sexta-feira, 19 de setembro de 2014

OVÍDIO, O POETA ENAMORADO

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
(O texto original latino encontra-se no final desta página)
OVÍDIO, sempre o enamorado Ovídio. Escuta-o em seu estro inspirado e forte:



Eu, o poeta que escrevo enamorado, Ovídio,
eu que nasci na úmida terra dos pelignos,
estes versos compus, que assim Amor mandou:
longe de mim, longe de mim, ó vós, austeras!
Não sois a boa audiência para ternos cantos.
Leiam-me a virgem que se inflama ao ver o noivo
e o jovem que só agora conheceu o amor.
Que alguém, ferido pela mesma seta que eu,
pelos vestígios sua chama reconheça
e diga, surpreendido: "Como foi que o poeta
veio a saber destes meus casos?"

Eu ousava
-recordo-me- narrar as guerras celestiais
e Giges de cem mãos, e voz não me faltava
para dizer de como Tellus se vingou
e Pélion e Ossa vieram a cair do Olimpo.
Nuvens eu tinha em mãos, e o raio com que Júpiter
defenderia os céus.

Portas me fecha a amada:
largo Jove e seu raio, que me saem do espírito.
Perdão: não me serviam, Júpiter, teus raios.
Às meiguices voltei e às leves elegias,
que são as minhas armas, e as palavras doces
amoleceram logo a dura porta.

Os versos
fazem descer os cornos da sangrenta Lua
e recuar os corcéis do Sol, brancos de neve;
o canto esmaga a fauce aberta da serpente
e faz retroceder à fonte a água corrente.
Com os meus versos cedeu a porta; e a fechadura,
em carvalho encaixada embora, foi vencida.
Que me daria o ágil Aquiles, se o cantasse?
Que me adviria de qualquer dos dois Atridas?
Do que errou tantos anos quantos combateu,
e de Heitor que arrastaram os corcéis da Hemônia?
Mas se canto a beleza de uma terna jovem,
como preço do poema ela procura o vate:
eis uma digna recompensa. Adeus, heróis
de ilustres nomes: vossa paga não me serve.
Formosas jovens, vós porém lançai o olhar
sobre estes poemas que me dita o Amor púrpureo.


(Ovídio, Amores II, 1. In: Poesia Grega e Latina.)

Texto latino original:

Hoc quoque conposui Paelignis natus aquosis,
ille ego nequitiae Naso poeta meae.
hoc quoque iussit Amor – procul hinc, procul este, severae!
non estis teneris apta theatra modis.
me legat in sponsi facie non frigida virgo,   5
et rudis ignoto tactus amore puer;
atque aliquis iuvenum quo nunc ego saucius arcu
agnoscat flammae conscia signa suae,
miratusque diu 'quo' dicat 'ab indice doctus
conposuit casus iste poeta meos?'   10
Ausus eram, memini, caelestia dicere bella
centimanumque Gyen – et satis oris erat –
cum male se Tellus ulta est, ingestaque Olympo
ardua devexum Pelion Ossa tulit.
in manibus nimbos et cum Iove fulmen habebam,   15
quod bene pro caelo mitteret ille suo –
Clausit amica fores! ego cum Iove fulmen omisi;
excidit ingenio Iuppiter ipse meo.
Iuppiter, ignoscas! nil me tua tela iuvabant;
clausa tuo maius ianua fulmen habet.   20
blanditias elegosque levis, mea tela, resumpsi;
mollierunt duras lenia verba fores.
carmina sanguineae deducunt cornua lunae,
et revocant niveos solis euntis equos;
carmine dissiliunt abruptis faucibus angues,   25
inque suos fontes versa recurrit aqua.
carminibus cessere fores, insertaque posti,
quamvis robur erat, carmine victa sera est.
Quid mihi profuerit velox cantatus Achilles?
quid pro me Atrides alter et alter agent,   30
quique tot errando, quot bello, perdidit annos,
raptus et Haemoniis flebilis Hector equis?
at facie tenerae laudata saepe puellae,
ad vatem, pretium carminis, ipsa venit.
magna datur merces! heroum clara valete   35
nomina; non apta est gratia vestra mihi!
ad mea formosos vultus adhibete, puellae,
carmina, purpureus quae mihi dictat Amor!




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