Acordei cedo... aos poucos,
todos se foram e fiquei escutando o silêncio possível do perímetro urbano. Quando
se aprende a estar muitas horas só, aprende-se também a identificar o antes
imperceptível.
Cada cidade tem um certo rumor singular
composto de um conjunto de sons inidentificáveis. Aprendi isso nos tantos
lugares diferentes do mundo em que já despertei perturbado... São uma soma... televisores... carros
distantes... latidos perdidos pela distância... o farfalhar das árvores ao
vento... pássaros ao longe... muitas vozes humanas de anseios e disputas... é
um conjunto... para os paranóicos, deve ser a conspiração iminente... Quando
algo soa mais perto e o ouvido o detecta, então, discretamente esse rumor se
cala... quando falta luz, ele se torna menos perceptível ainda... porém somente
a alma é capaz de entender esse murmurar inerte e abafado...
Pois não é que, de repente, do
nada, ouço um canto de pintassilgo... talvez os ornitólogos digam que não há
pintassilgos no Brasil, a não ser os engaiolados... a ciência às vezes me causa
incômodos...
Mas não importa... fui criado no
meio de pintassilgos que piavam por entre as ramagens verdes das árvores da
minha infância... minha avó sabia tudo e, na sua quase demência, falava com
eles... até hoje, levo na alma piados de pintassilgos e, por amor de Deus, não
venhas apagá-los com teus saberes...
Pois esse pintassilgo foi minha
perdição... junta-se se a ele um arrolo de pomba-rola... e estive perdido...
perdi-me naquelas árvores... senti as raízes em meu pé que não toca o solo... e
como aquele monge medieval, tive medo de me perder nesse idílio e de voltar num
futuro em que ninguém mais me identificaria...
Saltei sebes... refresquei os
pés ardentes em riachos murmurantes e frescos sempre com os olhos entre as
ramagens à procura da plumagem loira e
negra do piado do canoro pintassilgo... dores?... nenhuma... de quando em
quando em quando uma nesga de azul por entre a ramagem sempre nova... o
pintassilgo sempre piando mais longe... e me fui... passei sangas e
penhascos... o piado sempre à frente... encantador e nítido... não posso mais
voltar... perdi as raízes... ouvi outros passos... descobri que não estava
só... havia os que buscavam um pintassilva... pelo que perscrutei de seus
silêncios de almas que falam no embalo dos sonhos... oh meu pintassilgo!
Pintassilva dos outros! Por onde te escondes? E o monge perdeu o trilho do
mosteiro... o amante, o perfume secreto da pretendida... o sábio, a aura da
ciência... só o pintassilgo nos pode salvar...
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