expressão latina locus princeps,
literalmente, significa lugar príncipe, ou seja, um lugar privilegiado no poema
onde o nome do herói se manifesta. Num de seus cadernos aparece o que segue:
Toda peça bem composta deve
apresentar, para cada um dos nomes importantes que alimentam o hipograma, um locus
princeps: uma série de palavras, estreita e delimitável, que se pode designar
como o lugar especialmente destinado a este nome. Isto sem prejuízo de qualquer
hipograma mais extenso, e consequentemente mais disperso, que pode correr e que
corre em geral, através do conjunto da peça, paralelamente ao hipograma
condensado (STAROBINSKI, 1974, p. 37).
Assim,
o locus princeps é o lugar
privilegiado em que aparece cada palavra-tema dentro do poema. É um conjunto de
palavras mais ou menos próximas fisicamente em que se manifesta o nome do
herói. Para demonstrar essa constância, analisa o autor um vaticínio religioso
que aparece na obra de Tito Lívio, Res
Romanae ab Urbe Condita, o qual, numa tradução livre, seria História Romana
desde a Fundação da Cidade.
Outro
tema que Saussure abordou, mesmo que brevemente, é a questão da origem dos
anagramas. No segundo cahier de notes préliminaires, ele analisa o
anagrama na epopeia grega. A primeira hipótese a esse respeito lançada pelo
estudioso é de que haveria laços da analogia com as religiões primitivas. Diz
ele:
A razão pode ter residido na ideia
religiosa de que uma invocação, uma prece, um hino, só produzia efeito com a
condição de misturar as sílabas do nome divino ao texto (STAROBINSKI, 1974, p.
42).
A
observação saussuriana tem fundamento histórico, pois os cultos sagrados da
antiguidade estavam relacionados com a forma linguística. Os primeiros estudos
linguísticos realizados na antiga Índia tinham o intuito de reconstituir o
texto sagrado na sua forma original, bem como de dar condições para que suas
palavras fossem pronunciadas corretamente, pois, caso contrário, o texto não
teria o efeito desejado.
Exemplo
disso na cultura ocidental é a missa em latim. O sacerdote tinha de pronunciar
pausadamente a fórmula latina da consagração, pois erro de pronúncia ou omissão
de qualquer termo implicaria nulidade do ato, isto é, o pão e o vinho não se
converteriam respectivamente no corpo e no sangue de Jesus Cristo.
Nos
cultos eleussinos, realizados em Elêussis, pequeno bairro ateniense, onde os
nobres gregos eram iniciados nos ofícios sagrados, havia fórmulas religiosas de
significado hermético que eram pronunciadas nos atos religiosos.
Demóstenes,
em seu famoso discurso A Oração da Coroa, pronunciado contra seu adversário
político e orador, Ésquines, orgulha-se
de participar desses cultos, citando a fórmula: ¢Auoή, ¢Euoή (DEMÓSTENES, 1965, p.
48).
A
seguir, Saussure levanta outra hipótese de ordem puramente poética da existência
dos anagramas: A razão pode ter sido não religiosa e puramente poética: da
mesma ordem que aquela que preside aliás as rimas, as assonâncias, etc.
(STAROBINSKI, 1974, p. 46).
Em
favor dessa proposta, poder-se-iam apresentar os exemplos dos poetas populares
que seguem certos princípios poéticos, como a métrica e a rima sem jamais terem
tido contato com teorias da poética.
Embora
Saussure tenha admitido influências religiosas no processo anagramático, não
quer dizer que acreditasse num princípio místico que regesse a composição
poética, como um processo emancionista que estivesse por trás da produção dos
poemas. Fazia alusão à crença que o poeta, ao compor sua obra, poderia ter
sobre esse processo de origem religiosa. Não se trata aqui de uma crença do
autor genebrino de que algo de místico envolve o sistema poético.
O
autor acredita que, entre alguns povos, como os romanos, leitores e ouvintes
sabiam da existência do que ele chama também de palavra subposta, isto é,
colocada por baixo, mesmo quando um poema comporta uma pluralidade de
palavras-temas.
Por
fim, Saussure vai à procura de provas que confirmem sua teoria. Um dos
argumentos relevantes em favor do anagrama é que Virgílio, percebendo o
anagrama na obra de Homero como um instrumento forte para a poética, não quis
que sua obra fosse inferior à do mestre e, portanto, usou do mesmo processo em
seus poemas.
Afirma ainda
que
mais de um poeta francês confessou
que a rima não somente o incomodava, mas o guiava e inspirava, e dá-se exatamente o mesmo a
respeito do anagrama (STAROBINSKI, 1974 p. 86).
Isso
significa que o anagrama seria um instrumento como a métrica, da mesma maneira
que limita o poeta, dá-lhe também um instrumento de criatividade.
Por
mais que argumente, Saussure não consegue provar sua teoria dos anagramas. Por
isso não a publicou. Levanta muitas hipóteses em favor e contra os princípios
que enuncia e acaba sem uma conclusão que o deixe satisfeito.
Starobinski
se pergunta se não seria o próprio Saussure que, na busca de invariantes, as
teria encontrado nos poemas, sem que disso se dessem conta os compositores ao
produzir seus textos. Estas são suas afirmações:
... não partiria ele da decisão de Saussure de
ler a poesia de Virgílio e de Homero como linguista e foneticista? Economista,
ele aí teria decifrado sistemas de trocas; psicanalista, uma rede de símbolos
do inconsciente. Não encontramos senão aquilo que procuramos, e Saussure
procurou uma restrição fonética acrescentada à métrica tradicional do verso.
Faltaria verificar se aquilo que ele procurou e achou, lendo os poetas antigos,
corresponde a uma regra consciente seguida por eles (STAROBINSKI, 1974, p. 86).
No
texto seguinte, de uma carta a destinatário desconhecido, aparece mais
fortemente sua dúvida quanto à consistência dos princípios anagramáticos:
Quando um primeiro anagrama surge,
parece ser uma luz. Depois quando se vê que se pode acrescentar-lhe um segundo,
terceiro, um quarto é que, longe de nos sentirmos aliviados de todas as
dúvidas, começamos a não ter mais confiança absoluta no primeiro: porque
chegamos a perguntar-nos se não poderíamos encontrar definitivamente todas as
palavras possíveis em cada texto, ou até que ponto, aquelas que se ofereceram
sem que as procurássemos são
verdadeiramente cercadas de garantias características, e implicam uma
maior soma de coincidências que as da primeira palavra ou daquela a que não se
prestava atenção (STAROBINSKI, 1974, p.
89).
Saussure,
intrigado com essa espécie de conhecimento secreto, guardado por uma confraria
de iniciados, vacila entre a afirmação da existência do hipograma, ou seja,
palavra-tema, e sua inexistência. Ainda admite que poetas como Livius, Naevius
e outros que compuseram inúmeros cantos religiosos mantivessem o segredo do
ofício. Porém, pergunta-se como teriam procedido em relação a essas regras poetas
profanos como Ovídio.
Ainda
com o intuito de obter uma comprovação para suas teorias, escreve uma carta ao
diretor do Colégio Eton, em outubro de 1908. Buscava informações sobre um
ex-professor desse colégio, Thomas Johnson, que teria traduzido para o latim
uma série de poemas clássicos gregos, para serem usados como texto de aula.
Acontece que Saussure, examinando esses poemas, encontra neles abundantes
anagramas.
Não
se tem conhecimento se chegou a postar a carta ou se, em a tendo postado,
tivesse recebido alguma resposta. Desejava saber se o referido professor, já
falecido em 1908, havia deixado algum estudo sobre a suposta teoria secreta que
guiaria os poetas na sua arte. O que se pode constatar é que provavelmente não
tenha obtido informações relevantes, caso contrário elas apareceriam em seus
textos posteriores.
Em
busca de uma prova externa para seus próprios estudos, ou seja, de alguém que
lhe confirmasse a existência dos princípios que lhe pareciam reger a arte
poética, em 19 de março de 1909, escreveu uma carta ao poeta Giovani Pascoli, então professor da
Universidade de Bolonha.
Pascoli
respondeu-lhe, certamente, embora essa carta-resposta não tenha sido encontrada
no material deixado pelo linguista, pois Saussure envia-lhe segunda
correspondência, em que lhe remete alguns exemplos de sua tese.
Na
segunda carta a Pascoli, afirma:
Há qualquer coisa de decepcionante no
problema que propõem porque o número de exemplos não pode servir para verificar
a intenção que pôde presidir o fato. Ao contrário, quanto mais o número dos
exemplos se torna considerável, mais motivo existe para pensar que é o jogo
natural das possibilidades sobre as 24
letras do alfabeto que deve produzir quase regularmente essas coincidências (STAROBINSKI,
1974, p. 105).
Essa
afirmação demonstra o quanto o autor duvidava da própria teoria. A dúvida
ficava por conta do número limitado de letras do alfabeto, apenas vinte e
poucas, variando de idioma para idioma. Tal limitação numérica, portanto,
permite esse jogo de construção de palavras-temas por simples leis de
probabilidade matemática e possibilidades de combinações.
A
segunda correspondência não foi respondida por Pascoli. Saussure teria,
conforme afirma seu aluno Léopold Gautier, interpretado o silêncio do poeta
italiano como reprovação de sua teoria e interrompido seus estudos sobre os
anagramas.
Estas
observações não visam a confirmar ou refutar a teoria anagramática de Saussure.
Trata-se de uma demonstração de sua grande preocupação com a busca de
regularidades sob a produção do texto poético. Isso comprova o tipo de
raciocínio científico do autor muito próprio do paradigma de ciência de modelo
positivo.
BIBLIOGRAFIA:
GRIMAL, Pierre (1966). Dicionario de la mitologia griega y romana. Barcelona: Labor.
SOUZA, Rômulo Augusto (1977).
História da literatura latina. Belém:
Editora Serviço de Imprensa Universitária.
STAROBINSKI, Jean. (1974). As
palavras sob as palavras: os anagramas de Ferdinand de Saussure.
São Paulo: Perspectiva.
Esse estudo , em texto, Oscar é de grande importância para minha pesquisa ,esse mistério da poesia que Saussure aponta.Escrevi sobre isso na Dissertação de Mestrado (os anagramas) mas na poesia de Anchieta e ainda me toma os estudos de SAussure, e continuo a escrever sobre a poesia no que diz respeito aos anagramas. Esse seu texto ...excelente. Deixo meu email para possíveis conversas sobre Saussure e anagramas: ligiarts@hotmail.com
ResponderExcluirObrigado pelo seu comentário, minha cara Prof. Ligia. De fato, os estudos de Saussure sobre a poiesia são exaustivos e apaixonantes. São mais de 140 cadernos. Parabéns por continuar investigando este nicho, parece-me, meio esquecido hoje. Eu já parei de lecionar, mas continuo com interesse nessas incursões inusitadas do grande mestre. Abraços e sucesso em seus estudos.
ExcluirAcordei com está informação na minha tela, não conheço o tema,mais me senti fortemente atraída. Grata pela sua dedicação em buscar para nós a verdade oculta.
ResponderExcluirMereces. Tenhas muita alegria.
ResponderExcluir