Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Oscar - Musei Capitolini - Roma |
Era o dia da Lua (ἡμέρα
Σελήνης) nas montanhas da Macedônia, que corresponde à nossa segunda-feira.
Nicômaco toma assento na carruagem que lhe fora preparada pelos servos de
Amintas III, naquela primavera de 368 a. C. Ao lado do pai, estava o jovem
Aristóteles, ansioso para chegar à cidade de maior prestígio entre as metrópoles
da antiga Grécia. Depois de andarem por um dia e meio pelas montanhas. chegam ao mar e dirigem-se ao seu destino.
O jovem macedônio causou certo espanto entre os demais
discípulos de Patão, pois Atenas, de onde provinha a maioria dos discípulos da
Academia, era uma cidade sofisticada, até mesmo no uso da língua grega. Ora, o
jovem filho de Nicômaco falava um dialeto trácio, que o tornava estranho aos jovens estudantes, seus futuros colegas. A Trácia era uma região situada
ao norte, estando Estagira, a cidade natal de Aristóteles, situada no interior
e nas montanhas. A zombaria dos colegas seria hoje considerada como forma de bullying, não moveu o ânimo do novo acadêmico. Desde esse tempo, passou a ser motivo de chacota dos colegas.
Porém, o jovem de apenas 17 anos foi recebido com muita
gentileza pelo velho mestre Platão que já contava 60 anos. Com uma linguagem
muito macia, o velho solteirão recebeu-o com seu pai e franqueou-lhe as portas de
sua escola pelo tempo que desejasse.
Academia de Platão |
A Academia era um conjunto de construções que incluíam salas de estudo,
altares, monumentos e dependências para alojamento dos alunos. Situava-se no
sofisticado e tranquilo bairro ateniense de Kolono, no caminho de Elêusis, onde estava o
suntuoso templo da deusa Deméter, em que se faziam os ritos eleusinos de
iniciação dos jovens masculinos de dezoito anos, para o ingresso na cidadania ateniense Esses ritos eram marcados por cerimônias
secretas que introduziam o jovem à condição de cidadão ateniense. Situava-se a escola de Platão próxima do cemitério e ocupava alguns prédios públicos, como um ginásio. Outra área era de propriedade do próprio Platão.
Aristóteles, encantado com o local e com a figura do mestre, começa nesse dia uma vida
de estudos que duraria quase 20 anos. É preciso salientar que a Academia não
oferecia cursos, não dava diplomas. Era uma instituição devotada a ensinos
superiores. Não se vinha à Academia para fazer determinado curso. Não havia
carreira. O aluno entrava quando desejasse e saía quando quisesse. Cada um tinha
seu aposento. Entrava-se ali para aprender e para ensinar.
Platão - Rafael - Vaticano |
O objetivo da escola era formar uma elite intelectual.
Platão era muito rico e nada cobrava pela educação. Oferecia um projeto de
estudos escalonado e atendia individualmente cada discípulo. Porém, não
era ele o único professor. Tinha diversos outros colaboradores. Com o tempo,
passou-se a cobrar ma colaboração dos alunos que viviam na instituição. A partir
da Academia, criaram-se outras instituições de ensino em Atenas.
A família de Aristóteles era suficientemente rica para
manter o jovem na Academia pelo tempo que desejasse. Seu pai e seu tio eram
médicos da corte de Amintas III, depois de Filipe II, pai de Alexandre Magno.
Nicômaco e seu irmão faziam parte de uma família de médicos por dez gerações. Porém, o que encantou Platão em Aristóteles foi a argúcia de raciocínio e dedicação ao
estudo. Em pouco tempo, o velho pensador que já havia muito viajado pelo mundo
e estudado, especialmente com Sócrates, as principais ciências e filosofias da
época, tornaram-se grandes amigos. Essa amizade se manteve até a morte do mestre.
O grande pensador ateniense acreditava existirem três classes na
sociedade: os artífices e comerciantes, cuja virtude é a temperança; os guerreiros,
cuja virtude é a coragem e os filósofos cuja virtude é a sabedoria. Se a classe
dos filósofos governar, se a classe dos guerreiros se encarregar da defesa e a
classe dos artífices e comerciantes mantiver as duas outras classes,
existirá harmonia e equilíbrio e a justiça poderá ser alcançada. Parece que a
preocupação do pensador ateniense era manter os privilégios da elite grega que
dirigia o país.
No que diz respeito à educação, Platão começa por defender
uma sólida formação básica que evolui até elevados estudos filosóficos,
considerando que só indivíduos especialmente dotados poderiam chegar à
filosofia. Para se chegar a este nível de educação, é necessário passar por um
nível de formação básica, à qual terá dado o nome de educação preparatória.
Esta terá por função desenvolver de forma harmoniosa o espírito e o corpo.
Acusa as autoridades de Atenas de não se ocupar da educação da juventude, deixando esse papel para particulares. Preconizava a necessidade da educação pública. Segundo se ponto de vista, o ensino deveria durar 50 anos. Faz uma proposta de educação desde os três anos de idade.
Acusa as autoridades de Atenas de não se ocupar da educação da juventude, deixando esse papel para particulares. Preconizava a necessidade da educação pública. Segundo se ponto de vista, o ensino deveria durar 50 anos. Faz uma proposta de educação desde os três anos de idade.
Porém, apesar de muitas afinidades, Platão e Aristóteles tinham posições filosóficas muito
diferentes e até mesmo contrárias em muitos aspectos. O mito da caverna resume
muito bem o pensamento platônico. Em última análise acredita que o saber é
inato. Quando o indivíduo nasce já traz na alma todo o saber. Estudar, para ele,
é refletir. Buscar no espírito o que está lá desde todo sempre. Não adianta observar o mundo exterior, porque os sentidos nos
iludem.
O grande seguidor de Platão René Descartes, em seu Discurso do Método, dá o exemplo da água para provar a tese platônica. Afirma que se pusermos a mão na água fria e depois na água morna, sentiremos a água morna quente; pelo contrário, se pusermos a mão na água quente e, a seguir, na água morna, sentiremos a água morna quente. Afirma o filósofo francês que isso é uma prova de que nossos sentidos não podem ser o critério de verdade. Essa é uma prova de que nossos sentidos nos enganam. Não é prudente acreditar em quem já nos enganou alguma vez, afirma ele.
Aristóteles e seu discípulo Alexandre |
O grande seguidor de Platão René Descartes, em seu Discurso do Método, dá o exemplo da água para provar a tese platônica. Afirma que se pusermos a mão na água fria e depois na água morna, sentiremos a água morna quente; pelo contrário, se pusermos a mão na água quente e, a seguir, na água morna, sentiremos a água morna quente. Afirma o filósofo francês que isso é uma prova de que nossos sentidos não podem ser o critério de verdade. Essa é uma prova de que nossos sentidos nos enganam. Não é prudente acreditar em quem já nos enganou alguma vez, afirma ele.
Liceu de Aristóteles |
Ora, Aristóteles acreditava na tese contrária, ou seja,
que não há nenhum saber inato. Que a mente humana, no nascimento da criança,
não traz nada; é uma tabula rasa. Todo
o saber entra no intelecto pelos sentidos. O observador, analisando as coisas
concretas, passa a constatar regularidades. Essas regularidades dão origem às
teorias e a toda ciência. Quando surge um fenômeno que não se explique pelo
princípio proposto, significa que esse deve ser revisto, devendo ser proposto um
princípio mais amplo que dê conta de todos os fenômenos.
Isso, no entanto, jamais colocou os dois grandes
pensadores gregos em conflito. Tanto que, Aristóteles lecionou por muito tempo
na Academia, junto com o próprio Platão. Conta-se que, em certa ocasião, alguém, ao
observar que o jovem pensador ensinava teorias contrárias às de Platão, lhe
teria perguntado se ele era amigo do mestre. A isso teria respondido com esta
famosa sentença que se consagrou em latim: Amicus Plato,
sed magis amica veritas. Ou seja, eu sou amigo de
Platão, mas sou mais amigo da verdade.
Platão e Aristóteles - Rafael - Vaticano |
Este exemplo nos mostra o verdadeiro amadurecimento da
amizade. Além de defenderem posições filosóficas conflitantes, até mesmo na vida
pessoal eram muito diferentes: enquanto Platão era homossexual passivo assumido,
Aristóteles era heterossexual. No entanto, houve sempre um imenso respeito
mútuo. O mestre, que acolheu ao discípulo no crescimento dentro de sua própria
perspectiva, e o discípulo, que respeitou o mestre em todos os seus posicionamentos,
continuando seu discípulo e amigo até a morte do outro.
Platão, no entanto, empenhou-se em criar condições para
que a sua escola mantivesse sua linha de pensamento depois da sua morte, nomeando seu sobrinho Espeusipo para lhe
suceder após a morte. Platão morreu em 348 a.C. Com a morte do mestre,
Aristóteles retornou à Macedônia, onde se dedicou por três anos à educação do
jovem príncipe Alexandre, que seria o sucessor de Filipe II no trono de seu
país. Aos 16 anos, com a morte do pai, Alexandre assume o reino da Macedônia.
Aristóteles - Francesco Hayez |
Quando Alexandre conquista seu grande império que incluía a
Grécia, Aristóteles retorna a Atenas e constrói sua escola, o Liceu, sob o
patrocínio do discípulo. Prestigia mais as ciências naturais e aplicadas. Mudou
o processo de pesquisa que na Academia de Platão era fundamentado na reflexão e
no mundo interior.
Introduz um novo método de ensino fundado na pesquisa
prática. Lança seus alunos pelos campos e ruas à cata de material para
classificação. Eles passam a ser conhecidos como peripatéticos, nome que provém
do verbo grego περιπατέω
(peripatéo), que significa caminhar. Dá
inicio à classificação de elementos da natureza, como insetos e vegetais. Produz
um grande número de obras nas mais diversas áreas do pensamento, fundamentais
até hoje, ao lado das de Platão, ao pensamento e à ciência moderna.
Porém, os últimos anos de vida do ilustre pensador
foram tempestuosos. Ocorreu o falecimento de sua esposa Pítia. Desposou ele
então sua criada Herpilis, que lhe deu seu primeiro e único filho, Nicômaco. Com a
morte de Alexandre, o Grande, os atenienses iniciaram uma campanha de
perseguição aos macedônios. Assim, Aristóteles, que não apenas era Macedônio,
mas havia mesmo sido tutor do mais importante dos macedônios, foi vítima dela.
Em 323 a.C., obrigou-se a abandonar o Liceu, que estava no auge da produção
científica, e refugiar-se na cidade de Cálcis, onde morreu um ano depois.
Parece que a amargura por ter perdido o Liceu fê-lo deixar a existência na mais
profunda amargura.
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