A
noite era profundamente negra. Acordei. Entre o sono, o sonho e a consciência,
ouvi claramente uns gritos de desespero. Primeiramente pareciam-me humanos.
Depois, com mais atenção, aproximavam-se daqueles que os gatos produzem ao
acasalarem-se sobre os telhados nas madrugadas.
Tudo
era silêncio. Apenas aqueles grunhidos distantes. Abri a janela. Nada. Naquela
calmaria da alta madrugada, sequer automóveis se movimentavam. Da rua certamente não
vinham.
Mas
eram evidentes e nítidos aqui dentro do quarto. Detive-me longamente a
escutá-los. Quando, ao despertar, fui tomando conta de mim, já não sabia se
fora um sonho ou se de fato esses urros desesperados que ainda me perturbavam haviam
sido reais.
Como
tinha de ir à Bibliotheca Pública, lá chegado, solicitei à atendente, que já me
conhecia, um jornal do século XIX. Ela, solícita, trouxe-me alguns. Passei
a examiná-los como quem busca uma solução mágica.
De
repente, meus olhos caem sobre uma vetusta notícia. Crimes nos arredores da cidade. Tratava-se da história de uma velha senhora,
escorraçada dos bordéis em razão de roubos e crimes. Pois, segundo a descrição
do antigo narrador, deveria viver pelos campos, abandonada e temida todos.
Sobre
ela pesavam muitas acusações, desde crimes de morte e tortura até a acusação
que, à primeira análise, pareceu-me de menor gravidade. Pois, como era temida
por toda parte, não tinha acesso ao comércio regular. Vivia, então, de pequena
pesca e de carne de gato.
Conta-se
que rastejava à noite, nas proximidades das residências. Exalava um cheiro tão
detestável, que mesmo os cães fugiam à sua aproximação. Pois, com anzol e isca
de pesca, capturava os bichanos incautos pela madrugada e os esfolava vivos,
alimentando-se, depois, das carnes ainda sangrentas desses pobres coitados.
Depois do seu passamento, muitas histórias a respeito dela passaram povoar o imaginário daquela população simples e crédula. Muitos até mesmo a tinham visto, rondando as moradias, pelas horas mortas da noite.
Meu
sonho, visão noturna passou a fazer sentido. Ao falar com velhos pesquisadores
da história local, descobri que havia sobre ela acusações muito piores.
Sacrificava cães, bêbados incautos pela madrugada e mesmo crianças teriam sido por ela roubadas de
casas mal cuidadas.
E
voltaram-me aos ouvidos aqueles gritos alucinantes, desesperados. Distinguia,
agora, ao café, contemplando as silhuetas das árvores do pátio, mesmo
enlouquecedores brados de criancinhas sacrificadas para a refeição da bruxa.
Enquanto
isso, um bando de almas-de-gato, cujo nome se origina do canto alucinante
dessas aves, que provém dos gemidos noturnos dos gatos, mas também das almas
penadas dos antigos cemitérios... pois digo que essas aves, com seus olhos
saltados e bicos contundentes, sérias e ameaçadoras, contemplavam-me do além da
vidraça, como se me estivessem investigado. Devagarinho, tirei-me dali, sestroso.
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