É uma obra satírica do escritor Luciano de Samósata, que viveu entre 125 e 181 d. C. em Samósata, na província romana da Síria. Escreveu em grego, durante o reinado do imperador Marco Aurélio.
Suas obras mais importantes são:
1) O Asno de Ouro;
2) Diálogos dos Mortos.
Os Diálogos dos Mortos compõem-se de 30 diálogos curtos em que interagem, além do deus grego de Hades (Plutão para os romanos), senhor do mundo subterrâneo, também Hermes (Mercúrio para os romanos), o deus que conduz os mortos ao reino de Hades e Caronte, o barqueiro que transporta os mortos através do rio Estiges, algumas das figuras mais importantes e famosas da mitologia da história da Grécia Antiga.
Os diálogos giram em torno de Diógenes e de Menipo, dois falecidos filósofos da escola cínica, que constantemente questionam os outros mortos e expõem com corrosiva ironia a inconsistência de suas ideias e atitudes durante a vida. Menipo não poupa ninguém.
Segundo a sátira de Luciano, todos devem entrar despidos no Hades, fazendo com que os ricos como castigo por conta de sua riqueza tenham que se desfazer dela. A riqueza, entende Luciano, só se entende como tal a partir do olhar do outro, da ostentação perante um outro, de classe e riqueza inferior.
A condição imposta pela pobreza é, de fato, dura e amarga, acarretando uma vida árdua de trabalhos que não é capaz, ao menos, de garantir a sobrevivência. É uma vida de tristeza e desânimo, mas que, no entender de Luciano, poderia ser melhor, mais suportável, se os ricos não ostentassem sua riqueza, sua felicidade, sua vida de fartura. De fato, essa visão ostensiva da riqueza de poucos oposta à pobreza da maioria é que torna a situação absurda.
Nesse contexto, Luciano procura fazer a crítica à riqueza, desejando atingir as classes abastadas. Ele enfatiza, em suas obras, a falta de sentido das diferenças de fortuna, sublinhando como no Hades reina a isotimia, ou seja, todos são iguais diante da fortuna, como fica evidente nos Diálogos dos mortos.
Veja o seguinte diálogo entre Hermes e Lampico enquanto o primeiro conduz o segundo ao Hades (Hades era o deus dos mortos e ao mesmo tempo o lugar onde os mortos viviam debaixo do solo):
- “Hermes – Então, Lampico, apresentas-te com tanta coisa?
- Lampico – O quê? Devia chegar nu, ó Hermes, um homem com funções de governante?
- Hermes – Governante, coisa nenhuma, mas morto, sim! Portanto, jogue fora tudo isso!
- Lampico – Veja, lá vai a riqueza!
- Hermes – Jogue fora também a vaidade, ó Lampico, e a altivez. Caindo aqui dentro, elas farão peso no barco.
- Lampico – Então, deixe-me ao menos ficar com o diadema e o manto.
- Hermes – De modo nenhum, mas jogue fora isso também!
- Lampico – Que seja! O que mais ainda? Lancei tudo fora, como vês.
- Hermes – E a crueldade e a insensatez e a insolência e a cólera, lança tudo isso fora também!
- Lampico – Veja bem, estou despido”.
Os tiranos (governantes) devem se desfazer de tudo, da glória, do poder, da ostentação, da riqueza, enfim, de tudo. Enquanto isso acontece aos ricos, com os pobres, despossuídos de qualquer coisa, resta apenas entrar na barca e pagar um óbolo ao barqueiro Caronte. A morte, em Luciano, funciona, então, como algo nivelador. Todos ficam absolutamente iguais, até mesmo as pessoas bonitas ficam com a mesma aparência dos outros: todos são esqueletos carecas, com furo no lugar dos olhos e o nariz achatado, tornando-se praticamente impossível a diferenciação estética.
O que ocorre com os ricos também deve suceder com os filósofos e sábios, envaidecidos de seus saberes:
- “Hermes – (…) E este, grave, a julgar pela postura, arrogante, de semblante carregado, metido nas suas reflexões, quem é ele, que assim deixou crescer a barba?
- Menipo – Um filósofo, ó Hermes, ou antes, um impostor, pleno de charlatanice. Assim, fá-lo despir-se também! Verás muitas coisas, e bem risíveis, que ele esconde sob o manto.
Hermes – Põe à parte a postura, em primeiro lugar, e depois tudo isso mais! Ó Zeus, quanta fanfarronice ele transporta, e quanta cretinice, astúcia, glória vã, perguntas insolúveis, discursos espinhosos e conjecturas intrincadas. E ainda a grande quantidade de esforço vão, a grande tagarelice, as ninharias, a pequenez de espírito, e, por Zeus, todo esse ouro que está à vista e a vida regalada, o descaro, a preguiça, o gozo sensual e a moleza. Nada disso me passou despercebido, por melhor que o escondas. Jogue fora também a mentira, a presunção e a crença que és melhor do que os outros, por que se embarcares com tudo isso, qual o navio de cinquenta remadores, capaz de te receber?”
Os próprios filósofos precisam se desfazer de sua riqueza, puramente intelectual e sem sentido no Hades. A isotimia na morte é completa, ninguém pode se sentir superior ao outro. A morte não procura vingar-se de ninguém, tornando felizes os infelizes e infelizes os felizes. Ela, apesar de ser indesejável, tem sobre a vida, segundo Luciano, a vantagem de tratar todos de modo equânime. Se há alguma mudança no destino das pessoas, isso só acontece com os ricos e os homens de cultura, obrigados a se desfazerem de tudo.
A sátira menipeia a que Luciano se dedica critica atitudes mentais ao invés de criticar indivíduos específicos. Teria sido criada por Menipo, escritor grego antigo cujas obras não chegaram até nós.
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