Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
O irrequieto Voltaire, depois de muitos embates políticos
e uma soma de fracassos e pesadas desilusões, repousava já de há séculos,
sereno e pálido, em seu suntuoso jazigo do panteão parisiense.
Cândido, já viúvo de sua Cunegundes, desiludido de todos
os governos que conhecera por diferentes partes do mundo, séculos a fora,
chegara, num transatlântico de luxo, à paradisíaca Rio de Janeiro.
Não compreendia o que tinha a ver Rio com janeiro. Não
encontrara rio algum. Era setembro, estava diante de uma imensa baía, povoada de
jovens deslumbrantes. Julgou que, inadvertidamente, houvesse, como Dante,
chegado ao próprio paraíso. Do purgatório e do inferno, já havia provado sobejamente
nos conturbados caminhos da Europa.
Foi descoberto, de imediato, por um estudioso de
literatura francesa que o reconheceu pela candura. Contou-lhe, o novo
admirador, que Pangloss falecera, desiludido da filosofia iluminista de
Leibniz, sem, no entanto, abandonar a teoria do melhor dos mundos possíveis.
Como, pelos giros do destino, recebera uma herança de
valor incalculável de sua amada e falecida Cunegundes, filha do barão de
Thunder-ten-tronckh, não tinha o pensador Cândido, como o Rubião de Machado, restrição
financeira alguma. Desde que chegara, encantara-se com a generosidade dos
cariocas. Ofereciam-lhe de tudo. Tudo muito barato.
Havia adquirido, por módicos valores, até mesmo uma ilha
na cidade. Haviam-lhe garantido que por aqui todos são absolutamente honestos,
de tal forma que poderia confiar seu cartão de crédito a qualquer cidadão, que
seriam indistintamente confiáveis. Desde esse momento, não mais se deu o trabalho
de ir ao comércio. Os amigos faziam tudo por ele, com inteiro desprendimento.
CANDIDE |
O intelectual que o acompanhava, que por sinal já se
instalara no apartamento contíguo ao dele, no luxuoso hotel em que estava
instalado, convidara-o para conhecer Brasília.
Cândido estava encantado com a honestidade local e
atribuía esse fato, filosoficamente, à influência do espírito indígena, de que
já tomara conhecimento no velho mundo. Sabia que os nativos daqui não conferiam
valor algum ao dinheiro e aos bens materiais, chegando até mesmo ao cúmulo de
trocar ouro e diamantes por pequenos espelhos.
Mas, na capital do país, aconteceu o apogeu de seu
deslumbramento. Passou dias e dias enclausurado, no apartamento que o amigo adquirira
para ambos, na área das embaixadas, ouvindo, lendo e assistindo aos discursos
políticos.
Em parte alguma desse universo de Deus constatara tamanha
lisura, tal desprendimento e espírito de amor ao povo e à pátria. Aqui, o mal
não florescera. A honradez de comportamento marcava todos, desde o mais simples
cidadão de rua ao mandante máximo do país. A partir desse instante, jurou
jamais afastar-se deste paraíso terreal, habitado por anjos reencarnados. Beato
Cândido, Deus abençoe tua perspicácia.
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