Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
"Cada corpo movido de fora é inanimado. O corpo movido
de dentro é animado, pois que o movimento é da natureza da alma"
(Sócrates, in: Platão, Diálogo Fedro).
Embora nada tenha escrito, quando se abordam temas
filosóficos, a imagem de Sócrates (Σωκράτης)
logo nos vem à mente. Seria em razão de seus grandes discípulos, Platão e
Xenofonte, que semearam a filosofia do mestre abundantemente em seus textos?
Ou, de fato, o pensador ateniense formulou, em seus ensinamentos, os
fundamentos do pensamento ocidental de raiz grega?
Aparece em Atenas, ponto geográfico que congregou uma
plêiade de pensadores, por séculos afora. Mais ainda, veio ao mundo no fecundo
século V a. C., tempo privilegiado de reformulação do pensamento e do modus
vivendi no mundo mediterrâneo clássico. Portanto, um espaço e um tempo especial
acolheram-no e o condenaram. Sua condenação e morte por envenenamento também
contribuiriam enormemente para a elevação de seu prestígio pelos tempos que se
seguiram.
Recebe justamente o crédito de ser um dos fundadores da
filosofia ocidental. Sua figura permanece enigmática especialmente devido ao
fato de não ter escrito obra alguma. Seu pensamento chega até nós, de modo
especial, através de seus discípulos Patão e Xenofonte. As peças do dramaturgo contemporâneo
seu Aristófanes também contribuíram para que o pensamento socrático chegasse às
gerações posteriores.
Por meio da técnica dialética platônica do diálogo, em que Sócrates
aparece como mediador entre dois contendores que defendem posições opostas,
manifesta-se, de um lado, a ética socrática, de outro, o próprio método desse
pensador, conhecido como elenchus (ἔλεγχος).
Em sentido amplo, o termo elenchus significa examinar uma
declaração de alguém, colocando-lhe perguntas a fim de refutar a verdade da
afirmação primeira.Um exemplo geralmente apresentado relaciona-se aos sofistas.
Sócrates perguntava aos sofistas sobre o grande princípio geral da filosofia
sofística. O interlocutor respondia que esse princípio era: Nada é verdadeiro.
Perguntava, na sequência, ao seu interlocutor: Então, quando você afirma que
nada é verdadeiro, nega seu próprio princípio? Se nada é verdadeiro, esse
princípio também não o é, portanto, deve haver algo de verdadeiro. Esse
processo leva à rejeição da proposição inicial do interlocutor.
O processo de busca da verdade de Sócrates é conhecido como maiêutica
(μαιευτική), que significa
parto. Origina-se do verbo parir (μαιεύω),
Nascido nas planícies de Monte Licabeto, nas proximidades de
Atenas, Sócrates procedia de uma família humilde. Ele era o filho de
Sofrónisco, um escultor especialista em colunas de templos, e Fanarete, uma
parteira da região.
Sócrates |
Seria casado, em primeiras núpcias, com Xantipa, mulher que,
segundo a tradição, seria muito bela e muito mais jovem do que o pensador,
porém marcada por um exaltado mau gênio. Muitas anedotas tradicionais sobre
esse relacionamento chegaram até nós. Ela teria mesmo jogado sobre ele uma
jarra de água por ele não lhe dar resposta a sucessivas reclamações.
O filósofo, que conversava com um amigo, apenas teria dito: “Após
a trovoada vem a chuva.” Dela teve o filho primogênito Lamprocles. O fato é que
o amava tanto, que esteve ao lado dele quando foi condenado e tentou impedi-lo
de beber o cálice de cicuta da execução.
Talvez o mau humor da primeira mulher se devesse à presença
de uma segunda esposa, como permitia a lei ateniense, pela necessidade de
soldados. Chamava-se Myrto. Dessa, teve mais dois filhos, Sofrónisco e
Menexenus.
Há narrativas que afirmam ter Sócrates auxiliado seu pai na
função de escultor, porém, como não tivesse habilidade natural para essa
profissão, era alvo da zombaria dos amigos.
Era homem de hábitos muito simples. Costumava caminhar
descalço, tanto nos verões escaldantes quanto nos dias de neve. Amava brincar
com as crianças. Muitas vezes foi surpreendido brincando com os próprios
filhos.
Já na juventude começou os estudos de filosofia, com os
filósofos Anaxágoras (Ἀναξαγόρας)
de Clazômenas e Arquelau (Ἀρχέλαος)
de Atenas. Desde cedo, destacou-se pela inteligência e talento, passando a ser
chamado de pitonisa, sacerdotisa do templo de Apolo. Depois dos primeiros estudos
filosóficos, já era conhecido como o mais sábio dos homens.
Completou sua formação, discutindo com pessoas de sua idade.
Discutia em lugares públicos como ruas e parques e era ouvido por jovens e
mulheres. Não exigia nenhum pagamento por suas lições, embora fosse
extremamente pobre e enfrentasse dificuldades econômicas.
Participou de várias guerras em defesa da própria pátria,
onde lutou como soldado comum. Era hoplita (ὁπλίτης), soldado da infantaria,
sendo arqueiro, lançador de flechas. Como era fisicamente forte, salvou muitos
companheiros em combate. É famosa sua bravura, tendo salvado o jovem Alcibíades
(Ἀλκιβιάδης).
Estando o jovem ferido em campo de batalha, Sócrates tomou-o nos ombros e caminhou
com ele às costas no meio dos feridos, até depositá-lo em lugar seguro.
Porém, o grande filósofo foi condenado à morte sob a
acusação de que estaria corrompendo a juventude. Pelo menos três grandes obras
narram sua condenação e execução. Primeiramente, “A Apologia de Sócrates” (Ἀπολογία Σωκράτους), de seu
ilustre discípulo Platão. Depois, o “Diálogo Críton” (Κρίτων), do mesmo Platão. Também A Apologia
de Sócrates do historiador e militar Xenofonte, discípulo de Sócrates.
Depois, pelos tempos da historia, surgiram incontáveis obras que abordaram
tanto a vida quanto a filosofia do mais ilustre pensador que a Grécia gerou.
Platão afirma que seu mestre foi condenado por razões
políticas. Xenofonte, por seu lado, diz que o objetivo dos opositores do filósofo
era afastá-lo de Atenas, porém, o fato de ele não ter aceitado o auxílio de
fuga dos amigos, levou-o ao fim fatal. Sócrates acreditava que, se fugisse, serviria
de mau exemplo à juventude, que admirava as virtudes do mestre.
O fato é que provocou a ira de muitos velhos mestres, que se
sentiram atingidos pela ação de um homem que não cobrava por suas lições,
comprometendo-lhes o prestígio.
Na última guerra de que participou, a do Peloponeso, foi
nomeado general, pela sua grande capacidade de persuasão dos jovens soldados.
Numa batalha no final da guerra, permitiu que os soldados voltassem rapidamente
para Atenas, sem enterrar os mortos, após uma derrota, afirmando que, se todos morressem, não haveria
ninguém para enterrá-los.
Conseguiu, porém a liberdade, que lhe valeu mais trinta anos
de vida. Porém, após esse tempo, foi
novamente preso. Metelo, um de seus acusadores, afirma: “...Sócrates é culpado
do crime de não reconhecer os deuses reconhecidos pelo Estado e de introduzir
divindades novas; ele é ainda culpado de corromper a juventude. Castigo pedido:
a morte". Certamente, a acusação é falsa. Porém, a corte acatou os acusadores, que eram ricos senhores de negócios.
Sócrates não aceita o auxílio dos amigos e submete-se à
execução. Bebe a taça de veneno e morre diante de seus amigos, que choram sua
perda.
Não é o mito de sua afirmação: “Somente sei que nada sei”,
em grego antigo: Ἓν
οἶδα ὅτι οὐδὲν οἶδα”,
que o tornou uma celebridade universal. Talvez o fato de nada haver deixado por
escrito, de ter sido sempre honesto e jamais ter recebido nenhum pagamento
pelas lições que ministrou, o fato ainda de ter enfrentado a morte pelas ideias
e pelos ideais que defendia, sem se curvar diante dos acusadores tenham-no
tornado o mais renomado filósofo do ocidente.
Belo e comovente texto, professor Oscar!
ResponderExcluirObrigado, caríssimo Gerson.
ResponderExcluirvou dar minha aula por esse texto!
ResponderExcluirusarei pra minha aula!
ResponderExcluirÉ um prazer contribuir para seu trabalho.
ResponderExcluirAbraços, Leonardo.