sexta-feira, 10 de julho de 2015

O MITO GREGO DE MEDUSA – RELAÇÕES COM A PSICOLOGIA DO OLHAR



Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Medusa (Μέδουσα) é um mito ctônico, isto é, ligado à terra, terreno. Designa ou refere-se aos deuses ou espíritos do mundo subterrâneo, por oposição às divindades olímpicas, as que habitavam o Olimpo. Por vezes são também denominados telúricos, na versão latina, pois em latim tellus significa terra. Era um monstro cujos cabelos eram serpentes ativas.
As três Górgonas eram filhas de divindades primitivas. O pai era Fórcis que desposou sua irmã Ceto. Geraram três filhas do sexo feminino: Medusa, Esteno e Euríale. As três eram monstruosas tendo serpentes em lugar dos cabelos. Medusa, a mais conhecida das três, tinha uma poderosa força no olhar, que petrificava todo o que lhe voltasse os olhos. Enquanto suas irmãs eram imortais, Medusa era mortal. Segundo a versão de Ésquilo, era bela mas aterrorizante.
Segundo o escritor romano Públio Ovídio, Medusa teria sido originalmente uma bela donzela, ciumenta e com muitos pretendentes e sacerdotisa do templo de Atena. Certo dia teria cedido às investidas de Posseidon, deus do mar, e com ele mantido relações nas dependências do próprio templo da deusa Atena. Essa atitude enfureceu a deusa, que transformou os cabelos de Medusa em serpentes e tornou seu rosto tão horrível de se contemplar que a mera visão dele transformaria todos os que o olhassem na mais dura pedra. Ovídio considera essa pena como justa e merecida.
Ainda segundo as versões gregas mais antigas, enquanto ela esperava um filho de Poseidon, teria sido decapitada por Perseu. Para seu intento recebeu auxílio de Hermes, que lhe emprestou as sandálias aladas e Atena, deusa da sabedoria, que o instruiu a munir-se de um escudo espelhado que refletiria os raios do olhar da monstruosa Medusa em outra direção. Concedeu-lhe também a sábia deusa um elmo que o tornaria invisível. Decepada a cabeça da aterradora Górgona, do corpo nasceram duas criaturas: Pégaso, um cavalo alado e Crisaor, um gigante dourado.
Perseu com a cabeça de Medusa
Ela seria filha do terror. Segundo a versão de Públio Ovídio, em sua obra “Metamorfoses”, os corais do Mar Vermelho teriam sido formados pelo sangue de Medusa, pois o monstro teria sido degolado na Etiópia. Perseu salvou, desse modo, a princesa Andrômeda, com quem veio a casar-se. Também as venenosas víboras do Saara teriam surgido do sangue derramado nas areias
Perseu levou consigo a cabeça de Medusa que continuava com os poderes de petrificar os que lhe dirigissem o olhar. Assim, essa foi a arma que empregou para salvar a própria mãe das garras do rei Polidetes, de Sérifo. A seguir, entregou a terrível cabeça a Atena que a colocou no próprio escudo.
A psicanálise, desde Freud e Jung, apresentou a cabeça de Medusa como o supremo talismã, que fornece a imagem da castração. O professor italiano Michele Cometa, da Universidade de Palermo, fez estudos muito esclarecedores sobre o mito de Medusa. Afirma ele: “O mito de Medusa é um dos que determinaram a sensibilidade moderna. No vulto de Medusa, o romantismo – como explicou Mario Paz no livro A Carne, a Morte e o Diabo na Literatura Romântica (1930) – reconhece aquele misto de crueldade e beleza, de sofrimento e fascinação decadente que marca uma das coordenadas da sensibilidade oito-noventista. De Shelley a Baudelaire, Medusa torna-se o símbolo da insana e, por isso, decadente, consubstancialidade de beleza e morte, de sexualidade e crueldade. Não espanta que Freud a coloque sob o colorido resultado de suas pesquisas sobre o olhar em relação às perversões.”
Aliás, o mito clássico de Medusa bem se prestava a uma psicologia do olhar. Medusa é a única da Górgonas que é mortal, tem cabelos de serpentes, mãos de bronze e asas de ouro, uma espécie de Cyborg grego.
Perseu decepa-lhe a cabeça, portanto.  No vulto de Medusa, percebe-se ainda o terror de uma morte imprevista e inevitável. Estamos diante de uma das maiores tragédias do olhar que a tradição clássica conserva, semelhante ao mito de Narciso que, ao contemplar-se espelhado nas águas, não suporta tanta beleza e morre afogado.
Afirma Freud: “A interpretação das criações mitológicas individuais não é fruto das nossas mentes, mas da horripilante cabeça decepada de Medusa, cuja interpretação é óbvia. Decapitar = castrar. O terror de Medusa é, portanto, um terror amarrado com a visão de algo. Depois de grande quantidade de análises, constatamos o que se verifica quando um menino, o qual até aquele momento não queria crer na ameaça de castração, em razão de ver uma genitália feminina. Trata-se verossilmente da genitália circundada de pelos de uma mulher adulta, ou seja, a genitália de sua própria mãe.
Se os cabelos da cabeça de Medusa fazem parte quase sempre das configurações artísticas sob a forma de serpentes, isso se deve mais uma vez ainda ao complexo de castração. Note-se que, ao despertar nele um efeito terrível, as cobras realmente servem para atenuar o horror, uma vez que substituem o pênis, de cuja falta nasceu o horror. A regra técnica segundo a qual a multiplicação dos símbolos do pênis significa castração, fica aqui confirmada.
A visão da cabeça de Medusa, pelo horror que suscita, enrijece o espectador, transforma-o em pedra. A mesma origem do complexo de castração e a mesma mutação afetiva. Enrijecimento, de fato, significa ereção, e em seguida, na situação original que oferece consolo para o espectador: ele ainda possui um pênis, cujo enrijecimento o tranquiliza.
Este símbolo do horror é fixado nas vestes de Atena, a deusa virgem. Athena, portanto, com razão torna-se a mulher que é inacessível e à qual repugnam todos os tipos de desejo sexual. Ela exibe os órgãos genitais aterrorizantes da mãe. Entre os gregos antigos, em geral fortemente homossexuais, não poderia faltar a imagem da mulher, que inspira medo por causa de sua emasculação.
Se a cabeça de Medusa substitui a representação dos órgãos genitais femininos ou melhor, isolam-se seus efeitos terríveis que do prazer que dá, recorde-se que a exposição dos órgãos genitais também é conhecida como ação apotropaica. O que nos suscita horror deverá produzir o mesmo efeito também no inimigo do qual nos devemos defender. Novamente em Rabelais lemos que o diabo fugiu depois que a mulher mostrou-lhe a vulva.
Mais uma vez o órgão masculino ereto também tem um efeito apotropaico, ou seja, poder de afastar, mas sob outro mecanismo. Para exibir o pênis - e todos os seus substitutos – quer dizer: não temo dizer-te, asseguro-te, tenho um pênis. Eis então outro modo de intimidação do mau espírito.
Para poder sustentar seriamente esta interpretação seria necessário estudar profundamente a gênese deste símbolo isolado na mitologia grega e os seus correspondentes em outras mitologias.” (Veja mais no site: http://www.unipa.it/). (FREUD apud Michele Cometa).
“A Medusa representa a mãe terrível, dominadora, que paralisa seus filhos, mantendo-os em estado caótico e inconsciente. Desse modo, a luta contra a Medusa nos alude ao processo de integração do ego, através da saída do estado urobórico, onde não há diferenciação entre a consciência e o inconsciente. A petrificação da Medusa nos remete aos estados psicóticos de extrema regressão presentes nas formas graves de esquizofrenia (estupor catatônico)”. (Boechat, W., 2008).
Pensadores como Melanie Klein e Alexander Lowen afirmam que a imagem que o indivíduo faz de si próprio origina-se do olhar da mãe. A forma através da qual a criança é olhada, é vista, o que ela absorve de rejeição ou de aprovação é captado no olhar da mãe.
Tristes são os filhos de Medusa porque não podem vê-la, também não podem ser vistos por ela. Esta mãe de mãos de bronze não pode acariciar, seu olhar paralisa, seus dentes de javali impedem que beije.
Assim, Medusa é o mito que aponta para a mãe depressiva, através da imagem da mãe divina, que deve ser concebida pelo filho como santa, para a qual é impossível gerar filhos felizes,  gera uma prole trágica.
Em sendo santa, é-lhe impossível ser mulher, já é santa em vida. Desse modo é inacessível aos filhos. O olhar do filho não pode dirigir-se a ela. O olhar dela é petrificante, não permite que ele crie seu próprio olhar. A petrificação é forma cruel de moldar o filho e todos os que dela se aproximam a suas concepções e seu modo de ser.

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