A CONTROVERTIDA FIGURA DE SÊNECA NA CORTE DE NERO
Prof. Dr.
Oscar Luiz Brisolara* Trabalho Apresentado no Seminário Internacional de Estudos Históricos - FURG - Rio Grande - 2004 - ISBN85 -7566-033-0
muito.
(Sêneca).
1615 – Museu do Prado – Madri. |
Morte de Sêneca– Peter Paul Rubens -
Este estudo aborda as
controvérsias na vida do ilustre filósofo romano, nascido em Córdoba, Lúcio
Aneu Sêneca (Lucius Annaeus Seneca).
A convite de Agripina, mãe de Nero e esposa do imperador Cláudio, foi Sêneca
preceptor do cruel e depravado imperador romano.
Nascido na Espanha, que então fazia parte do Império Romano,
sob o reinado do poderoso imperador Augusto, no ano 4 da era cristã, era filho
do professor de retórica Marcus Annaeus
Seneca, conhecido como Sêneca o Retor.
Pertencia a uma abastada família cordobesa que se transferiu
para Roma no ano 31 d. C., tendo o jovem Lúcio já de há muito, desde o governo
de Tibério, migrado para a capital do império. É conhecido como Sêneca o Moço,
ou Sêneca o Filósofo, enquanto seu pai às vezes é chamado também de Sêneca o
Velho.
Sua mãe Hélvia, com apenas 16 anos, contraíra matrimônio com
o velho orador que então tinha 51. Acreditava ela que somente pela educação se
poderia vencer na vida e, por isso, estimulou o filho e depois toda a família a
transferir-se para Roma, maior centro cultural desses tempos.
Aos catorze anos, o jovem espanhol começou seus estudos de
filosofia e retórica com o objetivo de fazer carreira política na capital do
poderoso Império Romano. Em 26, adoece e vai tratar-se no agradável clima do
Egito onde seu tio era governador. Sua tia materna era casada com Gaius Gallerius,
governador do Egito. Aí permanece o jovem filósofo por seis anos.
No Egito, recebe complementação aprimorada em sua formação
educacional, mormente no campo religioso. De volta a Roma, retorna à advocacia,
profissão que já exercera antes de sua ida para o Egito.
A esse tempo, iniciou
sua carreira de escritor que o ocuparia até o fim da vida. Sua produção literária
está basicamente ligada à filosofia estoica. Também traduziu diversas tragédias
gregas e escreveu outras tantas de gosto latino. As tragédias de Sêneca
prestam-se muito mais à leitura do que à encenação. Um grande exemplo do gênero
é sua Medeia.
Paralelamente, sempre atuou como advogado, o que já fazia
mesmo antes de sua doença que o levara ao Egito. Porém, destacou-se também na
ação política em que atingiu a cobiçada função de senador. Parece que para isso
contribuiu o auxílio de sua tia.
Alcançou tal renome na tribuna senatorial que suscitou a
inveja do imperador Calígula. O maníaco ter-se-ia irritado ao ouvir um de seus
discursos e teria decidido eliminá-lo. Por interferência de uma das amantes do tresloucado
Calígula, a qual teria afirmado estar o filósofo já tísico e próximo da morte,
foi poupado da condenação. Porém suas desgraças não tardariam a
chegar. Após o assassinato de Calígula, com a ascensão do novo imperador e por
influência da esposa desse, o filósofo foi exilado, como se verá mais adiante.
O velho Claudius (Tiberius
Claudius Caesar Augustus Germanicus) era sobrinho de Augusto. Apenas havia
sido poupado nos expurgos a possíveis pretendentes ao trono, promovidos tanto
por Augusto quanto por Tibério, porque o consideravam demente.
Com a morte de Calígula, não havendo outro candidato ao
trono em idade adulta, o Senado confirmou seu nome. Era, a esse tempo, casado
com a encantadora Valéria Messalina, que foi o pivô da perseguição movida
contra Sêneca.
Valéria Messalina com o filho Britanicus
Em 41 d. C., a imperatriz o acusa de adultério com
Júlia Livila, sobrinha do imperador. Messalina desejava livrar-se dessa irmã
mais jovem do imperador Calígula e urdiu essa trama para mandá-la ao exílio.
Como consequência, foi o filósofo exilado para a Córsega, ilha do mar Tirreno.
Acontece que a jovem imperatriz era poderosa e influente,
com reputação de ser promíscua. Ela era também prima pelo lado do pai de Nero,
prima de segundo grau de Calígula e sobrinha-bisneta do grande imperador
Augusto. Era filha de Marco Valério Messala Barbato e de Domícia Lépida. Messalina teria em torno de 17 anos quando
veio a casar-se com Cláudio, que tinha 48, era manco e epiléptico.
Porém, o que parecera uma desgraça, tirou-o do burburinho
romano permitiu-lhe tempo para a reflexão filosófica. No exílio, em meio a
grandes privações materiais, Sêneca dedicou-se aos estudos e redigiu vários de
seus principais tratados filosóficos. Entre eles, os três intitulados Consolationes ("Consolos"),
em que expõe os ideais estoicos clássicos de renúncia aos bens materiais e
busca da tranquilidade da alma mediante o conhecimento e a contemplação.
Messalina, por sua vez, tem seu período de desgraça que vai
culminar com sua derradeira condenação. É provável que ela não fosse o símbolo
da depravação que a literatura e a história fizeram dela. Seria uma mulher
fútil e infiel, como o eram grande parte das damas da corte romana, desocupadas
e abandonadas por seus maridos, envoltos em lutas políticas e divertimentos com
todo o tipo de amantes.
O grande historiador Tácito, cuja obra chega a ser, em
certas passagens, um verdadeiro fuxico sobre os vícios e hábitos da elite
romana, afirma que a grande dama esposa de Cláudio era conhecida como meretrix maxima.
Tácito (Publius Gaius Cornelius Tacitus)
pertencia à mais alta sociedade de Roma por casamento: sua esposa era filha do
grande general Iulius Agricola. Sua
família pertencia à ordem dos cavaleiros, uma classe de segundo escalão na
sociedade romana. Convivera , no entanto, com a mais requintada sociedade
romana e afirma-se que teria recebido o diário íntimo de Agripina Minor, mãe de Nero, ao saber que seria assassinada.
As acusações de excessos sexuais, principalmente, eram uma
tática já testada e aprovada para macular a reputação de pessoas de projeção.
Geralmente escondia motivações e interesses políticos.
Dois relatos foram os principais culpados pela má reputação
da imperatriz para todo sempre. Um é a narrativa de uma suposta competição de
sexo com uma prostituta no livro X da Natualis
Historia, de Gaius Plinius Secundus,
que teria durado 24 horas e que Messalina teria vencido com um placar de 25
parceiros diferentes.
Também o poeta Decimus
Iunius Iuvenalis apresenta uma descrição igualmente famosa em sua Sexta Satira de como a imperatriz
costumava trabalhar clandestinamente, a noite toda, num bordel com o nome
fictício de Lupa (Loba).
Pela simples acusação de escritores interesseiros, nada se
pode concluir a propósito da moral de Valéria Messalina. Especialmente o poeta
Juvenal é pouco digno de credibilidade, pois era um desclassificado na
sociedade romana, tanto que foi expulso da cidade por crime de calúnia.
Foi exilado para o Egito, de onde jamais lhe foi permitido
retornar à cidade. Conta-se que teria recebido como pretenso prêmio uma viagem
ao Egito. Somente ao lá chegar é que percebera o embuste. Todas as companhias
de navegação haviam sido subornadas para não trazê-lo de volta.
É lógico que remexia em feridas sociais verdadeiras também.
Porém, isso não ameniza a baixeza de caráter que o nutria e os péssimos métodos
de que se utilizava para ganhar dinheiro. Conta-se que tinha aversão a
homossexuais e teria feito uma sátira nesse sentido contra o imperador Adriano.
Havia um costume, nesse período em que não havia imprensa,
de se confeccionarem cartazes que eram colocados estrategicamente em ambientes
públicos. Marcial e Juvenal viviam de extorquir cidadãos com ameaças de
difamação pública. Com o temor da vergonha de se verem eles e suas famílias
expostos à chacota pública através de sátiras poéticas, cidadãos inocentes
pagavam aos chantagistas. Embora Juvenal tenha vivido muitos anos depois de
Messalina, usou o nome dela como símbolo para estabelecer um parâmetro de
comparação com as damas de seu tempo.
Porém, voltando a Messalina e à sua condenação, consta
que Cláudio, cansado das denúncias,
falsas ou não, e enfurecido com a reputação da esposa, também acusada de
conspiração, condenou-a à morte, insensível a todos os apelos dela. Com a
ausência de Messalina, houve uma grande disputa pelo leito do imperador. Muitas
famílias ambiciosas desejavam ver suas moças ligadas ao trono.
Acontece que, havia uma que gozava de uma posição
privilegiada nessa disputa. Tratava-se de Agripina Menor, quarta filha de Agrippina Maior e Iulius Caesar Germanicus, irmão do
ex-imperador Tibério. Ela tinha três irmãos, Nero Julius Caesar Germanicus, Drusus Iulius Caesar e Gaius
Iulius Caesar Augustus Germanicus, o futuro imperador Calígula, e duas
irmãs mais novas, Iulia
Drusilla e Iulia Livilla.
Os dois irmãos mais velhos e sua mãe caíram vítimas das
intrigas palacianas do prefeito pretoriano Lucius
Aelius Seianus, que governou alguns anos em substituição de seu tio e imperador Tibério (Tiberius Claudius Nero Cæsar). Ela era
também sobrinha do viúvo imperador Cláudio e mãe do futuro imperador Nero,
então ainda menino, tinha em torno de 12 anos. Tinha ela, a essa época, por
volta de 30 anos e Cláudio 59.
Agripina tivera diversos matrimônios anteriores ao de seu
casamento com Cláudio. Tinha fama de envenenar maridos para herdar-lhes a
fortuna. Porém, seu primeiro casamento foi memorável. Depois de seu décimo terceiro
aniversário, em 28, o imperador Tibério arranjou para que a sobrinha casasse
com o tio dela em segundo grau pelo lado paterno, Cneu Domício Enobarbo.
Domício vinha da distinta família dos Enobarbos, de
status consular. Pelo lado da mãe, Antônia Maior, Domício era sobrinho neto de
Augusto, primo de Cláudio e primo de segundo grau de Agripina e Calígula. Desse
primeiro matrimônio de Agripina viria a nascer o imperador Nero.
Domício era homem com fama de crudelíssimo. Segundo uma
tradição, divertia-se em torturar escravos. Ao saber da gravidez da esposa,
ter-lhe-ia perguntado: O que poderá sair
de nós dois?
Depois de Messalina ser executada no ano seguinte por
conspirar para derrubar o marido, com Caio Sílio, também acusado de ser
seu amante, o asqueroso Cláudio desejava casar-se já pela quarta vez. Alguns historiadores modernos conjeturam,
mesmo sem provas cabais, que o Senado teria feito manobras para que o
imperador se casasse com Agripina. Ela representava o fim da disputa entre a gens Iulia e da gens Claudia, pois possuía sangue de ambas as famílias.
Augusto, da gens Iulia,
à qual pertencia o Ilustre Júlio César seu tio avô, ao tornar-se imperador,
selara seu terceiro matrimônio com Lívia Drusila, filha de Marco Druso
Claudiano, portanto de gens Claudia.
Por ocasião do casamento, Lívia já tinha um filho, Tibério, e estava Grávida de
outro, Gaio Germânico, filhos de seu primeiro marido Tibério Cláudio Nero. Augusto
(Gaius Iulius Caesar Octavianus Augustus),
tinham esse nome por adoção do tio Júlio César, porém, tinha também seu nome
primitivo de família, que era Gaio
Otávio Júlio Torino (Gaius Octavianus
Iulius Thurinus).
Como Augusto, que reinou por quase 50 anos, não tivesse
filhos homens, tinha apenas uma filha chamada Júlia, com a velhice, adotou os
enteados, primeiramente Gaio Germânico, e, com a morte deste, por fim, Tibério,
que veio a ser seu sucessor no trono. Isso apenas para entender a disputa entre
as duas famílias pelo trono, cuja dinastia passou-se a chamar de
Júlio-Claudiana.
Voltando à situação de viuvez do imperador, seja por pressão
do Senado ou pelos talentos e manobras de Agripina, Cláudio acabou se casando
com ela, mesmo que o casamento de um tio com sua sobrinha fosse algo mal visto
na sociedade romana da época.
Nas festividades de Ano Novo de 49 d. C., Agripina e Cláudio
celebraram com grande pompa seu matrimônio desaprovado por todos. Escritores
antigos argumentam que este evento era resultado de parte do plano de Agripina
para colocar Nero no trono.
A nova imperatriz providenciou rapidamente a eliminação de
Lolia Paulina, viúva de seu irmão e ex-imperador Calígula sob a acusação de
magia negra. Não houve sequer julgamento, confiscou as posses dela e mandou-a
para o exílio, forçando-a a cometer suicídio.
Ocorre, porém, que Messalina deixara a Cláudio um casal de
filhos, Cláudia Otávia e Britânico, que eram um obstáculo na pretensão de
Agripina, qual seja tornar o filho dela Nero o futuro imperador.
A primeira exigência de Cláudio para seu sucessor era que
esse fosse um homem culto. Isto fez que, no mesmo ano de 49, ela mandasse
chamar do exílio o filósofo Sêneca, a cujo encargo confiou a educação de Nero.
O fato intrigante é que Sêneca, mesmo conhecendo o cenário que o aguardava,
tenha aceitado a incumbência, talvez até mesmo para livrar-se do exílio.
Ter-se-ia ele cansado de tantos anos, de 41 a 49 d. C, de
sofrimentos e privações do exílio, afastado da vida suntuosa que a grande
capital lhe proporcionava anteriormente? Teria cedido à possibilidade de
retornar triunfante à sociedade que o banira e da qual estivera afastado por
quase oito anos? O fato é que não somente aceitou o convite da nova imperatriz,
como também se dedicou com afinco à educação do jovem príncipe.
Traduziu obras do grego para o latim. Adaptou outras tantas
ao gosto romano para que o sucessor de Cláudio fosse um homem sábio como o
imperador exigia. Procurou mesmo infundir no seu discípulo os fundamentos da
filosofia estoica que adotara.
Agripina apressa-se em garantir o próprio poder através do
filho. Com seus encantos e manobras, começa a manipular o marido e a todos para
assegurar o trono ao filho. Uma série de manipulações e crimes são articulados
por ela para atingir seus propósitos.
Providencia, então, o casamento de Nero com Otávia, filha de
Cláudio, em 09 de junho de 53, ao mesmo tempo em que Cláudio nomeia Nero seu
sucessor, adotando-o como filho.
Em 54, quando Nero já concluíra 16 anos e já fora nomeado
sucessor da Cláudio, Agripina, finalmente, envenena o marido, segundo alguns
historiadores. Segundo outros, menos numerosos, sua morte teria ocorrido por
causas naturais.
Nero, como filho adotivo de Cláudio, assume o poder porque
era mais velho do que Britânico, filho natural. Porém, Agripina precisava
precaver-se de possíveis manobras do Senado e da família real.
Como medida de maior garantia, contrata facínoras para
envenenar Britânico. O casal contratado para o isso encontrou à mesa provadores
para evitar assassinatos. Então a própria Agripina obriga-o a ingerir o líquido
letal. Testemunhas afirmam que ele revirou os olhos e morreu ainda na mesa.
Tinha então de 13 para 14 anos. Afasta, dessa maneira, mais um obstáculo para
atingir sua meta.
Como Nero tivesse apenas 16 anos de idade, sendo, portanto,
muito jovem ainda para enfrentar os encargos da administração de um Estado tão
grande e tão complexo, segundo diversas fontes antigas, foi fortemente
influenciado pela sua mãe durante a primeira etapa do seu reinado, pelo seu
tutor Sêneca e pelo Prefeito do Pretório, Sexto Afrânio Burro. Esses
dois últimos praticamente assumiram os encargos administrativos durante os
cinco primeiros anos de sua administração.
Essa primeira fase do seu reinado é conhecida como exemplo
de boa condução dos negócios públicos nos quais os assuntos do Império foram tratados
de maneira efetiva e o Senado gozou de influência e poder nos assuntos do
Estado.
Enquanto isso, Nero divertia-se com os amigos. Conta-se que
costumava encapuzar-se e juntar-se a uma horda de jovens de má índole e
promover desordens em bairros escuros da enorme cidade que a essa época já
contava com mais de um milhão de habitantes.
Gradativamente foram surgindo conflitos entre os interesses
da mãe do imperador e os dos administradores Sêneca e Burro. O próprio Nero
começou a imiscuir-se na administração. Chegou mesmo a um ponto de conflito em
que o jovem mandatário passou a frequentar o tribunal. Sêneca julgava com
prudência e justiça. Porém, Nero, com inveja do prestígio do mestre, exigiu o
direito da decisão final. Assim, deixava que Sêneca se pronunciasse e invertia
a decisão, condenando o justo e libertando o culpado.
Uma péssima companhia que levou para o palácio e para a
administração foi Ophonius Tigelinus,
a quem primeiramente nomeou de chefe da Guarda Urbana (Vigiles
Urbani), conhecida como “os olhos da cidade”, que se tornou especialmente
mais truculenta do que já era. Por fim, Tigelino chega a ser nomeado Prefeito
do Pretório, antiga função de Burro. O desclassificado tinha forte influência
sobre o imperador que, por natureza já era impulsivo e destemperado.
Afrânio Burro foi acusado de uma conspiração para o depor o
regente. Por sua vez, Sêneca foi acusado de manter relações
com Agripina e de malversação de recursos públicos. Apesar de absolvidos, a
partir desse momento foi reduzida a importância política desses administradores
na moderação das desastrosas medidas políticas de Nero.
Seu relacionamento com Otávia sempre fora péssimo, porém, em
58, descobriu as delícias do leito de Popeia Sabina, esposa do seu amigo e futuro
imperador Marcus
Salvius Otho, em português Otão. Ao mesmo tempo, passou a planejar o
assassinato da própria mãe que concorria com ele pelo poder, chegando a cunhar
moedas com efígie dela em uma face e a do filho na outra.
Fez três tentativas para matá-la. A primeira é muito
ingênua. Tenta envenená-la com figos silvestres. Sua mãe conhecia tudo de
antídotos. Não se pode esquecer seu passado de envenenamentos. Essa ação serviu
para alertá-la das intenções do filho.
A segundo foi mais bem planejado. Convidou-a para um passeio
de barco e colocou-a numa nave desconjuntada que deveria naufragar. Para ter
absoluta certeza de que seu plano não fracassaria, mandou colocar sobre o teto
do camarote reservado a ela e uma amiga, um enorme peso em chumbo, que deveria
esmagá-la. Deu também ordem aos marinheiros de que a matassem sem conseguisse
fugir.
Ocorrido o desastre, o robusto reposteiro do leito sustentou
o peso do chumbo, preservando a vida de ambas. A amiga dela pulou do camarote
gritando: “Eu sou Agripina”. Foi trespassada pelas espadas dos guardas. Agripina
jogou-se ao mar e, como fosse excelente nadadora, salvou-se das águas.
Refugiou-se, então, por um longo tempo em sua casa de campo.
Porém, devido à insistência do filho, retornou ao novo e suntuoso palácio que o
maníaco imperador havia construído nas encostas dos montes Palatino, Esquilino
e Célio, tendo aos fundos um grande lacus
artificial, construído em antigos pântanos. Segundo alguns pesquisadores, esse
imenso lago ocuparia uma área aproximada de 300 acres, em torno de 120 hectares
(quadras). Denominou sua residência de Domus
Aurea (Casa Dourada), por conter diversos salões e aposentos recobertos
inteiramente com finas lâminas de ouro.
Segundo o historiador romano Suetônio, o salão de banquetes dessa
Domus girava constantemente sobre esferas
deslizantes, imitando a rotação dos corpos celestes, movido por um contínuo
fluxo de água.
Devido à largueza dos espaços, por diversos dias eles não se
encontraram. Porém, passado algum tempo, vinha o imperador seguido pela guarda
pretoriana quando avistou Agripina. Ordenou aos guardas que a matassem.
Ela teria ainda aberto suas vestes. (As romanas não usavam
roupas íntimas). O filho, após fazer um breve comentário afirmando que sua mãe
continuava muito linda, mandou que cumprissem suas ordens. Ele seguiu impávido
enquanto o cadáver foi recolhido pelas criadas. Ela tinha apenas 43 anos.
Há uma tradição menos plausível segundo a qual Nero teria
mandado abrir o ventre a sua mãe para ver o lugar de onde havia saído. O fato
real é que a mãe desejava infantilmente sobressair ao filho, o que este não
admitia. Consta também na tradição que seria a própria mãe quem teria iniciado
o filho na vida sexual.
Com a morte da mãe, Nero oficializou seu matrimônio com
Popeia Sabina, tendo-se divorciado de Otávia. Essa atitude tornou-o mais
detestável ainda perante a sociedade romana, pois alegou infidelidade por parte
dela, o que todos sabiam ser descarada mentira. Conseguiu falsas testemunhas e mandou-a
para o exílio na ilha de Pandateria, hoje Ventotene, no mar Tirreno, onde ela
foi assassinada.
Ilha de Pandateria, hoje Ventotene,
onde Cláudia Otávia foi assassinada
onde Cláudia Otávia foi assassinada
Nero ordenou que lhe abrissem os pulsos, como faziam os
suicidas e depois a sufocassem num banho térmico. Deceparam-lhe a cabeça e
entregaram-na a Popeia Sabina.
Depois foi a vez de Popeia. Ela estava grávida. Nero era
dado a excessos de ira em que perdia totalmente o controle de si. Começou por
bater-lhe. Ela caiu. Ele chutou seu ventre até abortar e morrer.
Quando se deu conta de seu ato, caiu em profundo
arrependimento. Chorou demoradamente sobre o cadáver. Não permitiu que lhe
incinerassem o corpo, de acordo com o costume romano. Mandou que a
embalsamassem e sepultou-a no túmulo de Augusto, com honras de imperatriz.
Casou-se ainda duas vezes. Em 66, com Estatília Messalina,
que sobreviveu a ele. Por fim, com Sporus,
um jovem que se assemelhava muito a Popeia, a quem mandou castrar. Segundo
Tácito, fez uma cerimônia pública no lago de seu palácio. Mandou construir uma
grande jangada em que passou a noite de núpcias num leito aberto à vista do
público e relacionou-se com o jovem, chamando-o pelo nome de Popeia.
Passou, então a uma fase de extremos desatinos. Primeiramente,
condenou à morte, por inveja, o grande escritor Gaius Petronius Arbiter, a quem, por ser seu amigo, permitiu que
escolhesse a forma como desejasse morrer.
Petrônio fez um grande banquete com os amigos, pediu a seu
médico lhe abrisse os pulsos. Bebeu e cantou muito. Pedia que lhe estancassem o
sangue e posteriormente reabrissem os ferimentos até que, já sem forças, pediu
que o colocassem no leito para que sua morte parecesse natural.
O mesmo fez com Sêneca, que imitou Petrônio, porém com uma
morte no âmbito privado. Reuniu alguns poucos amigos e servos. Ordenou que lhe
abrissem os pulsos. Quando estava para morrer, pediu que o colocassem numa
bacia de água quente, pois sentia frio.
A terceira vítima entre os seus amigos foi seu colega de
estudos Publius Terentius Afer. Por
esses e outros incontáveis crimes, tornou-se mais execrável ainda aos olhos de
todos.
Pois Sêneca, por anos a fio, conviveu nessa corte perversa
que ultrapassou qualquer limite de barbárie, crueldade, insensatez e maldade
que a razão humana jamais poderia admitir. Foram 18 anos de loucura e
impunidade até o suicídio/assassinato em 09 de junho de 68 d. C.. Com ele
acabou a dinastia júlio-claudiana.
Todas estas narrativas a respeito do período mais crítico,
de maior corrupção e miséria de todo o Império Romano foram aventadas aqui para
levantar diversos questionamentos sobre o verdadeiro pensamento de Sêneca.
Já pela ocasião da morte de Cláudio foi Sêneca quem redigiu
o discurso de elogio fúnebre que Nero proferiu na cerimônia, cheio de
clemência, ridículo diante das péssimas relações entre eles.
Por ocasião do planejamento do assassinato da mãe, o
filósofo limitou-se a lhe perguntar se deveria encarregar os soldados do
assassinato, sem proferir uma única palavra para salvar Agripina. Saliente-se
que ele esteve presente na corte até mesmo nesse assassinato e redigiu o
discurso que Nero proferiu nas cerimônias das exéquias.
Diversos historiadores põem em dúvida a honestidade
administrativa do mestre espanhol. Acumulara uma fortuna de 300 milhões de
sestércios, que era exagerada, mesmo para um homem rico. No tribunal do
império, em que por diversos anos decidiu sem interferências, passavam
processos de idosos sem herdeiros.
Também, sempre fora condescendente com os desregramentos do
discípulo e mesmo aparentava favorecê-los, para que, enquanto o jovem imperador
perdia-se em suas orgias e crimes, sobrava ao mesmo maior espaço de ação.
Quando ocorreu a morte de Burrus em 62, sua influência no poder diminuiu. Houve muitos protestos
pondo em dúvida a origem das imensas riquezas que ele havia acumulado durante
os anos em que vivera na Corte, os magnificentes jardins que construíra, a
riqueza de suas casas de campo. Diante de tantas ameaças, afastou-se do palácio
e retirou-se para a vida privada.
Teve uma existência que oscilava entre o luxo e a
austeridade, Nasceu rico. Teve o favorecimento da família, de modo especial de
sua tia. Sua formação foi primorosa. Parece ser sincero no início da carreira e
no exílio. No fim da vida, foi coerente com suas propostas estoicas. Mas viveu
o período de 13 anos de fausto e luxúria na corte do mais depravado dos
imperadores romanos que depõe contra ele.
Veja-se, agora, sua longa lista de obras, todas marcadas pela
mais coerente ligação aos ideais estoicos:
Diálogos
De Consolatione ad Marciam
De Consolatione ad Helviam matrem
Tragédias
Sátira
Divi Claudii Apokolokyntosis (O Divino Cláudio que se
transforma em abóbora).
Os seus livros filosóficos se constituem de uma coleção
incorretamente classificada como diálogos, mas ele assim os denominou. Somente
pertencem ao gênero diálogo, ao modo de Platão, De Otio e De Tranquillitate Animi. Os demais são dissertações de
cunho soliloquial. Dentre suas obras, duas têm relação com sua própria vida. Em
De Otio, justifica o abandono da vida
pública e De Vita Beata.
Veja-se que ócio, segundo entendiam os filósofos romanos,
era o recolhimento para a reflexão, estudo e produção intelectual. Opunha-se à
vida mundana. Até porque, de modo geral, o trabalho como entendemos hoje, era considerado
indigno, degradante e reservado aos escravos e às classes inferiores.
Em De Vita Beata, que poderia
ser traduzido como Sobre a Vida Feliz, ou Sobre a Felicidade na Vida, discorre
sobre o uso dos bens materiais, sobre o poder, por parte dos que ocupam funções
elevadas e possuem riquezas, que devem aproveitar essa oportunidade para fazer
o bem a seus semelhantes.
No seu texto que intitula De Tranquillitate Animi,
discorre sobre a filosofia estoica. Reporta-se ao tema da felicidade sob o
ponto de vista prático. Afirma que todo o que vive em público corre o risco do
desequilíbrio de espírito, que exige certo grau de tranquilidade para atingir a
felicidade.
Em suas obras de consolação, desenvolve o mesmo tema,
dirigindo-se a pessoas específicas: a mãe Hélvia, Márcia e Políbio. O filósofo,
que está no exílio, com grandeza de espírito, consola os que se preocupam com
ele.
Em seu texto sobre a Providência (De Providentia),
exorta os que sofrem os reveses da vida a confiarem na Providência, que
caracteriza como um conjunto de forças superiores que intervêm na realidade
humana. Admite mesmo o suicídio como uma forma honrosa de se livrar de uma dor
insuportável.
Sêneca é um moralista, é um filósofo da vida prática. Teve
forte influência sobre os pensadores cristãos, de modo especial Santo Agostinho
e São Jerônimo. Acreditam eles que o filósofo romano tenha se encontrado com o
apóstolo São Paulo, que lhe é contemporâneo, e viveu por muitos anos em Roma.
Aliás, tanto Paulo, quanto Pedro foram executados por ordem de Nero. Paulo,
onde se encontra a maravilhosa catedral de são Paulo extra-murus e Pedro, onde
s encontra a atual Igreja do Vaticano.
É difícil crer que um homem que por tantos anos, mais de
treze, tivesse convivido com o ambiente abjeto da corte de Nero e,
aparentemente, compactuado com tantas barbaridades, convivendo com indivíduos criminosos,
corruptos e essencialmente maus, ficasse imune a esse clima, como leva a crer a
temática de suas obras.
BIBLIOGRAFIA
1.
BRITO, Gilda. (1981). Literatura latina: síntese histórica. Rio de Janeiro: Souza
Marques.
3.
PARATORE, Ettore. (1983) História da literatura latina. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian.
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Augusto. Storia della letteratura latina.
Torino: Mondadori.
5.
SOUZA, Rômulo Augusto de. (1977). História da literatura latina. Belém:
Serviço de Imprensa Universitária.
6. Tacitus, Publius Cornelius. (1906) Annales. ed. Ch.D. Fisher, Oxford,
Clarendon Press, 1906.
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