Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Medusa (Μέδουσα) é um
mito ctônico, isto é, ligado à terra, terreno. Designa ou refere-se aos deuses ou
espíritos do mundo subterrâneo, por oposição às divindades olímpicas, as que
habitavam o Olimpo. Por vezes são também denominados telúricos, na versão
latina, pois em latim tellus
significa terra. Era um monstro cujos cabelos eram serpentes ativas.
As três
Górgonas eram filhas de divindades primitivas. O pai era Fórcis que desposou
sua irmã Ceto. Geraram três filhas do sexo feminino: Medusa, Esteno e Euríale.
As três eram monstruosas tendo serpentes em lugar dos cabelos. Medusa, a mais
conhecida das três, tinha uma poderosa força no olhar, que petrificava todo o
que lhe voltasse os olhos. Enquanto suas irmãs eram imortais, Medusa era
mortal. Segundo a versão de Ésquilo, era bela mas aterrorizante.
Segundo o
escritor romano Públio Ovídio, Medusa teria sido originalmente uma bela
donzela, ciumenta e com muitos pretendentes e sacerdotisa do templo de Atena.
Certo dia teria cedido às investidas de Posseidon, deus do mar, e com ele mantido
relações nas dependências do próprio templo da deusa Atena. Essa atitude
enfureceu a deusa, que transformou os cabelos de Medusa em serpentes e tornou
seu rosto tão horrível de se contemplar que a mera visão dele transformaria
todos os que o olhassem na mais dura pedra. Ovídio considera essa pena como
justa e merecida.
Ainda segundo
as versões gregas mais antigas, enquanto ela esperava um filho de Poseidon,
teria sido decapitada por Perseu. Para seu intento recebeu auxílio de Hermes,
que lhe emprestou as sandálias aladas e Atena, deusa da sabedoria, que o
instruiu a munir-se de um escudo espelhado que refletiria os raios do olhar da
monstruosa Medusa em outra direção. Concedeu-lhe também a sábia deusa um elmo
que o tornaria invisível. Decepada a cabeça da aterradora Górgona, do corpo nasceram
duas criaturas: Pégaso, um cavalo alado e Crisaor, um gigante dourado.
Perseu com a cabeça de Medusa |
Ela seria
filha do terror. Segundo a versão de Públio Ovídio, em sua obra “Metamorfoses”,
os corais do Mar Vermelho teriam sido formados pelo sangue de Medusa, pois o
monstro teria sido degolado na Etiópia. Perseu salvou, desse modo, a princesa
Andrômeda, com quem veio a casar-se. Também as venenosas víboras do Saara
teriam surgido do sangue derramado nas areias
Perseu levou consigo a cabeça de Medusa que
continuava com os poderes de petrificar os que lhe dirigissem o olhar. Assim,
essa foi a arma que empregou para salvar a própria mãe das garras do rei
Polidetes, de Sérifo. A seguir, entregou a terrível cabeça a Atena que a
colocou no próprio escudo.
A
psicanálise, desde Freud e Jung, apresentou a cabeça de Medusa como o supremo
talismã, que fornece a imagem da castração. O professor italiano Michele Cometa,
da Universidade de Palermo, fez estudos muito esclarecedores sobre o mito de
Medusa. Afirma ele: “O mito de Medusa é um dos que determinaram a sensibilidade
moderna. No vulto de Medusa, o romantismo – como explicou Mario Paz no livro A Carne, a Morte e o Diabo na Literatura
Romântica (1930) – reconhece aquele misto de crueldade e beleza, de
sofrimento e fascinação decadente que marca uma das coordenadas da sensibilidade
oito-noventista. De Shelley a Baudelaire, Medusa torna-se o símbolo da insana e,
por isso, decadente, consubstancialidade de beleza e morte, de sexualidade e
crueldade. Não espanta que Freud a coloque sob o colorido resultado de suas
pesquisas sobre o olhar em relação às perversões.”
Aliás, o mito
clássico de Medusa bem se prestava a uma psicologia do olhar. Medusa é a única
da Górgonas que é mortal, tem cabelos de serpentes, mãos de bronze e asas de
ouro, uma espécie de Cyborg grego.
Perseu decepa-lhe a cabeça, portanto. No vulto de Medusa, percebe-se ainda o terror de uma morte
imprevista e inevitável. Estamos diante de uma das maiores tragédias do olhar
que a tradição clássica conserva, semelhante ao mito de Narciso que, ao
contemplar-se espelhado nas águas, não suporta tanta beleza e morre afogado.
Afirma Freud:
“A interpretação das criações mitológicas individuais não é fruto das nossas
mentes, mas da horripilante cabeça decepada de Medusa, cuja interpretação é
óbvia. Decapitar = castrar. O terror de Medusa é, portanto, um terror amarrado com a visão de algo. Depois de grande quantidade de análises,
constatamos o que se verifica quando um menino, o qual até aquele momento não
queria crer na ameaça de castração, em razão de ver uma genitália feminina.
Trata-se verossilmente da genitália circundada de pelos de uma mulher adulta,
ou seja, a genitália de sua própria mãe.
Se os cabelos
da cabeça de Medusa fazem parte quase sempre das configurações artísticas sob a
forma de serpentes, isso se deve mais uma vez ainda ao complexo de castração.
Note-se que, ao despertar nele um efeito terrível, as cobras realmente servem
para atenuar o horror, uma vez que substituem o pênis, de cuja falta nasceu o
horror. A regra técnica segundo a qual a multiplicação dos símbolos do pênis
significa castração, fica aqui confirmada.
A visão da
cabeça de Medusa, pelo horror que suscita, enrijece o espectador, transforma-o
em pedra. A mesma origem do complexo de castração e a mesma mutação afetiva.
Enrijecimento, de fato, significa ereção, e em seguida, na situação original
que oferece consolo para o espectador: ele ainda possui um pênis, cujo enrijecimento
o tranquiliza.
Este símbolo
do horror é fixado nas vestes de Atena, a deusa virgem. Athena, portanto, com
razão torna-se a mulher que é inacessível e à qual repugnam todos os tipos de
desejo sexual. Ela exibe os órgãos genitais aterrorizantes da mãe. Entre os
gregos antigos, em geral fortemente homossexuais, não poderia faltar a imagem da mulher,
que inspira medo por causa de sua emasculação.
Se a cabeça
de Medusa substitui a representação dos órgãos genitais femininos ou melhor, isolam-se
seus efeitos terríveis que do prazer que dá, recorde-se que a exposição dos
órgãos genitais também é conhecida como ação apotropaica. O que nos suscita
horror deverá produzir o mesmo efeito também no inimigo do qual nos devemos
defender. Novamente em Rabelais lemos que o diabo fugiu depois que a mulher
mostrou-lhe a vulva.
Mais uma vez o
órgão masculino ereto também tem um efeito apotropaico, ou seja, poder de
afastar, mas sob outro mecanismo. Para exibir o pênis - e todos os seus
substitutos – quer dizer: não temo dizer-te, asseguro-te, tenho um pênis. Eis
então outro modo de intimidação do mau espírito.
Para poder
sustentar seriamente esta interpretação seria necessário estudar profundamente
a gênese deste símbolo isolado na mitologia grega e os seus correspondentes em
outras mitologias.” (Veja mais no site: http://www.unipa.it/).
(FREUD apud Michele Cometa).
“A Medusa
representa a mãe terrível, dominadora, que paralisa seus filhos, mantendo-os
em estado caótico e inconsciente. Desse modo, a luta contra a Medusa nos alude
ao processo de integração do ego, através da saída do estado urobórico, onde
não há diferenciação entre a consciência e o inconsciente. A petrificação da
Medusa nos remete aos estados psicóticos de extrema regressão presentes nas
formas graves de esquizofrenia (estupor catatônico)”. (Boechat, W., 2008).
Pensadores
como Melanie Klein e Alexander Lowen afirmam que a imagem que o indivíduo faz de
si próprio origina-se do olhar da mãe. A forma através da qual a criança é olhada,
é vista, o que ela absorve de rejeição ou de aprovação é captado no olhar da
mãe.
Tristes são
os filhos de Medusa porque não podem vê-la, também não podem ser vistos por
ela. Esta mãe de mãos de bronze não pode acariciar, seu olhar paralisa, seus
dentes de javali impedem que beije.
Assim, Medusa
é o mito que aponta para a mãe depressiva, através da imagem da mãe divina, que
deve ser concebida pelo filho como santa, para a qual é impossível gerar filhos
felizes, gera uma prole trágica.
Em sendo
santa, é-lhe impossível ser mulher, já é santa em vida. Desse modo é
inacessível aos filhos. O olhar do filho não pode dirigir-se a ela. O olhar
dela é petrificante, não permite que ele crie seu próprio olhar. A petrificação
é forma cruel de moldar o filho e todos os que dela se aproximam a suas
concepções e seu modo de ser.
Muito esclarecedor o texto.
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