OVÍDIO – O POETA QUE MORREU NO EXÍLIO – LITERATURA LATINA CLÁSSICA
ROMA - CAPITÓLIO - LA CORDONATA
"Escuta, preceptor do amor libertino:
Conduz os teus alunos ao meu templo.
Verão eles ali uma inscrição
cuja fama aos confins do universo
levou este conselho: Conhece-te a ti mesmo.
Só o homem que a fundo se conheça
pode amar sabiamente
porque é em relação às próprias forças
que mede cada empresa."
Ovídio- Arte de amar
O primeiro século da era cristã foi o período mais fecundo da literatura latina. Gerou os três poetas mais importantes de toda a cultura romana: Virgílio, Horácio e Ovídio.
Politicamente, a personagem mais destacada nesse período é o imperador Augusto. Nascido Gaius Octavius Thurinus, passando a ser Gaius Iulius Caesar Octavianus, ao ser adotado por seu tio-avô Gaius Iulius Caesar, finalmente, tornou-se o primeiro imperador romano, adotando o título de Gaius Iulius Caesar Octavianus Augustus.
Pois o papel de Augusto na literatura foi de fundamental importância. No início de sua administração de quase cinquenta anos, nomeia seu ministro da cultura Gaius Cilnius Mecenas, homem de vasta cultura e de grandes posses. Esse ilustre cidadão instituiu o costume de os homens ilustres e ricos manterem a suas expensas os artistas. Augusto, para prestigiar o mecenato, adotou o poeta Virgílio.
Acontece que os poderosos patrocinam, mas fazem suas exigências. Virgílio, apesar de genial, foi um lacaio de Augusto. Primeiramente o poeta mantuano escreve suas Geórgicas, colaborando com a campanha de levar ao campo os soldados desmobilizados das campanhas militares. Por fim, em sua magistral obra Aeneis, Eneida, a grande obra épica dos romanos, inclui uma árvore genealógica da família dos césares, que vai permitir a Augusto de intitular-se divino.
Horácio era detentor de tamanho renome que escreveu uma obra criticando seus patrocinadores, Littera ad Pisones (Carta aos Pisões), conhecida como Arte Poética, pois constitui-se um conjunto de normas para a criação literária.
Ora, Ovídio, o mais inspirado de todos os poetas romanos e o mais precioso deles, não se submete ao falso moralismo do imperador. O cruel Augusto, que não perdoaria as próprias filha e neta do exílio, jamais se apiedaria de um simples poeta. E exilou-o no Oriente Médio, a uma distância impossível de retorno nesse tempo.
POETA OVÍDIO |
Era o início da nossa era. Um édito de Augusto bane para sempre da grandiosa Roma o seu poeta mais genial, cujos versos amorosos encantavam a todos, especialmente a juventude. Porém, era, por outro lado, poeta de vasta cultura que escreveu As Metamorfoses, o poema tratado, o mais completo estudo das mitologias grega e romana produzido por escritor de seu tempo.
Veja o que diz dele e sua obra o poeta e crítico brasileiro José Paulo Paes, em artigo na Folha de São Paulo:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs190110.htm.
No ano 8 da nossa era, um édito imperial baniu para sempre de Roma o seu poeta mais festejado, aquele cujos versos galantes eram cantados em festins, rabiscados nos muros das encruzilhadas e pintados nas paredes das casas de Pompéia. Está-se falando de Públio Ovídio Nasão, autor da ``Arte de Amar'' e das ``Metamorfoses'', e último grande poeta da época de Augusto. Ele foi contemporâneo de Virgílio, Propércio, Horácio e Tibulo, e seu desaparecimento, no ano 17 d.C., assinalou o fim dessa época de ouro da literatura latina.
Ovídio morreu desterrado em Tomos, uma vila à beira do mar Negro ou Ponto Euxino, no local onde hoje se ergue a cidade de Constanza, na Rumânia. Àquela época, era uma região totalmente inóspita, de longos e rigorosos invernos, habitada por bárbaros getas e sármatas que viviam em pé de guerra contra os dominadores romanos. Longe dos belos jardins da sua mansão de Roma, afastado para sempre do aconchego de seus familiares e amigos da alta roda, o poeta lá viveu os seus últimos anos, encurtados pelas privações e provações de um modo de vida primitivo que não tardou a lhe combalir a saúde.
Até hoje permanecem obscuras as verdadeiras causas que levaram Augusto a exilar para os confins do império um poeta a quem vinha distinguindo com os seus favores e a quem acolhia em seu palácio. O pretexto para o intempestivo édito de banimento teria sido a imoralidade da "Arte de Amar", cujos conselhos de sedução amorosa induziriam seus leitores ao adultério. Isso num momento em que o todo-poderoso imperador de Roma estava empenhado, baldadamente embora, em moralizar os costumes do patriciado.
Como a "Arte" já circulava havia vários anos e não era mais imoral que outras obras livremente lidas naqueles tempos de relaxamento, aventaram-se razões agravantes para o édito. Uma delas seria Ovídio ter acobertado os amores clandestinos de uma neta do imperador, que acabou sendo também exilada pelo avô. Outra seria a malevolência de Lívia, esposa de Augusto, contra o poeta, por ele estar ligado a um círculo palaciano contrário a Tibério, filho do primeiro casamento de Lívia, a qual ambicionava para ele o trono do império.
Fossem quais fossem as razões do rancor de Augusto contra Ovídio, o certo é que nem as reiteradas súplicas do poeta, nem as de sua mulher ou de amigos seus influentes, conseguiram induzi-lo a revogar o édito ou mudar para região menos inóspita o lugar de banimento. As súplicas de Ovídio estão perpetuadas em duas coletâneas, as "Tristes" e as "Pônticas", que lhe reúnem os poemas do exílio. O lastro autobiográfico e os acentos do tocante desespero que galvanizam esses poemas dão-lhes um vigor expressivo e um interesse humano raros de encontrar-se na lírica da Antiguidade, em que o gosto da imitação e o recurso sistemático a um elenco de motivos mais ou menos fixos continham as efusões da subjetividade dentro dos quadros do convencional. Os poemas ovidianos do exílio rompem os limites desse enquadramento para fazer soar, numa antecipação de séculos, a voz do Eu romântico e pós-romântico que, no desfrute dos "seus juízos subjetivos, alegrias e admirações, dores e sensações" -a citação é de Hegel-, toma consciência de si e do seu próprio estar-no-mundo.
Para se ter uma idéia da distância que separa a arte graciosamente maliciosa e frívola dos poemas de juventude de Ovídio da dramática gravidade dos seus últimos poemas é instrutivo comparar a peça dos ``Amores'' (I: 5) com as das "Tristes" (V: 7) e das "Pônticas" (I: V) para aqui trazidas em tradução. Os "Amores", escritos quando o poeta ainda não contava 20 anos de idade, estão compostos no verso de eleição da poesia erótica latina, o chamado "dístico elegíaco", formado de dois versos de medidas diferentes. Esse verso procede da antiga poesia grega, onde era usado nas inscrições funerárias; mais tarde, desvinculou-se dessas conotações entre fúnebres e lamentosas. Estas, entretanto, vão reaparecer nos dísticos dos poemas ovidianos de exílio, a cujo tom de desalento e tristeza quadra bem o adjetivo "elegíacos".
Enquanto a peça dos "Amores" versa um tópico tradicional da lírica amorosa, qual seja a descrição dos encantos do corpo feminino, a elegia das "Tristes" mostra-nos Ovídio a fazer da poesia escrita em Tomos seu canal de comunicação com a pátria que fora forçado a abandonar para sempre; daí falar ele em "carta" logo no verso de abertura e confessar mais adiante que no "estudo", ou seja, no exercício da atividade intelectual, encontra o único lenitivo ao seu alcance: "Nos versos busco olvido das misérias que me afligem". Além da breve, mas viva descrição da aparência física e dos costumes selváticos dos bárbaros entre os quais habita, há nessa elegia um pormenor altamente expressivo da dramática do exílio: a perda progressiva da língua-mãe pelo "descostume" de usá-la; para não a perder e à falta de interlocutores, o poeta fala consigo próprio e se esforça por lembrar "palavras dessuetas" a fim de manter viva sua identidade de "poeta romano".
Se, a despeito de serem cartas versificadas, as "Tristes" se designam ainda como "elegias" por causa dos dísticos em que estão vazadas, as "Pônticas", embora compostas no mesmo tipo de verso, já se declaram "epístolas" e trazem amiúde, logo abaixo do título, o nome de seu destinatário. A que adiante se vai está endereçada a Fábio Máximo, um dos poucos amigos que permaneceu leal a Ovídio. Tanto assim que, na viagem para Tomos, acompanhou-o pessoalmente até Brindes, sem medo de comprometer-se aos olhos de Augusto pela sua lealdade ao poeta, a quem muitos outros supostos amigos voltaram as costas tão logo o viram cair em desgraça. Nessa epístola a Máximo, discute Ovídio o porquê de continuar escrevendo e justifica a espontaneidade ("Contento-me em compor o que me venha facilmente"), tanto quanto a rudez dos seus versos, pelas adversidades de sua condição de exilado, de que eles seriam o reflexo ou o homólogo fiel.
José Paulo Paes é poeta, tradutor e ensaísta, autor de ``Prosas Seguidas de Odes Mínimas'' e ``A Aventura Literária''.
Leia o poema abaixo que dá origem a todas as nossas canções de exílio. Embora tenha repetidas vezes solicitado perdão a Augusto e a revogação do édito de exílio, o imperador jamais se compadeceu dele, deixando-o morrer no Oriente.
Um poeta entre os bárbaros
JOSÉ PAULO PAES especial para a Folha
TRISTIUM
Ovidio - Libro 1
Capitolo Par. 3
Cum subit illius tristissima noctis imago,
quae mihi supremum tempus in urbe fuit,
cum repeto noctem, qua tot mihi cara reliqui,
labitur ex oculis nunc quoque gutta meis.
iam prope lux aderat, qua me discedere Caesar
finibus extremae iusserat Ausoniae.
nec spatium nec mens fuerat satis apta parandi:
torpuerant longa pectora nostra mora.
non mihi seruorum, comitis non cura legendi,
non aptae profugo uestis opisue fuit.
non aliter stupui, quam qui Iouis ignibus ictus
uiuit et est uitae nescius ipse suae.
ut tamen hanc animi nubem dolor ipse remouit,
et tandem sensus conualuere mei,
alloquor extremum maestos abiturus amicos,
qui modo de multis unus et alter erant.
uxor amans flentem flens acrius ipsa tenebat,
imbre per indignas usque cadente genas.
nata procul Libycis aberat diuersa sub oris,
nec poterat fati certior esse mei.
quocumque aspiceres, luctus gemitusque sonabant,
formaque non taciti funeris intus erat.
femina uirque meo, pueri quoque funere maerent,
inque domo lacrimas angulus omnis habet.
si licet exemplis in paruis grandibus uti,
haec facies Troiae, cum caperetur, erat.
iamque quiescebant uoces hominumque canumque
Lunaque nocturnos alta regebat equos.
hanc ego suspiciens et ad hanc Capitolia cernens,
quae nostro frustra iuncta fuere Lari,
'numina uicinis habitantia sedibus,' inquam,
'iamque oculis numquam templa uidenda meis,
dique relinquendi, quos urbs habet alta Quirini,
este salutati tempus in omne mihi.
et quamquam sero clipeum post uulnera sumo,
attamen hanc odiis exonerate fugam,
caelestique uiro, quis me deceperit error,
dicite, pro culpa ne scelus esse putet.
ut quod uos scitis, poenae quoque sentiat auctor:
placato possum non miser esse deo.'
hac prece adoraui superos ego, pluribus uxor,]
singultu medios impediente sonos.
illa etiam ante Lares passis adstrata capillis
contigit extinctos ore tremente focos,
multaque in auersos effudit uerba Penates
pro deplorato non ualitura uiro.
iamque morae spatium nox praecipitata negabat,
]uersaque ab axe suo Parrhasis Arctos erat.
quid facerem? blando patriae retinebar amore,]
ultima sed iussae nox erat illa fugae.
a! quotiens aliquo dixi properante 'quid urges?
uel quo festinas ire, uel unde, uide.'
a! quotiens certam me sum mentitus habere
horam, propositae quae foret apta uiae.
ter limen tetigi, ter sum reuocatus, et ipse
indulgens animo pes mihi tardus erat.
saepe 'uale' dicto rursus sum multa locutus,
et quasi discedens oscula summa dedi.
saepe eadem mandata dedi meque ipse fefelli,
respiciens oculis pignora cara meis.
denique 'quid propero? Scythia est, quo mittimur', inquam,
]'Roma relinquenda est, utraque iusta mora.
uxor in aeternum uiuo mihi uiua negatur,
et domus et fidae dulcia membra domus,
quosque ego dilexi fraterno more sodales,
o mihi Thesea pectora iuncta fide!
dum licet, amplectar: numquam fortasse licebit
amplius; in lucro est quae datur hora mihi.'
nec mora sermonis uerba inperfecta relinquo,
complectens animo proxima quaeque meo.
dum loquor et flemus, caelo nitidissimus alto,
stella grauis nobis, Lucifer ortus erat.
diuidor haud aliter, quam si mea membra relinquam,
et pars abrumpi corpore uisa suo est.
sic doluit Mettus tum cum in contraria uersos
ultores habuit proditionis equos.
tum uero exoritur clamor gemitusque meorum,
et feriunt maestae pectora nuda manus.
tum uero coniunx umeris abeuntis inhaerens
miscuit haec lacrimis tristia uerba suis:
'non potes auelli: simul ah! simul ibimus', inquit,
'te sequar et coniunx exulis exul ero.
et mihi facta uia est, et me capit ultima tellus:
accedam profugae sarcina parua rati.
te iubet e patria discedere Caesaris ira,
me pietas: pietas haec mihi Caesar erit.'
talia temptabat, sicut temptauerat ante,
uixque dedit uictas utilitate manus.
egredior (siue illud erat sine funere ferri?)
squalidus inmissis hirta per ora comis.
illa dolore amens tenebris narratur obortis
semianimis media procubuisse domo,
utque resurrexit foedatis puluere turpi
crinibus et gelida membra leuauit humo,
se modo, desertos modo complorasse Penates,
nomen et erepti saepe uocasse uiri,
nec gemuisse minus, quam si nataeque meumque
uidisset structos corpus habere rogos,
et uoluisse mali moriendo ponere sensum,
respectuque tamen non potuisse mei.
uiuat et absentem, quoniam sic fata tulerunt,
uiuat ut auxilio subleuet usque suo.
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OS TRISTES
Quando me vem à mente a tristíssima imagem daquela noite,
Que foi para mim o último instante na Cidade,
Quando recordo a noite em que deixei tantas coisas queridas,,
Corre ainda agora uma lágrima dos meus olhos.
Já estava próxima a luz do dia em que César tinha ordenado
Que eu me retirasse dos territórios da extrema Ausônia.
Não tinha tido nem o tempo necessário
Nem o espírito suficientemente apto para me preparar:
Meu coração se tinha entorpecido com a longa demora.
Não tive o cuidado de escolher meus escravos,
Nem de escolher um companheiro, nem a indumentária
Ou coisas necessárias a um banido. Não fiquei menos atordoado
Do que aquele que, Ferido pelos raios de Júpiter ainda vive
E está, ele mesmo, inconsciente de sua vida.
Quando, porém, a própria dor removeu esta nuvem do meu espírito,
E, finalmente, os meus sentidos se restabeleceram, falo,
Pela última vez antes de partir, aos amigos tristes ,
Que dentre muitos, há pouco tempo, eram um ou dois.
A minha afetuosa esposa chorando, abraçava-me, eu que também chorava,
Com amargura, mais ainda corriam-lhe as lágrimas copiosamente
Pelas faces não merecedoras disso.
A minha filha estava longe, afastada pelas plagas da Líbia,
Nem sequer podia saber do meu destino.
Por qualquer lugar que olhasse havia um gemido, dentro da casa,
Havia o aspecto de um sentido funeral: Mulheres, homens, crianças mesmo
Estão desolados com a minha morte, e na casa, em cada canto há uma lágrima.
Se for lícito usar de grandes exemplos em pequenas coisas,
Este é o aspecto de Troia, quando foi tomada.
E já calavam-se as vozes as vozes dos homens e dos cães,
E a alta lua dirigia os seus cavalos noturnos. olhando-a
E observando desde ela o Capitólio,
Que em vão estava junto ao nosso lar, eu exclamo:
“Ó divindades habitantes nestes lugares vizinhos e templos que jamais
Serão vistos por meus olhos, e deuses que deverão ser deixados,
Os quais possui a soberba cidade de Quirino,
Senti minha saudação para todo sempre!
E embora apanhe tarde o escudo após os ferimentos,
Contudo livrai esta fuga de ódios,
E dizei ao homem celeste (Augusto) que erro me enganou,
Para que não pense existir crime em lugar de uma simples falta,
Para que o autor do meu castigo julgue também o que vós sabeis;
Aplacado esse deus, posso não ser infeliz.”
Eu pedi aos deuses com esta prece, a minha esposa com preces mais numerosas,
Entrecortando o soluço as suas palavras pela metade.’’
Ela também prostrada ante os deuses lares
Com os cabelos desgrenhados tocou o fogo extinto com a boca trêmula,
Dirigiu aos penates adversos muitas palavras,
Que não valeriam nada em favor do seu deplorado marido.
E já a noite avançada negava o tempo para a demora,
Em a Ursa de Parrásia estava desviada de su eixo:
Que fazer? Eu era retido pelo deoce amor da pátria,
Mas aquela era última noite da fuga ordenada.
Ah! Quantas vezes eu disse quando alguém se apressava:
Por que te apressas?
Vê ou para onde te apressas a ir, ou de onde vens!
Ah! Quantas vezes fingi ter uma hora fixada,
Que fosse própria à viagem projetada.
Três vezes toquei o limiar, três vezes voltei e o próprio pé,
Indulgente para com a alma, era lento para mim.
Muitas vezes, depois de dizer adeus, falei novamente muitas coisas,
E quase saindo, Dei os derradeiros beijos.
Muitas vezes dei as mesmas ordens, e eu próprio me enganei,
Olhando com meus olhos os objetos caros.
Por fim exclamo: “Por que me apresso? Existe a Cítia para onde eu sou mandado;
Roma deve ser deixada; uma e outra demora é justa.
A esposa viva é negada para sempre a mim vivo,
E a minha casa, e os doces membros da minha fiel casa
E vós companheiros que amei de modo fraternal,
Ó corações unidos a mim pela lealdade de Teseu! Enquanto é lícito, abraçar-vos-ei: Talvez nunca mais seja lícito: a hora que me é dada é de grande proveito.
E não há demora; deixo incompletas as palavras de minha conversa,
Abraçando os que estão próximos do meu coração.
Enquanto falo e choramos, Lúcifer brilhantíssimo no alto céu,
Estrela fatal para nós, tinha surgido.
Separo-me não de outra forma que se deixasse meus membros,
E uma parte pareceu ser arrancada do seu corpo.
Assim sofreu Mécio então, quando teve como vingadores de sua traição
Os cavalos voltamos em direções contrárias.
Então sim, levantaram-se o clamor e o choro dos meus,
E as mãos aflitas ferem os peitos nus.
Então sim a minha esposa, apoiando-se nos ombros do que partia,
Misturou estas tristes palavras às minhas lágrimas:
“Não podes ser arrancado de mim! Sairemos daqui juntamente,
Ambos ao mesmo tempo; seguir-te-ei; esposa de um exilado, exilada serei.
Também para mim o caminho do exílio foi feito e a longínqua terra me recebe.
Acrescentar-me-ei como pequena bagagem à embarcação que parte.
A ira de César ordena que saias da pátria; a mim, o amor conjugal;
Este amor será César para mim.”
Tentava tais coisas, assim como tentara antes,
E na custo deu-se por vencida por causa do nosso interesse.
Saio, ou melhor, aquilo era como ser levado sem pompa,
Esquálido com os cabelos pelas faces ásperas
Afirma-se que ela louca de dor, sobrevindo as trevas,
Semimorta caiu no meio da casa.
E assim que acordou com os cabelos sujos de pó imundo
E levantou do chão os gélidos membros,
Diz-se que ela ora chorava os penates abandonados,
Ora chorava muitas vezes o nome do marido perdido.
E não chorou menos do que se tivesse visto
As fogueiras erguidas para receber o meu corpo,
E afirma-se que ela quis morrer e morrendo perder o sentimento
E não perdeu, contudo, em consideração a mim.
Que viva! E viva para que console sempre com sua ajuda
Ao marido ausente, porque assim os fados o quiseram.
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LITERATURA ALEMÃ - RAINER MARIA RILKE DEUTSCHE LITERATUR
Sie steigt vom Meer den Abenden entgegen;
von Ebenen, die fern sind und entlegen,
geht sie zum Himmel, der sie immer hat.
Und erst vom Himmel fällt sie auf die Stadt.
Regnet hernieder in den Zwitterstunden,
wenn sich nach Morgen wenden alle Gassen
und wenn die Leiber, welche nichts gefunden,
enttäuscht und traurig von einander lassen;
und wenn die Menschen, die einander hassen,
in einem Bett zusammen schlafen müssen:
dann geht die Einsamkeit mit den Flüssen…
Tradução
Solidão
A solidão é como a chuva.
Levanta-se do mar em rumo à lua;
das mais remotas planícies flutua
desejando os céus, seu lar de verdade.
E cai enfim dos céus sobre a cidade.
Chove naquelas horas oscilantes,
quando as ruas o amanhecer encaram,
e quando os corpos frios dos amantes,
tristes e desiludidos, se separam;
quando duas pessoas que brigaram
dividem uma cama contrafeitos:
é quando a solidão flui para os leitos…
Biografia
Rainer Maria Rilke nasceu em Praga, na Boémia, (actual República Checa), então pertencente ao Império Austro-Húngaro, e mudou seu nome, originalmente René, para Rainer.
Rilke fez seus estudos nas universidades de Praga, Munique e Berlim. Em 1894 fez sua primeira publicação, uma coleção de versos de amor, intitulados Vida e canções (Leben und Lieder). Não exerceu nenhuma
profissão, tendo vivido, sempre, à custa de amigas nobres.
Alguns anos depois, em 1899, Rilke viajou para a Rússia a convite de Lou Andreas-Salomé, a escritora e depois psicanalista, filha de um general russo, e que foi sua amante por longos anos. Sua passagem pela
Rússia imprimiu uma inspiração religiosa em seus poemas. Rilke passou a enxergar a natureza, dadas as dimensões e exuberância das paisagens russas, como manifestação divina presente em todas as coisas. Sobre este aspecto publicou em 1900 a coleção Histórias do bom Deus.
Em 1901 casou com Clara Westhoff, da qual logo se separou. O século XX trouxe para a poesia de Rilke um afastamento do lirismo e dos simbolistas franceses com os quais ele se identificara. Em 1905,
publicou O Livro das Horas de grande repercussão à época. Nesta obra, seus poemas já apresentavam um estilo concreto, bem característico desta sua fase.
Em 1902 foi para Paris, onde trabalhou como secretário do escultor Auguste Rodin entre 1905 a 1906. Rodin exerceu grande influência sobre o poema de Rilke, que se reflete em suas publicações de 1907 a 1908.
Quando estourou a Primeira Guerra Mundial, em 1914, Rilke morava em Munique e lá permaneceu durante todo o conflito. Antes de se mudar para Munique, ele viveu na região do Trieste e publicou, em 1913, a A vida de Maria (Das Merien Leben) e iniciou a redação de Elegias de Duíno (Duineser Elegien), texto que só viria a ser publicado em 1923. Duíno era um castelo na região de Trieste, Itália, onde Rilke morou por dois
anos antes da Guerra, a convite da princesa Maria von Thurn und Taxis.
Após o conflito na Europa, Rilke mudou-se para a Suíça, a última de suas pátrias de eleição, onde viveu seus últimos anos.
Gaius
Suetonius Tranquilus CULTURA LATINA – LATIN CULTURE SUETÔNIO - DEATH OF
NERO (text in Portuguese, Latin, English, Spanish, French and German)
A MORTE DE NERO
Suetonius Tranquilus
NERO
Entrementes, como lhe fosse anunciada, enquanto almoçava, a deserção dos
exércitos restantes, Nero rasgou a carta, virou a mesa, jogou ao chão
dois copos dos quais gostava de se servir e que chamava homéricos por
trazerem, esculpidas, cenas dos poemas de Homero; e, tendo encerrado num
cofrezinho de ouro um veneno que lhe dera Locusta, dirigiu-se para os
jardins sevilianos. Tendo daí mandado a Óstia os mais fieis libertos
para que preparassem uma frota, procurou saber se os tribunos e
centuriões do pretório queriam acompanhá-lo na fuga. Mas uns
mostraram-se hesitantes, outros recusaram-se abertamente e um deles
chegou a gritar: “É tão grande infelicidade morrer?” Nero formou então
vários projetos: apresentar-se suplicante aos persas ou a Galba, ou
aparecer em público vestido de preto e, do alto dos rostros, pedir
perdão para o seu passado em tom mais patético possível; e, se não
comovesse os corações, solicitar-lhe que lhe fosse ao menos concedida a
prefeitura do Egito. Encontrou-se, mais tarde, no seu escrínio, um
discurso preparado sobre esse assunto. Mas abandonou a ideia por receio
de ser feito em pedaços antes que chegasse ao foro. Deixou, pois, a
decisão para o dia seguinte, mas manteve-se desperto até quase meia
noite e, como o informassem de que o piquete de guardas se havia
retirado, saltou do leito e mandou buscar os seus amigos.
Visto que ninguém o atendeu, ele mesmo, com uns poucos companheiros, foi
pedir hospitalidade a cada um. Como, porém, encontrasse fechadas as
portas de todos e ninguém lhe respondesse, voltou para o seu quarto, de
onde, também, os guardas já haviam fugido, roubando até as cobertas e
levando mesmo a caixinha de veneno.
Imediatamente procurou o gladiador Epículo ou qualquer outro assassino
por cuja mão perecesse; não encontrando ninguém, disse: “Então eu não
tenho nem amigo nem inimigo?” E saiu correndo como se fosse lançar-se no
Tibre. Abandonando, porém, este primeiro impulso, desejou um
esconderijo secreto para ordenar seus pensamentos.
O liberto Faonte ofereceu-lhe sua casa de campo situada entre a via
Salária e a Nomentana, a quatro milhas de Roma; como estava descalço e
apenas de túnica, pôs por cima um pequeno manto desbotado, cobriu a
cabeça, estendeu um lenço diante do rosto e montou a cavalo acompanhado
apenas por quatro homens, entre os quais também esporo. E logo,
atemorizado por um tremor de terra e por um clarão que se fez à sua
frente, ouviu, vindo dos acampamentos próximos, o clamor dos soldados,
que elevavam votos contrários a ele e a favor de Galba.
Um dos caminhantes que encontraram diz: “Esses persegue a Nero”. E um
outro pergunta: “Há na cidade alguma novidade a respeito de Nero?” Como,
porém, o cavalo se espantasse devido ao cheiro de um cadáver lançado na
estrada, Nero descobriu o rosto, sendo reconhecido por um pretoriano
reformado, que o saudou.
Quando chegaram a um desvio, deixaram os cavalos e, caminhando pelo meio
do mato e dos espinheiros e por uma vereda margeada de caniços, Nero
chegou penosamente à parte posterior da casa, não sem ter estendido as
vestes sob os pés. Ali, como Faonte o convidasse a se esconder um
momento num buraco feito na areia, disse que não queria ir vivo para
debaixo da terra. E, detendo-se um pouco enquanto preparavam uma entrada
secreta para a casa, tirou com a mão, para beber, a água de um charco
que estava a seus pés e disse: “Eis o refresco de Nero.”
Depois, com o pequeno manto rasgado pelos espinhos e, andando de
gatinhas, pela estreita passagem que haviam cavado, recolheu-se ao
compartimento mais próximo e deitou-se num leito guarnecido de um
colchão modesto e coberto por um velho manto; e como o importunasse a
fome e, novamente, a sede, rejeitou o pão grosseiro que lhe era
ofertado, mas bebeu grande quantidade de água morna.
Então, como cada um de seus companheiros o aconselhasse, por sua vez, a
furtar-se quanto antes às injúrias que o esperavam, mandou cavar diante
dele um fosso com as dimensões de seu corpo e colocar em redor, se o
encontrassem, pedaços de mármore e trazer água e lenha para que se
cuidasse logo do cadáver.
A cada ordem, chorava e repetia, de quando em quando: “Que grande
artista vai perecer comigo.” Enquanto se demoravam nesses preparativos,
um mensageiro trouxe uma carta a Faonte. Nero tomou-a precipitadamente e
leu que o senado o considerava inimigo público e o procurava para
puni-lo segundo o costume dos antepassados; perguntou qual era o gênero
de castigo e, como fosse informado de que o condenado era despido, sua
cabeça posta numa forquilha e seu corpo fustigado com varas até a morte,
aterrorizou-se, agarrou dois punhais que trouxera consigo, experimentou
o corte de um e de outro, e novamente os guardou, pretextando que ainda
não chegara o momento fatal.
Ora incitava Esporo a começar as lamentações e prantos, ora pedia que
alguém o encorajasse, com seu exemplo, a procurar a morte; às vezes
censurava a própria fraqueza com estas palavras: “Estou me portando de
maneira vergonhosa, ignóbil; isto é indigno de Nero; é indigno; é
preciso ter coragem nessas ocasiões; vamos, levanta-te.”Mas já se
aproximavam os cavaleiros aos quais fora ordenado que o conduzissem para
Roma. Quando o percebeu, disse tremendo: “O galope dos cavalos de pés
rápidos fere meus ouvidos.” E, ajudado por Epafrodito, o encarregado dos
requerimentos, enterrou o ferro no pescoço.
Estava ainda agonizante quando um centurião entrou precipitadamente e,
fingindo que vinha em seu socorro, comprimiu a ferida com a mão. Nero
apenas respondeu: “É tarde” e “este é fiel.” A estas palavras, expirou.
Seus olhos salientes e fixos incutiam nos presentes espanto e medo. O
que primeiro e principalmente pedira aos companheiros fora que ninguém
se apossasse de sua cabeça mas, de qualquer maneira, o cadáver fosse
inteiramente queimado. Isto foi permitido por Icelo, liberto de Galba,
não muito antes libertado da prisão em que fora lançado no começo do
levante.
Os funerais de Nero custaram duzentos mil sestércios. Foi envolvido em
lençóis brancos bordados a ouro, dos quais se utilizara nas calendas de
janeiro. Suas amas Egloge e Alexandria, ajudados por Acte, sua
concubina, encerraram seus restos mortais no túmulo da família dos
Domícios, que se avista do Campo de Marte, sobre a colina dos Jardins.Há
nesse monumento um sarcófago de pórfiro encimado por um altar em
mármore de Luna e cercado por uma balaustrada em pedra de Tassos.
Nero era de estatura quase mediana, tinha o corpo cheio de manchas e
malcheiroso, o cabelo um tanto loiro, o rosto mais belo do que
agradável, os olhos azulados e lânguidos, o pescoço grosso, o abdômen
proeminente, as pernas finíssimas, a saúde excelente: conquanto
desregradíssimo, adoeceu apenas três vezes em quatorze anos e não
precisou abster-se de vinho nem dos outros costumes.
Quanto a seus hábitos e apresentação, era de tal modo ignóbil que sempre
arrumava o cabelo formando degraus e, durante sua viagem pela Acádia,
deixou-o mesmo cair por detrás da nuca; e, muitas vezes, mostrava-se em
público vestindo roupas de dormir, com um lenço amarrado ao pescoço, sem
cinto e descalço.
Gaius
Suetonius Tranquillus, De Vitis Caesarum. Nero, 47-51.
SVETONI TRANQVILII VITA NERONIS (VLVII-LI)
XLVII. Nuntiata interim etiam ceterorum exercituum defectione litteras
prandendi sibi redditas concerpserit, mensam subvertit, duos scyphos
gratissimi usus, quos Homericos a caelatura carminum Homeri vocabat,
solo inlisit ac sumpto a Lucusta veneno et in auream pyxidem condito
transiit in hortos Servilianos, ubi praemissis libertorum fidissimis
Ostiam ad classem praeparandam tribunos centurionesque praetorii de
fugae societate temptavit. 2 Sed partim tergiversantibus, partim aperte
detrectantibus, uno vero etiam proclamante: "Usque adeone mori miserum
est?" varie agitavit, Parthosne an Galbam supplex peteret, an atratus
prodiret in publicum proque rostris quanta maxima posset miseratione
veniam praeteritorum precaretur, ac ni flexisset animos, vel Aegypti
praefecturam concedi sibi oraret. Inventus est postea in scrinio eius
hac de re sermo formatus; sed deterritum putant, ne prius quam in Forum
perveniret discerperetur.
3 Sic cogitatione in posterum diem dilata ad mediam fere noctem
excitatus, ut comperit stationem militum recessisse, prosiluit e lecto
misitque circum amicos, et quia nihil a quoquam renuntiabatur, ipse cum
paucis hospitia singulorum adiit. Verum clausis omnium foribus,
respondente nullo, in cubiculum rediit, unde iam et custodes
diffugerant, direptis etiam stragulis, amota et pyxide veneni; ac statim
Spiculum murmillonem vel quemlibet alium percussorem, cuius manu
periret, requisiit et nemine reperto "Ergo ego" inquit "nec amicum
habeo, nec inimicum?" procurritque, quasi praecipitaturus se in Tiberim.
XLVIII. Sed revocato rursus impetu aliquid secretioribus latebrae ad
colligendum animum desideravit, et offerente Phaonte liberto suburbanum
suum inter Salariam et Nomentanam viam circa quartum miliarum, ut erat
nudo pede atque tunicatus, paenulam obsoleti coloris superinduit
adopertoque capite et ante faciem optento sudario equum inscendit,
quattuor solis comitantibus, inter quos et Sporus erat. 2 Statimque
tremore terrae et fulgure adverso pavefactus audiit e proximis castris
clamorem militum et sibi adversa et Galbae prospera ominantium, etiam ex
obviis viatoribus quendam dicentem: 'Hi Neronem persequuntur', alium
sciscitantem: 'Ecquid in urbe novi de nerone?' Equo autem ex odore
abiecti in via cadaveris consernato detecta facie agnitus est a quodam
missicio praetoriano et salutatus. 3 Ut ad deverticulum ventum est,
dimissis equis inter fruticeta ac vepres per harundineti semitam aegre
nec nisi strata sub pedibus veste ad aversum villae parietem evasit. Ibi
hortante eodem Phaotne, ut interim in specum egestae harenae
concederet, negavit se vivum sub terram iturum, ac parumper commoratus,
dum clandestinus ad villam introitus pararetur, aquam ex subiecta lacuna
poturus manu hausit et 'Haec est' inquit, 'Neronis decocta.' 4 Dein
divolsa sentibus paenula traiectos surculos rasit, atque ita quadripes
per angustias effossae cavernae receptus in proximam cellam decubuit
super lectum modica culcita, vetere pallio strato, instructum; fameque
et iterum siti interpellante panem quidem sordidum oblatum aspernatus
est, aquae autem tepidae aliquantum bibit.
XLIX. Tunc uno quoque hinc inde instante ut quam primum se impendentibus
contumeliis eriperet, scrobem coram fieri imperavit dimensus ad
corporis sui modulum, componique simul, si qua invenirentur, frustra
marmoris et aquam simul ac ligna conferri curando mox cadaveri, flens ad
singula atque identidem dictitans: 'Qualis artifex pereo!'. 2 Inter
moras perlatos a cursore Phaonti codicillos praeripuit legitque se
hostem a senatu iudicatum et quaeri, ut puniatur more maiorum,
interrogavitque, quale id genus esset poenae; et cum comperisset nudi
hominis cervicem inseri furcae, corpus virgis ad necem caedi,
conterritus duos pugiones, quos secum extulerat, arripuit temptataque
utriusque acie rursus condidit, causatus nondum adesse fatalem horam. 3
Ac modo Sporum hortabatur, ut lamentari ac plangere inciperet, modo
orabat, ut se aliquis ad mortem capessendam exemplo iuvaret; interdum
segnitiem suam his verbis increpabat: 'Vivo deformiter, turpiter - οὐ
πρέπει Νέρωνι, οὐ πρέπει - νήφειν δεῖ ἐν τοῖς τοιούτοις - ἄγε ἔγειρε
σεαυτόν.'. Iamque equites appropinquabant, quibus praeceptum erat, ut
vivum eum adtraherent. Quod ut sensit, trepidanter effatus: 'Ἵππων μ᾽
ὠκυπόδων ἀμφὶ κτύπος οὔατα βάλλει' ferrum iugulo adegit iuvante
Epaphrodito a libellis. 4 Semianimisque adhuc irrumpenti centurioni et
paenula ad vulnus adposita in auxilium se venisse simulanti non aliud
respondit quam 'Sero' et 'Haec est fides'. atque in ea voce defecit,
exstantibus rigentibusque oculis usque ad horrorem formidinemque
visentium. Nihil prius aut magis a comitibus exegerat quam ne potestas
cuiquam capitis sui fieret, sed ut quoquo modo totus cremaretur.
Permisit hoc Icelus, Galbae libertus, non multo ante vinculis exsolutus,
in quae primo tumultu coniectus fuerat.
L. Funeratus est impensa ducentorum milium, stragulis albis auro
intextis, quibus usus Kal. Ian. fuerat. Reliquias Egloge et Alexandria
nutrices cum Acte concubina gentili Domitiorum monirnento condiderunt
quod prospicitur e campo Martio impositum colli Hortulorum. In eo
monimento solium porphyretici marmoris, superstante Lunensi ara,
circumsaeptum est lapide Thasio.
LI. Statura fuit prope iusta, corpore maculoso et fetido, subflavo
capillo, vultu pulchro magis quam venusto, oculis caesis et
hebetioribus, cervice obesa, ventre proiecto, gracillmis cruribus,
valitudine prospera; nam qui luxuriae immoderatissimae esset, ter omnino
per quattuordecim annos languit, atque ita ut neque vino neque
consuetudine reliqua abstineret; circa cultum habitumque adeo pudendus,
ut comam semper in gradus formatam peregrinatione Achaica etiam pone
verticem summiserit ac plerumque synthesinam indutus ligato circum
collum sudario in publicum sine cinctu et discalciatus.
The
Lives of the Twelve Caesars
Nero Claudius Caesar (XLVII-LI) NERO’S DEAD
XLVII. Meanwhile, on the arrival of the news, that the rest of the
armies had declared against him, he tore to pieces the letters which
were delivered to him at dinner, overthrew the table, and dashed with
violence against the ground two favourite cups, which he called Homer's,
because some of that poet's verses were cut upon them. Then taking from
Locusta a dose of poison, which he put up in a golden box, he went into
the Servilian gardens, and thence dispatching a trusty freedman to
Ostia, with orders to make ready a fleet, he endeavoured to prevail with
some tribunes and centurions of the pretorian guards to attend him in
his flight; but part of them showing no great inclination to comply,
others absolutely refusing, and one of them crying out aloud,
Usque adeone mori miserum est?
Say, is it then so sad a thing to die? 625
he was in great perplexity whether he should submit himself to Galba, or
apply to the Parthians for protection, or else appear before the people
dressed in mourning, and, upon the rostra, in the most piteous manner,
beg pardon for his past misdemeanors, and, if he could not prevail,
request of them to grant him at least the government of Egypt. A speech
to this purpose was afterwards found in his writing-case. But it is
conjectured that he durst not venture upon this project, for fear of
being torn to pieces, before he could get to the Forum. Deferring,
therefore, his resolution until the next (376) day, he awoke about
midnight, and finding the guards withdrawn, he leaped out of bed, and
sent round for his friends. But none of them vouchsafing any message in
reply, he went with a few attendants to their houses. The doors being
every where shut, and no one giving him any answer, he returned to his
bed-chamber; whence those who had the charge of it had all now eloped;
some having gone one way, and some another, carrying off with them his
bedding and box of poison. He then endeavoured to find Spicillus, the
gladiator, or some one to kill him; but not being able to procure any
one, "What!" said he, "have I then neither friend nor foe?" and
immediately ran out, as if he would throw himself into the Tiber.
XLVIII. But this furious impulse subsiding, he wished for some place of
privacy, where he might collect his thoughts; and his freedman Phaon
offering him his country-house, between the Salarian 626 and Nomentan
627 roads, about four miles from the city, he mounted a horse, barefoot
as he was, and in his tunic, only slipping over it an old soiled cloak;
with his head muffled up, and an handkerchief before his face, and four
persons only to attend him, of whom Sporus was one. He was suddenly
struck with horror by an earthquake, and by a flash of lightning which
darted full in his face, and heard from the neighbouring camp 628 the
shouts of the soldiers, wishing his destruction, and prosperity to
Galba. He also heard a traveller they met on the road, say, "They are
(377) in pursuit of Nero:" and another ask, "Is there any news in the
city about Nero?" Uncovering his face when his horse was started by the
scent of a carcase which lay in the road, he was recognized and saluted
by an old soldier who had been discharged from the guards. When they
came to the lane which turned up to the house, they quitted their
horses, and with much difficulty he wound among bushes, and briars, and
along a track through a bed of rushes, over which they spread their
cloaks for him to walk on. Having reached a wall at the back of the
villa, Phaon advised him to hide himself awhile in a sand-pit; when he
replied, "I will not go under-ground alive." Staying there some little
time, while preparations were made for bringing him privately into the
villa, he took up some water out of a neighbouring tank in his hand, to
drink, saying, "This is Nero's distilled water." 629 Then his cloak
having been torn by the brambles, he pulled out the thorns which stuck
in it. At last, being admitted, creeping upon his hands and knees,
through a hole made for him in the wall, he lay down in the first closet
he came to, upon a miserable pallet, with an old coverlet thrown over
it; and being both hungry and thirsty, though he refused some coarse
bread that was brought him, he drank a little warm water.
XLIX. All who surrounded him now pressing him to save himself from the
indignities which were ready to befall him, he ordered a pit to be sunk
before his eyes, of the size of his body, and the bottom to be covered
with pieces of marble put together, if any could be found about the
house; and water and wood 630, to be got ready for immediate use about
his corpse; weeping at every thing that was done, and frequently saying,
"What an artist is now about to perish!" Meanwhile, letters being
brought in by a servant belonging to Phaon, he snatched them out of his
hand, and there read, "That he had been declared an enemy by the senate,
and that search was making for him, that he might be punished according
to the ancient custom of the Romans." He then inquired what kind of
punishment that was; and being told, that the (378) practice was to
strip the criminal naked, and scourge him to death, while his neck was
fastened within a forked stake, he was so terrified that he took up two
daggers which he had brought with him, and after feeling the points of
both, put them up again, saying, "The fatal hour is not yet come." One
while, he begged of Sporus to begin to wail and lament; another while,
he entreated that one of them would set him an example by killing
himself; and then again, he condemned his own want of resolution in
these words: "I yet live to my shame and disgrace: this is not becoming
for Nero: it is not becoming. Thou oughtest in such circumstances to
have a good heart: Come, then: courage, man!" 631 The horsemen who had
received orders to bring him away alive, were now approaching the house.
As soon as he heard them coming, he uttered with a trembling voice the
following verse,
Hippon m' okupodon amphi ktupos ouata ballei; 632
The noise of swift-heel'd steeds assails my ears;
he drove a dagger into his throat, being assisted in the act by
Epaphroditus, his secretary. A centurion bursting in just as he was
half-dead, and applying his cloak to the wound, pretending that he was
come to his assistance, he made no other reply but this, "'Tis too
late;" and "Is this your loyalty?" Immediately after pronouncing these
words, he expired, with his eyes fixed and starting out of his head, to
the terror of all who beheld him. He had requested of his attendants, as
the most essential favour, that they would let no one have his head,
but that by all means his body might be burnt entire. And this, Icelus,
Galba's freedman, granted. He had but a little before been discharged
from the prison into which he had been thrown, when the disturbances
first broke out.
L. The expenses of his funeral amounted to two hundred thousand
sesterces; the bed upon which his body was carried to the pile and
burnt, being covered with the white robes, interwoven with gold, which
he had worn upon the calends of January preceding. His nurses, Ecloge
and Alexandra, with his concubine Acte, deposited his remains in the
tomb belonging (379) to the family of the Domitii, which stands upon the
top of the Hill of the Gardens 633, and is to be seen from the Campus
Martius. In that monument, a coffin of porphyry, with an altar of marble
of Luna over it, is enclosed by a wall built of stone brought from
Thasos. 634
LI. In stature he was a little below the common height; his skin was
foul and spotted; his hair inclined to yellow; his features were
agreeable, rather than handsome; his eyes grey and dull, his neck was
thick, his belly prominent, his legs very slender, his constitution
sound. For, though excessively luxurious in his mode of living, he had,
in the course of fourteen years, only three fits of sickness; which were
so slight, that he neither forbore the use of wine, nor made any
alteration in his usual diet. In his dress, and the care of his person,
he was so careless, that he had his hair cut in rings, one above
another; and when in Achaia, he let it grow long behind; and he
generally appeared in public in the loose dress which he used at table,
with a handkerchief about his neck, and without either a girdle or
shoes.
LA
MUERTE DE NERÓN CLAUDIO
XLVII. Se difundió, entre tanto, el rumor de haberse sublevado también
los demás ejércitos, y enfurecido rasgó las cartas que le trajeron
durante la comida, derribó la mesa, rompió contra el suelo dos vasos,
que llamaba homéricos por estar esculpidos en ellos asuntos tomados de
los poemas épicos de Homero y a los que tenía en gran estima; acto
seguido hizo que Locusta le diese veneno, lo encerró en una caja de oro y
marchó a los jardines de Servilio. Una vez allí, mientras sus libertos
más fieles iban a Ostia para disponer naves, trató de conseguir que los
tribunos y centuriones del Pretorio le acompañasen en su fuga; unos se
excusaron y otros se negaron abiertamente, llegando uno a decirle:
¿Tanta desgracia es morir?
Concibió entonces diferentes proyectos; pensó en huir al territorio de
los partos, ir a arrojarse a las plantas de Galba, pensó también en
presentarse públicamente en la tribuna de las arengas con traje de luto y
pedir allí, con el acento más lastimero posible, que le perdonasen el
pasado, o sí los corazones permanecían insensibles, que le concediesen
al menos la prefectura de Egipto (148). Entre sus papeles se encontró
después el discurso que había compuesto para este objeto, y se asegura
que el único motivo que le impidió pronunciarlo fue el temor de que lo
despedazasen antes de llegar al Foro. Aplazó entonces para la mañana
siguiente el tomar una decisión, pero habiendo despertado a medianoche
se enteró de que le habían abandonado sus guardias. Salto del lecho y
envió aviso a casa de todos sus amigos; no recibió contestación, y fue
entonces con reducido séquito a pedir refugio a algunos de ellos. Todas
las puertas permanecieron cerradas y nadie le contestó. Regresó entonces
a su cámara: los centinelas habían huido, llevándose hasta las ropas de
su lecho y la caja de oro en que tenía guardado el veneno. Pidió en
seguida que le llevasen al gladiador Spículo u otro cualquiera para que
le diesen muerte, y no encontrando a nadie que quisiese matarle,
exclamó: ¿Acaso no tengo amigos ni enemigos?. Y corrió a precipitarse al
Tíber.
XLVIII. A pesar de todo, se detuvo y buscó un refugio para meditar lo
que podía hacer. Su liberto Faón le ofreció su casa de campo, situada
entre la vía Salaria y la Nomentana, a cuatro millas de Roma. Vestido
con la túnica y los pies desnudos como se encontraba, montó a caballo;
iba envuelto en un manto viejo y desteñido; llevaba la cabeza cubierta y
un pañuelo delante del rostro; acompañábanle cuatro personas, entre
ellas Sporo. En cierto momento, sintió temblar la tierra, rasgó un
relámpago la tiniebla y le invadió el terror; al pasar cerca del
campamento de los pretorianos, oyó los gritos de los soldados que le
lanzaban imprecaciones y hacían votos por Galba. Un viajero, al ver el
pequeño grupo, dijo: Estos persiguen a Nerón. Otro preguntó: ¿Qué hay de
nuevo en Roma, con respecto a Nerón? El hedor de un cadáver abandonado
en el camino hizo retroceder a su caballo; le cayó el pañuelo con que se
ocultaba el rostro, y un veterano pretoriano le reconoció y le saludo
por su nombre; llegado a un camino de traviesa, despidió los caballos,
penetró entre abrojos y espinas, en un sendero cubierto de zarzas en el
que no podía avanzar más que haciendo tender ropas bajos sus pies, y
llegó así con gran trabajo a las tapias de la casa de campo en una
cantera de la que habían sacado arena, pero él replicó que no quería
enterrarse vivo, y habiéndose detenido para esperar que abriesen la
entrada secreta de la casa, cogió en la mano agua de una charca, y dijo
antes de beberla: He aquí los refrescos de Nerón. Comenzó después a
arrancar las zarzas que se habían enredado en su manto, y hecho esto,
por un agujero abierto debajo de la tapia, fue arrastrándose sobre las
manos, hasta la habitación más próxima, en la que se acostó sobre un
jergón cubierto con una vieja manta. Atormentábale de cuando en cuando
el hambre y la sed, y le ofrecieron pan de mala calidad, que rehusó, y
agua templada, de la que bebió una poca.
XLIX Instábanle cuantos le acompañaban a que se substrajese sin tardanza
a los ultrajes que le amenazaban. y pidió que abriesen un foso delante
de él, a la medida de su cuerpo, que lo rodeasen con algunos pedazos de
mármol, si se encontraban, y que llevasen agua y leña para tributar los
últimos honores a su cadáver; a cada orden que daba se ponía a llorar, y
repetía sin cesar: ¡Qué muerte para tan grande artista! En medio de
estos preparativos, llegó un correo a entregarle una carta de Faón; la
cogió y leyó en ella que el Senado le había declarado enemigo de la
patria, y le hacía buscar para castigarle de acuerdo con las leves
antiguas. Preguntó en qué consistía este suplicio, y le contestaron que
en desnudar al criminal, sujetarle el cuello en una horqueta y azotarlo
con varas hasta hacerle morir. Aterrado, cogió entonces dos puñales que
había llevado consigo, probó la punta y volvió a envainarlos, diciendo
que no había llegado aún la hora fatal. Unas veces exhortaba a Sporo a
lamentarse y llorar con él; otras pedía que alguno se matase, para, con
su ejemplo, darle valor para morir. También a veces se censuraba su
cobardía, diciéndose: Arrastro una vida vergonzosa y miserable, y añadía
en griego: Esto no es propio de Nerón; esto no le es propio; en tales
momentos es necesario decidirse; vamos, despierta. Acercábanse ya los
jinetes que tenían orden de cogerle vivo, y cuando los oyó, recitó
temblando este verso griego:
Oigo el paso veloz de animosos corceles.
y se clavó en seguida el hierro en la garganta, ayudado por su
secretario Epafrodio. Respiraba aún cuando entró el centurión; quiso
vendarle la herida, fingiendo que llegaba para socorrerle, y Nerón le
dijo: Es tarde; y añadió: ¡cuánta fidelidad! Al pronunciar estas
palabras expiró con los ojos abiertos y fijos, despertando espanto y
horror en todos los que le contemplaban. Había recomendado con vivas
instancias a sus compañeros de fuga que no abandonasen su cabeza a
nadie, y que fuese como fuese, le quemasen entero. Icelo, liberto de
Galba, que acababa de salir del encierro donde le arrojaron al comenzar
la insurrección, concedió la autorización para hacerlo.
L. Los funerales de Nerón costaron doscientos mil sestercios; emplearon
en ellos tapices blancos bordados de oro, de que se había servido el día
de las calendas de enero. Sus nodrizas Eclogea y Alejandra, con su
concubina Actea, depositaron sus restos en la tumba de Domicio, que se
ve en el campo de Marte, sobre la colina de los jardines. El monumento
es de pórfido, y está coronado por un altar de mármol de Luna y lo
circunda una balaustrada de mármol de Paros.
LI. Era de mediana estatura; tenía el cuerpo cubierto de manchas, y
hedía; los cabellos eran rubios, la faz más bella que agradable; los
ojos azules, y la vista débil; robusto el cuello, el vientre abultado,
las piernas sumamente delgadas y el temperamento vigoroso. A pesar de
sus desenfrenados excesos, sólo se encontró indispuesto tres veces en el
espacio de catorce años, y en ellas ni siquiera tuvo que abstenerse del
vino, ni que variar nada de sus costumbres. No cuidaba del traje ni
apostura, y durante su permanencia en Acaya, se le vio dejar caer por
detrás el cabello, que llevaba siempre rizado en bucles simétricos; se
presentó muchas veces en público con trajes de festín, un pañuelo en
torno al cuello, sin cinturón y descalzo.
LA
MORT DE NÉRON
XLVII. Révolte des autres armées. Néron est abandonné par tout le monde.
(1) Bientôt on lui annonça la défection des autres armées. Il déchira la
lettre qu'on lui remit pendant son dîner, renversa la table, brisa
contre terre deux vases dont il aimait à se servir, et qu'il appelait
homériques, parce qu'on y avait sculpté des sujets tirés d'Homère; puis
il se fit donner du poison par Locuste, le mit dans une botte d'or, et
passa dans les jardins de Servilius. Là, il envoya à Ostie ses plus
fidèles affranchis pour y préparer une flotte, et voulut engager les
tribuns et les centurions du prétoire à l'accompagner dans sa fuite. (2)
Mais les uns hésitèrent, les autres refusèrent sans détour. L'un d'eux
s'écria même: "Est-ce un si grand malheur que de cesser de vivre?" Alors
il délibéra s'il se retirerait chez les Parthes, s'il irait se jeter
aux pieds de Galba, ou s'il paraîtrait en public avec des habits de
deuil pour demander du haut de la tribune aux harangues, de la voix la
plus lamentable, qu'on lui pardonnât son passé. Il espérait, s'il ne
parvenait à toucher les coeurs, obtenir du moins le gouvernement de
l'Égypte. (3) On trouva même dans son écritoire un discours sur ce
sujet. Mais il fut détourné, dit-on, de ce dessein, par la crainte
d'être mis en pièces avant d'arriver au Forum. (4) Il remit donc au
lendemain à prendre un parti. Réveillé vers minuit, il s'aperçut que ses
gardes l'avaient abandonné. Il sauta de son lit et envoya chercher ses
amis. Mais, n'en recevant aucune réponse, il alla lui-même avec peu de
monde se présenter chez eux. (5) Il trouva toutes les portes fermées, et
personne ne lui répondit. Il revint dans sa chambre: les sentinelles
avaient pris la fuite en emportant jusqu'à ses couvertures et la boîte
d'or où était le poison. Il demanda aussitôt le gladiateur Spiculus ou
quelque autre qui voulut l'égorger. Mais, ne trouvant personne: "Je n'ai
donc, dit-il, ni amis, ni ennemis," et il courut comme s'il allait se
précipiter dans le Tibre.
XLVIII. Il fuit avec quatre personnes. Incident de cette fuite
(1) Revenu de ce premier mouvement, il chercha quelque retraite obscure
pour reprendre ses esprits. Phaon, son affranchi, lui offrit sa villa
située vers le quatrième milliaire, entre la voie Salaria et la voie
Nomentane. Il monta à cheval, pieds nus et en tunique, comme il était,
enveloppé d'une casaque usée, la tête couverte et un voile sur le
visage, n'ayant pour suite que quatre personnes parmi lesquelles était
Sporus. (2) Un tremblement de terre et un éclair le glacèrent d'effroi.
Du camp voisin il entendit les cris des soldats qui faisaient des
imprécations contre lui et des voeux pour Galba. Un des passants qu'on
rencontra se mit à dire: "Voilà des gens qui poursuivent Néron." Un
autre demanda: "Que dit-on à Rome de Néron?" (3) Son cheval s'étant
effarouché de l'odeur d'un cadavre abandonné sur la route, il découvrit
son visage et fut reconnu par un ancien soldat prétorien qui le salua.
(4) Arrivé à la traverse, il renvoya les chevaux et s'avança avec tant
de peine à travers des taillis et des buissons dans un sentier planté de
roseaux, que, pour parvenir derrière la maison de campagne, il fut
obligé de mettre son vêtement sous ses pieds. (5) Phaon lui conseilla de
se retirer dans une carrière d'où l'on avait extrait du sable; mais il
répondit qu'il ne voulait pas s'enterrer tout vif. En attendant qu'on
trouvât le moyen de pratiquer une entrée secrète dans cette villa, il
puisa de l'eau d'une mare dans le creux de sa main et la but en disant:
"Voilà donc les rafraîchissements de Néron." (6) Puis il se mit à
arracher les ronces dont sa casaque était percée. Enfin il se traîna sur
les mains par une ouverture étroite jusque dans la chambre la plus
voisine où il se coucha sur un lit garni d'un mauvais matelas et d'un
vieux manteau pour couverture. Quoique tourmenté par la faim et la soif,
il refusa le pain grossier qu'on lui présentait, et ne but qu'un peu
d'eau tiède.
XLIX. Ses derniers moments. Ses hésitations. Sa lâcheté. Sa mort
(1) Cependant on le pressait de tous côtés de se soustraire le plus tôt
possible aux outrages qui le menaçaient. Il fit donc creuser devant lui
une fosse à la mesure de son corps, voulut qu'on l'entourât de quelques
morceaux de marbre, si l'on en trouvait, et qu'on apportât de l'eau et
du bois pour rendre les derniers devoirs à ses restes. Chacun de ces
préparatifs lui arrachait des larmes, et il répétait de temps en temps:
"Quel artiste va périr!" (2) Au milieu de tous ces délais, un coureur
remit un billet à Phaon. Néron s'en saisit, et y lut que le sénat
l'avait déclaré ennemi public, et qu'on le cherchait pour le punir selon
les lois des anciens. Il demanda quel était ce supplice. On lui dit
qu'on dépouillait le coupable, qu'on lui passait le cou dans une
fourche, et qu'on le battait de verges jusqu'à la mort. Épouvanté, il
saisit deux poignards qu'il avait sur lui, en essaya la pointe, et les
remit dans leur gaine en disant que son heure fatale n'était pas encore
venue. (3) Tantôt il engageait Sporus à entonner les lamentations et à
commencer les pleurs, tantôt il demandait que quelqu'un lui donnât
l'exemple de se tuer; quelquefois enfin il se reprochait sa lâcheté en
ces termes: "Ma vie est honteuse et infâme. Cela ne sied pas à Néron,
non. Il faut être sage dans de pareils moments. Allons,
réveillons-nous." (4) Déjà approchaient les cavaliers qui avaient ordre
de l'amener vivant. Dès qu'il les entendit, il prononça en tremblant ce
vers grec: "Le galop des coursiers résonne à mes oreilles."; puis il
s'enfonça le fer dans la gorge, aidé par son secrétaire, Épaphrodite.
(6) Il respirait encore lorsqu'un centurion entra. Feignant d'être venu à
son secours, il appliqua sa casaque sur la blessure. Néron ne lui dit
que ces mots: "Il est trop tard", et ceux-ci: "Voilà donc la fidélité!".
(7) Il mourut en les prononçant. Ses yeux étaient hors de sa tête, et
leur fixité saisissait d'horreur et d'effroi tous les spectateurs. (8)
Il avait surtout expressément recommandé à ses compagnons qu'on
n'abandonnât sa tête à personne, mais qu'on le brûlât tout entier, de
quelque manière que ce fût. (9) Ils obtinrent cette grâce d'Icelus,
affranchi de Galba, qui venait d'être délivré de la prison où on l'avait
jeté au commencement de l'insurrection.
L. Ses funérailles
(1) Ses funérailles coûtèrent deux cent mille sesterces. On se servit
pour l'ensevelir d'une étoffe blanche brodée d'or, qu'il avait portée
aux calendes de janvier. (2) Ses nourrices Eglogé et Alexandra, avec sa
concubine Acté, déposèrent ses restes dans le monument des Domitii, que
l'on aperçoit du Champ de Mars, au-dessus de la colline des Jardins.(3)
La tombe est de porphyre; elle porte un autel de marbre de Luna, et est
entourée d'une balustrade en marbre de Thasos.
LI. Son portrait
(1) Néron avait une taille ordinaire. Son corps était hideux et couvert
de taches, sa chevelure blonde, sa figure plutôt belle qu'agréable, ses
yeux bleus et faibles, le cou fort, le ventre gros, les jambes grêles,
le tempérament vigoureux. Malgré l'excès de ses débauches, il ne fut
malade que trois fois en quatorze ans; encore ne le fut-il pas au point
d'être obligé de s'abstenir de vin, ou de rien changer à ses habitudes.
(2) Il avait si peu de décence et de tenue, que, dans son voyage en
Grèce, il laissa retomber derrière sa tête ses cheveux, qui d'ailleurs
étaient toujours disposés en étages, et que souvent il parut en public
vêtu d'une espèce de robe de chambre, un mouchoir autour du cou, sans
ceinture ni chaussures.
Der
Tod Neros - Sueton
47.Als inzwischen die Nachricht anlangte, dass auch die übrigen Heere
ihren Abfall erklärt hätten, riss er die Depeschen, welche ihm beim
Frühmahl übergeben worden waren, in kleine Stücke, stieß den Tisch um,
schmetterte zwei ihm besonders werte Mundbecher, die er die homerischen
zu nennen pflegte, weil auf ihnen Szenen aus Homers Gedichten abgebildet
waren, gegen den Fußboden und begab sich dann, nachdem er sich von der
Lucusta Gift hatte reichen lassen, das er in ein goldenes Büchschen
tat, in die Servilianischen Gärten. Von hier sandte er seine treuesten
Freigelassenen nach Ostia voraus, um die Flotte segelfertig zu machen,
und versuchte dann die Tribunen und Centurionen seiner Leibwache zu
bereden, ihn auf seiner Flucht zu begleiten. Als sie aber teils
Ausflüchte machten, teils sich offen weigerten und einer sogar laut
ausrief: “Ist denn Sterben so gar was Entsetzliches?" da schwankte er
zwischen den verschiedensten Plänen hin und her: ob er sich an die
Parther oder an Galba als Schutzsuchender wenden, ob er in
Trauerkleidern aufs Forum gehen und von der Rednerbühne herab mit allen
ihm zu Gebote stehenden Mitteln der Rührung Verzeihung für sein
vergangenes Leben erflehen und, falls er keinen Eindruck gemacht haben
würde, wenigstens um Bewilligung der Statthalterschaft von Agypten
bitten solle. Es fand sich später in seinem Schreibpult wirklich ein
vollkommen ausgearbeiteter Vortrag über diesen Gegenstand. Allein er
stand von seinem Vorhaben ab; wie man glaubt, weil er fürchtete, das
Volk möchte ihn, ehe er noch das Forum erreiche, in Stücke reißen. So
verschob er denn die weitere Überlegung auf den folgenden Tag, wurde
aber gegen Mitternacht aus dem Schlaf aufgestört und sprang, als er
erfuhr, die diensthabende Soldatenabteilung sei abgezogen, aus dem Bett
auf und schickte nach seinen Freunden. Und weil er von keinem einzigen
eine Antwort erhielt, machte er sich selbst mit wenigen Begleitern nach
den Wohngemächern der einzelnen auf. Da er aber aller Türen verschlossen
fand und keiner Antwort auf sein Rufen gab, kehrte er in sein
Schlafgemach zurück, wo bereits auch die Kämmerlinge entflohen waren,
nachdem sie die Polsterbezüge geraubt, ja sogar das Büchschen mit Gift
beiseite gebracht hatten. Sofort befahl er, den Gladiator Spiculus oder
den ersten besten geschickten Fechter herbeizurufen, um sich von dessen
Hand den Tod geben zu lassen. Und da man keinen fand, rannte er mit dem
Ausruf: „So habe ich denn weder einen Freund noch einen Feind!" aus dem
Palast, wie wenn er sich in den Tiber stürzen wollte.
48. Indessen besann er sich ebenso plötzlich wieder eines ändern und
sprach den Wunsch aus nach irgendeinem möglichst versteckten
Schlupfwinkel, um sich daselbst wieder zu sammeln. Und da ihm der
Freigelassene Phaon sein in der Nähe der Stadt zwischen der Salarischen
und Nomentanischen Straße, etwa vier Meilen von der Stadt gelegenes
Landgut anbot, so warf er, in bloßen Füßen und nur mit der Tunika
bekleidet, wie er war, einen alten verschossenen Mantel über, zog die
Kapuze über den Kopf, bedeckte das Gesicht mit einem Schweißtuch und
schwang sich auf ein Pferd, mit nur vier Begleitern, unter denen sich
auch Sporus befand. Bald darauf, noch ganz entsetzt durch ein Erdbeben
und einen vor seinen Augen niederfahrenden Blitzstrahl, hörte er von dem
nahen Lager her das Geschrei der Soldaten, die jene Vorzeichen ihm zum
Unheil und dem Galba zum Heil auslegten, dazu auch, wie von einer ihnen
begegnenden Gruppe von Reisenden einer sagte: „Die da setzen dem Nero
nach!", während ein anderer die Frage an die Reiter richtete: „Was
gibt's in der Stadt Neues von Nero?" Da scheute sein Pferd vor dem
Gestank eines auf der Landstraße liegenden Leichnams, das Schweißtuch
fiel von seinem Gesicht, und er wurde von einem ausgedienten Prätorianer
erkannt und begrüßt. Als man an einem Seitenpfad ankam, stieg er ab,
ließ die Pferde laufen und gelangte durch Buschwerk und Dorngestrüpp auf
einem durch ein Röhricht gehenden Fußpfad mit großer Mühe und nur,
indem man durch untergebreitete Kleidungsstücke den Weg für seine
nackten Füße gangbar machte, endlich zu der hinteren Mauerseite der
Villa. Hier bat ihn Phaon, sich einstweilen in eine Sandgrube zu
begeben, worauf er zur Antwort gab, er wolle nicht bei lebendigem Leib
unter die Erde gehen! Nach einigem Verweilen, währenddessen man einen
heimlichen Eingang in die Villa für ihn zu bereiten suchte, schöpfte er,
um seinen Durst zu stillen, Wasser mit der Hand aus einer nahebei
gelegenen Lache, indem er sprach: „Dies ist Neros Kühltrank!" Dann zog
er, da sein Mantel von Dornen zerrissen war, die durch diesen gegangenen
und steckengebliebenen Spitzen einzeln aus und gelangte so, auf allen
vieren durch ein enges, ausgegrabenes Loch sich zwängend, in die nächste
Zelle, wo er sich auf ein Lager warf, das mit einem ärmlichen Polster
und statt der Decke mit einem alten Mantel versehen war; und da ihn nun
Hunger und Durst ankamen, verschmähte er zwar das ihm gebotene schwarze
Brot, trank dagegen des lauen Wassers eine ganze Menge.
49. Da jetzt seine Begleiter wiederholt in ihn drangen, sich der ihm
drohenden schimpflichen Behandlung baldmöglichst zu entziehen, befahl
er, vor seinen Augen ein Grab zu graben, wozu er selbst das Maß seines
Leibes gab, und womöglich ein paar Stücke Marmor zusammenzustellen,
desgleichen Wasser und Kleinholz herbeizuschaffen, um seinem Leichnam
sofort die letzte Wohltat zu erweisen, und begleitete alle diese
Anordnungen mit Tränengüssen, indem er dabei zu wiederholten Malen
ausrief: „Welch ein Künstler stirbt in mir!" Während er so die
Augenblicke hinzögerte, kam ein Kurier Phaons mit Briefschaften an. Er
riss sie ihm aus der Hand und las, dass er vom Senat in die Acht erklärt
sei und dass man ihn aufsuche, um an ihm die Strafe nach der Vorfahren
Weise zu vollziehen. Er fragte, was das für eine Strafe sei. Und als er
hörte, der Mensch werde dabei nackt mit dem Hals in eine Strafgabel
geschlossen und der Leib mit Ruten zu Tode gehauen, ergriff er entsetzt
zwei Dolche, die er mit herausgenommen hatte, prüfte die Spitze beider
und - steckte sie dann wieder ein, indem er bemerkte, noch sei die
Schicksalsstunde nicht gekommen. Dann forderte er mehrmals den Sporus
auf, die Totenklage und das Wehegeschrei um ihn anzustimmen; dann bat er
wieder, es möchte doch irgendeiner ihm zum Selbstmord durch sein
Beispiel behilflich sein. Zuweilen schalt er auf sein feiges Zaudern mit
den Worten: „Was ist dies für ein scheußliches und schmähliches Leben!
Es ziemt einem Nero nicht, ziemt ihm nicht! In solcher Lage gilt's
besonnen zu sein; auf, ermanne dich!" Siehe, da sprengten schon die
Reiter heran, denen befohlen war, ihn lebendig zu fangen. Als er es
bemerkte, rezitierte er in Todesangst den homerischen Vers: Donnernd
schallt mir zu Ohren der Hufschlag eilender Rosse!309 und drückte sich
den Stahl in die Kehle, wobei ihm Epaphroditus, sein Kabinettssekretär,
die Hand führte. Halbentseelt vermochte er dem hereinstürzenden
Centurio, der seinen Mantel auf die Wunde drückte, um ihn glauben zu
machen, dass er ihm zu Hilfe gekommen sei, nur noch die Worte zu
entgegnen: „Zu spät!" und „Das ist Treue!" Mit diesem Ruf hauchte er
seine Seele aus, während ihm zum schaudernden Entsetzen der Umstehenden
die Augen weitgeöffnet aus den Höhlen traten. Vor allem und am
dringendsten hatte er von seinen Begleitern das Versprechen erbeten,
dass sie niemand gestatten sollten, ihm den Kopf abzuschneiden, sondern
dass sie ihn unter allen Umständen un-verstümmelt verbrennen möchten.
Dies bewilligte Icelus, Galbas Freigelassener, der selbst eben erst aus
dem Gefängnis befreit worden war, in das man ihn beim Beginn des
Aufruhrs geworfen hatte.
50. Die Kosten seiner Bestattung betrugen zweihunderttausend Sesterze;
man brauchte dabei die weißen goldgestickten Teppiche, deren er sich am
1. Januar bedient hatte. Seine Gebeine bestatteten Ecloge und
Alexandria, seine Ammen, gemeinschaftlich mit Acte, seiner Konkubine, in
dem Erbbegräbnis des Geschlechts der Domitier, das man vom Marsfeld aus
hoch oben auf dem Gartenhügel gewahrt. In diesem Erbbegräbnis steht ein
Sarkophag von Porphyrmarmor, darüber ein Altar von lunesischem Marmor,
das Ganze eingefasst mit einer Balustrade von thasischem Stein.
51. Seine Gestellt war von fast mittlerer Mannesgröße, sein Körper mit
Flecken bedeckt und übelriechend, das Haar hellblond, sein Gesicht mehr
schöngebildet als anmutig, die Augen blau und sehr schwach, der Nacken
übermäßig fett, der Bauch stark vortretend, die Schenkel über aus dünn,
seine Gesundheit dauerhaft. Denn obwohl er der unmäßigste Schwelger war,
ist er doch nur dreimal während voller vierzehn Jahre krank gewesen,
und zwar ohne dass er dabei den Weingenuss oder seine übrige
Lebensgewohnheit aufgegeben hätte In seiner Toilette und in seiner
Haltung war er so schamlos, dass er nicht nur das Haar immer in
stufenweise geordneten Locken frisiert trug, sondern es auf seiner
achäischen Rundreise sogar auf die Schulter hinabwallen ließ und dass er
sehr häufig im leichten Nachtkleid, ein Schweißtuch um den Mals
geschlungen, ungegürtet und unbeschuht sich öffentlich zeigte.
ESCRITORES ÁRABES - GIBRAN KHALIL GIBRAN
GIBRAN KHALIL GIBRAN (جبران خليل جبران بن ميکائيل بن سعد; em siríaco).
(Grande parte dos dados aqui apresentados foram extraídos do blog de
Michele Christine).
Foi um pensador libanês. Nasceu na cidade dos cedros, Besharre
(Bsharri), em 06 de dezembro de 1.883, nas montanhas ao norte do Líbano.
A pequena aldeia de Besharre, no Líbano, é tida como guardiã dos cedros
sagrados do Líbano e, segundo nos conta a história, foi de lá que o rei
Salomão obteve a madeira para construir o Templo de Jerusalém. A aldeia
também se situa nas proximidades das ruínas de Baalbeck, considerada
uma das cidades mais antigas do mundo.
Próxima a Besharre estende-se a cidade de Caná, onde Jesus realizou o
milagre da transformação da água em vinho. Foi nesse ambiente histórico
repleto de referências religiosas importantes que nasceu Gibran Khalil
Gibran, no ano de 1883. Além de ser considerado um dos artistas mais
importantes do Líbano, seu nome é respeitado em todo o mundo pela
profundidade mística de sua obra, composta de vários livros e pinturas.
Sua principal criação, o livro O Profeta, traduzido para mais de 30
idiomas e ainda hoje um dos maiores best-sellers em todo o planeta, teve
grande influência na vida de milhões de pessoas, independentemente de
seus credos religiosos e tendências espirituais.
Era apaixonado pela natureza. Nascera muito próximo da floresta de
cedros milenares. Conta-se que, aos oito anos, quando passava por sua
aldeia um grande vendaval, o menino fascinado pela natureza em fúria,
abre a porta e sai a correr com os ventos.
Quando a mãe, apavorada, o alcança e repreende, ele lhe responde com
todo o ardor de suas paixões nascentes: “Mas, mamãe, eu gosto das
tempestades. Gosto delas. Gosto!” (Um de seus livros em árabe seria
intitulado ‘Temporais’).
1894 – Emigra para os Estados Unidos, com a mãe, o irmão Pedro e as duas
irmãs Mariana e Sultane. Vão morar em Boston. O pai permanece em
Bicharre.
1898/1902 – Vota ao Líbano para completar seus estudos árabes.
Matricula-se no Colégio da Sabedoria, em Beirute. Ao diretor, que
procurava acalmar sua ambição impaciente, dizendo-lhe que uma escada
deve ser galgada degrau por degrau, Gibran retrucou: “Mas as águias não
usam escadas!”
1905/1920 – Gibran escreve quase que exclusivamente em árabe e publica
sete livros nessa língua: A Música; As Ninfas do Vale; Espíritos
Rebeldes; Asas Partidas; Uma Lágrima e um Sorriso; A Procissão;
Temporais. Após sua morte, seria publicado um oitavo livro, sob o título
de Curiosidades e Belezas, composto de artigos e histórias já
aparecidas em outros livros e de algumas páginas inéditas.
1908/1910 – Em Paris. Estuda na Académie Julien. Trabalha
freneticamente. Frequenta museus, exposições, bibliotecas. Conhece
Auguste Rodin. Uma de suas telas é escolhida para a Exposição das
Belas-Artes de 1910. Nesse ínterim, morrem seu pai e sua irmã Sultane.
Ele volta a Boston e, no mesmo ano, muda-se para Nova York, onde
permanecerá até o fim da vida.
Mora só, num apartamento sóbrio que ele e seus amigos chamam As-Saumaa
(O Eremitério). Mariana, sua irmã, permanece em Boston. Em Nova York,
Gibran reúne em volta de si uma plêiade de escritores libaneses e sírios
que, embora estabelecidos nos Estados Unidos, escrevem em árabe com
idênticos anseios de renovação. O grupo forma uma academia literária que
se intitula Ar-Rabita Al-Kalamia (A Liga Literária), e que muito
contribuiu para o renascimento das letras árabes. Seus porta-vozes
foram, sucessivamente, duas revistas árabes editadas em Nova York:
Al-Funun (As Artes) e As-Saieh (O Errante).
1918/1931 – Gibran deixa, pouco a pouco, de escrever em árabe e
dedica-se ao inglês, no qual produz também oito livros: O Louco; O
Precursor; O Profeta; Areia e Espuma; Jesus, o Filho do Homem; Os Deuses
da Terra. (Após sua morte seriam publicados mais dois: O Errante; O
Jardim do Profeta.) Todos os livros em inglês de Gibran foram lançados
por Alfred A. Knopf, dinâmico editor norte-americano com inclinação para
descobrir e lançar novos talentos. Ao mesmo tempo em que escreve,
Gibran se dedica a desenhar e pintar. Sua arte, inspirada pelo mesmo
idealismo que lhe inspirou os livros, distingue-se pela beleza e a
pureza das formas. Todos os seus livros em inglês foram por ele
ilustrados com desenhos evocativos e místicos, de interpretação às vezes
difícil, mas de profunda inspiração. Seus quadros foram expostos várias
vezes com êxito em Boston e Nova York. Seus desenhos de personalidades
históricas são também célebres.
Em sua relativamente curta, porém prolífica existência (viveu apenas 48
anos), Khalil Gibran produziu obra literária acentuada e artisticamente
marcada pelo misticismo oriental, que — por essa razão — alcançou
popularidade em todo o mundo. Sua obra, acentuadamente romântica e
influenciada por fontes de aparente contraste como a Bíblia, Nietzsche e
William Blake, trata de temas como o amor, a amizade, a morte e a
natureza, entre outros.
Estudou Letras e Filosofia. Gibran Khalil Gibran faleceu em 10 de abril
de 1931 em Nova Iorque.
Obras:
GIBRAN, Khalil. O Profeta. São Paulo: Editora Nova Alexandria, 1997.
GIBRAN, Khalil. Lázaro e sua amada. Rio de Janeiro: Editora Record,
1973.
Além dessas, escreveu:
Asas Partidas
As Ninfas do Vale
Espíritos Rebeldes
Uma Lágrima e um Sorriso
A Procissão
Temporais
O Precursor
Areia e Espuma
O Errante
Pequena antologia:
Dos Filhos (de O Profeta)
E uma mulher que carregava o filho nos braços disse: “Fala-nos dos
filhos.”
E ele disse:
Vossos filhos não são vossos filhos.
São filhos e filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não de vós.
E, embora vivam convosco, a vós não pertencem.
Podeis outorgar-lhes vosso amor, mas não vossos pensamentos,
Pois eles têm seus próprios pensamentos.
Podeis abrigar seus corpos, mas não suas almas;
Pois suas almas moram na mansão do amanhã, que vós não podeis visitar
nem mesmo em sonho.
Podeis esforçar-vos por ser como eles, mas não procureis fazê-los como
vós,
Porque a vida não anda para trás e não se demora com os dias passados.
Vós sois o arco dos quais vossos filhos, quais setas vivas, são
arremessados.
O Arqueiro mira o alvo na senda do infinito e vos estica com Sua força
para que suas flechas se projetem, rápidas e para longe.
Que vosso encurvamento na mão do Arqueiro seja vossa alegria:
Pois assim como Ele ama a flecha que voa, ama também o arco, que
permanece estável.
Da Dádiva (de O Profeta)
Então um homem opulento disse: “Fala-nos da dádiva.”
E ele respondeu:
“Vós pouco dais quando dais de vossas posses.
É quando dais de vós próprios que realmente dais.
Pois, o que são vossas posses senão coisas que guardais por medo de
precisardes delas amanhã?
E amanhã, que trará o amanhã ao cão ultraprudente que enterra ossos na
areia movediça enquanto segue os peregrinos para a cidade santa?
E o que é o medo da necessidade senão a própria necessidade?
Não é vosso medo da sede, quando vosso poço está cheio, a sede
insaciável?
Há os que dão pouco do muito que possuem, e fazem-no para serem
elogiados, e seu desejo secreto desvaloriza suas dádivas.
E há os que têm pouco e dão-no integralmente.
Esses confiam na vida e na generosidade da vida, e seus cofres nunca se
esvaziam.
E há os que dão com alegria, e essa alegria é já a sua recompensa.
E há os que dão com pena, e essa pena é o seu batismo.
E há os que dão sem sentir pena nem buscar alegria nem pensar na
virtude:
Dão como, no vale, o mirto espalha sua fragrância no espaço.
elas mãos de tais pessoas, Deus fala; e através de seus olhos Ele sorri
para o mundo.
É belo dar quando solicitado; é mais belo, porém, dar sem ser
solicitado, por haver apenas compreendido;
E para os generosos, procurar quem recebe é uma alegria maior ainda que a
de dar.
E existe alguma coisa que possais guardar?
Tudo o que possuís será um dia dado.
Dai agora, portanto, para que a época da dádiva seja vossa e não de
vossos herdeiros.
Dizeis muitas vezes: “Eu daria, mas somente a quem merece”.
As árvores de vossos pomares não falam assim, nem os rebanhos de vossos
pastos.
Dão para continuar a viver, pois reter é perecer.
Certamente, quem é digno de receber seus dias e suas noites é digno de
receber de vós tudo o mais.
E quem mereceu beber do oceano da vida, merece encher sua taça em vosso
pequeno córrego.
E que mérito maior haverá do que aquele que reside na coragem e na
confiança, mais ainda, na caridade de receber?
E quem sois vós para que os homens devam expor o seu íntimo e desnudar
seu orgulho a fim de que possais ver seu mérito despido e seu
amor-próprio rebaixado?
Procurai ver, primeiro, se mereceis ser doadores e instrumentos do dom.
Pois, na verdade, é a vida que dá à vida, enquanto vós, que vos julgais
doadores, são meras testemunhas.
E vós que recebeis – e vós todos recebeis – não assumais encargo de
gratidão a fim de não pordes um jugo sobre vós e vossos benfeitores.
Antes, erguei-vos, junto com eles, sobre asas feitas de suas dádivas;
Pois se ficardes demasiadamente preocupados com vossas dívidas, estareis
duvidando da generosidade daquele que tem a terra liberal por mãe e
Deus por pai.”
El Amor (de O Profeta)
"Al-Mithra disse-lhe então: Fala-nos do amor.
E ele virou a cabeça e fitou o povo
e sobre todos se abateu um grande silêncio.
E, com voz grave, disse...
Quando o amor vos chamar, segui-o,
mesmo que os seus caminhos sejam íngremes e penosos.
E quando as suas asas vos envolverem,
entregai-vos a ele,
ainda que a espada dissimulada nas suas penas vos possa ferir.
E quando ele vos falar,
crede nele, embora a sua voz possa estilhaçar os vossos sonhos
como o vento do norte devasta o jardim.
Pois assim como o amor vos coroa, também vos crucifica.
E, tal como serve para o vosso crescimento,
também serve para a vossa decadência.
E como ele se ergue até às vossas copas
e acaricia os vossos mais tenros ramos que esvoaçam ao sol,
também às vossas raízes ele desce
e as sacudirá no seu apego à terra.
Quais feixes de trigo, ele vos reúne em si.
Vos amassa para vos pôr a nu.
Vos ciranda para vos libertar do vosso farelo.
Vos mói até à alvura.
Vos amassa até vos tornardes macios.
E, depois, vos entrega ao seu fogo sagrado,
para vos tornardes pão sagrado
para o festim sagrado de Deus.
O amor fará todas essas coisas de vós,
para que possais conhecer os segredos do vosso coração
e vos tornardes,
através desse mesmo conhecimento,
um fragmento do coração da vida.
Mas se, no vosso temor,
procurardes no amor apenas paz e prazer,
faríeis melhor se ocultásseis a vossa nudez
e saísseis do amor, para o mundo sem razão,
onde rireis, mas não com todo o vosso riso,
e chorareis, mas não com todas as vossas lágrimas.
O amor dá-se apenas a si mesmo
e nada recebe se não de si próprio.
O amor não possui nem quer ser possuído.
Porque o amor se basta do amor.
Quando amardes,
não deveis dizer que está no meu coração,
mas antes, no coração de Deus.
E não penseis que sois vós quem orienta o rumo do amor,
pois, se vos achar dignos,
será o amor que conduzirá o vosso caminho.
O amor não tem outro desejo que não realizar-se a si mesmo.
Mas se amardes e sentirdes desejos,
que sejam estes os vossos desejos:
Dissolver-se e ser-se como um regato
que desliza e canta à noite a sua melodia.
De tanta ternura conhecer a dor,
ser ferido pela vossa própria concepção do amor
e sangrar de boa vontade e com júbilo.
Acordar para o amor com um coração alado
e dar graças por um outro dia de amor;
e fazer uma pausa à hora do meio dia
e meditar sobre o êxtase do amor;
regressar à noite ao lar com gratidão;
e adormecer com uma oração no coração pelo amado,
e nos lábios um hino de louvor.
IN
ENGLISH:
Children
And a woman who held a babe against her bosom said, 'Speak to us of
Children.'
And he said:
Your children are not your children.
They are the sons and daughters of Life's longing for itself.
They come through you but not from you,
And though they are with you, yet they belong not to you.
You may give them your love but not your thoughts.
For they have their own thoughts.
You may house their bodies but not their souls,
For their souls dwell in the house of tomorrow, which you cannot visit,
not even in your dreams.
You may strive to be like them, but seek not to make them like you.
For life goes not backward nor tarries with yesterday.
You are the bows from which your children as living arrows are sent
forth.
The archer sees the mark upon the path of the infinite, and He bends you
with His might that His arrows may go swift and far.
Let your bending in the archer's hand be for gladness;
For even as he loves the arrow that flies, so He loves also the bow that
is stable.
God
In the ancient days, when the first quiver of speech came to my lips, I
ascended the holy mountain and spoke unto God, saying, 'Master, I am thy
slave. Thy hidden will is my law and I shall obey thee for ever more.'
But God made no answer, and like a mighty tempest passed away.
And after a thousand years I ascended the holy mountain and again spoke
unto God, saying, 'Creator, I am thy creation. Out of clay hast thou
fashioned me and to thee I owe mine all.'
And God made no answer, but like a thousand swift wings passed away.
And after a thousand years I climbed the holy mountain and spoke unto
God again, saying, 'Father, I am thy son. In pity and love thou hast
given me birth, and through love and worship I shall inherit thy
kingdom.'
And God made no answer, and like the mist that veils the distant hills
he passed away.
And after a thousand years I climbed the sacred mountain and again spoke
unto God, saying, 'My God, my aim and my fulfilment; I am thy yesterday
and thou art my tomorrow. I am thy root in the earth and thou art my
flower in the sky, and together we grow before the face of the sun.'
Then God leaned over me, and in my ears whispered words of sweetness,
and even as the sea that enfoldeth a brook that runneth down to her, he
enfolded me.
And when I descended to the valleys and the plains, God was there also.
TUS HIJOS Tus hijos no son tus hijos, son hijos e hijas de la vida deseosa de sí misma. No vienen de ti, sino a través de ti, y aunque estén contigo, no te pertenecen. Puedes darles tu amor, pero no tus pensamientos, pues, ellos tienen sus propios pensamientos. Puedes abrigar sus cuerpos, pero no sus almas, porque ellas viven en la casa de mañana, que no puedes visitar, ni siquiera en sueños. Puedes esforzarte en ser como ellos, pero no procures hacerlos semejantes a ti porque la vida no retrocede ni se detiene en el ayer. Tú eres el arco del cual tus hijos, como flechas vivas son lanzados. Deja que la inclinación, en tu mano de arquero sea para la FELICIDAD. Cuando el amor os llame Cuando el amor os llame, seguidle, aunque sus caminos sean duros y escarpados. Y cuando sus alas os envuelvan, ceded a él, aunque la espada oculta en su plumaje pueda heridlos. Y cuando os hable, creed en él, aunque su voz pueda desbaratar vuestros sueños como el viento del norte asola vuestros jardines. Porque así como el amor os corona, debe crucificaros. Así como os agranda, también os poda. Así como se eleva hasta vuestras copas y acaricia vuestras más frágiles ramas que tiemblan al sol, también penetrará hasta vuestras raíces y las sacudirá de su arraigo a la tierra. Como gavillas de trigo, se os lleva. Os apalea para desnudaros. Os trilla para libraros de vuestra paja. Os muele hasta dejaros blancos. Os amasa hasta que seáis ágiles, y luego os entrega a su fuego sagrado, y os transforma en pan sagrado para el festín de Dios. Todas estas cosas hará el amor por vosotros para que podáis conocer los secretos de vuestro corazón, y con este conocimiento os convirtáis en un fragmento del corazón de la Vida. Pero si en vuestro temor sólo buscáis la paz del amor y el placer del amor, Entonces más vale que cubráis vuestra desnudez y salgáis de la era del amor, Para que entréis en el mundo sin estaciones, donde reiréis, pero no todas vuestras risas, y lloraréis, pero no todas vuestras lágrimas. El amor sólo da de sí y nada recibe sino de sí mismo. El amor no posee, y no quiere ser poseído. Porque al amor le basta con el amor. Cuando améis no debéis decir "Dios está en mi corazón", sino más bien "estoy en el corazón de Dios". Y no penséis que podéis dirigir el curso del amor, porque el amor, si os halla dignos, dirigirá él vuestros corazones. El amor no tiene más deseo que el de alcanzar su plenitud. Pero si amáis y habéis de tener deseos, que sean estos: De diluiros en el amor y ser como un arroyo que canta su melodía a la noche. De conocer el dolor de sentir demasiada ternura. De ser herido por la comprensión que se tiene del amor. De sangrar de buena gana y alegremente. De despertarse al alba con un corazón alado y dar gracias por otra jornada de amor; De descansar al mediodía y meditar sobre el éxtasis del amor; De volver a casa al crepúsculo con gratitud, Y luego dormirse con una plegaria en el corazón para el bien amado, y con un canto de alabanza en los labios.
Sprüche und Gedichte von Khalil Gibran
Kinder
Und eine Frau, die ihr Kind ans Herz drückte, sagte:
"Sprich zu uns über Kinder".
Und er sprach:
Eure Kinder sind nicht eure Kinder.
Sie sind die Söhne und Töchter der Sehnsucht des Lebens nach sich selbst.
Sie kommen durch euch, aber nicht von euch,
und wenn sie auch bei euch sind, gehören sie euch dennoch nicht.
Ihr dürft ihnen eure Liebe schenken, nicht aber eure Gedanken.
Denn sie haben ihr eigenes Denken.
Ihr dürft ihren Leib bei euch aufnehmen, nicht aber ihre Seele,
denn ihre Seelen wohnen im Morgen,
das ihr nicht aufsuchen könnt, nicht einmal in euren Träumen.
Ihr dürft danach streben, ihnen gleich zu sein,
aber bemüht euch nicht, sie euch nachzubilden.
Denn das Leben schreitet nicht rückwärts, es verweilt auch nicht im Gestern.
Ihr seid die Bogen, von denen eure Kinder als lebende Pfeile hinaus fliegen.
Der Schütze weiß das Ziel auf dem Pfad der Unendlichkeit,
und Er spannt Dich mit Seiner Macht, auf dass Seine Pfeile weit hinaus schnellen.
Lass' Dich zur Freude von der Hand des Schützen spannen;
denn so, wie er den schnellenden Pfeil liebt, so liebt er auch den starken Bogen.
Liebe
Daraufhin sagte Almitra: " Sprich zu uns über die Liebe."
Und er erhob sein Haupt und schaute auf das Volk,
und eine Stille kam über sie.
Und mit mächtiger Stimme sprach er:
Wenn euch die Liebe ein Zeichen gibt, dann folgt ihr,
mögen ihre Pfade auch beschwerlich sein und steil.
Und wenn sie euch mit ihren Schwingen umarmt,
dann gebt euch ihr hin,
auch wenn euch das Schwert verletzt, das sie darunter verbirgt.
Und wenn sie zu euch spricht, dann glaubt an sie,
mag ihre Stimme auch eure Träume zunichte machen,
gerade so, wie der Nordwind den Garten zuschanden macht.
Denn so, wie die Liebe euch krönt, wird sie euch ans Kreuz schlagen.
So, wie sie euch wachsen lässt, wird sie euch zurückschneiden.
Und so, wie sie sich zum höchsten Wipfel erhebt
und eure zerbrechlichsten Zweige liebkost, die in der Sonne zittern,
so wird sie hinabsteigen zu euren Wurzeln,
die sich in der Erde festklammern,
und an ihnen rütteln.
Wie Ähren bündelt sie euch um sich.
Sie drischt euch, um euch zu entblößen.
Sie siebt euch, um euch von euren Hülsen zu befreien.
Sie mahlt euch, bis ihr weiß seid wie Mehl.
Sie knetet euch, bis ihr geschmeidig werdet;
und dann übereignet sie euch ihrem heiligen Feuer,
auf dass ihr heiliges Brot werdet für Gottes heiliges Mahl.
All dies wird die Liebe mit euch anstellen,
damit ihr die Geheimnisse eures Herzens erfahrt
und in dieser Erkenntnis ein Teil vom Herzinnersten des Lebens werdet.
Falls ihr aber in eurer Furcht nur Ruhe und Lust in der Liebe sucht,
dann ist es besser für Euch, eure Blöße zu bedecken
und vom Dreschboden der Liebe zu gehen
in eine Welt ohne Sommer und Winter,
wo ihr lachen werdet, jedoch nicht eures ganzes Lachen,
und weinen, aber nicht all eure Tränen.
Liebe gibt nichts, als sich selbst und nimmt nichts, es sei denn von sich selbst.
Liebe nimmt nicht in Besitz, noch lässt sie sich besitzen;
denn Liebe genügt sich selbst.
Wenn ihr liebt, solltet ihr nicht sagen:
"Gott ist in meinem Herzen" sondern eher
"Ich bin in Gottes Herz".
Und denkt nicht, ihr könnt den Lauf der Liebe lenken.
Denn sie wird euren Lauf lenken, wenn sie euch für würdig hält.
Liebe hat hat kein anderes Verlangen als sich selbst zu erfüllen.
Wenn ihr liebt und dabei Begierden habt,
dann lasst dies euer Verlangen sein:
Werdet weich und seid wie ein rieselnder Bach,
der sein Lied der Nacht singt.
Wisst vom Schmerz allzu großer Zärtlichkeit.
Seid verwundet vom eigenen Verständnis der Liebe;
und blutet willig und freudig.
Erwacht des Morgens im Herzen beflügelt
und sagt Dank für einen neuen Tag des Liebens;
Ruht zur Mittagsstunde und sinnt nach über die Wonnen der Liebe;
Kehrt heim am Abend mit dankbarem Herzen;
dann geht zur Ruh mit einem Gebet für den Liebsten im Herzen
und einem Loblied auf den Lippen.
РУССКОЙ ПОЭЗИИ - POESIA RUSSA - VLADIMIR VLADIMIROVITCH MAYAKOVSKY
Vladimir Vladimirovitch Mayakovsky
O AMOR
Um dia, quem sabe,
Ela que também gostava de bichos, apareça numa alameda do zoo, sorridente,
tal como agora está no retrato sobre a mesa.
Ela é tão bela, que por certo,
hão de ressuscitá-la.
Vosso Trigésimo século ultrapassará o exame
de mil nadas, que dilaceravam o coração.
Então, de todo amor não terminado seremos pagos
em enumeráveis noites de estrelas.
Ressuscita-me,
nem que seja porque te esperava como um poeta,
repelindo o absurdo cotidiano! Ressuscita-me, nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim que me cabe!
Para que o amor não seja mais escravos de casamentos, concupiscência,
salários.
Para que, maldizendo os leitos, saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.
Para que o dia,
que o sofrimento degrada, não vos seja chorado, mendigado.
E que ao primeiro apelo: - Camaradas!
Atenta se volte a terra inteira.
Para viver livre dos nichos das casas.
Para que doravante a família seja o pai, pelo menos o universo;
a mãe, pelo menos a terra.
Vladimir Maiakovski Origem: Wikipédia
Vladimir
Vladimirovitch Mayakovsky nasceu e passou a infância
na aldeia de Baghdati,
nos arredores de Kutaíssi, na Geórgia,Rússia.
Lá cursou o ginásio e, após a morte súbita do pai,
a família ficou na miséria e transferiu-se para Moscou,
onde Vladimir continuou seus estudos.
Fortemente impressionado pelo movimento revolucionário russo e
impregnado;desde cedo de obras socialistas, ingressou aos quinze anos na
facção bolchevique o Partido Social-Democrático Operário Russo.Detido
em duas ocasiões, foi solto por falta de provas,mas em 1909-1910 passou
onze meses na prisão.Entrou na Escola de Belas Artes, onde se encontrou
com David Burliuk,que foi o grande incentivador de sua iniciação
poética.Os dois amigos fizeram parte do grupo fundador do assim chamado
cubo-futurismo russo, ao lado de Khlebnikov, Kamiênski e outros. Foram
expulsos da Escola de Belas Artes. Procurando difundir suas concepções
artísticas, realizaram viagens pela Rússia.
Após a Revolução de Outubro, todo o grupo manifestou sua adesão ao novo
regime. Durante a Guerra Civil, Mayakovsky se dedicou a desenhos e
legendas para cartazes de propaganda e, no início da consolidação do
novo Estado, exaltou campanhas sanitárias, fez publicidade de produtos
diversos, etc. Fundou em 1923 a revista LEF (de Liévi Front, Frente de
Esquerda), que reuniu a “esquerda das artes”, isto é, os escritores e
artistas que pretendiam aliar a forma revolucionária a um conteúdo de
renovação social.
Fez inúmeras viagens pelo país, aparecendo diante de vastos auditórios
para os quais lia os seus versos. Viajou também pela Europa Ocidental,
México e Estados Unidos. Entrou frequentemente em choque com os
"burocratas" e com os que pretendiam reduzir a poesia a fórmulas
simplistas. Foi homem de grandes paixões, arrebatado e lírico, épico e
satírico ao mesmo tempo. Era fanático pela equipe de futebol Spartak
Moscou.Oficialmente, suicidou-se com um tiro em 1930, sem que isto
tivesse relação alguma com sua atividade literária e social. Tal fato
tem sido questionado, pois na época o poeta estaria sendo pressionado
pelos programas oficiais que desejavam instaurar uma literatura
simplista e dita realista, dirigidos por Molotov que teria perseguido
antigos poetas revolucionários como Mayakovsky. Em vista disso,
aponta-se a possibilidade real.
Sua obra, profundamente revolucionária na forma e nas idéias que
defendeu, apresenta-se coerente, original, veemente, una. A linguagem
que emprega é a do dia a dia, sem nenhuma consideração pela divisão em
temas e vocábulos “poéticos” e “não-poéticos”, a par de uma constante
elaboração, que vai desde a invenção vocabular até o inusitado arrojo
das rimas.
Fazendo parte do grupo "Hylaea", que daria origem ao chamado
cubo-futurismo, seu primeiro livro de poemas, no entanto, seria de
estética influenciada pelo simbolismo, e nunca chegaria a público, tendo
sido escrito quando o poeta estava na prisão e apreendido pela polícia
no momento da sua libertação.
Aproximando-se de David Burliuk na década de 1910, passa a escrever em
um estilo aproximado do Cubismo e do Futurismo, influenciado pelo
primitivismo eslavista e pela linguagem transacional de Velimir
Khlebnikov e outros, repleto de imagística urbana e surpreendente, com
um certo ar impressionista e, ainda, simbolista. Esta fase de sua poesia
é a mais apreciada por poetas como Boris Pasternak, em função de ainda
manter alguns recursos simbolistas e métrica rigorosa em alguns poemas.
Em seguida, já na década de 1920, sua poesia, apesar de haver uma
continuidade no que diz respeito à inovação rítmica, à rimas inusitadas,
ao uso da fala cotidiana e mesmo de imagens inusitadas, assume um tom
direto.
Ao mesmo tempo, o gosto pelo desmesurado, o hiperbólico, alia-se em sua
poesia desta época à dimensão crítico-satírica. Criou longos poemas e
quadras e dísticos que se gravam na memória. Traduções sem preocupação
com a forma dos poemas produzidos nesta época têm dado ao público uma
imagem errônea do poeta, fazendo-o parecer um "gritador".
Na realidade, era um poeta rigoroso, que chegava a reescrever sessenta
vezes o mesmo verso e recolhia muito material informativo e linguístico
para posterior uso nos seus poemas. Criou também ensaios sobre a arte
poética e artigos curtos de jornal; peças de forte sentido social e
rápidas cenas sobre assuntos do dia; roteiros de cinema arrojados e
fantasiosos e breves filmes de propaganda.
Tem exercido influência profunda em todo o desenvolvimento da poesia
russa moderna, bem como sobre outros poetas e movimentos no mundo
inteiro. (Fonte - wikipédia).
AS ARTES E O PACTO DEMONÍACO
Jean-Paul Laurens - MARGS
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Doch nur vor einem ist mir bang:
Die Zeit ist kurz, die Kunst is lang
[Só de um temor vos darei parte;
É curto o tempo, é longa a arte]
Johann Wolfgang von Goethe
Mefistófeles, em Fausto I
O pacto demoníaco habita o imaginário de muitas comunidades e
civilizações e originou umas tantas obras artísticas e tantíssimas obras
literárias. O ser maligno ou divindade do mal é conhecido no
cristianismo como diabo ou demônio. Também há uma personagem bíblica do
anjo decaído conhecido par Lúcifer, o anjo que se teria revoltado contra
o Senhor, querendo igualar-se a ele. Sendo o mais luminoso anjo do céu,
teria sido condenado a ser o anjo das trevas.
Atribui-se a influentes personagens da história e da literatura pactos
com o demônio. Em troca de algum favor especial, teriam negociado a
própria alma com as divindades infernais.
Uma dessas personificações da entidade do mal, na Idade Média, é
Mefistófeles. Estava à procura de espíritos incautos, espreitando-os e
tentando-os para capturar-lhes as almas em troca de favores momentâneos.
Na literatura, ele aparece em obras de importantes autores como Goethe,
Marlowe e Wilde. Talvez a personagem mais importante nessa área seja a
pessoa do Dr. Fausto. Trata-se de uma lenda germânica, baseada na pessoa
de um médico, mago e alquimista conhecido como Dr. Johannes Georg
Faust, que teria vivida entre 1480 e 1540.
Teria ele nascido em Knittlingen, onde se encontra hoje o Faust-Museum.
Trata-se de uma pequena cidade, com população de pouco mais de sete mil
habitantes, situada ao sul da Alemanha, no estado de Baden-Württemberg.
Na Cracóvia, teria estudado magia, em seu tempo uma cadeira acadêmica
regular.
Segundo Ricardo Sérgio e o site www.ricardosergio.net", esta seria a
história de Faustus: Magister Georgius Sabelius Faustus, como ele mesmo
se apresentava, viveu na Alemanha entre o final do século XV e começo do
século XVI. Dr. Fausto era um estudioso das Ciências Ocultas, assumia
publicamente a sua condição de feiticeiro. Ganhava o seu sustento
praticando magia, fazendo horóscopos, vidências e produzindo fenômenos
"sobrenaturais". De modo que, é possível que ele tenha realmente tentado
alguma comunicação com o demônio, a fim de obter mais conhecimento
sobre as Ciências Ocultas.
Na época, era crença popular de que os estudiosos dessa ciência, eram
quase sempre signatários de pactos com o diabo. Portanto, se vivo já
suspeitavam dele, quando morreu, de maneira violenta e causa misteriosa,
virou lenda. E a lenda do Dr. Fausto e seu pacto com o demônio,
espalhou-se rapidamente pela Alemanha.
Em 1857, Johann Spiess, livreiro e escritor de Frankfurt, compilou tudo
quanto se acreditava e dizia acerca do Dr. Fausto, em um livro de 227
páginas, conhecido por Romance Faustiano ou Faustbuch (O Livro de
Fausto); cujo enredo contava como Fausto se vendeu ao diabo, as
extraordinárias aventuras que viveu, a magia que praticava, e por fim a
sua morte e castigo. Surgia a primeira narrativa literária sobre a lenda
do Dr. Fausto. Pesquisadores afirmam que o texto tem um fundo
moralista, ou seja, propaganda luterana para doutrinação.
Em 1589, dois anos depois da publicação de Spiess, o escritor e
dramaturgo inglês (precursor de Shakespeare) Christopher Marlowe
(1564-1593) transforma a primeira versão literária em peça teatral, com o
título de A História Trágica do Doutor Fausto, que estreou com grande
sucesso em 1594. A peça só foi publicada em 1604 (onze anos após a morte
de Marlowe). Christopher Marlowe deu lustro estético à obra. Resgatou a
dignidade do personagem distinguindo-o do personagem histórico e das
lendas populares a que este deu origem; mas conservou a punição de
Fausto, que na cena final desce ao inferno, porém em um clima muito mais
trágico, de grande impacto junto ao público da época.
Coube a outro alemão, Wolfgang Von Goethe, em 1808, três séculos depois
da morte do misterioso ocultista, salvar o atormentado sábio, com a
versão intitulada Fausto. Drama em verso que levou trinta anos para ser
elaborado. Foi a obra de sua vida. Goethe, em sua versão, não mantém a
cena final tradicional; troca o trágico pelo de dramático: Fausto em vez
de ser punido no inferno é resgatado, na última hora, por anjos que
enganam Mefistófeles e levam a alma do sábio para o céu.
Em 1943, Thomas Mann publica sua versão com o título de Doutor Fausto. É
uma versão fora das raízes do mito. O personagem Fausto encarna um
músico. O pacto dispensa os demônios, e o inferno vem na forma da
sífilis que mata o protagonista.
O poeta português Fernando Pessoa deixou inconclusa a sua versão do
mito, cujo título era Primeiro Fausto, à qual se dedicou durante boa
parte da vida. Segundo o próprio poeta, a obra fala do embate entre a
inteligência – representada por Fausto – e a vida.
Na música, o mito de Fausto foi tema de obras de Wagner, Schumann,
Liszt, Berlioz e Gounod. ®Sérgio.
Outra obra literária que se sustenta na mesma temática de um pacto
diabólico é o romance de Oscar Wilde, O Retrato de Dorian Grey.
Publicado pela primeira vez em 1891, depois de ser publicado em
capítulos de folhetim na revista Lippincott’s em 1890, causou
controvérsia no público leitor.
Trata da vida de Dorian, jovem simpático elegante, cuja beleza fascinou o
tanto pintor Basil Hallward que decidiu representá-lo em uma pintura.
Lord Henry Wotton amigo do pintor, corrompe o jovem, apresentando-lhe a
vida londrina fútil
Dorian faz um pacto com o demo para ficar eternamente jovem enquanto o
retrato pintado por Basil vai envelhecendo constantemente, enquanto o
jovem aproveita a vida desregradamente, chegando mesmo ao crime.
Além dessas obras abordando o pacto diabólico há um poema do Famoso
poeta russo Alexander Pushkin, escrito em 1826, intitulado Faust, em que
se destaca um notável diálogo entre Fausto e Mefistófeles.
Também o dramaturgo Christian Dietrich Grabbe compôs, em 1836, sob o
espírito do Sturm und Drang, uma tragédia intitulada Don Juan und Faust.
No século XX, o poeta francês Paul Valéry escreveu a uma peça de teatro
que deixou inconclusa, intitulada Mon Faust. Mesmo Riobaldo, em Grande
Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, é acusado pelos seus opositores
de enriquecer através de um pacto diabólico.
BRITISH LITERATURE - LITERATURA BRITÂNICA - CHRISTOPHER MARLOWE –
autor
do Fausto Britânico
Christopher Marlowe (1564 -1593) foi um grande dramaturgo, poeta inglês
do século XVI. Sua vida particular é marcada de incidentes graves.
Nasceu em Canterbury, em português Cantuária, cidade do norte da
Inglaterra, pertencente ao condado de Kent. É a sede espiritual da
Igreja Anglicana.
Era filho de um sapateiro e bacharelou-se, primeiramente em artes. A
universidade de Cambridge negou-lhe o título de licenciatura sob a
acusação de ter-se convertido ao catolicismo e também por sucessivas
ausências às aulas.
Passa, então, segundo se afirma, a fazer parte do serviço secreto da
rainha, função nunca confirmada, como é óbvio. A relevância dos
trabalhos prestados ter-lhe-ia garantido o título da licenciatura. Com o
título, passa a residir em Londres, onde vive até o fim de sua breve
existência.
Na capital, passa integra a companhia de teatro do conde de Nottigham,
na qual apresentou a maior parte de suas obras. Teria feito parte da
Escola da Noite, grupo de livres pensadores, dos quais faziam parte,
entre outros, os matemáticos Thomas Harriot, Thomas Allen e Robert Hues,
os filósofos e alquimistas Walter Warner e Walter Raleigh, além do
conde de Northumberland que liderava o grupo.
Porém, o que parece confirmar sua participação no serviço secreto é seu
relacionamento com Sir Francis Walsingham, chefe da espionagem da rainha
Elisabeth I. Nessa função, ter-se-ia envolvido em pelo menos um
assassinato, em consequência do qual permaneceu por um curto período na
prisão. Foi assassinado em circunstâncias nunca suficientemente
esclarecidas.
MALALOWE DRAMATURGO
Sua controvertida história pessoal não diminui a importância de sua obra
literária, de modo especial sua produção na área da dramaturgia. Até
então, o teatro inglês era muito pobre. O que de mais importante havia
eram traduções. Ele cria o teatro novo, introduz o verso livre e vai
ser o modelo para Shakespeare.
OBRAS
Teatro
Tamburlaine
A História Trágica do Dr. Faustus
The Jew of Malta
Edward II
The Massacre at Paris
Dido, Queen of Carthage
Poemas
Hero and Leander
Tradução
Elegias (de Ovídio)
Farsália (de Lucano)
A grande obra de Marlowe é Doctor Faustus, TEMÁTICA que vai celebrizar o
grande dramaturgo alemão Johann Wolfgang Goethe, no século XIX. Porém, o
Fausto de Marlowe é muito mais dramático do que o de Goethe. Enquanto,
em Goethe, Fausto, na versão final, é libertado por um coro de anjos, o
Fausto de Marlowe cumpre o pacto e entrega a alma a satanás.
Fragmento da obra de Marlowe:
If we say that we have no sinne we decieve our selves, and there is no
truth in us.
Why then belike
We must sinne, and so consequently die,
I, we must, die, an everlasting death.
What doctrine call you this? Che sera, sera:
What will be, shall be; Divinitie adiew.
These Metaphysicks of Magitians,
And Negromantick bookes are heavenly.
Lines, Circles, Signes Letters, and Characters,
I these are those that Faustus most desires.
Of power, of honour, and omnipotence,
Is promised to the Studious Artizan?
All things that move betweene the quiet Poles
Shall be at my command: Emperors and Kings,
Are but obey’d in their severall Provinces:
Nor can they raise the winde, or rend the cloudes:
But this dominion that exceeds in this,
Stretched as farre as doth the mind of man:
A sound Magitian is a Demi-god,
Here tire my braines to get a Deity (p. 36-7)
Mas parece então
Que temos que pecar e, por conseguinte, morrer.
Ai... temos de morrer, e morrer para todo o sempre.
Como chamais esta lei? Che sarà, sara: O que for se há-de ver. Teologia,
adeus.
Esta metafísica dos mágicos,
Estes livros arcanos é que são divinos.
Linhas, círculos, sinais, letras e caracteres,
Ah! Isto é o que Fausto mais deseja.
Que mundo de lucro e de prazer,
Quanto poder onipotência e honra
Tudo o que se move entre os dois pólos
Terei às minhas ordens: Imperadores e Reis
Só nos seus domínios são obedecidos,
E não podem erguer ventos, rasgar nuvens.
Pelo seu poder que tudo isto excede
E vai até onde a mente humana alcança,
Um mágico sagaz é quase um deus.
Aguça teu engenho, Fausto, e sê divino !
FLORBELA ESPANCA (1894-1930)
Flor Bela de Alma da Conceição Espanca nasceu em Vila Viçosa, no
Alentejo, filha de um pequeno antiquário, comerciante, desenhista e
fotógrafo. Filha de um relacionamento extraconjugal, somente foi
reconhecida pelo pai dezoito anos após a morte dela. Esse fato marcou
sua vida de garota do interior.
Foi uma das poucas meninas do interior a cursar o segundo grau.
Ingressou no liceu masculino em Évora. Matriculou-se na Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, sendo uma das 14 alunas entre mais de
300 alunos inscritos. Em 1920, teve de interromper seus estudos.
Havia casado com um colega da escola secundária com quem não foi feliz.
Anos mais tarde, passou a viver com um alferes de artilharia, com quem
veio a casar-se posteriormente. Porém, em 1925, divorciou-se pela
segunda vez e casou-se agora com um médico com quem já vivia há algum
tempo.
Florbela tinha um forte amor por seu irmão Apeles e ficou muito abalada
quando, em 1927, ao fazer um curso de pilotagem, ele faleceu em acidente
aéreo com um hidro-avião, precipitando-se no Tejo.
Por fim, no dia 8 de dezembro de 1930, exatamente a data de seu 36º
aniversário, suicidou-se com uma dose excessiva de barbitúricos, tendo
deixado uma carta com seus últimos desejos entre os quais se inclui
pedido de que fragmentos do avião em que falecera o irmão se lhe fossem
juntados ao esquife.
OBRAS:
Poesia
1919 – Livro de Mágoas. Lisboa: Tipografia Maurício.
1923 – Livro de Sóror Saudade. Lisboa: Tipografia A Americana.
1931 – Charneca em Flor. Coimbra: Livraria Gonçalves.
1931 – Juvenília: versos inéditos de Florbela Espanca (com 28 sonetos
inéditos). Estudo crítico de Guido Battelli. Coimbra: Livraria
Gonçalves.
1934 – Sonetos Completos (Livro de Mágoas, Livro de Sóror Saudade,
Charneca em Flor, Reliquiae). Coimbra: Livraria Gonçalves.
Prosa
1931 – As Máscaras do Destino. Porto: Editora Marânus.
1981 – Diário do Último Ano. Prefácio de Natália Correia. Lisboa:
Livraria Bertrand.
1982 – O Dominó Preto. Prefácio de Y. K. Centeno. Lisboa: Livraria
Bertrand.
ANTOLOGIA
A Um Moribundo
Não tenhas medo, não! Tranquilamente,
Como adormece a noite pelo Outono,
Fecha os teus olhos, simples, docemente,
Como, à tarde, uma pomba que tem sono...
A cabeça reclina levemente
E os braços deixa-os ir ao abandono,
Como tombam, arfando, ao sol poente,
As asas de uma pomba que tem sono...
O que há depois? Depois?... O azul dos céus?
Um outro mundo? O eterno nada? Deus?
Um abismo? Um castigo? Uma guarida?
Que importa? Que te importa, ó moribundo?
- Seja o que for, será melhor que o mundo!
Tudo será melhor do que esta vida!...
Em Busca do Amor
O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando;
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor, que hás de encontrar.”
Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfilando...
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando...
Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu... olhou... e riu...
Agora pela estrada, já cansados,
Voltam todos pra trás, desanimados...
E eu paro a murmurar: “Ninguém o viu!...”
"Sóror Saudade"
A Américo Durão
Irmã, Sóror Saudade me chamaste...
E na minh'alma o nome iluminou-se
Como um vitral ao sol, como se fosse
A luz do próprio sonho que sonhaste.
Numa tarde de Outono o murmuraste,
Toda a mágoa do Outono ele me trouxe,
Jamais me hão de chamar outro mais doce.
Com ele bem mais triste me tornaste...
E baixinho, na alma da minh'alma,
Como bênção de sol que afaga e acalma,
Nas horas más de febre e de ansiedade,
Como se fossem pétalas caindo
Digo as palavras desse nome lindo
Que tu me deste: "Irmã, Sóror Saudade..."
Fanatismo
Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No mist'rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!...
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."
Meu Mal
A Meu Irmão
Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,
Eu sei o nome ao meu estranho mal:
Eu sei que fui a renda dum vitral,
Que fui cipreste, caravela, dor!
Fui tudo que no mundo há de maior:
Fui cisne, e lírio, e águia, e catedral!
E fui, talvez, um verso de Nerval,
Ou. um cínico riso de Chamfort...
Fui a heráldica flor de agrestes cardos,
Deram as minhas mãos aroma aos nardos...
Deu cor ao eloendro a minha boca...
Ah! de Boabdil fui lágrima na Espanha!
E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha,
Mágoa não sei de quê! Saudade louca!
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…
Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
À Morte
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E, como uma raiz, sereno e forte.
Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.
Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!
Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera…quebra-me o encanto!
A GRANDE EPOPEIA DE GILGAMESH
GILGAMESH
Na antiga Nínive, cidade da Mesopotâmia, hoje Iraque onde se situa a
atual cidade de Moçul, o imperador assírio Assurbanipal (668-6627 a.
C.), construiu uma grande biblioteca. Como as textos dessa época eram
gravados em peças de cerâmica queimadas em fornos como acontece hoje com
os tijolos, as bibliotecas tinham de ser enormes, mesmo não contendo um
número tão avantajado de volumes. Imaginemos cada página como uma peça
de cerâmica. Por menos espessa que seja, tomaria uma grande espaço.
Em meados do século XIX, em escavações, essa preciosa biblioteca foi
descoberta por arqueólogos em tábuas de argila contendo escritos em
sinais denominados cuneiformes. Muitos estudiosos trabalharam na
decifração desses sinais. Foram escritos produzidos a partir de 3.500 a.
C. Há mesmo quem fale em escrita cuneiforme de 5.000 a. C. Talvez seja a
mais antiga forma de grafia humana.
Pelas necessidades administrativas como a cobrança de impostos, registro
do número de cabeças de gado ou a quantidade de cereais, surgiu a
escrita. Trata-se de uma língua isolada. Não está relacionada a nenhuma
outra língua conhecida. É uma língua aglutinante, ou seja, os morfemas
(as menores unidades com sentido da língua) se justapõem para formar
palavras.
Esse processo de escrita teve início como um sistema pictográfico, em
que o objeto representado expressava uma ideia. Um barco marcado por
determinados sinais, por exemplo, poderia significar que ele estava
carregado ou vazio. Essa escrita começou com o que os pesquisadores
chamaram de glifos cuneiformes que eram desenhados em tabuinhas de
argila com um caniço afiado que recebeu o nome de estilete. O estilete
gravava (grafava) sinais em forma de cunha numa tabuinha de argila mole
que depois era levada ao forno para o endurecimento. Essa forma de cunha
originou o nome da escrita cuneiforme.
Esse sistema é muito difícil de ser decifrado, pois se constitui por
mais de 2.000 sinais de difícil uso, por falta de uniformidade de
emprego. Com passar do tempo, ao expandir seu emprego até mesmo para
outros povos, se foi uniformizado e simplificando. Os primeiros
intérpretes tiveram imensas dificuldades. Havia necessidade do
conhecimento de árabe e hebraico, além de um profundo conhecimento da
história desses povos tão antigos e tão distantes do momento histórico
do estudioso.
Iniciou-se, com a simplificação, um sistema silábico. Esses silabários
tinham significado. Por exemplo, o sinal "mu" compõe-se de um cunho
horizontal terminado por uma ramificação de quatro pequenas hastes em
ângulo. Por seu lado, o sinal "zer" tem a mesma forma, mas a ramificação
tem apenas três hastes. O seu nome era também: "o mu que não está
terminado.
Os sinais representavam objetos com substantivos, mas havia dificuldade
de determinar categorias como verbos, adjetivos e processos sintáticos
como declinações. Assim, um determinado sinal poderia significar cavalo,
mas, por associação, poderia significar velocidade, viagem, movimento.
Por isso, um sinal poderia ter diversos significados, bem como um só
significado poderia ser representado por diferentes sinais.
Depois de diversas experiências, passou-se a escrever como na maioria
das línguas ocidentais, ou seja, da esquerda para a direita. Mesmo
usando ambos o sistema cuneiforme, assírios e babilônios tinham sistemas
diferentes. Exemplo de escrita cuneiforme:
ESCRITA CUNEIFORME
Foi somente em 1862, que o orientalista alemão Friedrich von Spiegel
conseguiu decifrar a escrita cuneiforme (Keilschrift, em alemão)
formulando e apresentando, em seguida, uma gramática e glossários das
línguas cuneiformes. Essa descoberta permitiu que se fizessem as
primeiras traduções da literatura desses povos.
A partir dessas descobertas, em 1872, o antropólogo inglês George Smith
fez a primeira tradução de parte da Epopeia do Gilgamesh, a que faz a
narrativa do dilúvio, a mais antiga de que se tem conhecimento.
O Gilgamesh constitui-se na mais antiga narrativa literária de toda a
humanidade de que se tem conhecimento. Trata-se de uma compilação de
lendas e poemas de tradição oral muito mais antiga ainda.
O fato de essas narrativas terem sido encontradas em diversos pontos da
Mesopotâmia garante que elas eram muito populares. Mesmo em outros povos
e línguas, foram encontradas outras versões delas. O herói é sempre o
rei lendário Gilgamesh, quinto governante da dinastia de Uruk, que teria
vivido entre 2750 e 2600 a. C. Afirma-se que essas narrativas teriam
mesmo influenciado tanto em narrativas bíblicas como a do dilúvio como
nos textos gregos de Homero, do séc. IX a. C.Os judeus teriam entrado em
contato com essas narrativas durante o exílio da Babilônia, conhecido
como primeira diáspora judaica. Essa começa em 722, com a deportação de
parte do povo judeu para a Assíria e, em 586, com Nabucodonosor II, da
Babilônia, que deporta os restantes para a Mesopotâmia onde permanecem
até a conquista de região pelo rei Ciro da Pérsia em 539 a. C. Esses
anos todo em contato com os mesopotâmios teve profunda influência na
cultura judaica.
Sendo Gilgamesh um rei arrogante e luxurioso, o povo invoca aos deuses
solicitando que lhes enviasse um novo regente, que enfrentasse e os
livrasse de seu opressor. Anu, divindade poderosa, apiedou-se da
população. Solicitou a Aruru, divindade feminina da criação, que criasse
um novo rei para enfrentar Gilgamesh. Ela criou Enkidu.
ISHTAR
Ela, em sua mente, concebeu um homem que fosse da mesma essência de Anu,
deus responsável pelo firmamento. Mergulhando suas mãos nas águas, a
deusa recolheu um bloco de argila, criando dela Enkidu.
Era Enkidu, desde sua criação, inocente, sem a malícia da civilização e
foi criado nas selvas, entre as bestas selvagens, dividindo a vida com
elas. Não conhecia o cultivo da terra e se alimentava de folhas
silvestres, cresceu junto com as gazelas e os outros animais silvestres,
bebendo as águas de riachos e fontes e alegrando-se com isso.
Tendo Gilgamesh descoberto a existência de Enkidu, encarrega uma
prostituta do templo da deusa Ishtar, deusa do amor e da fertilidade, de
seduzir o jovem e conduzi-lo para o interior das muralhas de Uruk.
Inocentemente seduzido pela sagacidade da prostituta, perdeu sua
ingenuidade selvagem e conheceu a maldade da civilização urbana.
Arrependido, porém, começa a se lamentar, mas a prostituta, para
consolá-lo, começa por enumerar as vantagens da nova vida que lhe viria.
Porém, o herói perdera sua força selvagem, tinha agora o conhecimento e
os pensamentos do homem ocupavam seu coração.
Agora és como um deus, dizia-lhe a prostituta. Por que anseias voltar
para os campos e correr como os animais selvagens? Esta narrativa se
assemelha profundamente à narrativa bíblica do Adão descrito no Gênesis.
A prostituta sagrada é uma metáfora da Eva bíblica que conduz Adão ao
pecado e ao conhecimento da árvore do bem do mal. Porém, Enkidu enfrenta
Gilgamesh em combate singular e o vence, sendo reconhecido por este
como irmão, pois ninguém jamais o vencera. Tornam-se grandes amigos.
Essa amizade vai gerar um grande número de aventuras da epopeia.
GILGAMESH E ENKIDU
Partem, então, ambos juntos, para uma floresta de cedros em que
enfrentam o fabuloso monstro Humbaba, sentinela da floresta. O monstro
censura Enkidu pela profanação da floresta como se a própria divindade a
censurasse. Enkidu é condenado a ser um mercenário e a viver na
servidão, dependendo do trabalho para obter seu pão. Essas condenações
assemelham-se às de Adão.
Porém, os condenados recebem o auxílio do deus sol, Shamash, que fora
sempre protetor de Gilgamesh. Juntos, Enkidu e Gilgamesh decepam a
cabeça de Humbaba. Essa atitude provoca a ira do deus da terra, do vento
e do ar, conhecido pelo nome de Enlil, cuja exigência para que seja
aplacado é a vida de um dos heróis
No entanto, Ishtar, deusa do amor, apaixona-se por Gilgamesh que
despreza essa paixão divinal, fato que transforma seu amor em ódio.
Despeitada, a deusa envia um Touro Celeste com a missão de eliminar o
seu desafeto.
GILGAMESH, ENKIDU E O TOURO
Unem-se os dois jovens e vencem o monstruoso touro. Enkidu ofende a
divindade, jogando-lhe fragmentos do touro estraçalhado. Os mortais não
devem ofender os imortais, afirma o deus Enlil e decide que Enkidu
deverá morrer. O jovem adoece e morre. Então, Gilgamesh sai em sua
missão derradeira na busca da imortalidade.
Parte à procura dos segredos dos deuses imortais. Para tal enfrenta uma
secessão de perigos. Encontra, então, Utnapishtin, que promete
revelar-lhe o segredo da imortalidade. Confia-lhe que os deuses haviam
acabado com a imortalidade humane desgostosos com as atitudes deles.
Os humanos tinham gerado uma balbúrdia tal no universo que Enlil
resolvera solicitar aos demais deuses o extermínio da raça humana.
Depois de uma assembleia, a proposta do deus foi aceita por todos.
Então, Enki, deus da água doce e da sabedoria, patrono das artes e
protetor da humanidade, filho primogênito de Anu, descobre que os deuses
decidiram destruir a humanidade através de um dilúvio. Assim,
Utnapishtim, avisado por Enki, estava construindo um barco para
salvar-se e aos seus.
Exorta-o a desprezar os bens materiais e valorizar a própria alma. Enki
fornecera-lhe todas as instruções para construir a barca com o material
da própria residência. Levaria para lá também seu ouro, um casal de cada
espécie, dos animais silvestres e selvagens, e sua família. Assim
procedeu Utnapishtim e salvou-se com os seus e tudo o mais.
Enlil, percebendo que fora ludibriado, que Enki revelara o segredo dos
deuses, permitindo a sobrevivência de um grupo humano, viu-se obrigado a
transformar Utnapishtim em um imortal, para que sua maldição de que
nenhum mortal sobrevivesse se completasse. Dessa maneira, nenhum humano
sobreviveria.
Gilgamesh fracassa em sua busca da imortalidade para o amigo, decide
retornar para Uruk, mas é auxiliado pela esposa de Utnapishtim que,
penalizada pela desgraça dele, resolve revelar-lhe o segredo da
imortalidade.
Conta-lhe de uma planta cuja flor teria efeitos imortalizantes, porém,
somente existia em um lugar distante, no fundo do mar. Aquele que, por
ventura viesse a comê-la seria revestido da eterna juventude. Gilgamesh,
depois de muitas peripécias, nadando, consegue atingir o almejado
vegetal.
Porém, o jovem herói decide socializar seu achado, dividindo-o com os
anciãos de Uruk a sua conquista. Acontece que, no caminho de casa, uma
serpente aquática rouba-lhe a flor sagrada e para sempre perde a
imortalidade.
Bibliografia:
BOTTÉRO, Jean. La Mésopotamie (il État Une Fois la Mésopotamie). Paris:
Gallimard, 1993.
CAPLICE, Richard. Introduction to Akkadian. Rome: Biblical Institute
Press, 1988.
HOOKER, J.T. (eds.) Lendo o Passado – Do Cuneiforme ao Alfabeto. A
História da Escrita Antiga. Rio de Janeiro: Melhoramentos/Edusp, 1996.
KRAMER, Samuel Noah. La História empieza en Sumer. Barcelona: Orbis,
1985.
SANDARS, N. K. A epopéia de Gilgamesh. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
ZILBERMAN, Regina. Nos princípios da epopéia: Gilgamesh. In: BAKOS,
Margaret Marchiori; POZZER, Katia Maria Paim. JORNADA DE ESTUDOS DO
ORIENTE ANTIGO: LÍNGUAS ESCRITAS E IMAGINÁRIAS, 3., 1997, Porto Alegre.
Anais … trabalho 4. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 58.
LITERATURA IRLANDESA -
OSCAR WILDE
Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde, ou simplesmente Oscar Wilde
(Dublin, 1854 — Paris, 1900) escritor irlandês. Depois de escrever de
diferentes formas ao longo da década de 1880, ele se tornou um dos
dramaturgos mais populares de Londres, em 1890. Hoje ele é lembrado por
seus epigramas e peças, e as circunstâncias de sua prisão, que foi
seguido por sua morte precoce.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Oscar_Wilde).
O PRÍNCIPE FELIZ
No ponto mais elevado da cidade, sobre uma alta coluna, erguia-se a
estátua do Príncipe Feliz. Era toda revestida de finas folhas de ouro,
tinha por olhos duas brilhantes safiras, e um grande rubi vermelho
reluzia no punho de sua espada. Em razão disso, a estátua era por todos
admirada.
– É bela como um cata-vento – observou um dos conselheiros da cidade,
que pretendia passar por homem de bom gosto artístico – só não é muito
útil – acrescentou, temendo que o tomassem por homem pouco prático, o
que de fato não era.
– Por que não és como o Príncipe Feliz? – perguntou um dia uma mãe
sensível ao filho que pedia a lua, chorando. – O Príncipe Feliz nunca
chora por motivo algum.
– Fico satisfeito que haja alguém no mundo que seja realmente feliz -
murmurou um homem desapontado, enquanto fitava a estátua maravilhosa.
Parece mesmo um anjo – diziam os meninos do orfanato, ao saírem da
catedral com suas capas de vivo escarlate e aventais muito alvos.
– Como sabeis? - disse o professor de matemática-, nunca vistes nenhum.
– Ah! Nós os vimos em sonhos – responderam os meninos; e o professor de
matemática franziu as sobrancelhas, com semblante muito severo, pois não
aprovava que meninos sonhassem.
Uma noite, voou sobre a cidade uma pequena andorinha. Suas companheiras
haviam partido para o Egito havia seis semanas, mas ela ficara para
trás, apaixonada que estava por um gracioso junco. Ela o conhecera no
princípio da primavera, enquanto voava rio abaixo atrás de uma mariposa
amarela, e de tal forma a atraíra a cintura esbelta do junco, que se
detivera para falar-lhe.
– Permites que te ame? - disse a andorinha, que gostava de perder tempo
com rodeios. O junco fizera-lhe uma profunda reverência. Voara então
repetidas vezes à roda dele, roçando as águas com a ponta das asas,
produzindo mil ondulações de prata. Era sua maneira de lhe fazer a
corte, que se prolongou pelo verão inteiro.
Que afeição mais ridícula – chilrearam as outras andorinhas – ele não
tem dinheiro e tem parentes demais.
E, na verdade, o rio estava cheio de juncos.
Quando veio o outono, todas as andorinhas voaram para longe.
Depois que partiram, começou ela a sentir-se muito solitária e
enfastiar-se de seu amado.
– Ele não diz uma palavra, e temo que seja galanteador, porque está
sempre flertando com a brisa.
E, de fato, toda vez que a brisa soprava, o junco fazia as mais
graciosas mesuras.
– Além do mais ele é muito caseiro – continuou – enquanto eu adoro
viajar, e meu esposo, consequentemente, também deveria gostar de
viagens.
– Queres vir comigo? – perguntou-lhe, por fim.
Mas o junco meneou a cabeça; era por demais arraigado a seu lar para
segui-la.
– Estavas somente gracejando comigo – disse ela.
– Vou para as pirâmides. Adeus! E se foi.
Voou o dia inteiro e à noite chegou à cidade.
– Onde pernoitarei? Espero que a cidade esteja preparada para me
abrigar.
Viu então a estátua do Príncipe Feliz sobre a alta coluna.
– Vou me acomodar ali, murmurou. É um esplêndido lugar, com bastante ar
fresco.
– Assim, pousou entre os pés do Príncipe Feliz.
– Tenho um aposento de ouro - disse baixinho para si, olhando ao redor, e
preparando-se para dormir; mas no momento em que colocava a cabeça sob a
asa, uma enorme gota de água caiu sobre ela.
– Que estranho! Murmurou. Não há uma única nuvem no céu, as estrelas
cintilam e, não obstante, está chovendo. O clima no Norte da Europa é
mesmo horrível.
O junco gostava de chuva, mas isso era puro egoísmo dele.
Então caiu uma nova gota.
– Para que serve uma estátua, se não é capaz de me proteger da chuva? –
Tenho que procurar uma boa chaminé – disse ela.
E já ia levantar voo.
Mas antes que abrisse as asas, uma terceira gota caiu. Levantou os olhos
e viu... Ah! O que viu ela?
Os olhos do Príncipe Feliz estavam rasos de lágrimas, e lágrimas
banhavam-lhe as faces douradas. Tão belo era seu rosto batido pelo luar
que a pequena Andorinha encheu-se de compaixão.
– Quem és tu? Perguntou-lhe.
– Sou o Príncipe Feliz.
– Por que choras, então? - Perguntou a andorinha. Encharcaste-me por
completo.
– Quando era vivo e tinha um coração humano – respondeu a estátua – eu
não sabia o que eram lágrimas, pois vivia no Palácio de Sans-Souci,
onde é vedado o ingresso à tristeza.
Durante o dia, brincava com meus companheiros no jardim, e à noite
conduzia a dança no grande salão. Em roda do jardim corria um muro muito
alto, mas nunca me importei em saber em saber o que existia além dele.
Tudo ao meu redor era tão lindo. Meus cortesãos chamavam-me Príncipe
Feliz, e feliz em verdade eu era, se o prazer é felicidade. Assim vivi e
assim morri. E agora, depois de morto, colocaram-me aqui tão alto que
posso ver a fealdade e toda a miséria de minha cidade e, embora meu
coração seja de chumbo, não posso fazer outra coisa senão chorar.
– O quê? Ele não é de ouro maciço? – disse a andorinha para si. Era
muito educada para fazer comentários pessoais em voz alta.
– Lá longe – continuou a estátua em voz baixa e musical – muito longe
numa rua estreita, há uma casinha pobre. Uma janela está aberta e vejo
uma mulher sentada à mesa. Tem o rosto magro e abatido, e as mãos
ásperas, picadas pela agulha, pois é costureira. Está bordando
flores-da-paixão num vestido de cetim para a mais adorável dama de honra
da rainha vestir no próximo baile da corte. Num leito, no canto do
quarto, está deitado seu filho doente, tem febre, e pede laranjas. Mas
ela nada tem nada para lhe dar, exceto água do rio, e por isso ele está
chorando.
– Andorinha, andorinha, pequena andorinha, não quer levar-lhe o rubi do
punho da minha espada? Meus pés estão presos a este pedestal e não posso
me mover.
– Esperam-me no Egito - disse a andorinha.
– Minhas amigas estão voando sobre o Nilo, conversando com as grandes
flores de lótus. Em breve vão recolher-se na tumba do grande rei. O
próprio rei está ali, em seu sarcófago coberto de adornos. Está enrolado
em linho amarelo e embalsamado com especiarias. Em seu pescoço há um
colar de jade verde-pálido, e suas mãos são como folhas secas.
– Andorinha, andorinha, pequena andorinha – disse o Príncipe – não
queres ficar comigo por uma noite apenas, e ser minha mensageira? O
menino está com tanta sede, e a mãe tão triste...
– Eu não simpatizo com meninos - respondeu a andorinha.
– No verão, quando eu estava no rio, havia dois meninos rudes, os filhos
do moleiro, que estavam sempre atirando pedras em mim. Nunca me
acertaram, é claro; nós andorinhas voamos bem demais para que nos
acertem, e venho de uma família famosa pela agilidade; ainda assim, foi
um sinal de desrespeito.
Mas o Príncipe Feliz parecia tão triste que a andorinha se condoeu:
– Está muito frio aqui, mas permanecerei contigo por uma noite, e serei
tua mensageira.
– Muito obrigada, andorinha - disse o Príncipe.
Então a andorinha tirou o enorme rubi da espada do príncipe e voou,
levando-o no bico por sobre os telhados da cidade.
Passou pela torre da catedral, onde estavam esculpidos anjos de mármore
branco. Passou pelo palácio onde ouviu o rumor de uma dança. Uma jovem
formosa apareceu na sacada com seu namorado.
– Como estão maravilhosas as estrelas – disse ele – e como é maravilhoso
o poder do amor!
– Espero que meu vestido fique pronto a tempo para o baile de gala,
respondeu a jovem.
– Mandei bordá-lo de flores-da-paixão, mas a costureira é tão
preguiçosa!
Atravessou o rio e viu as lanternas que pendiam dos mastros dos navios.
Passou sobre o gueto e viu velhos judeus negociando entre si, pesando
moedas em balanças de cobre. Finalmente, chegou à casa pobre e espiou. O
pequeno agitava-se febrilmente no leito, e a mãe caíra no sono, tão
cansada estava. Saltou para dentro e deixou suavemente o grande rubi
sobre a mesa, ao lado do dedal. Então voou suavemente em volta do leito,
abanando a fronte do menino com as asas.
– Sinto-me refrescar – disse o pequeno – acho que estou melhorando - e
mergulhou num delicioso sono.
Então a andorinha voltou ao Príncipe Feliz, e contou-lhe o tinha feito.
– É curioso – observou ela – mas agora sinto calor, embora esteja tão
frio.
– É porque praticou uma boa ação – disse o Príncipe. E a pequena
andorinha começou a pensar, adormecendo logo em seguida. Pensar sempre a
fez ficar com sono.
Quando o dia raiou, ela voou ao rio e tomou um banho.
– Que fenômeno notável – disse o professor de ornitologia ao passar pela
ponte.
– Uma andorinha no inverno!
E escreveu uma longa carta sobre isso no jornal local. Todos a citavam,
porque estava cheia de palavras que não compreendiam.
Esta noite parto para o Egito - disse a andorinha, bastante animada com a
perspectiva.
Visitou todos os monumentos públicos, e ficou pousada por um longo tempo
no topo do campanário da igreja. Onde quer que fosse, os pardais
aplaudiam, dizendo uns aos outros:
– Que estrangeira distinta! E ela se divertiu bastante com isso.
Quando a lua surgiu, voltou ao Príncipe feliz e disse:
– Tem alguma encomenda para o Egito? Já estou partindo.
– Andorinha, andorinha, pequena andorinha - disse o Príncipe -, não
queres passar mais um noite comigo?
– Esperam-me no Egito – respondeu a andorinha – Amanhã minhas amigas
voarão até a segunda catarata. Os hipopótamos deitam-se ali entre os
juncais, e num grande trono de granito está sentado o deus Mémnon.
Durante a noite inteira ele contempla as estrelas, e quando brilha a
estrela da manhã, ele solta um grito de alegria e depois silencia. Ao
meio dia os leões vêm à margem das águas para beber. Têm olhos que se
parecem com berilos verdes, e seus rugidos são mais estrondosos do que o
rugir das cataratas.
– Andorinha, andorinha, pequena andorinha – disse o Príncipe – longe, no
outro lado da cidade, vejo um jovem numa água-furtada. Está debruçado
sobre uma mesa coberta de papéis, e num copo ao seu lado há um maço de
violetas murchas. Tem o cabelo castanho e crespo, uns lábios tão
vermelhos como uma romã, e uns olhos grandes e sonhadores. Ele tenta
terminar um peça para o diretor do teatro, mas sente muito frio para
continuar escrevendo. Não há lenha no fogão, e ele já vai desfalecer de
fome.
– Ficarei contigo mais um noite – disse a andorinha, que no fundo tinha
um bom coração.
– Devo levar-lhe outro rubi?
– Ai de mim! Não tenho mais rubis – disse o Príncipe – ; meus olhos são
tudo o que me resta. São feitos de safiras preciosas, trazidas da Índia
há mil anos. Arranca um deles e leva ao jovem. Ele a venderá ao
joalheiro, comprará comida e lenha, e terminará a sua peça.
– Caro Príncipe – disse a andorinha – não posso fazer semelhante coisa -
e pôs-se a chorar.
– Andorinha, andorinha, pequena andorinha – disse o Príncipe – faz o
que te ordeno.
Então a andorinha arrancou o olho do Príncipe e voou até a água-furtada
do estudante. Era muito fácil entrar já que havia um buraco no telhado.
Arremessou-se através dele e entrou no quarto. O jovem tinha a cabeça
enterrada nas mãos, e não viu o bater das asas; quando levantou os
olhos, encontrou a bela safira pousada sobre as violetas murchas.
– Começo a ser apreciado. Isto deve ser de algum admirador. Agora posso
terminar minha peça – gritou – parecendo muito contente.
No dia seguinte, a andorinha foi ao porto. Pousou no mastro de uma
grande embarcação e observou os marinheiros puxando arcas enormes do
porão do navio. – Upa! - gritavam eles a cada arca que levantavam.
– Vou para o Egito! – bradou a andorinha – mas ninguém lhe deu
atenção, e quando a lua surgiu, voou até o Príncipe Feliz.
– Vim para dizer-lhe adeus.
– Andorinha, andorinha, pequena andorinha – disse o príncipe – não
queres ficar mais uma noite comigo?
– É inverno – retorquiu ela - e a fria neve logo vai chegar. No Egito, o
sol é quente sobre as palmeiras, e os crocodilos deitam-se na lama e
olham preguiçosamente ao redor. Minhas companheiras estão construindo um
ninho no templo de Baalbeck, e as pombas rosadas as observam,
arrulhando entre si. Caro Príncipe, tenho que deixá-lo, mas nunca o
esquecerei; e na próxima primavera trarei duas lindas joias para
substituir as que doou. O rubi será mais rubro que a rosa vermelha, e a
safira tão azul quanto o imenso oceano.
– Na praça logo abaixo – disse o Príncipe Feliz – há uma pequena
vendedora de fósforos. Ela os deixou cair na sarjeta, e estão todos
estragados. Seu pai baterá nela se não levar dinheiro para casa, e por
isso ela está chorando. Não tem sapatos nem meias, e sua cabecinha está
descoberta. Arranca-me o outro olho e leva-lhe, para que seu pai não a
maltrate.
– Ficarei contigo mais uma noite – disse a andorinha – mas não posso
arrancar outro olho. Tu ficarias completamente cego.
– Andorinha, andorinha, pequena andorinha – disse o príncipe – faz o que
te ordeno.
Ela arrancou então o outro olho do Príncipe e alçou voo. Precipitou-se
sobre a vendedora de fósforos e deixou cair a joia na palma de sua mão.
– Que lindo pedacinho de vidro – disse ela – e correu para casa
sorrindo.
A andorinha voltou ao Príncipe e disse:
– Estás cego agora; então ficarei contigo para sempre.
– Não, pequena andorinha – disse o Príncipe – deves partir para o Egito.
– Ficarei contigo para sempre – disse a andorinha – e adormeceu aos pés
do Príncipe Feliz.
Durante todo o dia seguinte, ficou pousada no ombro do Príncipe, e
contou-lhe histórias sobre coisas que viu em terras estranhas. Falou-lhe
dos íbis vermelhos, que pousavam em longas fileiras nas margens do
Nilo, apanhando peixes dourados com os bicos; da Esfinge, que é tão
antiga quanto o próprio mundo, vive no deserto e tudo sabe; dos
mercadores, que caminham vagarosamente ao lado de seus camelos e levam
contas de âmbar nas mãos; do rei das montanhas da Lua, que é negro como o
ébano e cultua um imenso cristal; da grande serpente verde, que dorme
numa palmeira e tem vinte sacerdotes para alimentá-la com bolos de mel; e
dos pigmeus que navegam sobre um grande lago em largas folhas e que
estão sempre em guerra com as borboletas.
– Querida andorinha – disse o Príncipe – tu me contas coisas espantosas,
mas mais espantoso é o sofrimento de homens e mulheres. Não há mistério
maior que a miséria. Voa por sobre minha cidade, pequena andorinha, e
conte-me o que vir por lá.
Assim, a andorinha voou sobre a grande cidade e viu os ricos
divertindo-se em suas residências luxuosas, enquanto os mendigos
sentavam-se em frente aos portões. Voou por becos escuros e viu os
rostos pálidos das crianças esfaimadas, olhando apaticamente para as
ruas sombrias. Sob o arco de uma ponte, estavam deitados dois meninos,
abraçados um ao outro, tentando manter-se aquecidos.
– Temos tanta fome! – diziam eles.
– Vocês não podem ficar aqui – gritou o guarda noturno – e eles se
retiraram, vagando sob a chuva.
Então a andorinha voltou e contou ao Príncipe o que tinha visto.
– Sou coberto de ouro puro - disse o Príncipe -, tu deves tirá-lo folha
por folha, dá-lo aos meus pobres; os vivos cuidam que o ouro pode
fazê-los felizes.
Folha após folha de puro ouro a andorinha arrancou, até que o Príncipe
Feliz ficasse fosco e acinzentado. Folha após folha de puro ouro levou
aos pobres, e os rostos das crianças tornaram-se mais rosados, e elas
riam e brincavam na rua.
– Agora temos pão - gritavam as crianças.
Então veio a neve, e depois da neve, o gelo. As ruas pareciam feitas de
prata, de tão luminosas e brilhantes; pontas de gelo, longas como adagas
de cristal, pendiam dos beirais das casas; todos passavam vestindo
casacos de pele, e as crianças usavam gorros escarlate, patinando sobre o
gelo.
A pobre andorinha sentia cada vez mais frio, mas não queria deixar o
príncipe, pois o amava muito. Apanhava as migalhas à porta do padeiro
quando ele não estava olhando, e tentava se aquecer agitando as asas.
Mas por fim sentiu que iria morrer. Mal tinha forças para voar uma vez
mais ao ombro do príncipe
– Adeus, querido Príncipe – murmurou – deixa-me beijar suas mãos?
– Fico contente que vás para o Egito afinal – pequena andorinha –
disse o Príncipe Feliz.
– Ficaste muito tempo aqui, mas deves beijar-me os lábios, pois te amo.
– Não é para o Egito que vou – disse a andorinha.
– Vou para a casa da morte. A morte é irmã do sono, não é mesmo?
Então beijou o Príncipe Feliz nos lábios e caiu morta aos seu pés.
Naquele momento, um estranho estalo soou dentro da estátua, como se algo
se tivesse quebrado. A verdade é que o coração de chumbo despedaçou-se
em dois. Era certamente um gelo terrível.
Na manhã seguinte, bem cedo, o prefeito caminhava na praça em companhia
dos conselheiros da cidade. Ao passar pela coluna, olhou para a estátua:
– Santo Deus! Que aspecto miserável tem o Príncipe Feliz! - disse ele.
– Muito miserável, realmente - disseram os conselheiros da cidade, que
sempre concordavam com o prefeito.
– Na verdade, é pouco mais que um mendigo!
– Pouco mais que um mendigo – disseram os conselheiros da cidade.
E há até um pássaro morto aos seus pés! – continuou o prefeito.
– Devemos emitir um decreto que proíba os pássaros de morrerem aqui. E o
secretário da cidade anotou a sugestão.
Então, puseram abaixo a estátua do Príncipe Feliz.
– Como já não é belo, já não é mais útil - disse o professor de Arte na
universidade.
Assim, fundiram a estátua numa fornalha e o prefeito convocou uma
reunião com a corporação, para decidir o que seria feito do metal.
– Naturalmente, precisamos ter outra estátua – disse ele – e será com
minha imagem.
– Com minha imagem – disse cada um dos conselheiros da cidade – e
começaram a discutir. Da última vez que soube deles, ainda estavam
discutindo.
– Que coisa estranha! – disse o contramestre da fundição.
– Este coração de chumbo não derrete na fornalha. Vamos jogá-lo fora. -
Assim, jogaram-no em um monte de lixo onde estava também a andorinha
morta.
– Traze-me as duas coisas mais preciosas da cidade – disse Deus a um de
seus anjos; e o anjo trouxe-Lhe o coração de chumbo e o pássaro morto.
The Happy Prince
High above the city, on a tall column, stood the statue of the Happy
Prince. He was gilded all over with thin leaves of fine gold, for eyes
he had two bright sapphires, and a large red ruby glowed on his
sword-hilt. He was very much admired indeed. "He is as beautiful as a
weathercock," remarked one of the Town Councillors who wished to gain a
reputation for having artistic tastes; "only not quite so useful," he
added, fearing lest people should think him unpractical, which he really
was not. "Why can't you be like the Happy Prince?" asked a sensible
mother of her little boy who was crying for the moon. "The Happy Prince
never dreams of crying for anything." "I am glad there is some one in
the world who is quite happy," muttered a disappointed man as he gazed
at the wonderful statue. "He looks just like an angel," said the Charity
Children as they came out of the cathedral in their bright scarlet
cloaks and their clean white pinafores. "How do you know?" said the
Mathematical Master, "you have never seen one." "Ah! but we have, in our
dreams," answered the children; and the Mathematical Master frowned and
looked very severe, for he did not approve of children dreaming. One
night there flew over the city a little Swallow. His friends had gone
away to Egypt six weeks before, but he had stayed behind, for he was in
love with the most beautiful Reed. He had met her early in the spring as
he was flying down the river after a big yellow moth, and had been so
attracted by her slender waist that he had stopped to talk to her.
"Shall I love you?" said the Swallow, who liked to come to the point at
once, and the Reed made him a low bow. So he flew round and round her,
touching the water with his wings, and making silver ripples. This was
his courtship, and it lasted all through the summer. "It is a ridiculous
attachment," twittered the other Swallows; "she has no money, and far
too many relations"; and indeed the river was quite full of Reeds. Then,
when the autumn came they all flew away. After they had gone he felt
lonely, and began to tire of his lady- love. "She has no conversation,"
he said, "and I am afraid that she is a coquette, for she is always
flirting with the wind." And certainly, whenever the wind blew, the Reed
made the most graceful curtseys. "I admit that she is domestic," he
continued, "but I love travelling, and my wife, consequently, should
love travelling also." "Will you come away with me?" he said finally to
her; but the Reed shook her head, she was so attached to her home. "You
have been trifling with me," he cried. "I am off to the Pyramids.
Good-bye!" and he flew away. All day long he flew, and at night-time he
arrived at the city. "Where shall I put up?" he said; "I hope the town
has made preparations." Then he saw the statue on the tall column. "I
will put up there," he cried; "it is a fine position, with plenty of
fresh air." So he alighted just between the feet of the Happy Prince. "I
have a golden bedroom," he said softly to himself as he looked round,
and he prepared to go to sleep; but just as he was putting his head
under his wing a large drop of water fell on him. "What a curious
thing!" he cried; "there is not a single cloud in the sky, the stars are
quite clear and bright, and yet it is raining. The climate in the north
of Europe is really dreadful. The Reed used to like the rain, but that
was merely her selfishness." Then another drop fell. "What is the use of
a statue if it cannot keep the rain off?" he said; "I must look for a
good chimney-pot," and he determined to fly away. But before he had
opened his wings, a third drop fell, and he looked up, and saw - Ah!
what did he see? The eyes of the Happy Prince were filled with tears,
and tears were running down his golden cheeks. His face was so beautiful
in the moonlight that the little Swallow was filled with pity. "Who are
you?" he said. "I am the Happy Prince." "Why are you weeping then?"
asked the Swallow; "you have quite drenched me." "When I was alive and
had a human heart," answered the statue, "I did not know what tears
were, for I lived in the Palace of Sans- Souci, where sorrow is not
allowed to enter. In the daytime I played with my companions in the
garden, and in the evening I led the dance in the Great Hall. Round the
garden ran a very lofty wall, but I never cared to ask what lay beyond
it, everything about me was so beautiful. My courtiers called me the
Happy Prince, and happy indeed I was, if pleasure be happiness. So I
lived, and so I died. And now that I am dead they have set me up here so
high that I can see all the ugliness and all the misery of my city, and
though my heart is made of lead yet I cannot chose but weep." "What! is
he not solid gold?" said the Swallow to himself. He was too polite to
make any personal remarks out loud. "Far away," continued the statue in a
low musical voice, "far away in a little street there is a poor house.
One of the windows is open, and through it I can see a woman seated at a
table. Her face is thin and worn, and she has coarse, red hands, all
pricked by the needle, for she is a seamstress. She is embroidering
passion- flowers on a satin gown for the loveliest of the Queen's
maids-of- honour to wear at the next Court-ball. In a bed in the corner
of the room her little boy is lying ill. He has a fever, and is asking
for oranges. His mother has nothing to give him but river water, so he
is crying. Swallow, Swallow, little Swallow, will you not bring her the
ruby out of my sword-hilt? My feet are fastened to this pedestal and I
cannot move." "I am waited for in Egypt," said the Swallow. "My friends
are flying up and down the Nile, and talking to the large lotus-
flowers. Soon they will go to sleep in the tomb of the great King. The
King is there himself in his painted coffin. He is wrapped in yellow
linen, and embalmed with spices. Round his neck is a chain of pale green
jade, and his hands are like withered leaves." "Swallow, Swallow,
little Swallow," said the Prince, "will you not stay with me for one
night, and be my messenger? The boy is so thirsty, and the mother so
sad." "I don't think I like boys," answered the Swallow. "Last summer,
when I was staying on the river, there were two rude boys, the miller's
sons, who were always throwing stones at me. They never hit me, of
course; we swallows fly far too well for that, and besides, I come of a
family famous for its agility; but still, it was a mark of disrespect."
But the Happy Prince looked so sad that the little Swallow was sorry.
"It is very cold here," he said; "but I will stay with you for one
night, and be your messenger." "Thank you, little Swallow," said the
Prince. So the Swallow picked out the great ruby from the Prince's
sword, and flew away with it in his beak over the roofs of the town. He
passed by the cathedral tower, where the white marble angels were
sculptured. He passed by the palace and heard the sound of dancing. A
beautiful girl came out on the balcony with her lover. "How wonderful
the stars are," he said to her, "and how wonderful is the power of
love!" "I hope my dress will be ready in time for the State-ball," she
answered; "I have ordered passion-flowers to be embroidered on it; but
the seamstresses are so lazy." He passed over the river, and saw the
lanterns hanging to the masts of the ships. He passed over the Ghetto,
and saw the old Jews bargaining with each other, and weighing out money
in copper scales. At last he came to the poor house and looked in. The
boy was tossing feverishly on his bed, and the mother had fallen asleep,
she was so tired. In he hopped, and laid the great ruby on the table
beside the woman's thimble. Then he flew gently round the bed, fanning
the boy's forehead with his wings. "How cool I feel," said the boy, "I
must be getting better"; and he sank into a delicious slumber. Then the
Swallow flew back to the Happy Prince, and told him what he had done.
"It is curious," he remarked, "but I feel quite warm now, although it is
so cold." "That is because you have done a good action," said the
Prince. And the little Swallow began to think, and then he fell asleep.
Thinking always made him sleepy. When day broke he flew down to the
river and had a bath. "What a remarkable phenomenon," said the Professor
of Ornithology as he was passing over the bridge. "A swallow in
winter!" And he wrote a long letter about it to the local newspaper.
Every one quoted it, it was full of so many words that they could not
understand. "To-night I go to Egypt," said the Swallow, and he was in
high spirits at the prospect. He visited all the public monuments, and
sat a long time on top of the church steeple. Wherever he went the
Sparrows chirruped, and said to each other, "What a distinguished
stranger!" so he enjoyed himself very much. When the moon rose he flew
back to the Happy Prince. "Have you any commissions for Egypt?" he
cried; "I am just starting." "Swallow, Swallow, little Swallow," said
the Prince, "will you not stay with me one night longer?" "I am waited
for in Egypt," answered the Swallow. "To-morrow my friends will fly up
to the Second Cataract. The river-horse couches there among the
bulrushes, and on a great granite throne sits the God Memnon. All night
long he watches the stars, and when the morning star shines he utters
one cry of joy, and then he is silent. At noon the yellow lions come
down to the water's edge to drink. They have eyes like green beryls, and
their roar is louder than the roar of the cataract. "Swallow, Swallow,
little Swallow," said the Prince, "far away across the city I see a
young man in a garret. He is leaning over a desk covered with papers,
and in a tumbler by his side there is a bunch of withered violets. His
hair is brown and crisp, and his lips are red as a pomegranate, and he
has large and dreamy eyes. He is trying to finish a play for the
Director of the Theatre, but he is too cold to write any more. There is
no fire in the grate, and hunger has made him faint." "I will wait with
you one night longer," said the Swallow, who really had a good heart.
"Shall I take him another ruby?" "Alas! I have no ruby now," said the
Prince; "my eyes are all that I have left. They are made of rare
sapphires, which were brought out of India a thousand years ago. Pluck
out one of them and take it to him. He will sell it to the jeweller, and
buy food and firewood, and finish his play." "Dear Prince," said the
Swallow, "I cannot do that"; and he began to weep. "Swallow, Swallow,
little Swallow," said the Prince, "do as I command you." So the Swallow
plucked out the Prince's eye, and flew away to the student's garret. It
was easy enough to get in, as there was a hole in the roof. Through this
he darted, and came into the room. The young man had his head buried in
his hands, so he did not hear the flutter of the bird's wings, and when
he looked up he found the beautiful sapphire lying on the withered
violets. "I am beginning to be appreciated," he cried; "this is from
some great admirer. Now I can finish my play," and he looked quite
happy. The next day the Swallow flew down to the harbour. He sat on the
mast of a large vessel and watched the sailors hauling big chests out of
the hold with ropes. "Heave a-hoy!" they shouted as each chest came up.
"I am going to Egypt"! cried the Swallow, but nobody minded, and when
the moon rose he flew back to the Happy Prince. "I am come to bid you
good-bye," he cried. "Swallow, Swallow, little Swallow," said the
Prince, "will you not stay with me one night longer?" "It is winter,"
answered the Swallow, "and the chill snow will soon be here. In Egypt
the sun is warm on the green palm-trees, and the crocodiles lie in the
mud and look lazily about them. My companions are building a nest in the
Temple of Baalbec, and the pink and white doves are watching them, and
cooing to each other. Dear Prince, I must leave you, but I will never
forget you, and next spring I will bring you back two beautiful jewels
in place of those you have given away. The ruby shall be redder than a
red rose, and the sapphire shall be as blue as the great sea." "In the
square below," said the Happy Prince, "there stands a little match-girl.
She has let her matches fall in the gutter, and they are all spoiled.
Her father will beat her if she does not bring home some money, and she
is crying. She has no shoes or stockings, and her little head is bare.
Pluck out my other eye, and give it to her, and her father will not beat
her." "I will stay with you one night longer," said the Swallow, "but I
cannot pluck out your eye. You would be quite blind then." "Swallow,
Swallow, little Swallow," said the Prince, "do as I command you." So he
plucked out the Prince's other eye, and darted down with it. He swooped
past the match-girl, and slipped the jewel into the palm of her hand.
"What a lovely bit of glass," cried the little girl; and she ran home,
laughing. Then the Swallow came back to the Prince. "You are blind now,"
he said, "so I will stay with you always." "No, little Swallow," said
the poor Prince, "you must go away to Egypt." "I will stay with you
always," said the Swallow, and he slept at the Prince's feet. All the
next day he sat on the Prince's shoulder, and told him stories of what
he had seen in strange lands. He told him of the red ibises, who stand
in long rows on the banks of the Nile, and catch gold-fish in their
beaks; of the Sphinx, who is as old as the world itself, and lives in
the desert, and knows everything; of the merchants, who walk slowly by
the side of their camels, and carry amber beads in their hands; of the
King of the Mountains of the Moon, who is as black as ebony, and
worships a large crystal; of the great green snake that sleeps in a
palm-tree, and has twenty priests to feed it with honey-cakes; and of
the pygmies who sail over a big lake on large flat leaves, and are
always at war with the butterflies. "Dear little Swallow," said the
Prince, "you tell me of marvellous things, but more marvellous than
anything is the suffering of men and of women. There is no Mystery so
great as Misery. Fly over my city, little Swallow, and tell me what you
see there." So the Swallow flew over the great city, and saw the rich
making merry in their beautiful houses, while the beggars were sitting
at the gates. He flew into dark lanes, and saw the white faces of
starving children looking out listlessly at the black streets. Under the
archway of a bridge two little boys were lying in one another's arms to
try and keep themselves warm. "How hungry we are!" they said. "You must
not lie here," shouted the Watchman, and they wandered out into the
rain. Then he flew back and told the Prince what he had seen. "I am
covered with fine gold," said the Prince, "you must take it off, leaf by
leaf, and give it to my poor; the living always think that gold can
make them happy." Leaf after leaf of the fine gold the Swallow picked
off, till the Happy Prince looked quite dull and grey. Leaf after leaf
of the fine gold he brought to the poor, and the children's faces grew
rosier, and they laughed and played games in the street. "We have bread
now!" they cried. Then the snow came, and after the snow came the frost.
The streets looked as if they were made of silver, they were so bright
and glistening; long icicles like crystal daggers hung down from the
eaves of the houses, everybody went about in furs, and the little boys
wore scarlet caps and skated on the ice. The poor little Swallow grew
colder and colder, but he would not leave the Prince, he loved him too
well. He picked up crumbs outside the baker's door when the baker was
not looking and tried to keep himself warm by flapping his wings. But at
last he knew that he was going to die. He had just strength to fly up
to the Prince's shoulder once more. "Good-bye, dear Prince!" he
murmured, "will you let me kiss your hand?" "I am glad that you are
going to Egypt at last, little Swallow," said the Prince, "you have
stayed too long here; but you must kiss me on the lips, for I love you."
"It is not to Egypt that I am going," said the Swallow. "I am going to
the House of Death. Death is the brother of Sleep, is he not?" And he
kissed the Happy Prince on the lips, and fell down dead at his feet. At
that moment a curious crack sounded inside the statue, as if something
had broken. The fact is that the leaden heart had snapped right in two.
It certainly was a dreadfully hard frost. Early the next morning the
Mayor was walking in the square below in company with the Town
Councillors. As they passed the column he looked up at the statue: "Dear
me! how shabby the Happy Prince looks!" he said. "How shabby indeed!"
cried the Town Councillors, who always agreed with the Mayor; and they
went up to look at it. "The ruby has fallen out of his sword, his eyes
are gone, and he is golden no longer," said the Mayor in fact, "he is
litttle beter than a beggar!" "Little better than a beggar," said the
Town Councillors. "And here is actually a dead bird at his feet!"
continued the Mayor. "We must really issue a proclamation that birds are
not to be allowed to die here." And the Town Clerk made a note of the
suggestion. So they pulled down the statue of the Happy Prince. "As he
is no longer beautiful he is no longer useful," said the Art Professor
at the University. Then they melted the statue in a furnace, and the
Mayor held a meeting of the Corporation to decide what was to be done
with the metal. "We must have another statue, of course," he said, "and
it shall be a statue of myself." "Of myself," said each of the Town
Councillors, and they quarrelled. When I last heard of them they were
quarrelling still. "What a strange thing!" said the overseer of the
workmen at the foundry. "This broken lead heart will not melt in the
furnace. We must throw it away." So they threw it on a dust-heap where
the dead Swallow was also lying. "Bring me the two most precious things
in the city," said God to one of His Angels; and the Angel brought Him
the leaden heart and the dead bird. "You have rightly chosen," said God,
"for in my garden of Paradise this little bird shall sing for evermore,
and in my city of gold the Happy Prince shall praise me."
Oscar Wilde
– Ela disse que dançaria comigo se eu lhe levasse rosas vermelhas –
exclamou o jovem Estudante – mas estamos no inverno e não há uma única
rosa em todo o meu jardim...
Por entre as folhas, do seu ninho, no alto do carvalho, um Rouxinol o
ouviu, e vendo-o, ficou a pensar. Não há nenhuma rosa vermelha em todo o
meu jardim! – disse o Estudante – e seus lindos olhos encheram-se de
lágrimas. Ah, nossa felicidade depende de pequeninas coisas! Já li tudo
que escreveram os sábios, conheço todos os segredos da filosofia e, no
entanto, a falta de uma rosa vermelha é a desgraça da minha vida.
– Finalmente, eis um verdadeiro apaixonado, disse o Rouxinol. Noite após
noite eu tenho cantado o Amor, sem conhecê-lo; noite após noite tenho
contado sua história para as estrelas, e eis que agora o vejo. Seus
cabelos são escuros como a flor do jacinto, e seus lábios são vermelhos
como a rosa de seu desejo; porém a paixão transformou-lhe o rosto em
marfim pálido, e a cravou-lhe na fronte sua marca.
– Amanhã haverá um baile no palácio do príncipe – murmurou o jovem
Estudante – e minha amada estará entre os convidados. Se eu lhe levar
uma rosa vermelha, ela há de dançar comigo até o dia raiar. Somente se
lhe levar uma rosa vermelha... Ah..., como eu queria tê-la em meus
braços e sentir-lhe a cabeça no meu ombro, e sua mão presa à minha.
Porém, não há nenhuma rosa vermelha no meu jardim, ... e ficarei só,
... e ela passará por mim sem me olhar. Não me dará nenhuma atenção, ...
e meu coração se despedaçará.
– Eis um verdadeiro apaixonado, ele ama de verdade, pensou o Rouxinol.
Aquilo que eu canto, ele sofre; o que para mim é júbilo, para ele é
sofrimento. Sem dúvida, o Amor é uma coisa maravilhosa. É mais precioso
do que as esmeraldas, mais caro do que as opalas finas. Nem pérolas nem
romãs podem comprá-lo, nem é coisa que se encontre à venda no mercado.
Não é possível comprá-lo de comerciante, nem pesá-lo numa balança em
troca de ouro.
– Os músicos no balcão – disse o jovem Estudante – tocarão seus
instrumentos de corda, e meu amor dançará ao som da harpa e do violino.
Dançará com pés tão leves que nem sequer hão de tocar no chão, e os
cortesãos, com seus trajes coloridos, vão cercá-la. Porém comigo ela não
dançará, porque não tenho nenhuma rosa vermelha para lhe dar. E
jogou-se na grama, cobriu o rosto com as mãos e chorou.
– Por que chora ele?, – indagou um pequeno Lagarto Verde, ao passar
correndo com a cauda levantada.
– Sim, por quê?" – perguntou uma Borboleta, que esvoaçava em torno de um
raio de sol.
– Sim, por quê?" – sussurrou uma Margarida, virando-se para sua vizinha,
com uma voz suave.
– Ele chora por uma rosa vermelha – disse o Rouxinol.
– Uma rosa vermelha? – exclamaram todos.
– Mas que ridículo! E o pequeno Lagarto – que era um tanto cínico – riu à
vontade.
Porém, o Rouxinol compreendia o segredo da dor do Estudante, e calou-se
no alto do carvalho, pensando no mistério do Amor. De repente, ele abriu
as asas pardas e levantou voo. Atravessou o arvoredo como uma sombra, e
como uma sombra cruzou o jardim.
No centro do gramado havia uma linda Roseira, e quando a viu o Rouxinol
foi até ela, pousando num ramo.
– Dá-me uma rosa vermelha – exclamou ele – que cantarei meu canto mais
belo para ti.
Porém a Roseira fez que não com a cabeça.
– Minhas rosas são brancas – respondeu ela – tão brancas quanto a espuma
do mar, e mais brancas que a neve das montanhas. Porém procura minha
irmã que cresce junto ao velho relógio de sol, e talvez ela possa te dar
o que queres.
Assim, o Rouxinol voou até a Roseira que crescia junto ao velho relógio
de sol.
– Dá-me uma rosa vermelha – exclamou ele – que cantarei meu canto mais
belo para ti.
Porém a Roseira fez que não com a cabeça.
Minhas rosas são amarelas – respondeu ela – amarelas como os cabelos da
sereia que está sentada num trono de âmbar, e mais amarelas que o
narciso que floresce no prado, quando o ceifeiro ainda não veio com sua
foice. Porém procura minha irmã que cresce junto à janela do Estudante, e
talvez ela possa te dar o que queres.
Assim, o Rouxinol voou até a Roseira que crescia junto à janela do
Estudante.
– Dá-me uma rosa vermelha – exclamou ele – que cantarei meu canto mais
belo para ti."
Porém a Roseira fez que não com a cabeça.
– Minhas rosas são vermelhas – respondeu ela – vermelhas como os pés da
pomba, e mais vermelhas do que os grandes leques de coral que ficam a
abanar na caverna no fundo do oceano. Porém, o inverno congelou minhas
veias, e o frio queimou meus brotos, e a tempestade quebrou meus galhos,
e não darei nenhuma rosa este ano.
– Uma única rosa vermelha é tudo que quero – exclamou o Rouxinol – só
uma rosa vermelha! Não há nenhuma maneira de consegui-la?
– Existe uma maneira – respondeu a Roseira – mas é tão terrível que não
ouso te contar.
– Conta-me –, disse o Rouxinol – Não tenho medo.
– Se queres uma rosa vermelha – disse a Roseira – tens de criá-la com
tua música ao luar, e tingi-Ia com o sangue de teu coração. Tens de
cantar para mim apertando o peito contra um espinho. A noite inteira
tens de cantar para mim, até que o espinho perfure teu coração e teu
sangue penetre em minhas veias, e se torne meu.
– A Morte é um preço alto a pagar por uma rosa vermelha – exclamou o
Rouxinol, e todos dão muito valor à Vida. É agradável, no bosque
verdejante, ver o Sol em sua carruagem de ouro, e a Lua em sua carruagem
de madrepérola. Doce é o perfume do pilriteiro, e belas são as
campânulas que se escondem no vale, e as urzes que florescem no morro.
Porém, o Amor é melhor que a Vida, e o que é o coração de um pássaro
comparado com o coração de um homem?
Assim, ele abriu as asas pardas e levantou voo. Atravessou o jardim como
uma sombra, e como uma sombra voou pelo arvoredo.
O jovem Estudante continuava deitado na grama, onde o Rouxinol o havia
deixado e as lágrimas ainda não haviam secado em seus belos olhos.
– Regozija-te – exclamou o Rouxinol – regozija-te; terás tua rosa
vermelha. Vou criá-la com minha música ao luar, e tingi-la com o sangue
do meu coração. Tudo que te peço em troca é que ames de verdade, pois o
Amor é mais sábio que a Filosofia, por mais sábia que ela seja, e mais
poderoso que o Poder, por mais poderoso que ele seja. Suas asas são da
cor do fogo, e tem a cor do fogo seu corpo. Seus lábios são doces como o
mel, e seu hálito é como o incenso.
O Estudante levantou os olhos e ficou a escutá-lo, porém, não
compreendia o que lhe dizia o Rouxinol, pois só conhecia as coisas que
estão escritas nos livros.
Mas o Carvalho compreendeu, e entristeceu-se, pois ele gostava muito do
pequeno Rouxinol que havia construído um ninho em seus galhos.
– Canta uma última canção para mim, sussurrou ele; vou sentir-me muito
solitário depois que tu partires.
Assim, o Rouxinol cantou para o Carvalho, e sua voz era como água
jorrando de uma jarra de prata.
Quando o Rouxinol terminou sua canção, o Estudante levantou-se, tirando
do bolso um caderno e um lápis.
– Ele tem classe, não se pode negar – disse ele a si próprio – enquanto
se afastava, caminhando pelo arvoredo, isso não se pode negar; mas terá
sentimentos? Temo que não. Na verdade, ele é como a maioria dos
artistas; só estilo, nenhuma sinceridade. Não seria capaz de
sacrificar-se pelos outros. Pensa só na música, e todos sabem que as
artes são egoístas. Mesmo assim, devo admitir que há algumas notas belas
em sua voz. Pena que nada signifiquem, nem façam nada de bom na
prática. E foi para seu quarto, deitou-se em sua pequena enxerga e
começou a pensar em seu amor; depois de algum tempo, adormeceu.
E quando a Lua brilhava nos céus, o Rouxinol voou até a Roseira e cravou
o peito no espinho. A noite inteira ele cantou apertando o peito contra
o espinho, e a Lua, fria e cristalina, inclinou-se para ouvir. A noite
inteira ele cantou, e o espinho foi se cravando cada vez mais fundo em
seu peito, e o sangue foi-lhe escapando das veias.
Cantou primeiro o nascimento do Amor no coração de um rapaz e de uma
moça. E no ramo mais alto da Roseira abriu-se uma rosa maravilhosa,
pétala após pétala, à medida que canção seguia canção. Pálida era, de
início, como a névoa que paira sobre o rio – pálida como os pés da
manhã, e prateada como as asas da alvorada. Como a sombra de uma rosa
num espelho de prata, como a sombra de uma rosa nas águas da lagoa, tal
era a rosa que floresceu no ramo mais alto da Roseira.
Porém a Roseira disse ao Rouxinol que se apertasse com mais força contra
o espinho.
– Aperta-te mais, pequeno Rouxinol – exclamou a Roseira – caso
contrário, o dia chegará antes que esteja pronta a rosa.
Assim, o Rouxinol apertou-se com ainda mais força contra o espinho, e
seu canto soou mais alto, pois ele cantava o nascimento da paixão na
alma de um homem e uma mulher.
E um toque róseo delicado surgiu nas folhas da rosa, tal como o rubor
nas faces do noivo quando ele beija os lábios da noiva. Porém, o espinho
ainda não havia penetrado até seu coração, e assim o coração da rosa
permanecia branco, pois só o coração do sangue de um Rouxinol pode
tingir de vermelho o coração de uma rosa.
E a Roseira insistia para que o Rouxinol se apertasse com mais força
contra o espinho.
– Aperta-te mais, pequeno Rouxinol – exclamou a Roseira – do contrário, o
dia chegará antes que esteja pronta a rosa.
Assim, o Rouxinol apertou-se com ainda mais força contra o espinho, e
uma feroz pontada de dor atravessou-lhe o corpo. Terrível, terrível era a
dor, e mais e mais tremendo era seu canto, pois ele cantava o Amor que é
levado à perfeição pela Morte, o Amor que não morre no túmulo.
E a rosa maravilhosa ficou rubra, como a rosa do céu ao alvorecer. Rubra
era sua grinalda de pétalas, e rubro como um rubi era seu coração.
Porém, a voz do Rouxinol ficava cada vez mais fraca, e suas pequenas
asas começaram a se bater, e seus olhos se embaçaram. Mais e mais fraca
era sua canção e ele sentiu algo a lhe sufocar a garganta.
Então, desprendeu-se dele uma derradeira explosão de música. A Lua alva a
ouviu e esqueceu-se do amanhecer, e permaneceu no céu. A rosa rubra a
ouviu, e estremeceu de êxtase, e abriu suas pétalas para o ar frio da
manhã. Transportou-a o Eco para sua caverna púrpura nas montanhas, e
despertou de seus sonhos os pastores adormecidos. A música flutuou por
entre os juncos do rio, e eles levaram sua mensagem até o mar.
– Olha, olha! – exclamou a Roseira – a rosa está pronta. Porém, o
Rouxinol não deu resposta, pois jazia morto na grama alta, com o espinho
cravado no coração.
E ao meio-dia o Estudante abriu a janela e olhou para fora.
– Ora, mas que sorte extraordinária! – exclamou. Eis aqui uma rosa
vermelha! Nunca vi uma rosa semelhante em toda minha vida. É tão bela
que deve ter um nome comprido em latim. E, abaixando-se, colheu-a.
Em seguida, pôs o chapéu e correu até a casa do Professor com a rosa na
mão.
A filha do Professor estava sentada à porta, enrolando seda azul num
carretel, e seu cãozinho estava deitado a seus pés.
– Disseste que dançarias comigo se eu te trouxesse uma rosa vermelha,
disse o Estudante. Eis aqui a rosa mais vermelha de todo o mundo. Tu a
usarás junto ao teu coração e ,quando dançarmos, ela te dirá quanto te
amo.
Porém a moça franziu a testa.
– Creio que não vai combinar com meu vestido –, respondeu ela –; e, além
disso, o sobrinho do Tesoureiro enviou-me joias de verdade, e todo
mundo sabe que as joias custam muito mais do que as flores.
– Ora, mas és mesmo uma ingrata – disse o Estudante – zangado, e jogou a
rosa na rua; a flor caiu na sarjeta, e uma carroça passou por cima
dela.
– Ingrata!, exclamou a moça. Tu é que és muito mal-educado; e quem és
tu? Apenas um Estudante. Ora, creio que não tens sequer fivelas de prata
em teus sapatos, como tem o sobrinho do Tesoureiro. E, levantando-se,
entrou em casa.
– Que coisa mais tola é o Amor!, – disse o Estudante – enquanto se
afastava.
– É bem menos útil que a Lógica, pois nada prova, e fica o tempo todo a
nos dizer coisas que não vão acontecer, e fazendo-nos acreditar em
coisas que não são verdade. No final das contas, é algo muito pouco
prático, e como em nossos tempos ser prático é tudo, vou retomar a
Filosofia e estudar Metafísica.
Assim, retornou para seu quarto, pegou um livro grande e poeirento, e
pôs-se a ler.
THE NACHTIGALL AND THE ROSE
Oscar Wilde
'She said that she would dance with me if I brought her red roses,'
cried the young Student;
'but in all my garden there is no red rose.'
From her nest in the holm-oak tree the Nightingale heard him, and she
looked out through the leaves, and wondered.
'No red rose in all my garden!'
he cried, and his beautiful eyes filled with tears.
'Ah, on what little things does happiness depend! I have read all that
the wise men have written, and all the secrets of philosophy are mine,
yet for want of a red rose is my life made wretched.'
'Here at last is a true lover,' said the Nightingale.
'Night after night have I sung of him, though I knew him not: night
after night have I told his story to the stars, and now I see him. His
hair is dark as the hyacinth-blossom, and his lips are red as the rose
of his desire; but passion has made his lace like pale Ivory, and
sorrow has set her seal upon his brow.'
'The Prince gives a ball to-morrow night,' murmured the young Student,
'and my love will be of the company. If I bring her a red rose she will
dance with me till dawn. If I bring her a red rose, I shall hold her
in my arms, and she will lean her head upon my shoulder, and her hand
will be clasped in mine. But there is no red rose in my garden, so I
shall sit lonely, and she will pass me by. She will have no heed of me,
and my heart will break.' 'Here indeed is the true lover,' said the
Nightingale.
'What I sing of he suffers: what is joy to me, to him is pain. Surely
Love is a wonderful thing. It is more precious than emeralds, and
dearer than fine opals. Pearls and pomegranates cannot buy it, nor is
it set forth in the market-place. it may not be purchased of the
merchants, 'or can it be weighed out in the balance for gold.'
'The musicians will sit in their gallery,' said the young Student, 'and
play upon their stringed instruments, and my love will dance to the
sound of the harp and the violin. She will dance so lightly that her
feet will not touch the floor, and the courtiers in their gay dresses
will throng round her. But with me she will not dance, for I have no
red rose to give her;' and he flung himself down on the grass, and
buried his face in his hands, and wept.
'Why is he weeping?' asked a little Green Lizard, as he ran past him
with his tail in the air. 'Why, indeed?' said a Butterfly, who was
fluttering about after a sunbeam.
'Why, indeed?' whispered a Daisy to his neighbour, in a soft, low voice.
'He is weeping for a red rose,' said the Nightingale.
'For a red rose!' they cried; 'how very ridiculous!' and the little
Lizard, who was something of a cynic, laughed outright. But the
Nightingale understood the secret of the Student's sorrow, and she sat
silent in the oak-tree, and thought about the mystery of Love. Suddenly
she spread her brown wings for flight, and soared into the air.
She passed through the grove like a shadow, and like a shadow she
sailed across the garden. In the centre of the grass-plot was standing a
beautiful Rose-tree, and when she saw it, she flew over to it, and lit
upon a spray. 'Give me a red rose,' she cried, 'and I will sing you my
sweetest song.'
But the Tree shook its head. 'My roses are white,' it answered; 'as
white as the foam of the sea, and whiter than the snow upon the
mountain. But go to my brother who grows round the old sun-dial, and
perhaps he will give you what you want.'
So the Nightingale flew over to the Rose-tree that was growing round
the old sun-dial.
'Give me a red rose,' she cried, 'and I will sing you my sweetest song.'
But the Tree shook its head.
'My roses are yellow,' it answered; 'as yellow as the hair of the
mermaiden who sits upon an amber throne, and yellower than the daffodil
that blooms in the meadow before the mower comes with his scythe. But
go to my brother who grows beneath the Student's window, and perhaps he
will give you what you want.'
So the Nightingale flew over to the Rose-tree that was growing beneath
the Student's window.
'Give me a red rose,' she cried, 'and I will sing you my sweetest song.'
But the Tree shook its head.
'My roses are red,' it answered, 'as red as the feet of the dove, and
redder than the great fans of coral that wave and wave in the
ocean-cavern. But the winter has chilled my veins, and the frost has
nipped my buds, and the storm has broken my branches, and I shall have
no roses at all this year.'
'One red rose is all I want,' cried the Nightingale, 'only one red
rose! Is there no way by which I can get it?'
'There is a way,' answered the Tree; 'but it is so terrible that I dare
not tell it to you.'
'Tell it to me,' said the Nightingale,
'I am not afraid.'
'If you want a red rose,' said the Tree, 'you must build it out of
music by moonlight, and stain it with your own heart's-blood. You must
sing to me with your breast against a thorn.
All night long you must sing to me, and the thorn must pierce your
heart, and your life-blood must flow into my veins, and become mine.'
'Death is a great price to pay for a red rose,' cried the Nightingale,
'and Life is very dear to all. It is pleasant to sit in the green wood,
and to watch the Sun in his chariot of gold, and the Moon in her
chariot of pearl.
Sweet is the scent of the hawthorn, and sweet are the bluebells that
hide in the valley, and the heather that blows on the hill. Yet Love is
better than Life, and what is the heart of a bird compared to the
heart of a man?' So she spread her brown wings for flight, and soared
into the air.
She swept over the garden like a shadow, and like a shadow she sailed
through the grove. The young Student was still lying on the grass, where
she had left him, and the tears were not yet dry in his beautiful
eyes. 'Be happy,' cried the Nightingale, 'be happy; you shall have your
red rose.
I will build it out of music by moonlight, and stain it with my own
heart's-blood. All that I ask of you in return is that you will be a
true lover, for Love is wiser than Philosophy, though she is wise, and
mightier than Power, though he is mighty. Flame-coloured are his wings,
and coloured like flame is his body. His lips are sweet as honey, and
his breath is like frankincense.'
The Student looked up from the grass, and listened, but he could not
understand what the Nightingale was saying to him, for he only knew the
things that are written down in books.
But the Oak-tree understood, and felt sad, for he was very fond of the
little Nightingale who had built her nest in his branches. 'Sing me one
last song,' he whispered;
'I shall feel very lonely when you are gone.' So the Nightingale sang
to the Oak-tree, and her voice was like water bubbling from a silver
jar. When she had finished her song the Student got lip, and pulled a
note-book and a lead-pencil out of his pocket.
'She has form,' he said to himself, as he walked away through the grove
- 'that cannot be denied to her; but has she got feeling? I am afraid
not. In fact, she is like most artists; she is all style, without any
sincerity. She would not sacrifice herself for others.
She thinks merely of music, and everybody knows that the arts are
selfish. Still, it must be admitted that she has some beautiful notes
in her voice.
What a pity it is that they do not mean anything, or do any practical
good.'
And he went into his room, and lay down on his little pallet-bed, and
began to think of his love; and, after a time, he fell asleep. And when
the Moon shone in the heavens the Nightingale flew to the Rose-tree,
and set her breast against the thorn.
All night long she sang with her breast against the thorn, and the cold
crystal Moon leaned down and listened. All night long she sang, and
the thorn went deeper and deeper into her breast, and her life-blood
ebbed away from her. She sang first of the birth of love in the heart
of a boy and a girl.
And on the topmost spray of the Rose-tree there blossomed a marvellous
rose, petal following petal, as song followed song. Yale was it, at
first, as the mist that hangs over the river - pale as the feet of the
morning, and silver as the wings of the dawn. As the shadow of a rose
in a mirror of silver, as the shadow of a rose in a water-pool, so was
the rose that blossomed on the topmost spray of the Tree. But the Tree
cried to the Nightingale to press closer against the thorn. 'Press
closer, little Nightingale,' cried the Tree, 'or the Day will come
before the rose is finished.'
So the Nightingale pressed closer against the thorn, and louder and
louder grew her song, for she sang of the birth of passion in the soul
of a man and a maid. And a delicate flush of pink came into the leaves
of the rose, like the flush in the face of the bridegroom when he
kisses the lips of the bride.
But the thorn had not yet reached her heart, so the rose's heart
remained white, for only a Nightingale's heart's-blood can crimson the
heart of a rose. And the Tree cried to the Nightingale to press closer
against the thorn. 'Press closer, little Nightingale,' cried the Tree,
'or the Day will come before the rose is finished.' So the Nightingale
pressed closer against the thorn, and the thorn touched her heart, and a
fierce pang of pain shot through her. Bitter, bitter was the pain, and
wilder and wilder grew her song, for she sang of the Love that is
perfected by Death, of the Love that dies not in the tomb. And the
marvellous rose became crimson, like the rose of the eastern sky.
Crimson was the girdle of petals, and crimson as a ruby was the heart.
But the Nightingale's voice grew fainter, and her little wings began to
beat, and a film came over her eyes.
Fainter and fainter grew her song, and she felt something choking her
in her throat. Then she gave one last burst of music. The white Moon
heard it, and she forgot the dawn, and lingered on in the sky. The red
rose heard it, and it trembled all over with ecstasy, and opened its
petals to the cold morning air. Echo bore it to her purple cavern in
the hills, and woke the sleeping shepherds from their dreams. It
floated through the reeds of the river, and they carried its message to
the sea. 'Look, look!' cried the Tree, 'the rose is finished now;' but
the Nightingale made no answer, for she was lying dead in the long
grass, with the thorn in her heart. And at noon the Student opened his
window and looked out.
'Why, what a wonderful piece of luck! he cried; 'here is a red rose! I
have never seen any rose like it in all my life. It is so beautiful
that I am sure it has a long Latin name;' and he leaned down and
plucked it. Then he put on his hat, and ran up to the Professor's house
with the rose in his hand. The daughter of the Professor was sitting in
the doorway winding blue silk on a reel, and her little dog was lying
at her feet.
'You said that you would dance with me if I brought you a red rose,'
cried the Student. Here is the reddest rose in all the world. You will
wear it to-night next your heart, and as we dance together it will tell
you how I love you.
' But the girl frowned.
'I am afraid it will not go with my dress,' she answered; 'and,
besides, the Chamberlain's nephew has sent me some real jewels, and
everybody knows that jewels cost far more than flowers.'
'Well, upon my word, you are very ungrateful,' said the Student
angrily; and he threw the rose into the street, where it fell into the
gutter, and a cart-wheel went over it.
'Ungrateful!' said the girl.
'I tell you what, you are very rude; and, after all, who are you? Only a
Student. Why, I don't believe you have even got silver buckles to your
shoes as the Chamberlain's nephew has;' and she got up from her chair
and went into the house.
'What a silly thing Love is,' said the Student as he walked away.
'It is not half as useful as Logic, for it does not prove anything, and
it is always telling one of things that are not going to happen, and
making one believe things that are not true.
In fact, it is quite unpractical, and, as in this age to be practical
is everything, I shall go back to Philosophy and study Metaphysics.'
So he returned to his room and pulled out a great dusty book, and began
to read.
LITERATURA ITALIANA – LUIGI PIRANDELLO
Dramaturgo italiano nascido em Agrigento, na Sicília, em 1867 e falecido
em Roma em 1936.
Pirandello constitui-se em um dos mais criativos dramaturgos italianos
do fim do século XIX e início do século XX. Caracteriza-se por seu humor
profundamente inovador.
O humor se constrói sempre sobre as questões mal resolvidas da
sociedade. Além de grande narrador e dramaturgo, escreveu também textos
teóricos na área da literatura. No aspecto teórico separa o cômico do
humorístico. A atitude humorística elimina o distanciamento e a
superioridade em que aquele que ri procura entender as razões que o
levaram ao riso.
O seu primeiro grande sucesso foi o romance O Finado Mattia Pascal,
escrito nas noites de vigília enquanto cuidava a esposa doente. Em 1925,
após a morte da esposa, funda a companhia Teatro d’Arte di Roma com a
qual viaja pelo mundo tendo se apresentado até mesmo na Broadway com
imenso sucesso de suas comédias. Em 1934, recebe o Prêmio Nobel de
Literatura.
Obras de Pirandello:
Duas de suas obras são mais conhecidas universalmente:
O Finado Mattia Pascal. Il Fu Mattia Pascal.
Seis Personagens à Procura de um Autor. Sei Personaggi in cerca
d'Autore.
Demais obras do autor traduzidas para o português:
A armadilha: contos. Porto: Portugalia, 1946.
A excluída.São Paulo: Germinal.
A luz da outra casa: novelas escolhidas. São Paulo: Piratininga. 1932.
A morta e a viva (e outras novelas). São Paulo: Martins. 1960.
Cadernos de Serafino Gubbio Operador. Petrópolis: Vozes. 1990.
Dona Mimma (Novelas para um ano). São Paulo: Berlendis & Vertecchia.
2002.
Entre duas sombras (e outras novelas).São Paulo: Martins. 1962.
Esta noite improvisa-se.Lisboa: Estampa / Seara Nova. 1974.
Kaos e outros contos sicilianos. São Paulo: Nova Alexandria. 2001.
O enxerto, o homem, a besta e a virtude. São Paulo: Edusp. 2003.
O humorismo. São Paulo: Experimento. 1996.
O marido de minha mulher (e outras novelas). São Paulo: Martins. 1963.
O velho Deus (Novelas para um ano). São Paulo: Berlendis &
Vertecchia. 2002.
O velório (e outras novelas). São Paulo: Martins. 1963.
Os gigantes da montanha. Rio de Janeiro: 7 Letras. 2005.
Os velhos e os moços. São Paulo: Instituto Progresso Editorial. 1947.
Seis personagens à procura de autor. São Paulo: Peixoto Neto. 2004.
Sol e sombra (e outras novelas). São Paulo: Martins. 1963.
Henrique IV e Pirandello: roteiro para uma leitura. Aurora Fornoni
Bernardini. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1990.
Um, nenhum e cem mil. São Paulo: Cosac & Naify.
Uma jornada (Novelas para um ano). São Paulo: Berlendis &
Vertecchia. 2006.
Vestir os nus. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
Veja-se o exemplo do gostoso humor de Pirandello:
“Todo suado e empoeirado, padre Elígio desce da escada e vem respirar um
pouco de ar fresco, na pequena horta que conseguiu fazer nascer aqui,
atrás da abside, protegida, em toda a volta, por fasquias e puas de
madeira.
- Ora, meu reverendo amigo – digo-lhe, sentado na mureta, o queixo
apoiado no castão da bengala, enquanto ele cuida de suas alfaces. – Não
me parece mais, o atual, tempo de escrever livros, nem por brincadeira.
No que diz respeito à literatura, como a tudo o mais, devo repetir meu
costumeiro estribilho: “Maldito seja Copérnico!“
- Oh, oh, oh, que tem Copérnico a ver com isso?! – exclama Padre Elígio,
erguendo o busto, o rosto afogueado sob o grande chapéu de palha.
- Tem, sim, Padre Elígio. Porque, quando a Terra não girava…
- Ora esta! Mas se sempre girou!
- Não é verdade. O homem não sabia disso e, portanto, era como se não
girasse. Para muitos, ela continua a não girar também agora. Disse que
girava, no outro dia, a um velho camponês; sabe o que ele me respondeu?
Que era uma boa desculpa para bêbados. Aliás, o senhor também, tenha
paciência, não pode pôr em dúvida que Josué fez o sol parar. Mas
deixemos isto. Digo que, quando a Terra não girava e o homem, vestido de
grego ou de romano, nela fazia boa figura, formando tão elevado
conceito de si e comprazendo-se tanto com sua própria dignidade,
acredito perfeitamente que pudesse ter acolhida favorável uma narração
minuciosa e repleta de inúteis pormenores. Lê-se ou não se lê em
Quintiliano, como o senhor me ensinou, que a História devia ser feita
para narrar e não para demonstrar?
- Não nego – responde Padre Elígio -, mas, também, é verdade que nunca
se escreveram tantos livros, tão pormenorizados, ou melhor, tão
carregados das mais secretas minudências, como desde quando, no seu modo
de dizer, a Terra começou a girar.
- Está bem: o senhor conde levantou-se cedo, às oito horas e meia em
ponto… A senhora condessa pôs um vestido lilás, ricamente guarnecido de
rendas no pescoço… Terezinha estava morrendo de fome… Lucrécia
consumia-se de amor… Oh meu Deus do céu! Que importância isso pode ter
para mim? Estamos ou não estamos num invisível piãozinho, para o qual um
fio de sol serve de chicote, num grãozinho de areia enlouquecido, que
gira e continua a girar, sem saber por quê, sem chegar nunca a
destinação, como se achasse muito divertido girar assim, para fazer-nos
sentir ora um pouco mais de calor, ora um pouco mais de frio, e, no fim,
fazer-nos morrer (a miúdo, com a consciência de ter cometido uma série
de pequenas tolices), após cinquenta ou sessenta giros? Copérnico,
Copérnico, meu caro Padre Elígio, estragou a humanidade
irremediavelmente. Agora, todos já nos adaptamos, aos poucos, à nova
concepção de nossa infinita pequenez e a nos considerarmos menos do que
nada, no Universo, com todas as nossas lindas descobertas e invenções.
Que valor quer, então, que tenham as notícias, já não digo das misérias
privadas, mas das nossas calamidades gerais? Histórias de minhocas, as
nossas, agora. Leu a respeito daquele pequeno desastre nas Antilhas?
Nada de importante. A Terra, coitada, cansada de girar, como quer aquele
cônego polonês, sem qualquer finalidade, teve um pequeno movimento de
impaciência e soprou um pouco de fogo por uma de suas muitas bocas.
Sabe-se lá o que foi que lhe agitou essa espécie de bílis! Talvez a
estupipez dos homens, que nunca foram tão cacetes como agora. Resultado:
vários milhares de minhocas torradas. E toca para a frente! Quem fala
mais nisso?
Padre Elígio Pellegrinotto, porém, faz-me observar que, por mais
esforços que empreguemos no cruel intento de arrancar, de destruir as
ilusões que a previdente natureza criou para o nosso bem, não o
conseguimos. Por sorte, o homem distrai-se facilmente.”
Pirandello, Luigi. O Finado Mattia Pascal.
Texto original em italiano:
[..] Maledetto sia Copernico!
- Oh oh oh, che c’entra Copernico! – esclama don Eligio, levandosi su la
vita, col volto infocato sotto il cappellacio di paglia.
- C’entra, don Eligio. Perché, quando la Terra non girava…
- E dàlli! Ma se ha sempre girato!
- Non è vero. L’uomo on lo sapeva, e dunque era come se non girasse. Per
tanti, anche adesso, non gira. L’ho detto l’altro giorno a un vecchio
contadino, e sapete come m’ha risposto? Ch’era una buona scusa per gli
ubriachi. Del resto, anche voi, scusate, non potete mettere in dubbio
che Giosuè fermò il Sole. Ma lasciamo stare questo. Io dico che quando
la Terra non girava, e l’uomo, vestito da greco o da romano, vi faceva
così bella figura e così altamente sentiva di sé e tanto si compiaceva
della propria dignità, credo bene che potesse riuscire accetta una
narrazione minuta e piena d’oziosi particolari. Si legge o non si legge
in Quintiliano, come voi m’avete insegnato, che la storia doveva esser
fatta per raccontare e non per provare?
- E va bene! Il signor conte si levò per tempo, alle ore otto e mezzo
precise… La signora contessa indossò un abito lilla con una ricca
fioritura di merletti alla gola… Teresina si moriva di fame… Lucrezia
spasimava d’amore…
Oh, santo Dio! E che volete che me n’importi? Siamo o non siamo su
un’invisibile trottolina, cui fa da ferza un fil di sole, su un
granellino di sabbia impazzito che gira e gira e gira, senza saper
perché, senza pervenir mai a destino, come se ci provasse gusto a girar
così, per farci sentire ora un po’ più di caldo, ora un po’ più di
freddo, e per farci morire – spesso con la coscienza d’aver commesso una
sequela di piccole sciocchezze – dopo cinquanta o sessanta giri?
Copernico, Copernico, don Eligio mio, ha rovinato l’umanità,
irrimediabilmente. Ormai noi tutti ci siamo a poco a poco adattati alla
nuova concezione dell’infinita nostra piccolezza, a considerarci anzi
men che niente nell’Universo, con tutte le nostre belle scoperte e
invenzioni; e che valore dunque volete che abbino le notizie, non dico
delle nostre miserie particolari, ma anche delle generali calamità?
Storie di vermucci ormai, le nostre. Avete letto di quel piccolo
disastro delle Antille? Niente. La Terra, poverina, stanca di girare,
come vuole quel canonico polacco, senza scopo, ha avuto un piccolo moto
d’impazienza, e ha sbuffao un po’ di fuoco per una delle tante sue
bocche. Chi sa che cosa le aveva mosso quella specie di bile. Forse la
stupidità degli uomini che non sono stati mai così nojosi come adesso.
Basta. Parecchie migliaja di vermucci abbrustoliti. E tiriamo innanzi.
Chi ne parla più?
MARCEL PROUST
Valentin Louis Georges Eugène Marcel Proust – (1871-1922) – Proust foi
um ilustre romancista francês que se notabilizou pela publicação da
famosa obra “À la Recherche du Temps Perdu”, publicada em sete partes
entre 1913 e 1922.
Nascera da prestigiosa família Proust, ainda mais importante o fato de
seu pai, Adrien Proust, ser renomado professor na Faculdade de Medina.
Isso proporcionou-lhe uma infância sem preocupações e
Sempre teve sérios problemas de saúde que se agravaram com a perda dos
pais. Sofria de asma desde a infância. Era homoafetivo e se reconhecia
como tal e tratou abertamente da própria problemática e de seus pares em
relação à aceitação por parte da sociedade. Era protegido pela mãe.
O pai exigia-lhe uma profissão. Passou, então, a trabalhar na
Bibliothèque Mazarine como voluntário. Fez grande esforço para exercer
suas funções, sempre com grandes problemas de saúde. Conseguiu uma
licença por doença e por fim uma aposentadoria.
Viveu na casa dos pais até a morte deles. Em 1903, seu irmão casou-se e
abandonou o apartamento da família. No mesmo ano, perdeu o pai. Por fim,
em 1905, faleceu sua mãe, protetora e amada.
Porém, ela deixou-lhe uma herança considerável. Essa perda, no entanto
foi avassaladora, agravando-lhe ainda mais os problemas de saúde que
desde sempre enfrentara. Foi-se tornando cada vez mais recluso, até que
nos últimos três anos confinou-se no próprio quarto. Dormia durante o
dia todo e escrevia pela noite. Faleceu em 18 de novembro de 1922 em
consequência de uma pneumonia. Seu corpo foi enterrado no cemitério Père
Lachaise, em Paris.
OBRAS:
Les Plaisirs et les Jours (Calmann-Lévy, 1896);
La Bible d’Amiens (Mercure de France, 1904) ;
La Mort des Cathédrales (Le Figaro, 1904) ;
Sésame et les Lys (1906) ;
Pastiches et Mélanges (NRF, 1919);
Chroniques (1927);
Jean Santeuil (1952);
Contre Sainte-Beuve (1954);
Chardin et Rembrandt (Le Bruit du temps, 2009);
Porém, sua grande obra é Em Busca do Tempo Perdido, que se divide em
sete partes:
1. No Caminho de Swann (Grasset, 1913)
- Parte 1: Combray
- Parte 2: Um Amor de Swann
- Parte 3: Nome de Terras: A Nome
2. À Sombra das Raparigas em Flor (1918)
- Em Torno da Senhora Swann
- Nome de Terras: A Terra
3. O Caminho de Guermantes (1921-1922)
4. Sodoma e Gomorra (1922-1923)
5. A Prisioneira (1923)
6. A Fugitiva (Albertine Desaparecida - 1925)
7. O Tempo Redescoberto (1927)
Comentários sobre a obra de Proust:
1. Carlos Augusto Silva
Professor e crítico literário
Poderá mesmo um livro mudar a vida de um leitor? Pode mesmo uma obra de
arte ter papel preponderante na modificação da concepção de pensamento a
respeito da realidade na qual se vive? Poderá ela reconfigurar nossa
maneira de se portar com as pessoas, de refletir sobre as atitudes, de
conceber a realidade?
Essas são questões antigas quando o tema da querela é a criação
artística. Serve para quê? Afinal, debruçar-se sobre um livro, postar-se
diante de um quadro, sentar-se por duas horas numa poltrona às vezes
desconfortável de teatro para ver a representação de algo que, grosso
modo, não é verdade; buscar significado em movimentos sincronizados que
nada mais possam ter além de beleza; ver algo além da utilidade em uma
construção arquitetônica, é uma experiência válida para a consolidação
de uma visão renovada da realidade? Se seguirmos José Saramago ou Oscar
Wilde, a resposta é não. Para o português, a literatura para nada serve,
mas pondera, numa entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura,
perguntando após dar sua polêmica resposta: “Mas para quê os pássaros
cantam?”. O dandy irlandês, em seu prefácio ao romance O Retrato de
Dorian Gray , é enfático: “Toda arte é absolutamente inútil”.
Evidentemente não podemos ser simplistas na interpretação dessas
sentenças. São complexas, pois tratam de uma coisa complexa e advêm de
pessoas igualmente complexas. Penso que tanto Saramago quanto Wilde, ao
dizerem que a arte não serve para nada, dizem que ela serve para tudo.
Ela é livre. Seria como questionar um filósofo a respeito do bordão
conhecido a respeito da filosofia: “A Filosofia é uma coisa com a qual e
sem a qual o mundo continua tal e qual.” Um filósofo provavelmente
diria: “Ao menos ela não é escrava de ninguém, é complicado apegarmo-nos
aos conceitos de utilidade de um mundo em crise de valores como o
nosso.”
Essa pergunta parece desnecessária a um acadêmico de um curso de
ciências humanas _ se seguirmos à risca os estereótipos a que são
submetidos esses estudantes _, ou a um apreciador da Literatura, do
teatro, da dança... Mas é muito pertinente quando se trata de um
aventureiro pelos caminhos da apreciação estética, por alguém que vez ou
outra pega um romance para passar o tempo, ou um poema para presentear a
namorada, ou vai a um espetáculo antes da boêmia para encenar-se cult ,
já que arte é, no imaginário coletivo, ainda _ pela dificuldade de
acesso e pelo clima de superioridade que a burguesia vazia imprime no ar
_, uma coisa para aristocratas. Esses, que não formam o público cativo
(ou cativado) da arte, com certeza fariam a si mesmos essa pergunta se
parados diante das duas mil e quinhentas paginas do romance Em Busca do
tempo Perdido: “Para que perder (ou investir) tanto tempo lendo isso,
num mundo com tantas possibilidades de informação rápida e automática,
mastigada, digerida, pronta para ser usada em minhas conversas de bar,
nas quais tentarei forjar minha posição de burguês intelectualizado?”
Ou, “por que ler esse? Somando as páginas, nesse tempo poderia ler, no
mínimo, outros dez livros importantes. Dá, por exemplo, para se ler três
vezes Ulisses?”
De fato, essa pergunta seria feita, é feita, constantemente. Em
contrapartida, hoje em dia é mais necessário do que nunca conhecer
Marcel Proust e seu Em Busca do Tempo Perdido. Com ele podemos correr
atrás da verdade perdida, esquecida, da qual sabemos cada vez menos.
Em relação a Saramago e Wilde, Proust está na outra ponta da corda. Para
ele, literatura não só serve para alguma coisa, como é a única
possibilidade de conceber vida em um sentido completo, verdadeiro e
genuíno. Ele nos diz no último volume dos sete que compõe a obra:...
captar, fixar, revelar-nos a realidade longe da qual vivemos. Essa
realidade que corremos o risco de viver sem conhecer,[...] que está
presente em todos os homens e não apenas nos artistas. Mas não a veem
porque não a tentam desvendar, e assim seu passado se entulha de clichês
inúteis porque não revelados pela inteligência. Só pela arte podemos
sair de nós mesmos, saber o que vê outrem de seu universo que não é o
nosso. Graças à arte, em vez de contemplar um só mundo, o nosso, vemo-lo
multiplicar-se. Esse trabalho do artista, de buscar sob a matéria, sob a
experiência, as palavras, algo diferente, é exatamente o inverso do que
realiza o hábito, amontoando sob nossas impressões os objetos práticos a
que erradamente chamamos vida.
Percorrer as duas mil e quinhentas paginas distribuídas em sete romances
pode parecer uma tarefa cansativa, árdua, pesada, tediosa. Mas não. De
fato, não. Proust fala de leitores de sua obra que não seriam seus
leitores, mas sim leitores de si mesmos. Pretendia com ela oferecer a
eles um instrumento óptico com o qual lhes fosse possível adquirirem
modos de se lerem, de se conhecerem, de se perceberem. O conceito de
utilidade fica por demais patético diante das aventadas sobre nossa alma
que o livro opera, implacável em sua função de nos revelar a verdade
por trás de cada gesto ou olhar, ocasiões domésticas, sentimentais ou
fatos Históricos.
Ser um leitor de Proust é, antes de qualquer coisa, mergulhar numa
experiência de singular beleza. São frases torrenciais, longas.
Reflexões profundas, parágrafos de três, quatro, às vezes cinco páginas,
nos quais o tema pode ser o mais prosaico, comum e corriqueiro, mas que
ele transforma em algo de inacreditável, de maravilhoso, de relevante,
como tudo, para a recuperação da verdade perdida no Tempo. Gilles
Deleuze, filósofo compatriota de Proust, chega, em sua obra clássica dos
estudos proustianos, Proust e os Signos, à conclusão de que o tema do
romance não é o tempo, mas sim a verdade, o aprendizado dos signos,
guardados na taça de chá, na sonata de Vinteuil, nas paixões da
adolescência, nas crises de ciúme, nas variedades de desejo, de
vertentes de sensualidade, de amores paternos, maternos, fraternais.
A vida inteira cabe na busca do tempo perdido, e se renova, sempre,
incessante, a cada instante de leitura, releitura, reencontro com nossos
sentimentos perdidos, (re)vistos nas personagens, estranhas, mas que
nos parecem próximas, com as quais percebemos tantas afinidades, e temos
tantas repulsas, revoltas, por vermos nelas a nós mesmos, nossas
histórias de intimidade, jamais reveladas a alguém, claras, diáfanas, e
temerosos, mas encantados por tamanha carga definitiva de vida,
entregamo-nos a um momento raro nos dias de hoje, nos quais Proust é
mais que conveniente.
Se no tempo nos movimentamos, se nos instantes caminhamos rumo ao
conhecimento ou ao desconhecimento de nós mesmos, é nessa paisagem
definida e sinuosa que Proust pretende se (nos) resgatar, colher, como
lírios, antigos, porém renovados pela busca, pelo olhar artístico forte
para restaurar um instante que parecia desimportante quando baralhado a
tantos outros. O instante da rememoração é essencial para o francês.
Para ele não se pode saber e viver ao mesmo tempo, pois no momento do
viver estamos demasiado ocupados, identificados, sugados pelas
percepções falsamente reais do dia-a-dia. Depois, na recordação, podemos
filtrar, tirar das situações as pérolas capazes de nos salvar do ciclo
do hábito, que faz com que o garoto não perceba seu quarto em Combray, e
cuja ausência não o deixa sentir-se à vontade no quarto de Balbec,
região litorânea na qual passa as suas primeiras férias do romance na
companhia da avó, cuja ausência se fará dolorosa, densamente doída no
retorno à Balbec, aí já sem ela, então falecida, na qual se operará o
encontro definitivo com o vazio, produzido, tecido, configurado pelo
tempo, que, junto com sua avó, arrastou, ou tentou arrastar, o
sentimento que os fazia próximos _ não percebido em sua real dimensão
por Marcel quando estava ela viva, mas visto em sua totalidade depois de
ela morta _, mas que resiste, pois é salvo pela arte, que o reporta ao
presente, transformado palavra, transformado beleza, transformado
literatura. Arte.
É atual alguns livros que pretendem uma abordagem de auto-ajuda,
contrária à do romance, à de Proust, à da verdadeira Literatura,
trazendo a ideia de que Marcel Proust tem fórmulas prontas para operar
na vida de seu público a tal mudança prometida pela maioria, ou talvez
pela totalidade de seus leitores. É um engano maldoso, talvez mal
intencionado, que encontra contorno de justificação na atualidade, na
qual o vazio coletivo e a indisposição de empreitadas como as que Proust
realizou, procura fórmulas, receitas. Não é essa a proposta de Marcel
(narrador [?]), nem a de Proust. Se ele pode mudar a sua vida, não é
através de formulas, ou de “como”, ou “de que maneira”. Assim não é
porque não há fórmula. Não há receita. Não há roteiro. É um livro
através do qual você poderá ler a si mesmo, encontrar-se nas paisagens,
recordações que se fazem vivas por via da memória. Proust poderá mudar a
sua vida na medida em que, mergulhado na leitura, parta você, enquanto
leitor de si mesmo, no encontro de seu tempo perdido , de seus signos
perdidos, e assim aprenda, por via do olhar proustiano, ou o mais
próximo possível disso, a observar, através da arte e de suas próprias
sensibilidades, encontrar, nos fatos, por menores que sejam, as verdades
que só um olhar proustiano pode nos oferecer.
O autor francês não resolve problemas, nem passa a mão em nossas
frontes, muito menos dá palavras de consolo. Ao contrário, instiga-nos a
nos levantar da cadeira do hábito, na qual estamos acostumados a nos
sentar diariamente, esquivando-nos de nossas partes não apetecíveis aos
pensamentos acomodados e covardes, periféricos porque deficientes,
incapazes, inconsequentes, não decifrados pela inteligência . De modo
algum ele facilita nossa vida. Não é esse seu objetivo, a arte tem mais a
meta de desarrumar o ordenado para nos por a buscar novos modelos para a
composição da realidade, do que o de deixar tudo como está.
Sobra-nos motivos para ler Proust. Walter Benjamin nos diz de um desejo
de felicidade que permearia todo o Em busca do tempo perdido , divide
essa felicidade em hino e elegia; hino é o novo, o sem precedentes; a
elegia é o que se renova, como a Veneza, que surge do tropeção, ou a
Combray, que surge do chá. E para os leitores é a felicidade do
encontro, ou reencontro de si mesmo, a felicidade de se ver cúmplice da
mais profunda intimidade, da mais visceral realidade, que transcende,
tudo o que desprezamos em prol de uma postura realista, como disse
Antônio Cândido, em seu ensaio "Realidade e Realismo" (Via Marcel
Proust), contido no volume Recortes, no qual diz que
Se considerarmos realismo as modalidades modernas, que se definiram no
século XIX e vieram até nós, veremos que eles tendem a uma fidelidade
documentária que privilegia a representação objetiva do momento presente
da narrativa. No entanto, mesmo dentro do realismo, os textos de maior
alcance procuram algo mais geral, que pode ser a razão oculta sob a
aparência dos fatos narrados ou das coisas descritas, e pode ser a lei
destes fatos na sequência do tempo. Isso leva a uma conclusão paradoxal:
que talvez a realidade se encontre mais em elementos que transcendem a
aparência dos fatos e coisas descritas do que neles mesmos. E o
realismo, estritamente concebido como representação mimética do mundo,
pode não ser o melhor condutor da realidade.
Antônio Cândido dá a Proust estatus de criador da supra-realidade, do
real mais do que real, da verdade apontada por Deleuze, da ponte entre
memória involuntária e aprendizado dos signos, da verdade que se sugere
viva.
O livro A Técnica do Romance em Marcel Proust , do crítico Álvaro Lins,
tem como meta defender a tese de que uma leitura completa de Em busca do
tempo perdido só pode ser feita se lido e relido em seguida, como que
introjetando na leitura a estrutura circular do romance. Ou seja, depois
de uma primeira viagem, podemos ver, numa segunda, a verdadeira
concepção de tempo, de memória como recuperação do mesmo e do modo como
esta procura se dá na mente do narrador, e na estrutura ficcional do
romance. Se pensarmos na dimensão da obra, veremos que o autor não
pretendia realmente facilitar a vida de ninguém, nem fornecer fórmulas
fáceis.
Proust pode mudar nossa vida, desde que mudemos com ele, e nos tornemos
algo diferentes do que hoje impera em nossa sociedade desprovida de
tanto sentido. Proust muda a vida de seus leitores, mas exige do leitor
de hoje uma mudança prévia.
Por tudo isso, que é somente a ponta do imenso iceberg proustiano, vale a
pena, na companhia deste francês que transformava tudo em que punha os
olhos, arte, irmos atrás do tempo perdido, da verdade perdida, ou, como
quer Benjamin, da felicidade perdida, sempre (re) encontrada, viva,
verdadeira, plena, como cada uma das frases longas, profundas, densas de
tempo, gravadas na eternidade da beleza, da humanidade, da arte de
Marcel Proust, que conosco, pode sim, mudar tudo, e fazer-nos ver nossa
vida, a verdadeira vida, a vida enfim descoberta e esclarecida, a única
vida realmente vivida.
2. Principal obra de Marcel Proust é relançada no Brasil
CASSIANO ELEK MACHADO
Folha de S.Paulo
A "busca" continua, agora remodelada. A grande catedral literária
francesa, "Em Busca do Tempo Perdido", está de cara nova nas livrarias
brasileiras. Originalmente dividida em sete volumes, a obra-prima que
Marcel Proust escreveu entre 1907 e 1922, ano de sua morte, ganha uma
nova edição no Brasil, desta vez em três tomos. O conteúdo muda pouco. O
projeto traz a mesma tradução que a Ediouro havia lançado em 1992, a
cargo do poeta carioca Fernando Py, que apenas revisou seu próprio
trabalho, agora embalado em uma caixa de papelão roxa com o dizer "Em
Busca do Tempo Perdido - Obra Completa".
A empreitada vale registro ainda assim. Antes desse lançamento, há dez
anos, o mercado brasileiro só tinha uma versão nacional de "À la
Recherche du Temps Perdu", nome original da obra. A primeira, publicada
no início dos anos 50 pela antiga editora Globo (antes sediada em Porto
Alegre), havia sido feita em dez mãos (e que mãos!).
O poeta Mario Quintana traduzira "No Caminho de Swann", "À Sombra das
Raparigas em Flor", "O Caminho de Guermantes" e "Sodoma e Gomorra", para
só então passar a bola. O quinto volume, "A Prisioneira", ficou a
cargo de Manuel Bandeira em parceria com Lourdes Sousa de Alencar.
Carlos Drummond de Andrade, com "A Fugitiva", e Lúcia Miguel Pereira,
com "O Tempo Redescoberto", completaram a empreitada da primeira versão
nacional.
Desde então, mesmo 15 anos depois que os direitos autorais da obra
caíram em domínio público, a única tradução foi a de Py, o único até
aqui a fazer o trabalho todo.
Se a primeira tradução ganha em prestígio (e no estofo literário dos
tradutores, que vez ou outra vem à tona), o trabalho do poeta carioca,
que já traduziu mais de 30 livros -incluindo o inacabado romance
proustiano "Jean Santeuil" e a grande biografia do autor, de Georges
Painter- tem algumas vantagens.
Proust morreu antes de concluir a publicação da obra, e não chegou a
fazer a revisão final nem dos livros que editou em vida.
A primeira edição crítica saiu na França em 1954. Py usou a que, na
época em que traduziu pela primeira vez a "Recherche", era considerada a
versão definitiva, a feita em 1987 pela Gallimard.
As mudanças promovidas pelo tradutor da Ediouro são visíveis já nos
títulos. Como anotou o articulista da Folha Arthur Nestrovski, em texto
sobre a primeira edição de Py, de 1992, foi feliz "a decisão de
abandonar a lusitana "Sombra das Raparigas" pela sombra mais brasileira
das "Moças em Flor'" -em referência ao novo nome do segundo volume: "À
Sombra das Moças em Flor".
"O Tempo Redescoberto", outro exemplo, virou "O Tempo Recuperado". Os
sete volumes foram distribuídos no modelo 3-2-3. Os três primeiros
livros no volume 1, os dois seguintes no 2 e assim por diante.
Ensaísmo sobre Proust Além do lançamento da Ediouro, o proustianismo
brasileiro também tem novidade na área ensaística. A coleção Ensaios
Transversais, da editora Escrituras, lançou recentemente o livro "O
Desconcerto do Mundo", de Carlos Felipe Moisés.
No trabalho, o ensaísta, poeta e tradutor faz, em um dos 16 ensaios do
livro, uma reflexão crítica sobre o livro de estreia de Proust, "Les
Plaisirs et les Jours" (Os Prazeres e os Dias), que o escritor lançou em
1896, aos 25 anos, e que até hoje não ganhou tradução no Brasil. É
aguardar.
EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO
De: Marcel Proust
Tradução: Fernando Py
Editora: Ediouro (caixa com os três volumes, totalizando 2.444 páginas)
“Entendendo Proust” e “Em Busca do Tempo Perdido”
CARLOS RUSSO JR.
Resenha
“ENTENDENDO PROUST” é um trabalho inovador, voltado a facilitar a
leitura daqueles que desejam iniciar-se em Proust, assim como fornecer
bases para discussão de determinados temas centrais da obra, justamente
quando comemoramos cem anos da edição de “A Caminho de Swann”, o
primeiro volume de “Em Busca do Tempo Perdido”.
Prefácio- Dedicado a traçar o panorama do livro, principia contando de
que maneira tornei-me um leitor de Proust, após diversas tentativas
interrompidas nas primeiras páginas de “A Caminho de Swann”. As trilhas
que desbravei para decodificar uma leitura inicialmente difícil, lenta,
que é parte do próprio estilo proustiano.
Traçamos a identificação de “Em Busca do Tempo Perdido” com o
Impressionismo, que, a partir da pintura, forneceu a base para o
desenvolvimento da música de um Debussy, assim como para escritores como
Proust. Uma nova forma de simbolizar os homens e a natureza – a partir
da percepção causada no seu autor. Proust, que tinha a convicção da
transitoriedade das associações entre os homens, de suas
personalidades, das intermitências de nossos corações, lançou mão desta
técnica que lhe permitia descrever ou rememorar justamente os
instantâneos a serem figurados por meio da escrita, dentro de um
universo físico e psicológico sempre em mudança.
Convido os leitores a penetrar no universo deste escritor único,
detentor de uma sensibilidade refinada, de erudição e memórias
privilegiadas e que possuiu o dom de transformar seu romance numa
verdadeira epopeia da alma, velejando pelos mais diversos oceanos da
existência, mesmo porque, por todos eles, Proust navega. Um Proust que é
um subversivo, um revoltado, possuidor de um perigoso gênio cômico, e
ele o emprega para destruir, uma a uma, todas as máximas e preconceitos
sociais de seu tempo e que, em seu cerne, são os mesmos que a
humanidade, cem anos após, ainda os encarna, talvez sob a forma de
avatares.
Para o desenvolvimento da trama, criei um personagem, André Jammes, um
misto de repórter e crítico literário. Ele estabelece um processo de
“entrevistas” com Proust, cujo objetivo é facilitar o caminho para que
os futuros leitores de “Em Busca do Tempo Perdido” remetam-se à obra
original e tornem-se “leitores de si mesmos”.
Importa ressaltar que meu personagem busca, com todo o denodo expor a
“essência” dos conceitos proustianos. Ou seja, Proust fala por si e pela
boca de André, que também emite conceitos, implicitamente buscando a
contemporaneidade do cerne de “Em Busca do Tempo Perdido”.
Nosso trabalho foi subdividido em oito capítulos. Os três primeiros são
dedicados ao plano geral da obra, em que são definidos os principais
atores, suas ações e os panoramas do romance. Os capítulos seguintes
apresentam temáticas específicas.
Capítulo I- “Um Romance Circular”- A relação entre André Jammes e Proust
é desenvolvida e uma introdução geral ao “Tempo Perdido” assim como ao
“Tempo Recuperado” é realizada; busca-se esclarecer os novos leitores a
respeito do estilo proustiano e da modernidade de um romance de novo
tipo, um romance semi-autobiográfico, onde o passado é rememorado a
partir de impulsos do inconsciente, num tempo que é, não somente uma
seta a indicar o futuro, mas também circular, próprio da inserção do
homem na “psicologia do tempo”.
Capítulo II- “Personagens e os Alicerces de uma Catedral”- Muitos
leitores se decepcionam num primeiro contato com “Em Busca do Tempo
Perdido” porque estão acostumados a buscar na leitura tradicional a
lógica de cada personagem. Acontece que em Proust, as personagens
preservam, sim, uma lógica, mas ela é interna, um fio condutor de sua
psiquê, dentro da “multiplicidade de seus eus”.
Os principais personagens do conjunto da obra são apresentados ao
leitor, com as suas máscaras sociais, diferentes e múltiplas, suas
“personnas” se transformam no decorrer do Tempo. As ações se encadeiam
em complexas redes planejadas e construídas numa obra de imenso fôlego,
com a precisão e rigor arquitetural, tais quais os necessários para o
erguimento de uma catedral gótica.
Capítulo III- “Ambientação e Crítica Social”- Proust vivenciou tanto o
clima de decadência do “fin-de- siècle” quanto o da “belle époque”, e o
seu romance insere-se nessas diferentes conjunturas.
Na economia, as crises cíclicas do capitalismo deram a tônica das
décadas finais do século XIX. O momento histórico que marca a ascensão
social de uma burguesia arrivista e parasitária é fruto das conquistas
coloniais e da supremacia do capital financeiro sobre a produção, em que
também uma aristocracia decadente, que perdera seus feudos, luta pela
sua absorção social.
Coincidindo com as grandes descobertas científicas e com inovações
tecnológicas, que propiciaram mudanças revolucionárias nos mais
diferentes aspectos da vida humana, um novo ciclo de expansão e
desenvolvimento ocorreria na transição para o século XX.
Na política e nas relações sociais, o sentimento geral não acompanhou a
euforia das descobertas. Proust viveu nessas épocas de transição e crise
em que os homens sentem a falta do ar e têm pressa em alcançar uma
saída. A ansiedade é permanente e esse clima terá seu reflexo tanto na
filosofia quanto nas artes. Dentro desse ambiente em que os conflitos se
arrastam, surgem lado a lado a intolerância racial, a luta por novas
conquistas coloniais; o patriotismo, o militarismo; as divisões da
sociedade em ideologias que cada vez mais determinam atitudes. Até que
se desemboca na grande hecatombe que foi a Primeira Guerra Mundial.
Dentro desse panorama geral foi escrito “Em Busca do Tempo Perdido” e em
todas essas questões Proust procura, não nos grandes movimentos
sociais, mas dentro dos seres humanos, no mais profundo da alma,
respostas e “verdades”.
Capítulos temáticos:
Capítulo IV- “A Vida e a Morte”- O que é a adolescência? quando termina?
quando se transforma em juventude? Essas fases da vida são sempre
repletas de ambiguidades e disfarces. Quando é mesmo que nos
metamorfoseamos em adultos? É tão curta essa radiosa manhã, em que
também o sexo é descoberto.
Atingiremos a maturidade quando o Tempo desenvolve todo o seu poder de
conduzir nossos corpos e espíritos à decadência, que se instala em nós
sorrateira e lentamente. As relações amorosas com o passar do tempo, sob
a crisálida de dores e carinhos, tornam invisíveis ao amante as piores
metamorfoses da criatura amada, o quanto aquele corpo teve tempo de
envelhecer e mudar. Quando, finalmente, a maturidade é conscientemente
aceita, tem como resultado tornar a maioria das pessoas menos
exigentes.
A morte, somente quando nos é próxima, assume sua realidade. De certa
forma, nossos mortos continuam vivendo em nós. Nesse culto da dor por
nossos mortos, votamos uma idolatria ao que eles amaram, mas a morte de
quem se ama é muito complicada, pois significa a morte de cada uma das
diferentes personalidades assumidas dentro de nós mesmos.
Por outro lado, somente a morte, ao romper todas as nossa ligações com a
vida e as coisas, é a única capaz de nos curar do desejo eterno e
onipresente de imortalidade, portanto, oferece-nos a total liberdade,
que é a própria morte.
Capítulo V- “Os Sonhos, os Múltiplos “Eus” e seus sentires- Proust
estudou como ninguém até então o fizera os estados de sono, dos sonhos e
de vigília, assim como a dissociação dos estados da alma e a
multiplicidade de nossas personalidades, e, logicamente dos seus
mutáveis sentires.
“Em Busca do Tempo Perdido” assemelha a vida a um sonho e este à própria
vida. A leitura do livro nos enleva, somos possuídos pela sensação
de caminharmos lentamente através das clareiras de uma floresta
encantada. Um sonhar caminhando, dessas espécies de viagens das quais
demoramos como que uma eternidade para nos livrar e conseguir despertar;
quando retornamos ao mundo real, damo-nos conta de que o sonho ainda
não terminou, pois nosso universo, tal qual um sonho, segue dentro de
nós. “Em Busca do Tempo Perdido”, ao lado da memória involuntária de que
é tecido, traz a marca indelével dos sonhos e dos pesadelos de seu
Narrador, e, por que não, de seu criador.
A dissociação, essa multiplicidade dos “eus “de um indivíduo, para
Proust não é apenas um fenômeno normal da personalidade, mas fundamental
da vida dos seres humanos.
Capítulo VI – “As Insatisfações do Amor”- Os personagens proustianos são
arrastados por um torvelinho de paixões, veladas ou declaradas.
Paixões em que o amor se manifesta nas suas diferentes formas, muitas
vezes apenas platônica, outras, com os prazeres do sexo.
No mundo proustiano, o amor que sentimos por uma pessoa é quase que uma
obra exclusiva nossa. O acaso nos faz encontrar uma pessoa que espelhará
esse afeto e cuja personalidade se moldará ao nosso amor; mas esse
processo ocorre exclusivamente em nosso próprio espírito. Na
impossibilidade de o amor ser compartilhado, comportamo-nos como Narciso
e amamos a ninfa Ecco, fruto de nosso próprio ego.
O ciúme, decorrente da posse ou do desejo da posse, com as torturas e
aflições com que Proust concebe seus personagens, funciona como uma
ideia fixa, conduzindo o amante a procurar mentiras e traições em
quaisquer atitudes, tornando o amor um sofrer poucas vezes apaziguado.
Os personagens são confinados em mundos solitários, onde as paixões
sempre se transformam em tormentos, em um inferno em que só se é capaz
de amar o que não se possui ou o que se teme perder. A paz somente pode
ser alcançada no esquecimento e no sonho, ou na fuga para novos amores
em que os ciclos serão recriados.
Capítulo VII- “As Diferentes Facetas do Sexo”- No sexo não existe
nenhuma moral a ser seguida e os comportamentos humanos são moldados
pelas paixões e pelos padrões sociais. O escritor, dentro de sua extrema
perspicácia, explicita os preconceitos e atitudes ligadas ao sexo,
abandonando a hipocrisia social. Os personagens proustianos expõem suas
facetas sexuais como algumas plantas que sagazmente abrem seus órgãos
genitais aos insetos polinizadores, sem pudor, sem vergonha, mas com
receio da punição. O homossexualismo se cercava de disfarces,
revestia-se de diversas formas e engendrava culpas.
A temática, que se inicia pelas cocotes e pelas prostitutas de bordel,
caminha para o homossexualismo masculino e feminino, tanto para aqueles
que navegam na bissexualidade, quanto para os outros, cuja prática
homoafetiva é quase que um sacerdócio. Proust não exclui de seu romance a
prática do sadomasoquismo e ele o faz, quer como uma forma de prazer
“vicioso”, quer como recurso estético melodramático.
Capítulo VIII- “O Tempo, a Memória e o Processo Criativo- Essa temática
representa o alfa e o ômega da obra proustiana. Trataremos do Tempo,
das transformações que seu decorrer provoca nos corpos e nas mentes das
pessoas, assim como em todos os objetos que sejam frutos do homem ou da
natureza. O Espírito que, reagindo às destruições que o Tempo produz,
busca esconderijos nos templos do Inconsciente e lá deposita, como
reminiscências vivas, parcelas do tempo vivido.
Proust diferencia dois compartimentos distintos da Memória. Aquele que
nos traz, através da inteligência, figuras estáticas do passado, tal
qual um álbum de fotografias; um outro, a Memória Involuntária em que as
lembranças guardadas no subconsciente podem ser recuperadas. Um
processo de reviver, no presente, como frutos do acaso, sensações que
trazem impressões vividas no passado, um fio condutor da “psicologia do
tempo” e da “psicologia do espírito” de Proust.
Essa temática sintetiza uma obra de arte que possui a lógica do
inconsciente e encontra sua melhor expressão dentro da linguagem própria
dos símbolo.
JAMES JOYCE – (1882-1941)
Foi um extraordinário contista, romancista e poeta irlandês. Teve profunda influência na literatura do mundo inteiro.
OBRAS:
POESIA: Música de Câmera (1907);
CONTOS: Dublinenses (1914);
ROMANCES: Retrato do Artista Quando Jovem (1916);
Ulisses (1922);
Finnegans Wake (1939).
Joyce
viveu grande parte de sua vida fora da Irlanda, mas foi sua experiência
irlandesa que ficou marcada em todos os seus livros. Seus contos, já
pelo título, contêm as marcas que a capital irlandesa e seus costumes
deixaram na alma do autor. Refletem as saudades e mágoas que trazia da
própria pátria.
Teve uma vida bastante atribulado. Primeiramente
foi a falência financeira do pai, importante homem de comércio. Depois,
foi a morte da mãe, ocasião em que teve de abandonar o curso de medicina
que fazia em Paris.
Juntou-se com Nora Barnacle, que foi sua
companheira pelo resto de seus anos. O casal foge para a
Áustria-Hungria, fixando-se primeiramente onde hoje é a Croácia e depois
transferindo-se para o Triste, região que atualmente pertence à Itália.
Dedica-se, nesse período ao ensino de língua inglesa. É nessa época que
começa o importante trabalho de sua carreira literária.
No final
da primeira grande guerra mundial, muda-se primeiro para Zurique e
depois para Paris. No período em que vivia na Suiça aparece-lhe uma
doença nos olhos, iridite, doença ocular que consiste basicamente em
inflamação da Iris. Em Paris, conclui suas obras mais importantes:
Ulisses e Finnegans Wake.
ULISSES (comentários) – maravilhoso
romance em que toda a ação se passa em um único dia, o dia 16 de junho
de 1904. Foi um marco do modernismo inglês. É uma espécie de fluxo de
consciência do autor, repleto de paródias, de chistes na apresentação
das personagens. Joyce trabalhou nessa obra entre os anos de 1914 e
1921. Começou a narrativa no Trieste, continuou em Zurique e concluiu-a
em Paris.
O autor toma como base a Odisseia de Homero. O Odisseu
grego é rei da lendária Ítaca, sua esposa é Penélope e seu filho
chama-se Telêmaco. Ulisses (Odisseu) é Leopold Boom, Penélope é Molly
Bloom e Stephen Dedalus, filho do casal irlandês é Telêmaco. Os dez anos
do herói grego, reduzem-se a 18 horas de Leopold, das 8h da manhã do
dia 16 de junho de 1904 às 2h da madrugada do dia seguinte. São 18
capítulos, um para cada hora do percurso histórico dessa odisseia,
enquanto a narrativa épica grega tem 24 capítulos.
A obra de
Joyce é uma rica paródia da Odisseia do magnífico poeta grego clássico
do século IX a. C, Homero. Leopold Bloom é um agente publicitário da
cidade de Dublin, capital da Irlanda. Para o narrador irlandês, o que
mais interessa são os conflitos psicológicos das personagens. Embora
mantenham alguma semelhança, as personagens de Joyce diferenciam-se
substancialmente das de Homero.
Ulisses é um rei. Leopold Bloom é
um protótipo do homem da classe média de Dublin. Joyce descreve-o como
um desajeitado, chegando mesmo a ser engraçado, no entanto é homem
reflexivo e coloquial. Penélope é a própria imagem da mulher
inquebrantavelmente fiel, Molly Bloom é uma mulher adúltera. Telêmaco é
um jovem príncipe herdeiro do trono que parte pelo mundo à procura do
pai. Stephen Dedalus é um jovem erudito.
No romance de Joyce, é
Leopold que procura o filho Stephen Dedalus, enquanto Molly trai o
marido. Portanto, não há uma paráfrase de Homero, mas uma subversão do
sentido da obra original. Muda-se o cenário: na Grécia, trata-se da
família da corte real; na Irlanda, a família comum da classe média, em
que ocorrem mesmo as traições femininas.
FINNEGANS WAKE
(comentários) – precioso romance de James Joyce, também sua última obra,
publicado em 1939. Trata-se agora de romance experimental. É
tremendamente difícil de ser traduzido. O próprio autor despendeu 17
anos de trabalho para realizar esta obra.
Nesse romance, o autor
trabalha com o sonho em seus extremos limites e mesmo com a loucura e o
delírio. O livro não se funda na lógica humana. O autor trabalha com as
palavras e os trocadilhos. Isso é uma tortura para os tradutores, pois
não usa os trocadilhos comuns da linguagem. Pelo contrário, cria
trocadilhos novos todo instante.
O leitor tem de aprender com o
autor a criar sentidos. Emprega relações cruzando idiomas, mais de oito
idiomas diferentes. Isso instiga o leitor a procurar leituras novas,
sempre novas do mesmo texto. Emprega uma linguagem em que os signos não
apontam para o mundo. Fragmenta os signos, que reordenados constroem
sempre novas possibilidades de sentidos, nunca únicos. São verdadeiros
feixes de possibilidades, que, nas traduções multiplicam-se ainda mais, a
partir dos novos signos selecionados pelo tradutor, num processo
interminável.
As personagens se fundem e se confundem entre elas e
com a própria paisagem. Expandem-se as personagens até tornarem-se a
humanidade toda.
O entrecho parece girar em torno de um crime de
natureza sexual e incestuosa. O criminoso é julgado, condenado, morto,
enterrado e ressuscita. Mas essa ressurreição se dá através de seu filho
bom, que toma seu lugar.
Há cenas de desejo incestuoso de irmãos
pela irmã. A ma, ao envelhecer é abandonada. A narrativa assemelha-se a
um discurso bêbado em que se misturam à batalha de Waterloo, discussões
filosóficas, narrativas históricas, muitas piadas, passagens bíblicas,
invocações muçulmanas a Alá, e textos literários, sem que haja lógica
temporal alguma.
Parece um eterno retorno de loucuras em que as
personagens parecem evocar a tipos mutantes que apelam a argumentos
filosóficos que podem ser sempre mudados em outros com que o leitor pode
estabelecer novas leituras e interpretações sempre inusitadas. Ninguém
nunca pode dizer desta obra que a leitura é esta ou aquela.
OBRAS:
POESIA: Música de Câmera (1907);
CONTOS: Dublinenses (1914);
ROMANCES: Retrato do Artista Quando Jovem;
(Ulisses (1922);
Finnegans Wake (1939).
GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ – O INVENTOR DE NOTÍCIAS - HOMENAGEM PÓSTUMA A NOSSO ILUSTRE NARRADOR LATINO-AMERICANO
Garcia
Márquez, por longos anos, trabalhou como jornalista. Amava as reportagens. Se
não encontrasse algo interessante em uma comunidade para narrar aos leitores
inventava, criava.
Conta-se
que fora enviado, em 1954, pelo jornal El Espectador em que trabalhava para
cobrir um grande protesto em um pequeno lugarejo distante da capital chamado Quibdó,
na província de Chocó, em plena floresta colombiana.
Ao
chegar ao local, descobre que haviam sido apenas boatos. Organiza então, em
combinação com um jornalista do local, uma encenação de protestos. Criam cenas
de revolta e de protestos.
Envia
para seu jornal fotografias de desfiles que teriam ocorrido por treze dias
consecutivos sob chuva torrencial. Assim, em muitas ocasiões, inventa notícias
de fatos jamais ocorridos.
Por
outro lado, quando o fato a ser noticiado carecia de interesse, exagerava para
que a notícia fosse relevante.
Conta-se
que, em 1848, publica na sua coluna no jornal em que trabalhava uma série de
comentários sobre César Guerra Valdés, que afirma ser um promissor poeta
desconhecido em sua terra natal, que teria uma contribuição relevante na
literatura latino-americana. Ocorre que nunca existiu nenhum poeta César Valdés.
Essa espécie de brincadeira de muitos jornalistas com seus leitores, que esperam sempre fatos espetaculares, é mais comum do que se pensa, em quase todo o mundo. Está sendo mesmo objeto de teses de doutorado. O leitor não se contenta com os fatos da vida banal. Então, o jornalista inventa detalhes fortes para alimentar essa curiosidade
FRIEDRICH VON SCHILLER
Começa seus estudos pela Faculdade de Direito que
troca pelo curso de Medicina, em 1775. Durante esse período alimenta sua paixão
pela literatura, lendo clássicos como Plutarco e Shakespeare, os poemas do
crítico literário Klopstock, além de Goethe, Lessing, Kant e dos
iluministas Voltaire e Rousseau. Também nessa época Schiller se fascina com o
movimento Sturm und Drang, do qual será representante, tal como seu amigo
Goethe. É durante esse período na Faculdade de Medicina que Schiller escreve
sua peça Os Bandoleiros (Die Räuber).
Viveu em várias cidades alemãs, período em que fez
amizade com Herder, Schlegel, Wieland e Goethe, todos eles representantes do
romantismo alemão e classicismo, e exerceu a cátedra de História da
Universidade de Jena, a partir de 1799.
Destacou-se com trabalhos como: «Ensaio sobre a
relação entre o animal e a natureza espiritual do homem» em 1785, «O
teatro como uma instituição moral» em 1785, «A arte trágica» em
1791, «Pela graça e dignidade» em 1793, «Sobre o sublime» em 1793, «Cartas
sobre a Educação Estética do Homem» em 1795 e «Da poesia ingênua e
sentimental», em 1796.
Dedicou-se basicamente à dramaturgia, produzindo grandes
peças teatro. Suas principais peças de teatro foram:
Os Bandoleiros (1781) Die
Räuber
A Conjura de Fiesco
(1782) Die Verschwörung des Fiesco zu Genua
Intriga e Amor (1783) Kabale
und Liebe
Don Carlos (1787/88)
Don Karlos
Maria Stuart (1800)
Turandot (1801)
A Donzela de Orleans
(1801) Die Jungfrau von Orleans
A Noiva de Messina (1803)
Die Braut von Messina
Guilherme Tell (1803/4)
Wilhelm Tell
Foi também importante poeta. Escreveu famosos poemas
como:
Os Artistas (1788)
Deuses da Grécia (1788)
Die Götter Griechenlands
Ode à Alegria (1785) Ode
an die Freude
O Ideal e a vida (1795)
Xênias (em parceria com
Goethe – 1797)
A Luva (1797)
O Canto do Sino (1799) Das
Lied von der Glocke
Dedicou-se também à filosofia. Escreveu os seguintes
textos nessa área:
Cartas Filosóficas
(1786)
Da Arte Trágica (1792)
Cartas de Augustenburg
(1793)
Sobre a Graça e
Dignidade (1793)
Do Patético (1793)
Do Sublime (1793)
Kalias ou Sobre a
Beleza ( publicado postumamente, 1847)
Cartas sobre a Educação
Estética do Homem (1795) Über die ästhetische Erziehung des Menschen
Poesia Ingênua e
Sentimental (1796) Über naive und sentimentalische Dichtung
Tinha um apreço especial pela história que perpassa
toda sua obra. Textos históricos:
História da Separação
dos Países Baixos (1788)
História da Guerra dos
Trinta Anos (incompleta)(1791-1793)
Schiller foi um dos grandes homens de letras da
Alemanha do século XVIII. Morreu em Weimar, na Alemanha, a 9 de
Maio de 1805.
Suas principais peças de teatro foram: Os Bandoleiros (1781) Die Räuber A Conjura de Fiesco (1782) Die Verschwörung des Fiesco zu Genua Intriga e Amor (1783) Kabale und Liebe Don Carlos (1787/88) Don Karlos Maria Stuart (1800) Turandot (1801) A Donzela de Orleans (1801) Die Jungfrau von Orleans A Noiva de Messina (1803) Die Braut von Messina Guilherme Tell (1803/4) Wilhelm Tell
Escreveu famosos poemas como: Os Artistas (1788) Deuses da Grécia (1788) Die Götter Griechenlands Ode à Alegria (1785) Ode an die Freude O Ideal e a vida (1795) Xênias (em parceria com Goethe – 1797) A Luva (1797) O Canto do Sino (1799) Das Lied von der Glocke
Dedicou-se também à filosofia.
Escreveu os seguintes textos nessa área: Cartas Filosóficas (1786) Da Arte Trágica (1792) Cartas de Augustenburg (1793) Sobre a Graça e Dignidade (1793) Do Patético (1793) Do Sublime (1793) Kalias ou Sobre a Beleza ( publicado postumamente, 1847) Cartas sobre a Educação Estética do Homem (1795)
Über die ästhetische Erziehung des Menschen Poesia Ingênua e Sentimental (1796)
Über naive und sentimentalische Dichtung
Über die ästhetische Erziehung des Menschen Poesia Ingênua e Sentimental (1796)
Über naive und sentimentalische Dichtung
Antologia:
Ode à Alegria
Ó, amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!
Entoemos algo mais prazeroso
E mais alegre!
Alegria, formosa centelha divina,
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce voo se detém.
Filha do Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Tua magia volta a unir
O que o costume rigorosamente dividiu.
Todos os homens se irmanam
Ali onde teu doce voo se detém.
Quem já conseguiu o maior tesouro
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!
De ser o amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma mulher amável
Rejubile-se conosco!
Sim, mesmo se alguém conquistar apenas uma alma,
Uma única em todo o mundo.
Mas aquele que falhou nisso
Que fique chorando sozinho!
Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte;
Deu força para a vida aos mais humildes
E ao querubim que se ergue diante de Deus!
Alegremente, como seus sóis voem
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.
Através do esplêndido espaço celeste
Se expressem, irmãos, em seus caminhos,
Alegremente como o herói diante da vitória.
Abracem-se milhões!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões, vocês estão ajoelhados diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do Céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos, além do céu estrelado
Mora um Pai Amado.
Milhões, vocês estão ajoelhados diante Dele?
Mundo, você percebe seu Criador?
Procure-o mais acima do Céu estrelado!
Sobre as estrelas onde Ele mora!
An die Freude
O Freunde, nicht diese Töne!
Sondern laßt uns angenehmere
anstimmen und freudenvollere.
Freude! Freude!
Sondern laßt uns angenehmere
anstimmen und freudenvollere.
Freude! Freude!
Freude, schöner Götterfunken
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken,
Himmlische, dein Heiligtum!
Deine Zauber binden wieder
Was die Mode streng geteilt;
Alle Menschen werden Brüder,
Wo dein sanfter Flügel weilt.
Tochter aus Elysium,
Wir betreten feuertrunken,
Himmlische, dein Heiligtum!
Deine Zauber binden wieder
Was die Mode streng geteilt;
Alle Menschen werden Brüder,
Wo dein sanfter Flügel weilt.
Wem der große Wurf gelungen,
Eines Freundes Freund zu sein;
Wer ein holdes Weib errungen,
Mische seinen Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele
Sein nennt auf dem Erdenrund!
Und wer’s nie gekonnt, der stehle
Weinend sich aus diesem Bund!
Eines Freundes Freund zu sein;
Wer ein holdes Weib errungen,
Mische seinen Jubel ein!
Ja, wer auch nur eine Seele
Sein nennt auf dem Erdenrund!
Und wer’s nie gekonnt, der stehle
Weinend sich aus diesem Bund!
Freude trinken alle Wesen
An den Brüsten der Natur;
Alle Guten, alle Bösen
Folgen ihrer Rosenspur.
Küsse gab sie uns und Reben,
Einen Freund, geprüft im Tod;
Wollust ward dem Wurm gegeben,
Und der Cherub steht vor Gott.
An den Brüsten der Natur;
Alle Guten, alle Bösen
Folgen ihrer Rosenspur.
Küsse gab sie uns und Reben,
Einen Freund, geprüft im Tod;
Wollust ward dem Wurm gegeben,
Und der Cherub steht vor Gott.
Froh, wie seine Sonnen fliegen
Durch des Himmels prächt’gen Plan,
Laufet, Brüder, eure Bahn,
Freudig, wie ein Held zum Siegen.
Durch des Himmels prächt’gen Plan,
Laufet, Brüder, eure Bahn,
Freudig, wie ein Held zum Siegen.
Seid umschlungen, Millionen!
Diesen Kuß der ganzen Welt!
Brüder, über’m Sternenzelt
Muß ein lieber Vater wohnen.
Ihr stürzt nieder, Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt?
Such’ ihn über’m Sternenzelt!
Über Sternen muß er wohnen.
Diesen Kuß der ganzen Welt!
Brüder, über’m Sternenzelt
Muß ein lieber Vater wohnen.
Ihr stürzt nieder, Millionen?
Ahnest du den Schöpfer, Welt?
Such’ ihn über’m Sternenzelt!
Über Sternen muß er wohnen.
PHANTASY -- TO LAURA
NAME,
my Laura, name the whirl-compelling
Bodies to unite in one blest whole--
Name, my Laura, name the wondrous magic
By which Soul rejoins its kindred Soul!
See! it teaches yonder roving Planets
Round the sun to fly in endless race;
And as children play around their mother,
Checker'd circles round the orb to trace.
Every rolling star, by thirst tormented,
Drinks with joy its bright and golden rain--
Drinks refreshment from its fiery chalice,
As the limbs are nourish'd by the brain.
'Tis through Love that atom pairs with atom,
In a harmony eternal, sure;
And 'tis Love that links the spheres together--
Through her only, systems can endure.
Were she but effaced from Nature's clockwork,
Into dust would fly the mighty world;
O'er thy systems thou wouldst weep, great Newton,
When with giant force to Chaos hurl'd!
Blot the Goddess from the Spirit Order,
It would sink in death, and ne'er arise.
Were Love absent, spring would glad us never;
Were Love absent, none their God would prize!
What is that, which, when my Laura kisses,
Dyes my cheek with flames of purple hue,
Bids my bosom bound with swifter motion,
Like a fever wild my veins runs through?
Ev'ry nerve from out its barriers rises,
O'er its banks the blood begins to flow;
Body seeks to join itself to Body,
Spirits kindle in one blissful glow.
Powerful as in the dead creations
That eternal impulses obey,
O'er the web Arachnine-like of Nature,--
Living Nature,--Love exerts her sway.
Laura, see how Joyousness embraces
E'en the overflow of sorrows wild!
How e'en rigid desperation kindles
On the loving breast of Hope so mild.
Sisterly and blissful raptures softens
Gloomy Melancholy's fearful night,
And, deliver'd of its golden Children,
Lo, the eye pours forth its radiance bright!
Does not awful Sympathy rule over
E'en the realms that Evil calls its own?
For 'tis Hell our crimes are ever wooing,
While they bear a grudge 'gainst Heaven alone!
Shame, Repentance, pair Eumenides-like,
Weave round sin their fearful serpent-coils:
While around the eagle-wings of Greatness
Treach'rous danger winds its dreaded toils.
Ruin oft with Pride is wont to trifle,
Envy upon Fortune loves to cling;
On her brother, Death, with arms extended,
Lust, his sister, oft is wont to spring.
On the wings of Love the Future hastens
In the arms of ages past to lie;
And Saturnus, as he onwards speeds him,
Long hath sought his bride -- Eternity!
Soon Saturnus will his bride discover,--
So the mighty Oracle hath said;
Blazing Worlds will turn to marriage torches
When Eternity with Time shall wed!
Then a fairer, far more beauteous morning,
Laura, on our Love shall also shine,
Long as their blest bridal-night enduring:--
So
rejoice thee, Laura -- Laura mine!
Die Pest, eine Fantasie
Gräßlich
preisen Gottes Kraft
Pestilenzen
würgende Seuchen,
Die mit
der grausen Brüderschaft
Durchs
öde Thal der Grabnacht schleichen.
Bang
ergreifts das klopfende Herz,
Gichtrisch
zuckt die starre Sehne,
Gräßlich
lacht der Wahnsinn in das Angstgestöhne,
In
heulende Triller ergeußt sich der Schmerz.
Raserei
wälzt tobend sich im Bette –
Gift’ger Nebel wallt um ausgestorbne Städte
Menschen
– hager – hohl und bleich –
Wimmeln
in das finstre Reich.
Brütend
liegt der Tod auf dumpfen Lüften,
Häuft sich Schäze in gestopften Grüften
Häuft sich Schäze in gestopften Grüften
LITERATURA BRASILEIRA – CRISTÓVÃO TEZZA
Cristóvão
Tezza é basicamente um escritor paranaense embora tenha nascido em Santa
Catarina, em Lajes, pois dede a infância reside em Curitiba. A capital do
Paraná é o cenário da maioria de suas obras.
Iniciou
sua vida no teatro. É romancista e também doutor em Literatura Brasileira, com
uma tese sobre a teoria de Mikhail Bakhtin. Trabalha como professor de Linguística
na Universidade Federal do Paraná.
OBRAS:
Gran Circo das Américas, São Paulo, SP: Editora
Brasiliense (1979)
A Cidade Inventada, Curitiba, PR: Coo Editora
(1980) (contos)
O Terrorista Lírico, Curitiba, PR: Edições Criar
(1981)
Ensaio da Paixão (1982)
Trapo, São Paulo, SP: Editora Brasiliense (1988)
Aventuras Provisórias, Porto Alegre, RS: Mercado
Aberto (1989)
Juliano Pavollini, Rio de Janeiro, RJ: Editora
Record (1989)
A Suavidade do Vento, Rio de Janeiro, RJ: Editora
Record (1991)
O Fantasma da Infância, Rio de Janeiro, RJ:
Editora Record (1994)
Uma Noite em Curitiba, Rio de Janeiro, RJ: Rocco
(1995)
Tradução eslovena por Nina Kovič, Noč V Curitibi,
Novo mesto: Goga (2011)
Breve Espaço entre a Cor e a Sombra (1998) -
Prêmio Machado de Assis da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
O Fotógrafo ("The Photograph"), Rio
de Janeiro, RJ: Rocco (2004) - Prêmio Academia Brasileira de Letras 2005
O
Filho Eterno, Rio de Janeiro, RJ : Editora Record (2007)
O Professor, Editora Record – lançamento em 02 de abril de
2014.
Livro sobre o envelhecimento, recém lançado.
TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 1994
A OBRA EM CONSTRUÇÃO
TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 1994
Resenha Crítica
A CONSTRUÇÃO DE UM
ESCRITOR
Prof. Rosse Marye
Bernardi
Professora da
Universidade Federal do Paraná
Em: Cristovão Tezza.
Série Paranaenses, nº 5.
Curitiba: Ed. da UFPR, 1994. pp. 5-16
Eu sou um homem construído pelas
histórias que escrevi.
Curitibano nascido em Lages-SC,
podemos dizer que Cristovão Tezza se fez escritor por vontade, seguindo um
projeto a tal ponto incorporado a sua personalidade que o próprio autor diz não
conseguir imaginar a sua vida sem o ato de escrever.
Começou poeta - escreveu seu
primeiro livro aos 13 anos e já nessa época, textos na mão, percorria a redação
dos jornais, em busca de espaço para publicação. Os poemas do adolescente não
ficaram (nem mesmo escondidos no baú da memória), mas restou a certeza do ser
escritor, dado fundamental no desenvolvimento de sua personalidade.
essencialmente literária.
Tezza foi um típico representante
da geração dos anos 60 - uma geração que acreditava nos sonhos, desejava mudar o
mundo e fazia opções por formas alternativas de vida. Em busca de caminhos,
participou do Centro Capela de Artes Populares, dirigido por Wilson Rio Apa,
cuja postura artística e ideológica influenciaria sua produção inicial. Em 68,
integrado à comunidade, em Antomna, pequena cidade no litoral paranaense,
Cristovão é oficializado como um dos autores teatrais do grupo, além dc
desenvolver experiência como ator, diretor, contra-regra e iluminador. Monólogo
do amanhã e Os confinados, peças de sua autoria, montadas pelo grupo, tiveram à
época algum sucesso. Essa experiência teatral - propiciando a percepção da
síntese, da visibilidade e domínio do diálogo - marcará para sempre a visão
artística de Tezza.
Em 71, ele conclui seu primeiro
romance - O papagaio que morreu de câncer. Seguem-se A televida e A
máquina imprestável, todos impiedosamente destruídos. Nesta época, ainda,
Cristovão escreve Sopa de legumes. uma brincadeira que carnavalizava a
vida quase mitológica da comunidade - hippies, marginais, desocupados - que se
agrupava sob a liderança de Rio Apa. Nesse texto, zelosa e afetivamente
guardado, e cuja tônica maior era o riso, a crítica e a autocrítica, vamos
encontrar o humor, marca registrada da sua narrativa. No tocante a seus
personagem, Sopa de legumes é, de certa forma, a antecipação da
incrível humanidade que povoará a obra madura de Cristovão Tezza.
A experiência comunitária é
interrompida em dois momentos. Primeiro, em 1971. quando o canto da sereia o
leva a uma frustrada tentativa de tornar-se oficial da Marinha Mercante. Já em
75, a intenção é estudar Letras em Coimbra. Como a Universidade está fechada -
é a época da Revolução dos Cravos em Portugal - Cristovão se faz trabalhador
clandestino na Alemanha e viaja pela Europa. A solidão o faz escrever e
reescrever a maior parte dos contos de A cidade inventada.
Um ano depois, em 76, ei-lo
novamente em Antonina, agora transformado em joalheiro - (a curiosidade pelos
mecanismos delicados e precisos é análoga à paixão com que se debruçará, mais
tarde, sobre o mecanismo das ações humanas) - dono de uma pequena joalheria de
insuspeitado nome literário: "Cinco em ponto", homenagem ao poema de
Lorca. Mas não consegue mais se reintegrar ao espírito da comunidade, ao seu
sonho de reinventar lendas ancestrais. A literatura que ele precisa escrever
não mais se enquadra nos limites do romantismo anárquico.
Já casado, parte para o Acre,
onde vai ser professor de Cursinho e aluno do Curso de Letras. Ainda inseguro
de seus meios expressivos, aventura-se novamente na linguagem romanesca,
iniciando a escritura de Gran circo das Américas. No ano seguinte - 78 -
atraca em Curitiba, matricula-se em sua velha Universidade e escreve poesias.
Nesse ano tem o seu primeiro texto publicado. Trata-se de Os
telhados de Coimbra, na antologia Assim escrevem os paranaenses. A
essa época encanta-se com as ciências da linguagem. Na construção do artista
este é um momento crucial. A vida já nutrira de aventuras e experiências a sua
curiosidade e sensibilidade. Agora é a vez do conhecimento científico. Assim
aprofunda teorias e conscientiza-se de técnicas antes apenas intuídas. É também
o momento em que descobre que a prosa é a linguagem mais adequada à
cristalização literária de sua visão de mundo. Sem medo de influências,
transforma-se num devorador cada vez mais voraz de livros, ao mesmo tempo em
que começa a produzir sistematicamente a sua própria literatura. Em 83, já tem
publicados Gran Circo das Américas e A cidade inventada. O
terrorista lírico, Ensaio da paixão e Trapo repousam na gaveta.
Apesar dos prêmios, para sobreviver,
enquanto o sucesso não vem, decide-se pela vida acadêmica. Matricula-se no
Curso de Pós-Graduação em Letras na UFSC. A tese, sobre a obra de Rio Apa, é a
comprovação de que a arte pode conviver com a ciência, e é, ao mesmo tempo, a
releitura do próprio passado. Eu acrescentaria - é também a superação do seu
passado artístico.
Em 1986, contratado como
Professor de Língua Portuguesa na UFPR - retorna a Curitiba. Desta vez para
ficar e escrever a sua obra.
A OBRA EM CONSTRUÇÃO
Considero o ato de escrever uma
aventura ética. Não posso entender nenhuma obra de arte que não tenha relação
com todo o complexo sistema de valores que nos rodeiam.
A leitura atenta dos oito títulos
já publicados por Cristovão Tezza surpreende uma obra que processa o
adensamento dos temas e o amadurecimento dos meios expressivos de livro para
livro. Para melhor evidenciar tal pressuposto, como fio condutor destes breves
comentários críticos sobre sua obra, optamos pela cronologia da produção dos
textos - que nem sempre corresponderá à cronologia das publicações.
Assim, A cidade inventada,
que teve muitos de seus textos escritos nas andanças europeias do autor, é uma
obra que sob alguns aspectos se diferencia de todas as demais. Primeiro, por
ser um livro de contos - o que implica um tratamento específico da linguagem;
segundo, porque o registro literário, acompanhando a atmosfera temática.
privilegia o fantástico e o simbólico, a maneira de Borges, a quem aliás é
dedicado Os sábios, a última e melhor parte do livro - que (fazendo a abertura
de um dos seus mais frequentes temas) se debruça sobre a própria literatura.
Mas é na visão de mundo, na
postura diante da civilização urbana e nos conceitos literários que mais
percebemos o distanciamento entre este e os livros mais recentes. Aqui os
contos funcionam como uma espécie de fragmentos organizados em torno de uma ideia
central - a decadência de uma cultura desumana, com sua sofisticação vazia, sua
arte degenerada, e um isolamento exacerbado que caminha para um inexorável fim.
Em quase todos os textos há uma tentativa de fuga. As personagens correm por
catacumbas, percorrem teatros vazios, dirigidos por estranhos guias - sempre
mulheres - em busca de uma saída e uma liberdade que não se consegue encontrar.
A atmosfera e a ideologia deste livro,
com sua apocalíptica visão dos aglomerados urbanos e sua implícita recusa de
toda arte que não seja essencialmente popular, que não pretenda encontrar o
homem enquanto arquétipo - tem tudo a ver com a experiência comunitária do
jovem Cristovão na minúscula Antonina e com a sua contraface - a viagem por uma
Europa ainda não refeita dos conflitos ideológicos urbanos da década de 60, e
sua quase reedição na Revolução dos Cravos portuguesa. Produto de uma
sensibilidade historicamente datada, implicando relações sócio-culturais
específicas. a obra é a cristalização literária das revoltas e dos sonhos de um
momento de uma geração. Daí a sua importância - e a força de suas ideias que
tingirão ainda. de maneira desigual, outras obras - além da inegável qualidade
de muitos contos (leia-se atentamente A obra, o fim, ou Memória, por
exemplo), que mereceram o pertinente comentário critico de Milton José de
Almeida:
Os contos de Tezza dão a
impressão de ensaios para projetos mais profundos, como um músico que toca aquelas
peças de praxe, que apesar de simples, mostram a qualidade do instrumentista.
Esperamos que ele chegue a nos dar um concerto.(*)
Gran Circo das Américas, escrito
entre 77 e 78, reflete uma alteração de postura ou pelo menos a tentativa
consciente de alterar tecnicamente o tratamento dado ao assunto literário. Não
mais contos, não mais fantásticas atmosferas, embora enquanto núcleo permaneça
o tema do desajuste, da inadequação ao sistema. O olhar do autor-narrador,
ainda desprovido dos recursos da argúcia e da ironia, despreza os personagens
comuns e enfoca o ser que recusa enquadrar-se.
O circo, com toda a sua carga
semântica e simbólica de aventuras, poesia e marginalização, é o espaço onde
aporta o jovem Juliano para fugir à autoridade opressora do tio, velho juiz
destituído de qualquer sensibilidade. É a história desta fuga, de uma
perseguição sem trégua e da solidariedade da pequena troupe mambembe que
Cristovão nos transmite nesta narrativa linear, bem estruturada e de fortes
traços românticos, que privilegia o diálogo. Livro simples, de fácil leitura,
caiu no agrado dos jovens. Esteticamente poderíamos dizer que nele o autor
praticou exercícios literários, úteis para aprimorar a sua técnica, mas que
pouco acrescentaram, a sua obra.
Desta fragilidade não se ressente O
terrorista lírico, livro escrito em 1980 e publicado no ano seguinte. O texto,
em primeira pessoa, apresenta a estrutura de um diário e é um mergulho na solidão
humana e na incapacidade de relacionamento entre as pessoas, ao mesmo tempo que
expõe a construção do texto, não como um mero exercício metalinguístico, mas
como reflexão sobre as relações entre a vida e a arte.
Nesse livro. Cristovão já
manipula com alguma segurança a distância entre a sua visão de mundo enquanto
centro ideológico e a visão de mundo de um personagem narrador, no caso o
terrorista Raul Vasques. E este distanciamento que permite ao leitor vislumbrar
o olhar que vê outro olhar, a linguagem que comenta e refrata outra linguagem,
criando a zona da ironia e do humor, porta aberta para a reflexão sobre a
condição humana - que se constituirá numa das características mais importantes
da obra de Tezza.
O Terrorista Lírico tem em
comum com o livro anterior o tema da destruição da cidade - acontecimento
totalmente inverossímil, mas que. submetido a um tratamento realista, dá ao
texto uma configuração fantástica. Ainda marcado para um romantismo ideológico,
o autor permite que seu personagem encontre uma saída. Destruída a cidade
(símbolo de uma civilização apodrecida), Raul desce para o mar com a mulher e
juntos vão reconstruir o mundo.
A esta época. Tezza produz com
bastante rapidez. Em 81 já esta pronto o livro Ensaio da paixão, que
inicialmente recebera o título de Devassa da paixão. Reciclando a
concepção de Sopa de legumes, que não estabelecia distância entre a vida e
o texto, esse novo romance é a recriação artística, ficcional, da experiência
comunitária e das atividades de teatro popular que o autor viveu nas décadas de
60 e 70. Reatualizando e ritualizando a encenação da Paixão e carregando em
algum momentos na linha do fantástico, o texto, à maneira do que se fazia à
época em Alexandra, no Paraná, e depois em Florianópolis, dá ao mito conotações
político-existenciais, pois o que se ensaiava ou encenava acaba sendo a própria
vida dos participantes, simbolizando, na absurda batalha final, a luta de todos
os homens contra a tirania e a opressão.
Na comunidade Tezza também
encontrou, confessadamente, a matéria prima para seus personagens:
pessoas desvinculadas do sistema
de produção ... marginais, hippies e desocupados em geral. Esse miolo parece
que permaneceu na minha literatura como se essas pessoas reservassem o que há
de melhor na espécie humana. Uma reserva de revolta.
É no Ensaio da paixão, pela
sua própria marcação teatral, que vai aparecer o mais amplo painel desta
humanidade, tão cara à sua visão de mundo e que estará presente em toda a sua
obra. No entanto, fique claro ao leitor que as pessoas reais são apenas pontos
de referência para o desenho das personagens, seres ficcionais com
características sociais determinadas. Em Ensaio da paixão não temos
protagonistas, mas personagens que se destacam pelas suas próprias
possibilidades dramáticas como Pablo, Cisco, Toco e seu inseparável anjo, Miro,
Edgar, Isaías e muitos outros. Há ainda e não poderia deixar de ser, para um
autor que faz da literatura um dos seus mais constantes temas, um escritor,
Antônio Donetti, que não consegue vencer os limites da própria pequenez. O
texto, apesar de envolvente, dinâmico, se ressente do tamanho excessivo e
ainda, a meu ver, mereceria um melhor tratamento narrativo. Mas é uma obra
inegavelmente importante no universo ficcional de Tezza.
É a partir do romance Trapo,
escrito em 82, que vai ocorrer o grande salto qualitativo de sua obra. E também
o texto que vai abrir-lhe as portas da critica e do público: "Alguma coisa
nova, realmente nova, na temática, no estilo e na criação dos personagens foi
introduzida por Cristovão Tezza", saúda Wilson Martins. Na realidade, em
termos formais, há aqui, nesta obra uma consciência da linguagem e um tal
domínio das possibilidades da linguagem romanesca, que de repente se percebe
que toda a produção anterior era o paciente preparo para este momento -
provavelmente o do "concerto" de que falara o crítico Milton José de
Almeida ao comentar A Cidade Inventada.
Apropriando-se de diferentes
extratos da linguagem social - o do jovem poeta desajustado e o do velho
professor aposentado - para citar apenas o contraponto dos discursos que
constroem a narrativa, Cristovão trabalha com maestria, a alma de duas gerações
antagônicas - dando a cada uma delas um grau de humanidade só alcançado pela
boa literatura. Ou como observou Liliane Reales:
As vozes narrativas que conduzem
o romance, a de Trapo e a do Professor Manuel - um viúvo solitário e de
suspeita competência profissional a cujas mãos vão parar as caóticas páginas
escritas por Trapo permitem ao autor um cativante exercício da fealdade,
escrita numa linguagem oral despida de qualquer lance súbito de poesia e
beleza. A emoção fica por conta das sutilezas, ou por conta do avesso.
A escritura de Cristovão Tezza
sabe dar conta de muitas paixões, muitas razões e paradoxos. Nas palavras de
Elisa C. de Quadros: "o velho professor passa a valorizar a vida quando
espreitado pela morte do jovem". Poderíamos acrescentar - como a maioria
dos homens, o Professor Manuel só vai saber de si a partir do que lhe contam os
escritos de Trapo. Um bom mote para nossa própria reflexão.
Mas, se em relação à visão de
mundo houve amadurecimento dos temas comuns às obras anteriores, Trapo é,
no tocante à geografia romanesca. a descoberta do espaço ideal do romancista:
Cristovão Tezza escreve o romance
da vida cotidiana da cidade moderna, organismo psicológico em estado de
permanente fluidez, que sentimos sem poder definir (...) Estamos em Curitiba,
mas a Curitiba de Cristovão Tezza não é mais a Curitiba de Dalton Trevisan.
Esta Curitiba a que o crítico se
refere, tão ambígua que permite duas soberbas apreensões literárias, transcende
evidentemente as simples referências espaciais, para se caracterizar como um
olhar enviezado. um estado de espírito, uma atmosfera, uma maneira de ser. Em
Cristovão, tudo isto condimentado por um humor tipicamente curitibano, que
Wilson Martins diz ser "descontraído, cáustico e vingador". Enfim, o
cenário ideal para os homens passearem os seus dramas.
O romance seguinte - Aventuras
provisórias - nome definitivo para um texto que já fora provisoriamente Elogio
do fracasso e Minha mãe e outras mulheres, é a consagração deste espaço,
aparente paraíso de uma classe média a perseguir o conforto e a satisfação em
infindáveis mudanças pelos bairros de Curitiba.
Mas Aventuras provisórias é
principalmente uma bela e terrível história, suavizada por sarcástica ironia -
e que faz reviver Pablo, personagem de Ensaio da paixão. Este recurso vai dar à
obra como um todo, uma unidade e uma coesão prenhe de significados. Fiel a sua
dolorosa humanidade, Cristovão focaliza seres inadequados, desajustados à
engrenagem social, aqui colocados no limite entre o salvar-se ou o perder-se
para sempre. Pablo se perde na busca da salvação - ele não consegue deter a
Roda - o sistema, muito maior do que o seu sonho marginal. Depois do crime, ele
pede ao amigo: "Você escreve, então? Assim já tenho outro projeto na vida:
ler minha história".
E é este texto, em primeira
pessoa, em que Cristovão se movimenta com extraordinária maestria, que vai
iluminar as aproximações e diferenças entre os dois personagens. João, o
narrador, é o indivíduo classe-média, rico, que se desencontra na vida e nas
suas mulheres, sempre aquém ou além dos seus desejos, dai o fracasso íntimo,
existencial - que se espelha pelo avesso na história do amigo Pablo:
Quem não veria em Pablo, o Puro,
marginalizado em comunidades rurais, e dado a metafísicas contemplações, o
"duplo" dum João pequeno-burguês, para quem tudo é "provisório'
porque não consegue se fixar em nada, preso à mãe que execra, mas de quem não
se libertou?
Entre ambos, a uni-os ainda mais
em suas desesperanças a Roda, - o sistema, personagem e leitmotiv do texto,
sempre presente e implacável, a vedar as saídas e esmagar todas as ilusões.
Juliano Pavollini, escrito entre 87 e 88 é o terceiro e provavelmente o mais elaborado livro da trilogia que o autor chamou "informal", referindo-se ainda aTrapo e Aventuras provisórias.
Juliano Pavollini, escrito entre 87 e 88 é o terceiro e provavelmente o mais elaborado livro da trilogia que o autor chamou "informal", referindo-se ainda aTrapo e Aventuras provisórias.
Apesar de aproximações temporais.
espaciais e temáticas, encerrando uma espécie de ciclo que revisita a Curitiba
dos anos 60 e 70, há nestas obras diferenças fundamentais quanto à linguagem,
que bem ilustram o cuidado do autor em relação a este tópico. Partindo do
pressuposto de que a "voz" de um personagem implica a sua própria
substância humana e a sua própria individualidade - Cristovão tem primado pela
elaboração de linguagens diferentes em cada livro, embora isto se evidencie
mais claramente nas narrativas em primeira pessoa. onde o olhar que vê e conta
o mundo apresenta-se marcado pelos elementos culturais e o universo de
referências, evidentemente diversas de personagem para personagem.
Assim, por exemplo, a
"voz" de Juliano é a "voz" da sua consciência social -
somatória de todas as linguagens que constituíram a sua aprendizagem do mundo e
que é comentada e refratada pelo autor de uma forma tão sutil que:
Parece que os personagens e não o
autor possuem o controle do enredo. Passa-se do cacoete "proustiano"
a um realismo "bukowskiano" ou a la Rubem Fonseca (o de Feliz
ano novo,), como preferirem. O livro começa a ser freqüentado por palavrões e
Juliano se multiplica: malandro, tímido, pervertido, inseguro, intelectual e
virgem, tudo cabe na sua imagem.
Os mais diversos ingredientes
romanescos cabem na escrita memorialística de Juliano. Adolescente rebelde.
educado num bordel, onde se alimentara de livros de aventuras, para ele
escrever é se construir enquanto verdade ou enquanto mentira desesperada maneira
de estabelecer uma ponte afetiva com o outro:
A minha palavra é minha sedução -
a cada capítulo estou mais próximo da liberdade, Clara tem poderes no presídio.
Avanço dia-a-dia no labirinto da minha história, sempre dupla: o texto que ela
lê não é este que eu escrevo. O texto que eu escrevo não é o que eu vivi, e
aquele que eu vivi não é o que eu pensava, mas não importa - continuo correndo
atrás de mim e esbarrando numa multidão de seres. E neles, só neles, que tenho
algum esboço de medida. (Juliano Pavollini, p. 113).
Entre este velar-se e
desvelar-se. o narrador vai compondo uma narrativa quase camaleônica que prende
o leitor da primeira á última página e que deu à crítica a certeza de que já se
está diante de um universo romanesco singular:
O leitmotiv de Cristovão Tezza é
a solidão moral de seus protagonistas, seres cindidos entre a enormidade dos
sonhos, maiores que toda uma vida, e a estreiteza do dia-a-dia, sucessão de
trivialidades. O descompasso entre querer e poder, entre planejar e realizar ou
entre pensar e dizer traduz-se em hediondas transgressões às normas éticas e
sociais, a repelir os que se queriam próximos, a provocar o ódio quando se
anseia por amor a trazer a guerra em lugar de paz.
Afirmações que cabem também ao
último livro publicado por Tezza - A suavidade do vento, desenvolvido a
partir de um projeto aprovado pela Fundação Vitae de Literatura, em 90, o que
lhe valeu uma bolsa para escrevê-lo.
A obra gira em torno da implícita
tese de que o indivíduo só existe a partir do olhar e da aprovação do outro ou
dos outros - proposição que lembra as elocubrações machadianas de Teoria do
Medalhão e O espelho e que nos diz da família de escritores a que Cristovão vai
filiar-se, não como influência (pois escrever para ele é um processo de autoconhecimento)
mas como aproximações estético/sociais que enformam visões de mundo afins, não
idênticas.
O texto, em termos de
procedimentos estruturais, expõe-se à maneira de uma peça dramática. Há um
"Prólogo" em que um autor ficcional estaciona o seu velho ônibus,
liberando figuras enfumaçadas que no "Primeiro Ato", no
"Entretanto", e no "Segundo ato" ganham a consistência de
atores dirigidos por um narrador que lhes comenta as ações e o desempenho.
Finda a "peça", na última parte do texto - "Cortina", o
autor reúne os "personagens atores" para que vão comentando a
encenação até desaparecerem lentamente. Por trás de tudo, o verdadeiro autor
Cristovão Tezza dá aos seus leitores uma bela lição do distanciamento
ficcional, comentando e retratando com sofisticado humor os pontos de vista das
personagens, que nada mais são do que possibilidades ou virtualidades nas suas
mãos de criador.
Quanto ao drama encenado, nele
temos um professor interiorano, Josilei Maria Matôzo, tímido e solitário até a
patologia - e que sobrevive no seu quarto povoado de monstros, fazendo
consultas aoI-Ching e lendo A paixão Segundo GH, de Clarice
Lispector. Estas ações vicárias são complementadas com a lenta escritura de um
livro - A suavidade do vento que, segundo sonha, irá redimi-lo e transformá-lo
num outro homem. No entanto, a publicação do livro, mais uma entrevista que
Matôzo (agora J. Mattoso) concede a uma revista, cheia de mentiras contadas por
ele mesmo, criam uma série de equívocos que tornam impossível qualquer
comunicação com os habitantes da aldeia. Súbito, ele se descobre o próprio
livro e lhe vem a aguda consciência de que:
Só a negação de tudo, do livro,
do nome, da matéria na revista, da diferença pode fazer com que (...) sobreviva
a própria história. O sacrifício se torna inevitável e Matôzo opta por se
enquadrar, por ser aquilo que esperavam dele (...).
Assim, no fechamento da amarga
parábola. Matôzo renuncia a si mesmo, rendendo-se à constatação de que ele só
tem existência real quando refletido no olhar do outro, que o legitima. A única
saída que lhe resta, portanto, é sobreviver por caminhos destroçados.
A obra construída por Cristóvão
até o presente momento já é suficiente para que o consideremos um escritor
maduro, fiel a um projeto narrativo que se aprimora constantemente e que tem
permitido aos leitores que viajam ao seu lado, investigar eticamente o homem -
fim maior de toda literatura.
Escrevendo por prazer e
necessidade, Cristóvão já tem no prelo o romance O fantasma de infância, a
ser editado no segundo semestre de 94, pela Record. A obra que o autor adianta
ser uma "narrativa dupla" trará de volta Juliano Pavollini, uma
de suas mais belas criações. Mas acreditamos que o autor, como sua criatura,
terá ainda muitas e boas "idéias na cabeça".
Curitiba, julho de 1993.
LITERATURA ALEMÃ - DEUTSCHE LITERATUR - BERTOLT BRECHT
POEMAS DE AMOR
Nunca te Amei Tanto
Nunca te amei tanto, ma soeur,
Como quando de ti parti naquele por-de-sol.
O bosque engoliu-me, o bosque azul, ma soeur,
Sobre que já pousavam as estrelas pálidas a oeste.
Não me ri nem um pouco, nada, ma soeur,
Eu que a brincar ia ao encontro dum destino escuro —
Enquanto os rostos já atrás de mim
Devagar empalideciam no anoitecer do bosque azul.
Tudo era belo naquele anoitecer único, ma soeur,
Nunca mais depois e nunca antes assim —
Verdade é: só me ficaram as grandes aves
Que ao anoitecer têm fome no céu escuro.
Bertold Brecht, in 'Do Pobre B.B.'
Ich habe dich nie je so geliebt
Ich habe dich nie je so geliebt, ma soeur
Als wie ich fortging von dir in jenem Abendrot.
Der Wald schluckte mich, der blaue Wald, ma soeur
Über dem immer schon die bleichen Gestirne im Westen standen.
Ich lachte kein klein wenig, gar nicht, ma soeur
Der ich spielend dunklem Schicksal entgegenging –
Während schon die Gesichter hinter mir
Langsam im Abend des blauen Walds verblaßten.
Alles war schön an diesem einzigen Abend, ma soeur
Nachher nie wieder und nie zuvor –
Freilich: mir blieben nur mehr die großen Vögel
Die abends im dunklen Himmel Hunger haben.
I never loved you more
I never loved you more, ma soeur
Than as I walked away from you that evening.
The forest swallowed me, the blue forest, ma soeur
The blue forest and above it pale stars in the west.
I did not laugh, not one little bit, ma soeur
As I playfully walked towards a dark fate –
While the faces behind me
Slowly paled in the evening of the blue forest.
Everything was grand that one night, ma soeur
Never thereafter and never before –
I admit it: I was left with nothing but the big birds
And their hungry cries in the dark evening sky.
Nunca te amei tanto, ma soeur,
Como quando de ti parti naquele por-de-sol.
O bosque engoliu-me, o bosque azul, ma soeur,
Sobre que já pousavam as estrelas pálidas a oeste.
Não me ri nem um pouco, nada, ma soeur,
Eu que a brincar ia ao encontro dum destino escuro —
Enquanto os rostos já atrás de mim
Devagar empalideciam no anoitecer do bosque azul.
Tudo era belo naquele anoitecer único, ma soeur,
Nunca mais depois e nunca antes assim —
Verdade é: só me ficaram as grandes aves
Que ao anoitecer têm fome no céu escuro.
Bertold Brecht, in 'Do Pobre B.B.'
Ich habe dich nie je so geliebt
Ich habe dich nie je so geliebt, ma soeur
Als wie ich fortging von dir in jenem Abendrot.
Der Wald schluckte mich, der blaue Wald, ma soeur
Über dem immer schon die bleichen Gestirne im Westen standen.
Ich lachte kein klein wenig, gar nicht, ma soeur
Der ich spielend dunklem Schicksal entgegenging –
Während schon die Gesichter hinter mir
Langsam im Abend des blauen Walds verblaßten.
Alles war schön an diesem einzigen Abend, ma soeur
Nachher nie wieder und nie zuvor –
Freilich: mir blieben nur mehr die großen Vögel
Die abends im dunklen Himmel Hunger haben.
I never loved you more
I never loved you more, ma soeur
Than as I walked away from you that evening.
The forest swallowed me, the blue forest, ma soeur
The blue forest and above it pale stars in the west.
I did not laugh, not one little bit, ma soeur
As I playfully walked towards a dark fate –
While the faces behind me
Slowly paled in the evening of the blue forest.
Everything was grand that one night, ma soeur
Never thereafter and never before –
I admit it: I was left with nothing but the big birds
And their hungry cries in the dark evening sky.
BERTHOLT BRECHT
Eugen Berthold Friedrich Brecht nasceu em Augsburg, em dez de fevereiro
de 1898 e faleceu em Berlim Leste em catorze de agosto de 1956. Foi um
destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus
trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro
contemporâneo, tornando-o mundialmente conhecido a partir das
apresentações de sua companhia de teatro Berliner Ensemble realizadas em
Paris durante os anos de 1954 e 1955.
Ao final dos anos 1920 Brecht torna-se marxista, vivendo o intenso
período das mobilizações da República de Weimar, desenvolvendo o seu
teatro épico. Sua práxis é uma síntese dos experimentos teatrais de
Erwin Piscator e Vsevolod Emilevitch Meyerhold, do conceito de
estranhamento do formalista russo Viktor Chklovski, do teatro chinês e
do teatro experimental da Rússia soviética, entre os anos1917 e 1926.
Seu trabalho como artista concentrou-se na crítica artística ao
desenvolvimento das relações humanas no sistema capitalista.
Brecht nasceu no Estado Livre da Baviera, no extremo sul da Alemanha,
estudou medicina e trabalhou como enfermeiro num hospital em Munique
durante a Primeira Guerra Mundial. Era filho de Berthold Brecht, diretor
de uma fábrica de papel, católico, exigente e autoritário, e de Sophie
Brezing (em solteira),protestante, que fez seu filho ser batizado nesta
igreja.
Suas primeiras peças, Baal (1918 e 1926) e Tambores na Noite (Trommeln
in der Nacht) (1918 e 1920), foram encenadas na vizinha Munique. Em sua
participação no teatro Brecht conhece o diretor de teatro e cinema Erich
Engel, com quem veio a trabalhar até o fim da sua vida.
Depois da primeira grande guerra mudou-se para Berlim, onde o influente
crítico, Herbert Ihering, chamou-lhe a atenção para a apetência do
público pelo teatro
moderno. Trabalha inicialmente com Erwin Piscator, famoso por suas cenas
Piscator, como eram chamadas, cheias de projeções de filmes, cartazes,
etc. Em Berlim, a peça Im Dickicht der Städte, protagonizada por Fritz
Kortner e dirigida por Engel, tornou-se o seu primeiro sucesso.
O nazismo afirmava-se como a força renovadora que iria reerguer o país,
pretendendo reviver o Sacro Império Romano Germânico. Mas, ao mesmo
tempo, chegavam à Alemanha influências da recém formada União Soviética.
Com a escolha de Hitler para chanceler da Alemanha, em 1933, Brecht
exila-se primeiro na Áustria, depois Suíça, Dinamarca, Finlândia,
Suécia, Inglaterra, Rússia e finalmente nos Estados Unidos.
Seus textos e montagens o fizeram conhecido mundialmente. Brecht é um
dos escritores fundamentais deste século: revolucionou a teoria e a
prática da dramaturgia e da encenação, mudou completamente a função e o
sentido social do teatro, usando-o como arma de consciencialização e
politização.
Teve três filhos com Helene Weigel: Stefan Brecht, Barbara Brecht-Schall e Débora Destefani Brecht.
LITERATURA INGLESA - GRAHAM GREENE
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
GRAHAN GREENE
Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
GRAHAN GREENE
(1904-1991)
O escritor britânico, falecido em 1991, reaparece na sena literária com a adaptação para o cinema de seu romance The and off the Affair, cujo título da tradução portuguesa é Fim de Caso.
Nasceu em 1904, na Inglaterra. Era tímido, sensível, e preferia a leitura aos esportes. Seu pai, diretor da escola onde estudava, o atormentava por isso, o que fez com que tentasse várias vezes se suicidar. Aos quinze anos de idade, após abandonar a escola, foi mandado para um psiquiatra, em Londres, que o incentivou a escrever. Estudou história contemporânea no Balliol College e, depois, foi para a universidade.
Lá conseguiu alguma experiência trabalhando como editor do Oxford Outlook e foi também onde passou a se interessar por política, depois de se filiar ao Partido Comunista, segundo ele mesmo, por diversão.
The and off the Affair trata-se de um livro em que você faz descobertas novas a cada leitura. Lançado em 1951, há alguns anos foi transformado em filme. Segundo alguns apreciadores desse tipo de literatura, é um dos melhores romances do século XX.
O livro é perpassado por um lirismo cético e melancólico, a fé ao mesmo tempo intensa e questionada em Deus, o humor doce e amargo. Maurice, o personagem central, é um escritor. Ele se apaixona por uma mulher casada, Sarah, e é correspondido. O detalhe é que Maurice era amigo do marido.
Como o título sugere, o livro trata do epílogo do romance. Sarah abandona Maurice e ele, atormentado de ciúme, desconfia que ela tenha optado por um novo amante. O que ele vai perceber só no fim é que esse novo amante chama-se Deus.
Tendo cursado a tradicional Universidade de Oxford, na juventude, Greene foi comunista sem convicção. Adulto, converteu-se ao Catolicismo. Mas seu Catolicismo nada tinha de convencional. Numa de suas autobiografias, ele conta uma passagem que mostra sua personalidade incomum: num período de tédio, ainda moço, Greene fez roleta russa. Uma bala num tambor de revólver que comporta seis, a sorte lançada. Nada aconteceu. Fez outras quatro vezes, ao correr dos dias. Nada. Mas decidiu dar uma última oportunidade à bala, para que ficasse empatado o jogo: seis a seis. Nada. E então ele tocou a vida. E construiu uma pirâmide literária.
Dedicou-se ao jornalismo. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi correspondente de guerra. Trabalhou para o governo inglês chefiando um escritório em Serra Leoa. Essa estada na África forneceu-lhe tema para diversos romances.
Depois da publicação de "The Quiet American" (O americano tranquilo), o autor foi acusado de ser anti-americano. Sua vida pessoal também foi cheia de notoriedade: o sucesso financeiro depois da metade dos anos 60 permitiu que ele pudesse viver confortavelmente em Londres, Antibes e em Capri. Ele teve várias amantes e confessou ser "um péssimo marido" separou-se da mulher ainda em 1948, mas nunca se divorciou dela. Nos últimos anos de vida, viveu em Vevey, na Suiça, com Yvonne Cloetta.
PRINCIPAIS OBRAS: (Estes são alguns títulos que julguei importantes dentro da vastíssima obra do escritor inglês.)
O décimo homem
Expresso do Oriente
Fim de caso
O homem de muitos nomes
Nosso homem em Havana
O poder e a glória
O americano tranquilo
Reflexões
Um lobo solitário
O amante complacente
O coração da matéria
O galpão do jardim
O condenado
Os farsantes
O fator humano
Manual do espião
Nasceu em 1904, na Inglaterra. Era tímido, sensível, e preferia a leitura aos esportes. Seu pai, diretor da escola onde estudava, o atormentava por isso, o que fez com que tentasse várias vezes se suicidar. Aos quinze anos de idade, após abandonar a escola, foi mandado para um psiquiatra, em Londres, que o incentivou a escrever. Estudou história contemporânea no Balliol College e, depois, foi para a universidade.
Lá conseguiu alguma experiência trabalhando como editor do Oxford Outlook e foi também onde passou a se interessar por política, depois de se filiar ao Partido Comunista, segundo ele mesmo, por diversão.
The and off the Affair trata-se de um livro em que você faz descobertas novas a cada leitura. Lançado em 1951, há alguns anos foi transformado em filme. Segundo alguns apreciadores desse tipo de literatura, é um dos melhores romances do século XX.
O livro é perpassado por um lirismo cético e melancólico, a fé ao mesmo tempo intensa e questionada em Deus, o humor doce e amargo. Maurice, o personagem central, é um escritor. Ele se apaixona por uma mulher casada, Sarah, e é correspondido. O detalhe é que Maurice era amigo do marido.
Como o título sugere, o livro trata do epílogo do romance. Sarah abandona Maurice e ele, atormentado de ciúme, desconfia que ela tenha optado por um novo amante. O que ele vai perceber só no fim é que esse novo amante chama-se Deus.
Tendo cursado a tradicional Universidade de Oxford, na juventude, Greene foi comunista sem convicção. Adulto, converteu-se ao Catolicismo. Mas seu Catolicismo nada tinha de convencional. Numa de suas autobiografias, ele conta uma passagem que mostra sua personalidade incomum: num período de tédio, ainda moço, Greene fez roleta russa. Uma bala num tambor de revólver que comporta seis, a sorte lançada. Nada aconteceu. Fez outras quatro vezes, ao correr dos dias. Nada. Mas decidiu dar uma última oportunidade à bala, para que ficasse empatado o jogo: seis a seis. Nada. E então ele tocou a vida. E construiu uma pirâmide literária.
Dedicou-se ao jornalismo. Durante a Segunda Guerra Mundial, foi correspondente de guerra. Trabalhou para o governo inglês chefiando um escritório em Serra Leoa. Essa estada na África forneceu-lhe tema para diversos romances.
Depois da publicação de "The Quiet American" (O americano tranquilo), o autor foi acusado de ser anti-americano. Sua vida pessoal também foi cheia de notoriedade: o sucesso financeiro depois da metade dos anos 60 permitiu que ele pudesse viver confortavelmente em Londres, Antibes e em Capri. Ele teve várias amantes e confessou ser "um péssimo marido" separou-se da mulher ainda em 1948, mas nunca se divorciou dela. Nos últimos anos de vida, viveu em Vevey, na Suiça, com Yvonne Cloetta.
PRINCIPAIS OBRAS: (Estes são alguns títulos que julguei importantes dentro da vastíssima obra do escritor inglês.)
O décimo homem
Expresso do Oriente
Fim de caso
O homem de muitos nomes
Nosso homem em Havana
O poder e a glória
O americano tranquilo
Reflexões
Um lobo solitário
O amante complacente
O coração da matéria
O galpão do jardim
O condenado
Os farsantes
O fator humano
Manual do espião
LITERATURA PERSA – OMAR KHAYYAM (1048-1131)
Foi
um importante pensador, matemático e astrônomo iraniano. Foi o
responsável pelo estudo astronômico do calendário persa, a serviço do
sultão
Malik Shah I, da Anatólia. Embora seu cálculo
tivesse uma margem de erro que resultaria um dia em 3770 anos, é
considerado de grande precisão. É superior em precisão ao calendário
Juliano implantado na antiga Roma por Júlio César.
No campo
das matemáticas, mais especificamente na álgebra, desenvolveu um método
para resolver as equações cúbicas pela intersecção de uma parábola com
um círculo, que seria retomada posteriormente por René Descartes, no
século XVII.
Quanto a filosofia, diferenciou-se dos dogmas
islâmicos tradicionais. Admitia a existência de Deus, porém não
acreditava que o ser superior interviesse nos fenômenos particulares.
Defendia o princípio de que a natureza tem suas leis que são
responsáveis por todos os fenômenos positivos observáveis.
O
pensador persa nasceu Naishapur, ao norte da Pérsia. Tornou-se popular
no ocidente a partir do século XIX quando Edward Fitzgerald, poeta
irlandês, traduziu suas poesias para o inglês com o título de Rubayat,
ou seja, estrofes de quatro versos.
OBRA:
RUBAYAT - O nome Rubayat significa simplesmente estrofe de quatro versos.
Noite, silêncio, folhas imóveis;
imóvel o meu pensamento
Onde estás, tu que me ofereceste a taça?
Hoje caiu a primeira pétala.
Eu sei, uma rosa não murcha
perto de quem tu agora sacias a sede;
mas sentes a falta do prazer que eu soube te dar,
e que te fez desfalecer.
Acorda... e olha como o sol em seu regresso
vai apagando as estrelas do campo da noite;
do mesmo modo ele vai desvanecer
as grandes luzes da soberba torre do Sultão.
Omar Khayam
-----------------------------------------------
Cristãos, judeus, muçulmanos, rezam,
com medo do inferno; mas se realmente soubessem
dos segredos de Deus, não iam plantar
as mesquinhas sementes do medo e da súplica.
O vasto mundo: um grão de areia no espaço.
A ciência dos homens: palavras. Os povos,
os animais, as flores dos sete climas: sombras.
O profundo resultado da tua meditação: nada.
**
Eu estava com sono e a Sabedoria me disse:
A rosa da felicidade não se abre para quem dorme;
por que te entregares a esse irmão da morte?
Bebe vinho; tens tantos séculos para dormir.
**
É inútil a tua aflição;
nada podes sobre o teu destino.
Se és prudente, toma o que tens à mão.
Amanhã... que sabes do amanhã?
**
Além da Terra, pelo Infinito
procurei, em vão, o Céu e o Inferno.
Depois uma voz me disse:
Céu e Inferno estão em ti.
**
Tenho igual desprezo por libertinos ou devotos.
Quem irá dizer se terão o Céu ou o Inferno?
Conheces alguém que visitou esses lugares?
E ainda queres encher o mar com pedras?
**
Como o rio, ou como o vento,
vão passando os dias.
Há dois dias que me são indiferentes:
O que foi ontem, o que virá amanhã.
**
Não me lembro do dia em que nasci;
não sei em que dia morrerei.
Vem, minha doce amiga, vamos beber desta taça
e esquecer a nossa incurável ignorância.
**
É inútil te afligires por teres pecado;
também é inútil a tua contrição:
além da morte estará o Nada,
ou a Misericórdia.
---------------------------
Admito que já resolveste o enigma da Criação;
e o teu destino? Aceito que desvendaste a Verdade;
e o teu destino? Está bem, viveste cem anos felizes
e ainda tens muitos para viver; e o teu destino?
**
Ninguém desvendará o Mistério. Nunca saberemos
o que se oculta por trás das aparências.
As nossas moradas são provisórias, menos aquela última.
Não vamos falar, toma o teu vinho.
**
Olha, um dia a alma deixará o teu corpo
e ficarás por trás do véu, entre o Universo
e o desconhecido. Enquanto não chega a hora,
procura ser feliz. Para onde irás depois?
**
Os sábios mais ilustres caminharam nas trevas da ignorância,
e eram os luminares do seu tempo.
O que fizeram? Balbuciaram algumas frases confusas,
e depois adormeceram, cansados.
**
O mundo gira, distraído dos cálculos dos sábios.
Renuncia à vaidade de contar os astros
e lembra-te: vais morrer, não sonharás mais,
e os vermes da terra cuidarão da tua carcaça.
**
Sono sobre a terra, sono debaixo da terra.
Sobre a terra, sob a terra: homens deitados.
Nada em toda a parte. Deserto.
Homens chegam, outros partem.
**
The Rubaiyat of Omar Khayyam
Edward FitzGerald
Wake! For the Sun, who scatter’d into flight
The Stars before him from the Field of Night,
Drives Night along with them from Heav'n, and strikes
T'he Sultans Turret with a Shaft of Light.
2
Before the phantom of False morning died,
Methought a Voice within the Tavern cried,
"When all the Temple is prepared within,
"Why nods the drowsy Worshipper outside?"
3
And, as the Cock crew, those who stood before
The Tavern shouted-"Open then the Door!
"You know how little while we have to stay,
"And, once departed, may return no more."
4
Now the New Year reviving old Desires,
The thoughtful Soul to Solitude retires,
Where the WHITE HAND OF MOSES on the Bough
Puts out, and Jesus from the Ground suspires.
5
Iram indeed is gone with all his Rose,
And Jamshyd's Sev'n-ring'd Cup where no one knows;
But still a Ruby kindles in the Vine,
And many a Garden by the Water blows.
6
And David's Lips are lockt; but in divine
High-piping Pehlevi, with "Wine! Wine! Wine!
"Red Wine!"-the Nightingale cries to the Rose
That sallow cheek of hers to incarnadine.
7
Come, fill the Cup, and in the fire of Spring
Your Winter-garment of Repentance fling:
The Bird of Time has but a little way
To flutter-and the Bird is on the Wing.
8
Whether at Naishapur or Babylon,
Whether the Cup with sweet or bitter run,
The Wine of Life keeps oozing drop by drop,
The Leaves of Life keep falling one by one.
Omar Khayyam – Rubayat – version française
Extrait des quatrainsAujourd'hui c'est le printemps de ma vie
je veux boire du vin , me ruer aux plaisirs
Ne me blâmez pas, même amer , il est exquis
Oui il est amer , parce qu'il est ma vie
I
Tout le monde sait que je n'ai jamais murmuré la moindre prière.
Tout le monde sait aussi que je n'ai jamais essayé de dissimuler mes défauts.
J'ignore s'il existe une Justice et une Miséricorde...
Cependant, j'ai confiance, car j'ai toujours été sincère.
II
Que vaut-il mieux ? S'asseoir dans une taverne,
puis faire son examen de conscience,
ou se prosterner dans une mosquée, l'âme close ?
Je ne me préoccupe pas de savoir si nous avons un Maître
et ce qu'il fera de moi, le cas échéant.
III
Considères avec indulgence les hommes qui s'enivrent.
Dis-toi que tu as d'autres défauts.
Si tu veux connaître la paix, la sérénité,
penche-toi sur les déshérités de la vie, sur les humbles
qui gémissent dans l'infortune, et tu te trouveras heureux.
IV
Fais en sorte que ton prochain n'ait pas à souffrir de ta sagesse.
Domine-toi toujours. Ne t'abandonne jamais à la colère.
Si tu veux t'acheminer vers la paix définitive,
souris au Destin qui te frappe, et ne frappe personne.
V
Puisque tu ignores ce que te réserve demain,
efforce-toi d'être heureux aujourd'hui.
Prends une cruche de vin, va t'asseoir au clair de lune,
et bois, en te disant que la lune te cherchera
peut-être vainement, demain.
VI
Le Coran, ce Livre suprême, les hommes le lisent quelquefois,
mais, qui donc s'en délecte chaque jour ?
Sur le bord de toutes les coupes pleines de vin est ciselée
une secrète maxime de sagesse bien délicieuse à savourer.
VIII
En ce monde, contente-toi d'avoir peu d'amis.
Ne cherche pas à rendre durable la sympathie que tu peux éprouver pour quelqu'un.
Avant de prendre la main d'un homme,
Demande-toi si elle ne te frappera pas, un jour.
IX
Autrefois, ce vase était un pauvre amant
Qui gémissait de l'indifférence d'une femme.
L'anse, au col du vase...
Son bras qui entourait le cou de la bien aimée !
X
Qu'il est vil, ce cœur qui ne sait pas aimer,
Qui ne peut s'enivrer d'amour !
Si tu n'aimes pas, comment peux-tu apprécier
L'aveuglante lumière du soleil et la douce clarté de la lune ?
Omar Khayyam – Rubayat – versione italiana
Da: Italo Pizzi, Storia della Poesia Persiana, U.T.E., Torino, 1894, 2 voll., 1° volume, pp. 280-286I
Di tre cose il valor sanno le genti.
Valor di gioventù san gli attempati,
Valor di sanità sanno i malati,
Valor de le ricchezze gli indigenti.
II
Ho visto nel mercato un pentolaio,
Su fresca terra menar calci assai;
Quando la creta così disse: – Sai?
Un dì fui come te. Non trattar male.
III
Vezzi donasti, il core io ti donai;
In gaudio sei, per te nel duol son io;
Da me tu avesti amor, dolor n'ebbi io;
Tu violenza usasti, io sopportai.
IV
Partisti e mi restâr nel cor gli affanni,
Come al partir di carovana un fuoco.
Fugge dal cor ciò che sparia dagli occhi,
Ma tu agli occhi sparisti, in cor mi resti.
V
Ahimè! di gioventù s'è chiuso il libro
E cessò quest'allegra primavera.
Il gaio augel che ha nome giovinezza,
Ahi, non so donde venne e dov'è ito!
VI
Sempre la voglia mia si volge al vino,
Sempre l'orecchio ai flauti, alle ribebe *.
Quando col cener mio
Formerà un vaso, un giorno, il vaselliere,
Sempre colmo di vin resti quel vaso.
VII
Ber vino e allegro stare è mio costume;
Nulla pensar di dogmi e d'eresia
Religïone è mia.
Dissi alla vita: – La tua dote? – Ed ella:
– Mia dote è del tuo cuore l'allegria.
VIII
Da questa terra, che per alcun tempo
Ci fu dimora, non avemmo noi
Che sventura e dolore.
Ohimè! non fu disciolto un nodo solo!
Andammo, e qui restâr tanti sospiri,
Tanti, del nostro cuore!
IX
Poi che nessuno fa malleveria
Del giorno di domani, il core afflitto
Tu allieta in questo giorno.
Bevi del vino, o bella mia. La luna
Qui non ci troverà, dopo molt'anni,
Quando farà ritorno.
X
Sul giorno di doman nulla tu puoi;
Al giorno di doman senza fastidio
Pensar non puoi, né sai.
Se vigil core hai tu, non perder questo
Momento breve, ché non t'è ben noto
Quando ancor tu vivrai.
XI
Di tua felicità poiché la rosa
Oggi ti reca i frutti suoi, in mano
Perché un bicchier non hai?
Bevi del vin, ché ingannator nemico
È il tempo, e giorno aver simile a questo
malagevole è assai.
XII
Non ti pensar ch'io tema del destino,
ch'io tema del morir, del dì che l'alma
farà sua dipartita.
Poich'è morir necessità, di tanto
Non temo già, ma temo che non bene
Vissuto abbia la vita.
XIII
Poiché non vanno le faccende nostre
Come vorremmo noi,
Pensando stiamo a ciò: – L'intento nostro
A che ne verrà poi?
E lungamente sospirosi e mesti
A seder qui restiamo,
Dicendo: – Troppo tardi siam venuti,
Troppo presto ne andiamo.
XIV
Io sempre in lite sono con me stesso.
Che far dunque potrei?
Dell'opre da me fatte io son dolente.
Che far dunque potrei?
Penso che tu, Signor, perdonerai
Con generosa voglia;
Ma per l'onta che tu quello che ho fatto
Vegga, che far dovrei?
XV
Di questa terra sulla superficie,
Quanti dormenti io vedo!
E sotto il suolo della terra, oh quanti
Che son nascosti io vedo!
Gli occhi per quanto io volga a riguardare
Al deserto del nulla,
Non altro che partiti e non ancora
Venuti in terra io vedo!
XVI
Della mia vita questo breve tempo
Ecco è passato,
Passò qual vento che in deserto passa
Abbandonato.
Fin ch'io vivo sarò, sol di due giorni
Non vo' far cruccio;
Non di quel giorno che non anche venne,
Non del passato.
Sprüche. Spruchgedicht von Omar Khayyam
Das KommenDas Kommen, Gehen aller Menschen gleicht
Dem Anfang, der das Ende nicht erreicht.
Des Kreises Rätsel deutet nie der Mensch;
Er lebt, bis Gott ihn aus dem Buche streicht.
Das Rätsel dieser Welt
Das Rätsel dieser Welt löst werde du noch ich,
Jene geheime Schrift liest weder du noch ich, -
Wir wüßten bei gern, was jeder Schleier birgt,
Doch wenn der Schleier fällt, bist weder du noch ich.
Ein Käufer ging beglückt
Ein Käufer ging beglückt vom Töpferstand
Und trug den schwersten Topf in seiner Hand.
Den Freunden rief der große Topf noch zu:
"Ich kehr zurück mit! Er ist mein Pfand!"
Kein Mensch erklärt die Rätsel der Natur
Kein Mensch erklärt die Rätsel der Natur,
Kein Mensch setzt einen Schritt nur aus der Spur,
Die seine Art ihm vorschrieb, und es bleibt
Der größte Meister doch ein Lehrling nur.
Selig der Mann, dem Einsamkeit genug
Selig der Mann, dem Einsamkeit genug,
der niemals seidene Gewänder trug,
der wie ein Greif zum Himmel aufgeflogen,
satt wie die Eule sitzt in Lug und Trug.
OMAR KHAYYAM: LAS RUBAIYAT (extracto em espanhol)
Más allá de los límites de la Tierra,
más allá del límite Infinito,
buscaba yo el Cielo y el Infierno.
Pero una voz severa me advirtió: "El Cielo y el Infierno están en ti." Tuve grandes maestros. Llegué a estar orgulloso de mis progresos.
Cuando recuerdo que fui sabio,
me comparo a ese líquido que llena el vaso y toma su forma,
y a ese humo que el viento desvanece. Convéncete bien de esto:
un día, tu alma dejará el cuerpo
y serás arrastrado tras un velo fluctuante entre el mundo y lo incognoscible.
Mientras esperas, ¡se feliz! No sabes cuál es tu origen e ignoras cuál es tu destino.
Bebedor, jarro inmenso, ignoro quien te formó
Sólo sé que eres capaz de contener tres medidas de vino y que la muerte te quebrará un día.
Entonces dejaré de preguntarme por qué has sido creado.,
por qué has sido dichoso y por qué no eres más que polvo ¿Cuándo nací? ¿Cuándo moriré?
Nadie puede evocar el día de su nacimiento ni señalar el día de su muerte.
¡Ven a mí, ángel amada!
Quiero pedir a la embriaguez olvidar que nunca sabemos nada. ¡Señor, oh señor, contéstame!
Tú nos has dado ojos y permitido que la belleza de tus criaturas nos deslumbre.
Tú nos has otorgado la facultad de ser dichosos. ¿Quiseras que renunciáramos a gozar de los bienes de este mundo?
¡Pero si es tan imposible como invertir una copa sin derramar el vino que contiene!
Buscar la paz en este mundo es una locura.
Creer en el reposo eterno, también.
Después de muerto, breve será tu sueño:
renacerás en el césped que todos hollan o en la flor que el sol marchita.
Admitamos que hayas resuelto el enigma de la creación. ¿Cuál es tu destino?
Admitamos que hayas podido despojar de todos sus vestidos a la Verdad. ¿Cuál es tu destino?
Admitamos que hayas vivido cien años dichoso y que vayas a vivir otros cien más.. ¿Cuál es tu destino?
Los sabios y filósofos más ilustres han caminado entre las tinieblas de la ignorancia.
Sin embargo eran los luminares de su época.
¿Qué hicieron?
Pronunciaron algunas frases confusas y luego se durmieron.
Mi nacimiento no aportó el menor provecho al universo.
Mi muerte no disminuirá su inmensidad ni su esplendor.
nadie ha podido explicarme jamás por qué he venido,
ni por qué partiré.
¿Qué es el Mundo? Una parte pequeña del espacio
¿Qué es la ciencia? Palabras. ¿Y qué son las naciones,
las flores y las bestias? Sombras. ¿Y tus continuos,
tus inquietos cuidados? Sí lo nada en la nada.
Se nos da un breve instante para gustar del agua en este ardiente páramo.
Ya el astro de la noche palidece.
La vida va a llegar a su término: el alba de la Nada.
Vamos, pues, date prisa.
¡Actúa con prudencia, viajero! Peligroso es el camino que transitas
y afilada la daga del Destino.
No te hartes con las almendras dulces
Contienen veneno.
Procede de forma que tu prójimo no se siente humillado con tu sabiduría.
Domínate, domínate. Jamás te abandones a la ira.
Si quieres conquistar la paz definitiva,
sonríe al Destino que te azota y nunca azotes a nadie.
Confórmate en este mundo con pocos amigos.
No busques propiciar la simpatía que alguien te inspiro.
Antes de estrechar la mano de un hombre,
piensa si ella no ha de golpearte un día.
¡Cuán pobre el corazón que no sabe amar,
que no puede embriagarse de amor!
Si no amas, ¿cómo te explicas la luz enceguecedora del sol
y la más leve claridad que trae la luna?
Sabes que no tienes poder sobre tu destino.
Por qué esa incertidumbre del mañana ha de causarte miedo?
Si eres sabio, goza del momento presente.
El porvenir? Qué te puede traer el porvenir?
He aquí la estación inefable, la estación de la esperanza,
la estación en que las almas sedientas de otras almas buscan una quietud perfumada.
Cada flor, es acaso la blanca mano de Moisés?
Cada brisa, es acaso el tibio aliento de Jesús?
No marcha seguro por el Sendero el hombre que no ha recogido el fruto de la verdad.
Si pudo cosecharlo del árbol de la Ciencia,
sabe que los días pasados y los días por venir
en nada se distinguen del alucinante primer día de la Creación.
En la feria que atraviesas, no procures encontrar algún amigo.
Tampoco busques sólido refugio.
Con ánimo valiente, acepta el dolor sin la esperanza de un remedio inexistente.
Sonríe ante la desgracia y no le pidas a nadie que te sonría: perderás el tiempo.
Renuncia a la recompensa que merecías.
Si feliz. No te lamentes por nada.
No anheles nada. Lo que te ha de suceder,
escrito está en el libro que hojea al azar el viento de la Eternidad.
¡Qué misterio el de esos astros que ruedan en el espacio!
Khayyám: aférrate con fuerza a la cuerda de la Sabiduría.
¡Cuidado con el vértigo que,
a tu alrededor, derriba a tus compañeros!
Un religioso dijo a una ramera: 'Estás ebria
atrapada a cada momento en una nueva trampa'
Ella respondió: 'Oh, Señor, yo soy lo que tú dices,
y tú, eres lo que aparentas?'
En el vértigo de la vida sólo son felices
los que presumen de sabios y los que no tratan de educarse.
Me incliné sobre todos los secretos del Cosmos y retorné a la soledad
envidiando a los ciegos que hallé por el camino.
Quien me trajo a este mundo sin duda sabe dónde
me arrojará después. Nada ni nadie puede
cambiar su decisión. Bebamos, jovenzuelo.
¿Para qué he de esforzarme en variar lo invariable?
Cierra tu libro y piensa. Mira impasible al Ciclo
y a la Tierra. Da al pobre la mitad de tus bienes,
perdona las ofensas, no le hagas daño a nadie
y apártate a un rincón si quieres ser dichoso.
Acepta cualquier goce que pueda
ofrecerte la Vida. No creas que haya alguien
que cuente nuestros vicios y virtudes. Desprecia
lo que robarte pueda un momento dichoso.
Ven conmigo hasta el límite del desierto, que acaba
lo fértil y comienza lo yermo, el sitio donde
no pueden distinguirse ni príncipes ni esclavos.
Al Sultán en su trono podrá compadecer.
Pretender que el humilde devuelva en oro el plomo
que a él le han arrojado, y exigirle que pague
una deuda que nunca con nadie ha contraído,
es comercio de usura al que nadie está obligado.
¿Tienes miedo al mañana? ¡Tonto! Sé confiado.
Para justificar ese temor, que acecha
la desgracia. No quieras consejos ni lecciones
sabias. Nuestro destino será siempre insondable.
Las alas de la noche reposan sobre el alba.
Se habla de aquel que crea al ser y lo destruye.
No comprendo la obra del Creador. Dame vino
del que enternece el pecho y alegra la memoria.
No encontrarás en este bazar un solo amigo.
Atiende mi consejo: Renuncia a todo apoyo
Acepta la desgracia; no le busques remedio.
No esperes compasión, feliz en tu desdicha.
Hay muchos que se afanan en reunir riquezas
y otros, en cambio, las dispersan al viento.
Nadie se truena en oro al morir. Un cadáver
no es más que carroña, pasto de los gusanos.
Un pan consigue para dos jornadas y luego
en el fondo de un jarro con un poco de agua fresca.
¿Por qué ha de estar un hombre por otro sometido?
¿Por qué se ve obligado a servir a su prójimo?
Todos saben que nunca susurré una plegaria
que nunca intenté encubrir mis defectos.
No sé si existe una clemencia, Pero si existe
me siento perdonado, pues sincero fui siempre.
Por este destartalado mundo,
cuyas únicas puertas son la noche y el día,
¡qué de altivos sultanes fastuosos y opulentos
pasaron un instante, y luego se marcharon!
No pretendo pedir perdón de mis culpas,
pues hablar con Alá lo creó irreverente.
Sólo le bastaría cubrirme con el manto
de su clemencia, para hacerme inmaculado.
Debajo del destino que inexorablemente,
eterno e impasible, sin cesar gira y gira,
sabrás que sólo existen dos grupos dichosos:
los que lo saben todo, los que no saben nada.
Igual que una linterna mágica es el destino
en torno del cual vamos todos girando:
la lámpara es el sol, el mundo la pantalla,
nosotros las imágenes que pasan y se esfuman.
Cielo, infierno, esperanzas, temores...
¡Bah! Que traigan de beber. Una cosa es cierta:
que la vida va pasando, y el resto vaciedad es.
La flor marchita nunca florecerá de nuevo.
La pelota lanzada a derecha e izquierda,
de abajo a arriba, nada pregunta al que la arroja.
Quien lanzó a este mundo sabrá por qué lo hizo
Nadie, nadie lo sabe, sino él únicamente.
Dejemos que los sabios parloteen
Nada de lo que dicen es cierto, excepto que la vida es muy breve
Se fue la flor marchita para siempre;
el resto es mentira y locura.
Encontrar quise en vano el Cielo y el Infierno
más allá de la Tierra y aun del Infinito.
Pero una voz me dijo. " ¡Necio! Cielo e Infierno,
hasta el fin de los siglos, viven sólo en ti mismo".
El dedo del destino tan solo una palabra
escribió antes de irse. Nada, ni la inteligencia,
ni el amor, ni la compasión, hará que se retracte.
No hay lágrimas bastantes para poder borrarla.
Entonces llamé al Hado, preguntándole
¿Es posible que el destino nos lleve entre tinieblas?
Y el Hado me respondió: "jamás preguntes nada
y déjate llevar por el más ciego instinto".
Señor, en mi camino tendiste mil celadas.
Después me amenazaste: " ¡Ay de ti si no sabes
escapar estos peligros! " Lo ves, lo sabes todo
¿Acaso puedes reprochar mi rebeldía?
El hombre es solo un títere que el Destino maneja
a su antojo. El Destino nos empuja
al tablado del mundo, pero cuando siente Hastío
no duda en arrojarnos al cajón de la Nada.
El Destino, que con todo termina, acabar puede
con tu alma y la mía. Vaciemos ya las copas
y vamos a tumbarnos en el césped, pues pronto
sobre nuestras cenizas ha de crecer la hierba.
Nunca te atormentes por lograr oro o plata.
Antes de que tu aliento se enfríe, haz lo posible
por disfrutar tus bienes con un amigo, antes
de que tus enemigos los derrochen si mueres.
Importa muy poco que vivas cien, mil años,
pues llegará un momento en que será preciso
que abandones tu vieja taberna. Porque aunque seas
sultán o pordiosero, al fin lo mismo vales.
En un ruinoso alcázar que elevó en otro tiempo
sus cúpulas al cielo, y del que hasta los reyes
besaron sus umbrales, escuché a un ave
que preguntaba: "¿Dónde? Dime, ¿dónde, dónde?
¿Te entristece tal vez que no te recompensen
cual mereces? Olvida y no te apenes. Todo
cuanto deba llegarte, escrito está en el libro
de lo eterno, que el viento al azar va hojeando.
El Cielo es la visión de un ideal que puede
llegar a realizarse. El Infierno es un símil
del espíritu ardiente que ha surgido del caos
para volver al caos, aun cuando sea tarde.
Puesto que nuestra estancia en el mundo es precaria,
es absurdo vivir sin amor y sin vino.
¿A qué discutir sobre el mundo? Cuando muera
no ha de importarme nada que fuese o no creado.
Desprecia a aquel que no ama la belleza.
Repugnante es el ser carente de pasiones.
Indigno es él del sol que alumbra, y de ese beso
con que suele aplacar nuestras penas la Luna.
Si ha sido Dios el que creó los seres,
¿Por qué tan pronto tiene que destruirlos?
Si son feos e imperfectos, ¿quién tiene la culpa?
Y si bellos y buenos, ¿para qué aniquilarlos?
No pretendas Khayyam, descifrar el enigma
de la Vida, que es sólo una ficción. Lo eterno
es una copa llena de burbujas; tú eres una.
Goza, no pienses en el cielo o el infierno.
A nadie le pedí vivir. Por eso
me esfuerzo en acoger indiferente lo que
me regala la vida. ¿Por qué tendré que irme
ignorando a qué debo mi paso por la tierra?
Ya ha pasado el tiempo de mis hermosos años.
Se fue la primavera de mi vida, y el ave
de juventud ha levantado su vuelo rapidísimo.
No sé cuándo ha venido ni cuándo se ha marchado.
Frecuenté mucho el trato de sabios y de doctos
en mi edad juvenil. Grandemente admiraba
doctrinas, teorías... Pero al dejar sus aulas
estaba más confuso que al penetrar en ellas.
Lo mismo que ellos, yo sembré la semilla
de la sabiduría, y me he sacrificado
para que germinase. Coseché estas verdades:
que vine como el viento, que me iré como el agua.
A través de lo ignoto, mi alma tuvo empeño
en descorrer el velo del más allá. De pronto
volvió y me dijo esto. "¿Sabes? He comprobado
que el ciclo y el infierno se encuentran en mí misma".
Te hasta saber que todo es un misterio:
la creación y el destino de la Tierra y el tuyo.
Sonríe, pues, ante ellos. No sabrás nada más
cuando hayas franqueado las puertas de la nada.
Una vez encontré en la taberna a un sabio venerable
"¿Qué puedes -le pregunté- decirme
de aquellos que se fueron? " "Bebe -dijo solícito-,
porque muchos marcharon, pero ninguno ha vuelto".
¿Por qué debe inquietarme lo que oculta el futuro?
desgracia persigue al hombre temeroso.
Alégrate, no tomes la vida muy en serio:
las dudas no alteran el curso del destino.
No seas vanidoso. No llegarás al fondo
de las casas. En paz deja al Mundo y al Cielo.
Olvida todo aquello, que nada te importe.
Piensa que Alá jamás te ha consultado.
Para caminar seguro por la vida, primero
has de tomar el fruto de la Verdad del árbol de la Ciencia.
Sabrás que el pasado y el futuro son,
como el día de la Creación, espantosos.
Hay quien medita sobre la religión por gusto.
Hay otros que vacilan entre Certeza y Duda.
incluso surgirá un heraldo de pronto, que les grite :
¡Estúpidos! La senda no es ésta sino aquélla".
Muchos santos y sabios pasáronse la vida
discutiendo del mal y del bien.
Pero el eco burlose de ellos cual de falsos
profetas, y sus bocas se llenaron de polvo.
¿Es posible sondear la Noche? ¿Quién podría
oscurecer su albura? Vano empeño saberlo.
¡Adán y Eva! Su primer beso, ¡qué horrible!
Con él nos engendró, rebosantes de angustia.
¿Al mundo, a qué venimos? ¿Por qué nos vamos?
¿Qué quiere esta existencia que nos ha sido impuesta
Arden las almas y se convierten bajo su peso
en ceniza, pero yo no veo la hoguera.
Unos se vanaglorian de una ciencia vacía.
Otros siguen creyendo en las bellas huríes y el Edén.
Cuando el Velo se descorra,
se verá que todos se extraviaron lejos, muy lejos.
A esa bóveda inmensa que llamamos cielo,
bajo el cual vivimos y morimos los hombres,
no intentes levantar tus ojos implorantes.
No dudes que ella gira, como tú y yo, impotente.
Me dieron la existencia sin consultar conmigo.
Luego aumentó la vida día a día mi asombro.
Me iré sin desearlo, y sin saber la causa
de la llegada mía, mi estancia y mi partida.
Cuando el dolor te doble, cuando agotes tu llanto,
recuerda las gotas de lluvia que brillan en las hojas.
Y cuando te irrite el día y quieras noche eterna,
no olvides el despertar de un niño.
Confieso que si he entrado, devoto, en la mezquita
no ha sido únicamente para orar,
sino porque cogí hace ya algún tiempo de allí un tapiz hermoso.
El tapiz se hizo viejo ... y he vuelto a la mezquita.
En primavera suelo pasear por los prados floridos, meditando.
Pero en cuanto me ofrecen una copa de vino,
olvido todo enigma. De no hacerlo sería
mucho menos que un perro.
Me digo, ¿qué es mejor, si ir a la taberna
y arrepentirme luego, o inclinarme en el templo?
Bebamos, que no quiero saber si tengo amo
ni que ha de ser de mi cuando me echen del mundo.
En iglesias, mezquitas y sinagogas, sólo
se refugian los débiles que temen al infierno.
Aquel que bebe vino, en su pecho no siembra
la mala semilla del ruego y el espanto.
Llegó la primavera, la estación en que nuestros
impacientes deseos buscan la perfumada soledad.
Cada flor, ¿será la blanca mano
de Moisés, y la brisa, grato aliento del Señor?
La primavera, un arroyo que cruza
un prado en flor, efebos... Beber quiero,
porque a aquellos que beben cuando despuntaba el alba
nada les preocupan iglesias ni mezquitas.
No, no merezco entrar en mezquitas e iglesias.
Dios sabrá de qué barro me amasó. Como un pobre
infiel, o una muchacha fea, soy. De fortuna
carezco, y de esperanzas en una mejor vida.
El barro con que fue hecho el primer hombre,
para moldear al último ha de servir un día.
Y cuanto en la primera madrugada fue dicho,
repetido será el último atardecer.
Abriré mi pecho. Mi regla de conducta
es hacer cuando quiero todo, a despecho toda
moral o conveniencia. En nada, en nadie creo.
No amo a nadie, y tampoco tengo fe ni esperanza.
Imagínate el mundo ordenado a tu gusto,
Supón que has terminado de leer ya la carta,
que has gozado cien años a tu antojo y que puedes
vivir cien años más del mismo modo. ¿Y luego?
Entre impiedad y fe tan sólo un soplo existe,
así como también separa un simple soplo
dudas y convicciones. Goza el soplo presente,
que está la vida entera en el soplo que pasa.
Los dioses, adorados por mí tan largo tiempo,
una mala pasada me gastaron. Entonces
puse toda mi gloria de una copa en el fondo
y la cambié gustoso por un bello cantar.
La esperanza del Hombre se desvanece rápido,
como el humo. Si se realiza es parecida
a los copos de la nieve que caen en las arenas
del desierto. Fulguran un instante y se funden.
Ven, siéntate y apura a mi lado esta copa.
Escucha lo que dice el arpa. "Aquí se hallaban
los salmos de David". Del pasado y futuro
no te ocupes, y goza del presente, que es cierto .
Juré cambiar un día. Quise hacer penitencia.
Seguro que estaba ebrio en aquel momento.
Cargada de rosas, llegó la primavera
y se redujo a nada mí tan frágil propósito.
El pescado le dijo al pato en la olla
"¿Crees tú que algún día se secarán los mares?"
Y el pato contestó. "Cuando estemos asados,
¿qué importa que el mar sea un yermo, o un mar la tierra?
Débiles son los hombres, y su Hado inevitable,
¡Cuántos juramentos son olvidados! Queda
la conciencia, también obro yo como un loco.
Estar ebrio de vino y amor es mi culpa.
¿Te tienes por discreto? En tal caso, bien puedo
decir lo que fue Adán en su primer aurora:
tan sólo un pobre diablo amasado con penas
y que un día vivió clamando por la noche.
Natura crea la rosa y la destruye luego,
volviéndola a la tierra. Si en vez de agua
aspirasen las nubes, hasta el último día
del mundo, llovería sangre de enamorados.
En el prado que llega a la orilla del río
que sabe nuestros sueños, túmbate dulcemente.
Tal vez su césped haya surgido de algún cuerpo
que en otro tiempo fue perfectamente hermoso.
Mira el capullo transformándose en rosa.
Fíjate cómo abre sus pétalos, y, alegre,
anuncia su venida a este mundo. Mi bolsa,
abriré, derramando en el jardín el oro.
Si sacude con fuerza el árbol de la verdad,
verás caer un fruto que dirá. "Lo mismo
es el hoy que el ayer. Los días primeros y últimos
serán para nosotros exactamente iguales".
Sueño sobre la tierra. Sueño bajo la tierra.
Sobre la tierra, bajo la tierra, cuerpos tendidos.
Nada en todas partes. Desierto de la nada.
Unos hombres llegan. Otros se van.
Me pregunto qué poseo verdaderamente.
Me pregunto qué subsistirá de mí después de mi muerte.
Nuestra vida es breve como un incendio. Llamas que se olvidan,
cenizas que el viento dispersa: un hombre ha vivido.
El vasto mundo: un grano de polvo en el espacio.
Toda la ciencia de los hombres: palabras.
Los pueblos, las bestias y las flores de los siete climas:sombras.
El resultado de tu meditación perpetua: nada
¿Qué se habrá hecho de todos mis amigos? ¿La Muerte losha pisoteado?
¿Dónde están todos mis amigos, qué es de ellos?
Oigo aún sus cantos en la taberna. ¿Están muertos
o están ebrios de haber vivido?
Los sabios no te enseñarán nada,
pero la caricia de las largas pestañas de una mujer te revelará la felicidad.
No olvides que tus días están contados y que pronto serás la presa de la tierra.
Cómprate vino, llévatelo aparte y luego déjate consolar.
Tú no ves más que las apariencias de las cosas y de los seres.
Te das cuenta de tu ignorancia, pero no quieres renunciar a amar.
Aprende que Alá nos ha dado el amor
de la misma forma que ha dado veneno a ciertas plantas.
Me dicen: «¡No bebas más, Khayyam!»
Yo les digo: «Cuando he bebido,
oigo lo que dicen las rosas, los tulipanes y los jazmines.
Digo, incluso, lo que no puede decirme mi bienamada.»
Tal olor a vino emanará de mi tumba,
que todo aquel que pase cerca se embriagará.
Tal serenidad rodeará mi tumba,
que los amantes no podrán alejarse de ella.
Más allá de la Tierra, más allá del infinito,
intentaba ver el Cielo y el Infierno,
Y una voz solemne me dijo:
«El Cielo y el Infierno están en ti»
¡Un poco más de vino, mi bienamada!
Tus mejillas no tienen aún el resplandor de las rosas.
¡Un poco más de tristeza, Khayyam!
Tu bienamada va a sonreírte.
Cuando yo ya no esté, no habrá más rosas, cipreses, labios rojos ni vino perfumado.
No habrá más albas ni crepúsculos, alegrías ni penas.
El universo no existirá,
pues su realidad depende de nuestro pensamiento.
Lámparas que se apagan,
esperanzas que se encienden.
Aurora. Lámparas que se encienden,
esperanzas que se apagan. Noche.
UM SONHO
Em sonho me disse o lavrador; “Faze teu pão.
Não contes mais comigo.: cava a terra e semeia”.
Disse-me o tecelão: “Tua roupa, faze tu mesmo”.
E me disse o pedreiro: “Pega a colher de mão”.
Sozinho, abandonado por todo o gênero humano,
Cujo implacável anátema por toda a parte arrastava,
Ao suplicar aos céus pela piedade humana,
Diante do meu caminho leões, atentos, encontrei.
Os olhos abri, não crendo que fosse real a aurora.
Valentes operários de construção, em suas escadas, assobiavam.
Os negócios fervilhavam, os campos estavam semeados.
A felicidade conheci, e mais, no mundo onde vivemos
Ninguém se gabar pode de ser melhor do que outrem..
Daquele dia em diante, a todos passei a amar.
UN SONGE
Em sonho me disse o lavrador; “Faze teu pão.
Não contes mais comigo.: cava a terra e semeia”.
Disse-me o tecelão: “Tua roupa, faze tu mesmo”.
E me disse o pedreiro: “Pega a colher de mão”.
Sozinho, abandonado por todo o gênero humano,
Cujo implacável anátema por toda a parte arrastava,
Ao suplicar aos céus pela piedade humana,
Diante do meu caminho leões, atentos, encontrei.
Os olhos abri, não crendo que fosse real a aurora.
Valentes operários de construção, em suas escadas, assobiavam.
Os negócios fervilhavam, os campos estavam semeados.
A felicidade conheci, e mais, no mundo onde vivemos
Ninguém se gabar pode de ser melhor do que outrem..
Daquele dia em diante, a todos passei a amar.
Sully Prudhomme
– Biografia –
– Biografia –
Foi
o primeiro autor a receber o prêmio Nobel da Literatura. É poeta
socialista, de um socialismo primeiro. René Armand François Prudhomme,
mais conhecido como Sully Prudhomme (Paris, 16 de março de 1839 —
Châtenay-Malabry, 6 de setembro de 1907), foi um poeta francês. Filho de
Sully Prudhomme, comerciante, e de Clotilde Caillat, ingressou num
instituto politécnico para estudar na área científica. No entanto,
devido a uma doença oftalmológica, teve que desistir desse objetivo.
Trabalhou numa fábrica, como escriturário, mas, descontente, decidiu
estudar direito, em 1860. Em 1865, publica a sua primeira obra poética,
Stances et Poèmes. Pertence ao grupo de poetas parnasianos, responsáveis
pela publicação da revista Parnasse contemporain.Foi eleito para a
Academia Francesa em 1881, ocupando a cadeira 24. Foi o primeiro autor a
receber o Nobel de Literatura, no dia 10 de dezembro de 1901.Sully
Prudhomme morreu em Châtenay-Malabry, França, em 6 de setembro de 1907, e
foi sepultado no Cemitério do Père-Lachaise, em Paris.
Le laboureur m’a dit en songe: “Fais ton pain”;
Je ne te nourris plus: gratte la terra, et sème”.
Le tisserand m’a dit: Fais tes habits toi-même”
Et le maçon m’a dit: “Prends la truelle en main.”
Et seul, abandoné de tout le genre humain,
Don’t je traînais partout l’impacable anathème
Quand j’implorais du ciel une pitié suprême,
Je trouvais dês lions debout dans monchemi.
J’ouvris les yeux , doutant si l’aube était réele:
De hardis companagnons sifflaient sur leur échelle,
Les métiers bourdonnaient, les champs étaient semés.
Je connus mon bonheur, e qu’au monde où nous sommes
Nul ne peut se vaner de se passer des hommes;
Et depuis ce jour-là, je les ai tous aimés.
Le vase brisé
Nul ne peut se vaner de se passer des hommes;
Et depuis ce jour-là, je les ai tous aimés.
Le vase brisé
Le vase où meurt cette vervaine
D'un coup d'éventail fut fêlé ;
Le coup dut l'effleurer à peine,
Aucun bruit ne l'a révélé.
Mais la légère meurtrissure,
Mordant le cristal chaque jour,Mais la légère meurtrissure,
D'une marche invisible et sûre
En a fait lentement le tour.
Son eau fraîche a fui goutte à goutte,
Le suc des fleurs s'est épuisé ;
Personne encore ne s'en doute,
N'y touchez pas, il est brisé.
Souvent aussi la main qu'on aime
Effleurant le coeur, le meurtrit ;
Puis le coeur se fend de lui-même,
La fleur de son amour périt ;
Toujours intact aux yeux du monde,
Il sent croître et pleurer tout bas
Sa blessure fine et profonde :
Il est brisé, n'y touchez pas.
Sully Prudhomme
O VASO PARTIDO
O vaso azul destas verbenas,
Partiu-o um leque que o tocou:
Golpe sutil, roçou-o apenas
Pois nem um ruído revelou.
Mas a fenda persistente,
Mordendo-o sempre sem sinal,
Fez, firme e imperceptivelmente,
A volta toda do cristal.
A água fugiu calada e fria,
A seiva toda se esgotou;
Ninguém de nada desconfia,
Não toquem, não, que se quebrou.
Assim, a mão de alguém, roçando
Num coração, enche-o de dor,
E ele se vai, calmo, quebrando,
E morre a flor do seu amor;
Embora intacto ao olhar do mundo,
Sente, na sua solidão,
Crescer seu mal, fino e profundo,
Já se quebrou: não toquem, não.
Sully Prudhomme ( Trad. Guilherme de Almeida)
Le cygne
Sans bruit, sous le miroir des lacs profonds et calmes,
Le cygne chasse l'onde avec ses larges palmes,
Et glisse. Le duvet de ses flancs est pareil
A des neiges d'avril qui croulent au soleil ;
Mais, ferme et d'un blanc mat, vibrant sous le zéphire,
Sa grande aile l'entraîne ainsi qu'un blanc navire.
Il dresse son beau col au-dessus des roseaux,
Le plonge, le promène allongé sur les eaux,
Le courbe gracieux comme un profil d'acanthe,
Et cache son bec noir dans sa gorge éclatante.
Tantôt le long des pins, séjour d'ombre et de paix,
Il serpente, et, laissant les herbages épais
Traîner derrière lui comme une chevelure,
Il va d'une tardive et languissante allure.
La grotte où le poète écoute ce qu'il sent,
Et la source qui pleure un éternel absent,
Lui plaisent ; il y rôde ; une feuille de saule
En silence tombée effleure son épaule.
Tantôt il pousse au large, et, loin du bois obscur,
Superbe, gouvernant du côté de l'azur,
Il choisit, pour fêter sa blancheur qu'il admire,
La place éblouissante où le soleil se mire.
Puis, quand les bords de l'eau ne se distinguent plus,
A l'heure où toute forme est un spectre confus,
Où l'horizon brunit rayé d'un long trait rouge,
Alors que pas un jonc, pas un glaïeul ne bouge,
Que les rainettes font dans l'air serein leur bruit,
Et que la luciole au clair de lune luit,
L'oiseau, dans le lac sombre où sous lui se reflète
La splendeur d'une nuit lactée et violette,
Comme un vase d'argent parmi des diamants,
Dort, la tête sous l'aile, entre deux firmaments.
O CISNE
Calmo, do espelho azul d’água profunda e calma
à face errando, os pés, lânguido, o cisne espalma
E desliza. Da neve os raros flocos brancos
Lembra o fino frouxel que lhe amacia os flancos;
Línea vela parece a asa que encurva e brande,
Esbelto, e ora retrai, ora sacode e expande;
Entre as ninféias indo, o alvo pescoço apruma,
Colhe-o após, some-o n’água, estende-o sobre a espuma,
Curva-o mole e gracioso, e ânfora antiga imita.
Dos pinheiros ao longo, onde o silêncio habita
E a paz e a sombra, vai; rastejando na esteira,
Que atrás fica, semelha intensa cabeleira
A basta ervagem fresca a palpitar. A gruta,
Que a alma atrai do poeta e a voz da tarde escuta,
Praz-lhe e a fonte que além flui, regurgita e bolha.
Vendo-as, lento se arrasta. às vezes numa folha
Leve cai do salgueiro e, em sua queda, leve,
Roça-lhe, muda sombra, as plumas cor de neve.
Caminha agora ao largo; o implexo da ramagem
Deixa e a parte procura onde o esplendor selvagem
Diz melhor com o brilhar d’água anilada e pura.
Do lado é a parte mais azul que ele procura;
E lá vai... a cismar sobre as ondas serenas,
Entrega à luz do sol a brancura das penas.
Depois, quando, em redor, se confundem, caindo
A noite, do amplo lago as margens, e no infinito
Horizonte há somente um ponto avermelhado;
Quando tudo quedou, quando no ilimitado
Do céu paira da lua o globo enorme e albente;
Quando acende o lampiro a luz fosforescente,
E nem o menor sopro o débil junco embala:
O cisne, sob o olhar dessa noite de opala,
Em seu lago sombrio, enfim, descansa; e, acaso
Visto de alguém, assim, lembra de prata um vaso...
Põe sob a asa a cabeça, os olhos sonolentos
Fecha, e dorme, feliz, entre dois firmamentos.
Sully Prudhomme
(Trad. de Alberto de Oliveira)
The Broken Vase
A fan’s light tap
Was enough to chip
This flower vase
In which the roses
Now are dying.
No sound it made
But a hairline crack
Day after day
Almost unseen
Crept slowly round the glass
And dropp by dropp
The water trickled out
While the vital sap
In the roses’ stems
Grew dry.
Now no-one doubts:
“Don’t touch”, they say,
“It’s broken”.
Often, too, the hand one loves
May lightly brush against the heart
And bruise it.
Slowly then across that heart
A hidden crack will spread
And love’s fair flower perish.
Pete Crowther
Il vaso infranto
Il vaso in cui muore Violetta
Un battito d’ali spezzò;
Una farfalla passata di fretta,
Lo sguardo d’alcuno destò.
La piccola scalfitura
Mordendo il cristallo ogni giorno,
Inesorabile, cieca, sicura
Ne ha percorso l’intero contorno.
L’acqua è sparita in un’ora,
E la linfa ha fatto fagotto
Nessuno ne dubita ancora.
Ma non lo toccare, che è rotto10
Così spesso la mano amata,
Ferisce sfiorandolo il cuore;
Poi l’anima si fende stremata,
E crepa Violetta d’amore;
Sempre intatto agli occhi del mondo,
Piange piano e sente vibrare
Il suo taglio fino e profondo.
Ma è rotto, non lo toccare.
EL BÚCARO ROTO
El vaso en que agoniza esta verbena
un golpe de abanico estremeció;
debió el golpe sutil rozarlo apenas,
pues que ruido ninguno se escuchó.
Mas la leve, invisible rasgadura,
de marcha persistente, siempre igual,
con su fina, constante mordedura,
lentamente rodeando fue el cristal.
Así la mano que nos es querida,
nos hiere, sin saberlo, el corazón;
se agranda en él la misteriosa herida
y sucumbe la flor de su pasión.
El agua destiló gota por gota,
la savia de la flor se extingue ya,
pero la oculta herida nadie nota :
¡el vaso no toquéis, que roto está!
Die zerbrochene Vase
Drin die Verbene welkt, die Vase
Von eines Fächers Schlag zersprang,
Der Schlag hat kaum geritzt am Glase,
Kein leisestes Geräusch erklang.
Doch war sie noch so fein gesprungen,
Es fraß sich weiter im Kristall,
Und ganz unmerkUch ist gedrungen
Langsam der Riß nach überall.
Sie rinnt. Ihr Naß in Tropfen schwindet,
Die Blume dorrt schon allgemach.
Doch ist noch niemand, der's empfindet:
Nicht daran rühren, — sie zerbrach! . . .
Oft ritzt, die liebend man gehalten,
Die Hand ein leichtverletzlich Herz,
Dann muß das Herz tiefinnen spalten.
Die Liebe welkt darin mit Schmerz.
Die Welt sieht nicht die feine Wunde,
Da doch das Herz sie wachsen spürt
Und leise weinen tief im Grunde:
Es brach — o nicht daran gerührt!
SULLY-PRUDHOMME
ALEXANDER PUSHKIN, O NEGRO DE PEDRO O GRANDE DA RÚSSIA
Muitos
ainda desconhecem que houve, na Rússia do século XIX, um grande
escritor de origem negra. Pois se trata, nada mais nada menos, do que do
grande romancista e poeta Alexander Pushkin, que é para seu país o que
são Dante para a Itália, Shakespeare para a Inglaterra, Cervantes para a
Espanha ou Camões para Portugal
Como é sabido, foi narrador e poeta da era romântica russa, chegando mesmo a ser considerado, por parte da crítica, como o maior poeta russo. Mas isso tudo a respeito do ilustre escritor é sobejamente conhecido.
O detalhe, importante para os movimentos anti-racistas, é o fato de ele ser descendente de um negro. Os próprios russos escondem esse fato. Em muitas biografias não é citado esse ascendente africano.
Segundo certa tradição, Pedro, o grande, que reinou na Rússia de 1682 a 1725, estava em Londres, junto à corte inglesa, para negociações de reforma e reposição da frota naval russa e teria se encantado com um menino africano que vivia no palácio de Jaime II.
Teria recebido a criança, por doação, após insistentes pedidos e a conduzido para a corte russa, que, nesse tempo, tinha sua sede em São Petersburgo. Aliás, esse nome se deve ao grande rei Pedro I, que ampliou as fronteiras do norte russo.
Há outras versões, como a de que o menino se originaria do norte de Camarões e teria sido vendido ao embaixador russo na Turquia, cujo sobrenome era Tolstoi. Esse, por seu lado, seria avô do renomado escritor russo Leon Nikolaievitch Tolstoi.
Seja qual for sua origem verdadeira, aconteceu que foi apadrinhado de Pedro I da Rússia, que o enviou para estudar em Paris. Esse seria o bisavô de Pushkin pelo lado materno.
Na capital francesa, frequentou L’École d´Artillerie de La Fère,para estudar arte militar. Retornando a São Petersburgo, ingressa no exército russo, chegando ao grau de general. Segundo alguns, teria chegado mesmo ao comando do exército russo. Recebera o nome soviético de Abram Petrovitch Hannibal.
Esse foi seu caminho para a nobreza. Seguiu, primeiramente, da França para a Espanha, lutando na guerra da sucessão, já no posto de capitão. De retorno à Rússia, casou-se com uma condessa. A avó do poeta, Nadezda Ossipovna Hannibala, originou-se desse casamento.
Continuou a família do grande escritor a fazer parte da nobreza russa. Sua filha, Natália Alexandrovna Pushkin, casou-se com um aristocrata da família Nassau.
Pushkin faleceu em conseqüência de um duelo, em razão de suposta infidelidade da esposa, com um oficial do exército russo, tendo o poeta apenas 38 anos de idade.
Seu sobrenome provém de um título de nobreza da família. A maioria dos estudiosos da história russa apagou os traços da origem africana do bisavô materno do poeta, numa evidente atitude racista.
Como é sabido, foi narrador e poeta da era romântica russa, chegando mesmo a ser considerado, por parte da crítica, como o maior poeta russo. Mas isso tudo a respeito do ilustre escritor é sobejamente conhecido.
O detalhe, importante para os movimentos anti-racistas, é o fato de ele ser descendente de um negro. Os próprios russos escondem esse fato. Em muitas biografias não é citado esse ascendente africano.
Segundo certa tradição, Pedro, o grande, que reinou na Rússia de 1682 a 1725, estava em Londres, junto à corte inglesa, para negociações de reforma e reposição da frota naval russa e teria se encantado com um menino africano que vivia no palácio de Jaime II.
Teria recebido a criança, por doação, após insistentes pedidos e a conduzido para a corte russa, que, nesse tempo, tinha sua sede em São Petersburgo. Aliás, esse nome se deve ao grande rei Pedro I, que ampliou as fronteiras do norte russo.
Há outras versões, como a de que o menino se originaria do norte de Camarões e teria sido vendido ao embaixador russo na Turquia, cujo sobrenome era Tolstoi. Esse, por seu lado, seria avô do renomado escritor russo Leon Nikolaievitch Tolstoi.
Seja qual for sua origem verdadeira, aconteceu que foi apadrinhado de Pedro I da Rússia, que o enviou para estudar em Paris. Esse seria o bisavô de Pushkin pelo lado materno.
Na capital francesa, frequentou L’École d´Artillerie de La Fère,para estudar arte militar. Retornando a São Petersburgo, ingressa no exército russo, chegando ao grau de general. Segundo alguns, teria chegado mesmo ao comando do exército russo. Recebera o nome soviético de Abram Petrovitch Hannibal.
Esse foi seu caminho para a nobreza. Seguiu, primeiramente, da França para a Espanha, lutando na guerra da sucessão, já no posto de capitão. De retorno à Rússia, casou-se com uma condessa. A avó do poeta, Nadezda Ossipovna Hannibala, originou-se desse casamento.
Continuou a família do grande escritor a fazer parte da nobreza russa. Sua filha, Natália Alexandrovna Pushkin, casou-se com um aristocrata da família Nassau.
Pushkin faleceu em conseqüência de um duelo, em razão de suposta infidelidade da esposa, com um oficial do exército russo, tendo o poeta apenas 38 anos de idade.
Seu sobrenome provém de um título de nobreza da família. A maioria dos estudiosos da história russa apagou os traços da origem africana do bisavô materno do poeta, numa evidente atitude racista.
LITERATURA ARGENTINA - Jorge Luis Borges
Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo - Buenos Aires, 24 de agosto, 1889 - Genebra, 14 de junho de 1986. Foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino. Em 1914 sua família se mudou para Suíça, onde ele estudou e de onde viajou para a Espanha. Em seu retorno à Argentina em 1921, Borges começou a publicar seus poemas e ensaios em revistas literárias surrealistas.Também trabalhou como bibliotecário e professor universitário público. Em 1955 foi nomeado diretor da Biblioteca Nacional da República Argentina professor de literatura na Universidade de Buenos Aires. Em 1961, destacou-se no cenário internacional quando recebeu o primeiro prêmio internacional de editores, o Prêmio Formentor. Seu trabalho foi traduzido e publicado extensamente nos Estados Unidos e Europa. Borges era fluente em várias línguas. Sua obra abrange o "caos que governa o mundo e o caráter de irrealidade em toda a literatura". Seus livros mais famosos, Ficciones (1944) e O Aleph (1949), são coletâneas de histórias curtas interligadas por temas comuns: sonhos, labirintos, bibliotecas,, escritores fictícios e livros fictícios, religião, Deus. Seus trabalhos têm contribuído significativamente para o gênero da literatura fantástica. Estudiosos notaram que a progressiva cegueira de Borges ajudou-o a criar novos símbolos literários através da imaginação, já que "os poetas, como os cegos, podem ver no escuro". Os poemas de seu último período dialogam com vultos culturais como Spinoza, Luís de Camões e Virgílio. Sua fama internacional foi consolidada na década de 1960, ajudado pelo "Boom latino-americano" e o sucesso de Cem Anos de Solidão de Gabrtiel Garcia Márquez. Para homenagear Borges, em O Nome da Rosa, um romance de Umberto Eco, há o personagem Jorge de Burgos, que além da semelhança no nome é cego — assim como Borges foi ficando ao longo da vida. Além da personagem, a biblioteca que serve como plano de fundo do livro é inspirada no conto de Borges Abiblioteca de Babel (uma biblioteca universal e infinita que abrange todos os livros do mundo). O escritor e ensaísta John Maxwell Coetzee disse sobre ele: "Borges, mais do que ninguém, renovou a linguagem de ficção e, assim, abriu o caminho para uma geração notável de romancistas hispano-americanos". (http://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Luis_Borges).
La Biblioteca de Babel
El universo (que otros llaman la Biblioteca) se componte de un
número indefinido, y tal vez infinito, de galerías hexagonales, con
vastos pozos de ventilación en el medio, cercados por barandas
bajísimas. Desde cualquier hexágono se ven los pisos inferiores y
superiores: interminablemente. La distribución de las galerías es
invariable. Veinte anaqueles, a cinco largos anaqueles por lado, cubren
todos los lados menos dos; su altura, que es la de los pisos, excede
apenas la de un bibliotecario normal. Una de las caras libres da a un
angosto zaguán, que desemboca en otra galería, idéntica a la primera y a
todas. A izquierda y a derecha del zaguán hay dos gabinetes minúsculos.
Uno permite dormir de pie; otro, satisfacer las necesidades finales.
Por ahí pasa la escalera espiral, que se abisma y se eleva hacia lo
remoto. En el zaguán hay un espejo, que fielmente duplica las
apariencias. Los hombres suelen inferir de ese espejo que la Biblioteca
no es infinita (si lo fuera realmente ¿a qué esa duplicación ilusoria?);
yo prefiero soñar que las superficies bruñidas figuran y prometen el
infinito... La luz procede de unas frutas esféricas que llevan el nombre
de lámparas. Hay dos en cada hexágono: transversales. La luz que emiten
es insuficiente, incesante. Como todos los hombres de la Biblioteca, he
viajado en mi juventud; he peregrinado en busca de un libro, acaso del
catálogo de catálogos; ahora que mis ojos casi no pueden descifrar lo
que escribo, me preparo a morir a unas pocas leguas del hexágono en que
nací. Muerto, no faltarán manos piadosas que me tiren por la baranda; mi
sepultura será el aire insondable; mi cuerpo se hundirá largamente y se
corromperá y disolverá en el viento engendrado por la caída, que es
infinita. Yo afirmo que la Biblioteca es interminable. Los idealistas
arguyen que las salas hexagonales son una forma necesaria del espacio
absoluto o, por lo menos, de nuestra intuición del espacio. Razonan que
es inconcebible una sala triangular o pentagonal. (Los místicos
pretenden que el éxtasis les revela una cámara circular con un gran
libro circular de lomo continuo, que da toda la vuelta de las paredes;
pero su testimonio es sospechoso; sus palabras, oscuras. Ese libro
cíclico es Dios.) Básteme, por ahora, repetir el dictamen clásico: La
Biblioteca es una esfera cuyo centro cabal es cualquier hexágono, cuya
circunferencia es inaccesible. A cada uno de los muros de cada hexágono
corresponden cinco anaqueles; cada anaquel encierra treinta y dos libros
de formato uniforme; cada libro es de cuatrocientas diez páginas; cada
página, de cuarenta renglones; cada renglón, de unas ochenta
letras de color negro. También hay letras en el dorso de cada libro;
esas letras no indican o prefiguran lo que dirán las páginas. Sé que esa
inconexión, alguna vez, pareció misteriosa. Antes de resumir la
solución (cuyo descubrimiento, a pesar de sus trágicas proyecciones, es
quizá el hecho capital de la historia) quiero rememorar algunos axiomas.
El primero: La Biblioteca existe ab alterno. De esa verdad cuyo
colorario inmediato es la eternidad futura del mundo, ninguna mente
razonable puede dudar. El hombre, el imperfecto bibliotecario, puede ser
obra del azar o de los demiurgos malévolos; el universo, con su
elegante dotación de anaqueles, de tomos enigmáticos, de infatigables
escaleras para el viajero y de letrinas para el bibliotecario sentado,
sólo puede ser obra de un dios. Para percibir la distancia que hay entre
lo divino y lo humano, basta comparar estos rudos símbolos trémulos que
mi falible mano garabatea en la tapa de un libro, con las letras
orgánicas del interior: puntuales, delicadas, negrísimas,
inimitablemente simétricas. El segundo: El número de símbolos
ortográficos es veinticinco. Esa comprobación permitió, hace trescientos
años, formular una teoría general de la Biblioteca y resolver
satisfactoriamente el problema que ninguna conjetura había descifrado:
la naturaleza informe y caótica de casi todos los libros. Uno, que mi
padre vio en un hexágono del circuito quince noventa y cuatro, constaba
de las letras MCV perversamente repetidas desde el renglón primero hasta
el último. Otro (muy consultado en esta zona) es un mero laberinto de
letras, pero la página penúltima dice «Oh tiempo tus pirámides». Ya se
sabe: por una línea razonable o una recta noticia hay leguas de
insensatas cacofonías, de fárragos verbales y de incoherencias. (Yo sé
de una región cerril cuyos bibliotecarios repudian la supersticiosa y
vana costumbre de buscar sentido en los libros y la equiparan a la de
buscarlo en los sueños o en las líneas caóticas de la mano... Admiten
que los inventores de la escritura imitaron los veinticinco símbolos
naturales, pero sostienen que esa aplicación es casual y que los libros
nada significan en sí. Ese dictamen, ya veremos no es del todo falaz.)
Durante mucho tiempo se creyó que esos libros impenetrables
correspondían a lenguas pretéritas o remotas. Es verdad que los hombres
más antiguos, los primeros bibliotecarios, usaban un lenguaje asaz
diferente del que hablamos ahora; es verdad que unas millas a la derecha
la lengua es dialectal y que noventa pisos más arriba, es
incomprensible. Todo eso, lo repito, es verdad, pero cuatrocientas diez
páginas de inalterables MCV no pueden corresponder a ningún idioma, por
dialectal o rudimentario que sea. Algunos insinuaron que cada letra
podía influir en la subsiguiente y que el valor de MCV en la tercera
línea de la página 71 no era el que puede tener la misma serie en otra
posición de otra página, pero esa vaga tesis no prosperó. Otros pensaron
en criptografías; universalmente esa conjetura ha sido aceptada, aunque
no en el sentido en que la formularon sus inventores. Hace quinientos
años, el jefe de un hexágono superior dio con un libro tan confuso como
los otros, pero que tenía casi dos hojas de líneas homogéneas. Mostró su
hallazgo a un descifrador ambulante, que le dijo que estaban redactadas
en portugués; otros le dijeron que en yiddish. Antes de un siglo pudo
establecerse el idioma: un dialecto samoyedo-lituano del guaraní, con
inflexiones de árabe clásico. También se descifró el contenido: nociones
de análisis combinatorio, ilustradas por ejemplos de variaciones con
repetición ilimitada. Esos ejemplos permitieron que un bibliotecario de
genio descubriera la ley fundamental de la Biblioteca. Este pensador
observó que todos los libros, por diversos que sean, constan de
elementos iguales: el espacio, el punto, la coma, las veintidós letras
del alfabeto. También alegó un hecho que todos los viajeros han
confirmado: No hay en la vasta Biblioteca, dos libros idénticos. De esas
premisas incontrovertibles dedujo que la Biblioteca es total y que sus
anaqueles registran todas las posibles combinaciones de los veintitantos
símbolos ortográficos (número, aunque vastísimo, no infinito) o sea
todo lo que es dable expresar: en todos los idiomas. Todo: la historia
minuciosa del porvenir, las autobiografías de los arcángeles, el
catálogo fiel de la Biblioteca, miles y miles de catálogos falsos, la
demostración de la falacia de esos catálogos, la demostración de la
falacia del catálogo verdadero, el evangelio gnóstico de Basilides, el
comentario de ese evangelio, el comentario del comentario de ese
evangelio, la relación verídica de tu muerte, la versión de cada libro a
todas las lenguas, las interpolaciones de cada libro en todos los
libros, el tratado que Beda pudo escribir (y no escribió) sobre la
mitología de los sajones, los libros perdidos de Tácito. Cuando se
proclamó que la Biblioteca abarcaba todos los libros, la primera
impresión fue de extravagante felicidad. Todos los hombres se sintieron
señores de un tesoro intacto y secreto. No había problema personal o
mundial cuya elocuente solución no existiera: en algún hexágono. El
universo estaba justificado, el universo bruscamente usurpó las
dimensiones ilimitadas de la esperanza. En aquel tiempo se habló mucho
de las Vindicaciones: libros de apología y de profecía, que para siempre
vindicaban los actos de cada hombre del universo y guardaban arcanos
prodigiosos para su porvenir. Miles de codiciosos abandonaron el dulce
hexágono natal y se lanzaron escaleras arriba, urgidos por el vano
propósito de encontrar su Vindicación. Esos peregrinos disputaban en los
corredores estrechos, proferían oscuras maldiciones, se estrangulaban
en las escaleras divinas, arrojaban los libros engañosos al fondo de los
túneles, morían despeñados por los hombres de regiones remotas. Otros
se enloquecieron... Las Vindicaciones existen (yo he visto dos que se
refieren a personas del porvenir, a personas acaso no imaginarias) pero
los buscadores no recordaban que la posibilidad de que un hombre
encuentre la suya, o alguna pérfida variación de la suya, es computable
en cero. También se esperó entonces la aclaración de los misterios
básicos de la humanidad: el origen de la Biblioteca y del tiempo. Es
verosímil que esos graves misterios puedan explicarse en palabras: si no
basta el lenguaje de los filósofos, la multiforme Biblioteca habrá
producido el idioma inaudito que se requiere y los vocabularios y
gramáticas de ese idioma. Hace ya cuatro siglos que los hombres fatigan
los hexágonos... Hay buscadores oficiales, inquisidores. Yo los he visto
en el desempeño de su función: llegan siempre rendidos; hablan de una
escalera sin peldaños que casi los mató; hablan de galerías y de
escaleras con el bibliotecario; alguna vez, toman el libro más cercano y
lo hojean, en busca de palabras infames. Visiblemente, nadie espera
descubrir nada. A la desaforada esperanza, sucedió, como es natural, una
depresión excesiva. La certidumbre de que algún anaquel en algún
hexágono encerraba libros preciosos y de que esos libros preciosos eran
inaccesibles, pareció casi intolerable. Una secta blasfema sugirió que
cesaran las buscas y que todos los hombres barajaran letras y símbolos,
hasta construir, mediante un improbable don del azar, esos libros
canónicos. Las autoridades se vieron obligadas a promulgar órdenes
severas. La secta desapareció, pero en mi niñez he visto hombres viejos
que largamente se ocultaban en las letrinas, con unos discos de metal en
un cubilete prohibido, y débilmente remedaban el divino desorden.
Otros, inversamente, creyeron que lo primordial era eliminar las obras
inútiles. Invadían los hexágonos, exhibían credenciales no siempre
falsas, hojeaban con fastidio un volumen y condenaban anaqueles enteros:
a su furor higiénico, ascético, se debe la insensata perdición de
millones de libros. Su nombre es execrado, pero quienes deploran los
«tesoros» que su frenesí destruyó, negligen dos hechos notorios. Uno: la
Biblioteca es tan enorme que toda reducción de origen humano resulta
infinitesimal. Otro: cada ejemplar es único, irreemplazable, pero (como
la Biblioteca es total) hay siempre varios centenares de miles de
facsímiles imperfectos: de obras que no difieren sino por una letra o
por una coma. Contra la opinión general, me atrevo a suponer que las
consecuencias de las depredaciones cometidas por los Purificadores, han
sido exageradas por el horror que esos fanáticos provocaron. Los urgía
el delirio de conquistar los libros del Hexágono Carmesí: libros de
formato menor que los naturales; omnipotentes, ilustrados y mágicos.
También sabemos de otra superstición de aquel tiempo: la del Hombre del
Libro. En algún anaquel de algún hexágono (razonaron los hombres) debe
existir un libro que sea la cifra y el compendio perfecto de todos los
demás: algún bibliotecario lo ha recorrido y es análogo a un dios. En el
lenguaje de esta zona persisten aún vestigios del culto de ese
funcionario remoto. Muchos peregrinaron en busca de Él. Durante un siglo
fatigaron en vano los más diversos rumbos. ¿Cómo localizar el venerado
hexágono secreto que lo hospedaba? Alguien propuso un método regresivo:
Para localizar el libro A, consultar previamente un libro B que indique
el sitio de A; para localizar el libro B, consultar previamente un libro
C, y así hasta lo infinito... En aventuras de ésas, he prodigado y
consumido mis años. No me parece inverosímil que en algún anaquel del
universo haya un libro total; ruego a los dioses ignorados que un hombre
- ¡uno solo, aunque sea, hace miles de años! - lo haya examinado y
leído. Si el honor y la sabiduría y la felicidad no son para mí, que
sean para otros. Que el cielo exista, aunque mi lugar sea el infierno.
Que yo sea ultrajado y aniquilado, pero que en un instante, en un ser,
Tu enorme Biblioteca se justifique. Afirman los impíos que el disparate
es normal en la Biblioteca y que lo razonable (y aun la humilde y pura
coherencia) es una casi milagrosa excepción. Hablan (lo sé) de «la
Biblioteca febril, cuyos azarosos volúmenes corren el incesante albur de
cambiarse en otros y que todo lo afirman, lo niegan y lo confunden como
una divinidad que delira». Esas palabras que no sólo denuncian el
desorden sino que lo ejemplifican también, notoriamente prueban su gusto
pésimo y su desesperada ignorancia. En efecto, la Biblioteca incluye
todas las estructuras verbales, todas las variaciones que permiten los
veinticinco símbolos ortográficos, pero no un solo disparate absoluto.
Inútil observar que el mejor volumen de los muchos hexágonos que
administro se titula «Trueno peinado», y otro «El calambre de yeso» y
otro «Axaxaxas mlo». Esas proposiciones, a primera vista incoherentes,
sin duda son capaces de una justificación criptográfica o alegórica; esa
justificación es verbal y, ex hypothesi, ya figura en la Biblioteca. No
puedo combinar unos caracteres dhcmrlchtdj que la divina Biblioteca no
haya previsto y que en alguna de sus lenguas secretas no encierren un
terrible sentido. Nadie puede articular una sílaba que no esté llena de
ternuras y de temores; que no sea en alguno de esos lenguajes el nombre
poderoso de un dios. Hablar es incurrir en tautologías. Esta epístola
inútil y palabrera ya existe en uno de los treinta volúmenes de los
cinco anaqueles de uno de los incontables hexágonos, y también su
refutación. (Un número n de lenguajes posibles usa el mismo vocabulario;
en algunos, el símbolo biblioteca admite la correcta definición ubicuo y
perdurable sistema de galerías hexagonales, pero biblioteca es pan o
pirámide o cualquier otra cosa, y las siete palabras que la definen
tienen otro valor. Tú, que me lees, ¿estás seguro de entender mi
lenguaje?). La escritura metódica me distrae de la presente condición de
los hombres. La certidumbre de que todo está escrito nos anula o nos
afantasma. Yo conozco distritos en que los jóvenes se prosternan ante
los libros y besan con barbarie las páginas, pero no saben descifrar una
sola letra. Las epidemias, las discordias heréticas, las
peregrinaciones que inevitablemente degeneran en bandolerismo, han
diezmado la población. Creo haber mencionado los suicidios, cada año más
frecuentes. Quizá me engañen la vejez y el temor, pero sospecho que la
especie humana - la única - está por extinguirse y que la Biblioteca
perdurará: iluminada, solitaria, infinita, perfectamente inmóvil, armada
de volúmenes preciosos, inútil, incorruptible, secreta. Acabo de
escribir infinita. No he interpolado ese adjetivo por una costumbre
retórica; digo que no es ilógico pensar que el mundo es infinito.
Quienes lo juzgan limitado, postulan que en lugares remotos los
corredores y escaleras y hexágonos pueden inconcebiblemente cesar, lo
cual es absurdo. Quienes la imaginan sin límites, olvidan que los tiene
el número posible de libros. Yo me atrevo a insinuar esta solución del
antiguo problema: La biblioteca es ilimitada y periódica. Si un eterno
viajero la atravesara en cualquier dirección, comprobaría al cabo de los
siglos que los mismos volúmenes se repiten en el mismo desorden (que,
repetido, sería un orden: el Orden). Mi soledad se alegra con esa
elegante esperanza.
LITERATURA ESTADUNIDENSE - Edgar Allan Poe
Edgar Allan Poe (nascido Edgar Poe; Boston, 19 de Janeiro de 1809 - Baltimore,7 de Outubro de 1849) foi um autor, poeta, editor e crítico literário americano, fez parte do movimento romântico americano. Conhecido por suas histórias que envolvem o mistério e o macabro, Poe foi um dos primeiros escritores americanos de contos sendo considerado o inventor do gênero ficção policial, também recebendo crédito por contribuição ao emergente gênero de ficção científica. Ele foi o primeiro escritor americano conhecido a tentar ganhar a vida através da escrita por si só, resultando em uma vida e carreira financeiramente difícil.
Ele nasceu como Edgar Poe, em Boston, Massachusetts; quando jovem, ficou órfão de mãe, que morreu pouco depois de seu pai abandonar a família. Poe foi acolhido por Francis Allan e o seu marido John Allan, de Richmond, Virgínia, mas nunca foi formalmente adotado. Ele frequentou a Universidade da Virgínia por um semestre, passando a maior parte do tempo entre bebidas e mulheres. Nesse período, teve uma séria discussão com seu pai adotivo e fugiu de casa para se alistar nas forças armadas, onde serviu durante dois anos antes de ser dispensado, depois de falhar como cadete em West Point, deixou a sua família adotiva. Sua carreira começou humildemente com a publicação de uma coleção anônima de poemas, Tamerlane and Other Poems (1827).
Poe mudou seu foco para a prosa e passou os próximos anos trabalhando para revistas e jornais, tornando-se conhecido por seu próprio estilo de crítica literária. Seu trabalho o obrigou a se mudar para diversas cidades, incluindo Baltimore, Filadélfia, Nova York. Em Baltimore, em 1835, casou-se com Virgínia Clemm, sua prima de 13 anos de idade. Em Janeiro de 1845, Poe publicou seu poema The Raven, foi um sucesso instantâneo. Sua esposa morreu de tuberculose dois anos após a publicação. Ele começou a planejar a criação de seu próprio jornal, The Penn (posteriormente renomeado para The Stylus), porém morreu antes que pudesse ser produzido. Em 7 de Outubro de 1849, aos 40 anos, Poe morreu em Baltimore; a causa de sua morte é desconhecida e foi por diversas vezes atribuída ao álcool, congestão cerebral, cólera, drogas, doenças do coração, raiva, suicídio, tuberculose entre outros agentes.
Poe e suas obras influenciaram a literatura nos Estados Unidos e ao redor do mundo, bem como em campos especializados, tais como a cosmologia e a criptografia. Poe e seu trabalho aparecem ao longo da cultura popular na literatura, música, filmes e televisão. Várias de suas casas são dedicadas como museus atualmente.
ANTOLOGIA
O CORVO
O CORVO
Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."
Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!
Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".
E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.
A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.
Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."
Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.
E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".
Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".
Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".
A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".
Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".
Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!
Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".
E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!
THE RAVEN
(Edgar Allan Poe - First published in 1845)
Once upon a midnight dreary, while I pondered weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore,
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
`'Tis some visitor,' I muttered, `tapping at my chamber door -
Only this, and nothing more.'
Ah, distinctly I remember it was in the bleak December,
And each separate dying ember wrought its ghost upon the floor.
Eagerly I wished the morrow; - vainly I had sought to borrow
From my books surcease of sorrow - sorrow for the lost Lenore -
For the rare and radiant maiden whom the angels name Lenore -
Nameless here for evermore.
And the silken sad uncertain rustling of each purple curtain
Thrilled me - filled me with fantastic terrors never felt before;
So that now, to still the beating of my heart, I stood repeating
`'Tis some visitor entreating entrance at my chamber door -
Some late visitor entreating entrance at my chamber door; -
This it is, and nothing more,'
Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
`Sir,' said I, `or Madam, truly your forgiveness I implore;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you' - here I opened wide the door; -
Darkness there, and nothing more.
Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortal ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the darkness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, `Lenore!'
This I whispered, and an echo murmured back the word, `Lenore!'
Merely this and nothing more.
Back into the chamber turning, all my soul within me burning,
Soon again I heard a tapping somewhat louder than before.
`Surely,' said I, `surely that is something at my window lattice;
Let me see then, what thereat is, and this mystery explore -
Let my heart be still a moment and this mystery explore; -
'Tis the wind and nothing more!'
Open here I flung the shutter, when, with many a flirt and flutter,
In there stepped a stately raven of the saintly days of yore.
Not the least obeisance made he; not a minute stopped or stayed he;
But, with mien of lord or lady, perched above my chamber door -
Perched upon a bust of Pallas just above my chamber door -
Perched, and sat, and nothing more.
Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
`Though thy crest be shorn and shaven, thou,' I said, `art sure no craven.
Ghastly grim and ancient raven wandering from the nightly shore -
Tell me what thy lordly name is on the Night's Plutonian shore!'
Quoth the raven, `Nevermore.'
Much I marvelled this ungainly fowl to hear discourse so plainly,
Though its answer little meaning - little relevancy bore;
For we cannot help agreeing that no living human being
Ever yet was blessed with seeing bird above his chamber door -
Bird or beast above the sculptured bust above his chamber door,
With such name as `Nevermore.'
But the raven, sitting lonely on the placid bust, spoke only,
That one word, as if his soul in that one word he did outpour.
Nothing further then he uttered - not a feather then he fluttered -
Till I scarcely more than muttered `Other friends have flown before -
On the morrow he will leave me, as my hopes have flown before.'
Then the bird said, `Nevermore.'
Startled at the stillness broken by reply so aptly spoken,
`Doubtless,' said I, `what it utters is its only stock and store,
Caught from some unhappy master whom unmerciful disaster
Followed fast and followed faster till his songs one burden bore -
Till the dirges of his hope that melancholy burden bore
Of "Never-nevermore."'
But the raven still beguiling all my sad soul into smiling,
Straight I wheeled a cushioned seat in front of bird and bust and door;
Then, upon the velvet sinking, I betook myself to linking
Fancy unto fancy, thinking what this ominous bird of yore -
What this grim, ungainly, ghastly, gaunt, and ominous bird of yore
Meant in croaking `Nevermore.'
This I sat engaged in guessing, but no syllable expressing
To the fowl whose fiery eyes now burned into my bosom's core;
This and more I sat divining, with my head at ease reclining
On the cushion's velvet lining that the lamp-light gloated o'er,
But whose velvet violet lining with the lamp-light gloating o'er,
She shall press, ah, nevermore!
Then, methought, the air grew denser, perfumed from an unseen censer
Swung by Seraphim whose foot-falls tinkled on the tufted floor.
`Wretch,' I cried, `thy God hath lent thee - by these angels he has sent thee
Respite - respite and nepenthe from thy memories of Lenore!
Quaff, oh quaff this kind nepenthe, and forget this lost Lenore!'
Quoth the raven, `Nevermore.'
`Prophet!' said I, `thing of evil! - prophet still, if bird or devil! -
Whether tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted -
On this home by horror haunted - tell me truly, I implore -
Is there - is there balm in Gilead? - tell me - tell me, I implore!'
Quoth the raven, `Nevermore.'
`Prophet!' said I, `thing of evil! - prophet still, if bird or devil!
By that Heaven that bends above us - by that God we both adore -
Tell this soul with sorrow laden if, within the distant Aidenn,
It shall clasp a sainted maiden whom the angels name Lenore -
Clasp a rare and radiant maiden, whom the angels name Lenore?'
Quoth the raven, `Nevermore.'
`Be that word our sign of parting, bird or fiend!' I shrieked upstarting -
`Get thee back into the tempest and the Night's Plutonian shore!
Leave no black plume as a token of that lie thy soul hath spoken!
Leave my loneliness unbroken! - quit the bust above my door!
Take thy beak from out my heart, and take thy form from off my door!'
Quoth the raven, `Nevermore.'
And the raven, never flitting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon's that is dreaming,
And the lamp-light o'er him streaming throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow that lies floating on the floor Shall be lifted - nevermore!
É verdade! Nervoso, muito, muito nervoso mesmo eu estive e estou; mas por que você vai dizer que estou louco? A doença exacerbou meus sentidos, não os destruiu, não os embotou. Mais que os outros estava aguçado o sentido da audição. Ouvi todas as coisas no céu e na terra. Ouvi muitas coisas no inferno. Como então posso estar louco? Preste atenção! E observe com que sanidade, com que calma, posso lhe contar toda a história. É impossível saber como a ideia penetrou pela primeira vez no meu cérebro, mas, uma vez concebida, ela me atormentou dia e noite. Objetivo não havia. Paixão não havia. Eu gostava do velho. Ele nunca me fez mal. Ele nunca me insultou. Seu ouro eu não desejava. Acho que era seu olho! É, era isso! Um de seus olhos parecia o de um abutre - um olho azul claro coberto por um véu. Sempre que caía sobre mim o meu sangue gelava, e então pouco a pouco, bem devagar, tomei a decisão de tirar a vida do velho, e com isso me livrar do olho, para sempre. Agora esse é o ponto. O senhor acha que sou louco. Homens loucos de nada sabem. Mas deveria ter-me visto. Deveria ter visto com que sensatez eu agi — com que precaução —, com que prudência, com que dissimulação, pus mãos à obra! Nunca fui tão gentil com o velho como durante toda a semana antes de matá-lo. E todas as noites, por volta de meia-noite, eu girava o trinco da sua porta e a abria, ah, com tanta delicadeza! E então, quando tinha conseguido uma abertura suficiente para minha cabeça, punha lá dentro uma lanterna furta-fogo bem fechada, fechada para que nenhuma luz brilhasse, e então eu passava a cabeça. Ah! o senhor teria rido se visse com que habilidade eu a passava. Eu a movia devagar, muito, muito devagar, para não perturbar o sono do velho. Levava uma hora para passar a cabeça toda pela abertura, o mais à frente possível, para que pudesse vê-lo deitado em sua cama. Aha! Teria um louco sido assim tão esperto? E então, quando minha cabeça estava bem dentro do quarto, eu abria a lanterna com cuidado — ah!, com tanto cuidado! —, com cuidado (porque a dobradiça rangia), eu a abria só o suficiente para que um raiozinho fino de luz caísse sobre o olho do abutre. E fiz isso por sete longas noites, todas as noites à meia-noite em ponto, mas eu sempre encontrava o olho fechado, e então era impossível fazer o trabalho, porque não era o velho que me exasperava, e sim seu Olho Maligno. E todas as manhãs, quando o dia raiava, eu entrava corajosamente no quarto e falava Com ele cheio de coragem, chamando-o pelo nome em tom cordial e perguntando como tinha passado a noite. Então, o senhor vê que ele teria que ter sido, na verdade, um velho muito astuto, para suspeitar que todas as noites, à meia-noite em ponto, eu o observava enquanto dormia. Na oitava noite, eu tomei um cuidado ainda maior ao abrir a porta. O ponteiro de minutos de um relógio se move mais depressa do que então a minha mão. Nunca antes daquela noite eu sentira a extensão de meus próprios poderes, de minha sagacidade. Eu mal conseguia conter meu sentimento de triunfo. Pensar que lá estava eu, abrindo pouco a pouco a porta, e ele sequer suspeitava de meus atos ou pensamentos secretos. Cheguei a rir com essa idéia, e ele talvez tenha ouvido, porque de repente se mexeu na cama como num sobressalto. Agora o senhor pode pensar que eu recuei — mas não. Seu quarto estava preto como breu com aquela escuridão espessa (porque as venezianas estavam bem fechadas, de medo de ladrões) e então eu soube que ele não poderia ver a porta sendo aberta e continuei a empurrá-la mais, e mais. Minha cabeça estava dentro e eu quase abrindo a lanterna quando meu polegar deslizou sobre a lingueta de metal e o velho deu um pulo na cama, gritando: — Quem está aí? Fiquei imóvel e em silêncio. Por uma hora inteira não movi um músculo, e durante esse tempo não o ouvi se deitar. Ele continuava sentado na cama, ouvindo bem como eu havia feito noite após noite prestando atenção aos relógios fúnebres na parede. Nesse instante, ouvi um leve gemido, e eu soube que era o gemido do terror mortal. Não era um gemido de dor ou de tristeza — ah, não! era o som fraco e abafado que sobe do fundo da alma quando sobrecarregada de terror. Eu conhecia bem aquele som. Muitas noites, à meia-noite em ponto, ele brotara de meu próprio peito, aprofundando, com seu eco pavoroso, os terrores que me perturbavam. Digo que os conhecia bem. Eu sabia o que sentia o velho e me apiedava dele embora risse por dentro. Eu sabia que ele estivera desperto, desde o primeiro barulhinho, quando se virara na cama. Seus medos foram desde então crescendo dentro dele. Ele estivera tentando fazer de conta que eram infundados, mas não conseguira. Dissera consigo mesmo: "Isto não passa do vento na chaminé; é apenas um camundongo andando pelo chão", ou "É só um grilo cricrilando um pouco". É, ele estivera tentando confortar-se com tais suposições; mas descobrira ser tudo em vão.Tudo em vão, porque a Morte ao se aproximar o atacara de frente com sua sombra negra e com ela envolvera a vítima. E a fúnebre influência da despercebida sombra fizera com que sentisse, ainda que não visse ou ouvisse, sentisse a presença da minha cabeça dentro do quarto. Quando já havia esperado por muito tempo e com muita paciência sem ouvi-lo se deitar, decidi abrir uma fenda — uma fenda muito, muito pequena na lanterna. Então eu a abri — o senhor não pode imaginar com que gestos furtivos, tão furtivos — até que afinal um único raio pálido como o fio da aranha brotou da fenda e caiu sobre o olho do abutre. Ele estava aberto, muito, muito aberto, e fui ficando furioso enquanto o fitava. Eu o vi com perfeita clareza - todo de um azul fosco e coberto por um véu medonho que enregelou até a medula dos meus ossos, mas era tudo o que eu podia ver do rosto ou do corpo do velho, pois dirigira o raio, como por instinto, exatamente para o ponto maldito. E agora, eu não lhe disse que aquilo que o senhor tomou por loucura não passava de hiperagudeza dos sentidos? Agora, repito, chegou a meus ouvidos um ruído baixo, surdo e rápido, algo como faz um relógio quando envolto em algodão. Eu também conhecia bem aquele som. Eram as batidas do coração do velho. Aquilo aumentou a minha fúria, como o bater do tambor instiga a coragem do soldado. Mas mesmo então eu me contive e continuei imóvel. Quase não respirava. Segurava imóvel a lanterna. Tentei ao máximo possível manter o raio sobre o olho. Enquanto isso, aumentava o diabólico tamborilar do coração. Ficava a cada instante mais e mais rápido, mais e mais alto. O terror do velho deve ter sido extremo. Ficava mais alto, estou dizendo, mais alto a cada instante! — está me entendendo? Eu lhe disse que estou nervoso: estou mesmo. E agora, altas horas da noite, em meio ao silêncio pavoroso dessa casa velha, um ruído tão estranho quanto esse me levou ao terror incontrolável. Ainda assim por mais alguns minutos me contive e continuei imóvel. Mas as batidas ficaram mais altas, mais altas! Achei que o coração iria explodir. E agora uma nova ansiedade tomava conta de mim — o som seria ouvido por um vizinho! Chegara a hora do velho! Com um berro, abri por completo a lanterna e saltei para dentro do quarto. Ele deu um grito agudo — um só. Num instante, arrastei-o para o chão e derrubei sobre ele a cama pesada. Então sorri contente, ao ver meu ato tão adiantado. Mas por muitos minutos o coração bateu com um som amortecido. Aquilo, entretanto, não me exasperou; não seria ouvido através da parede. Por fim, cessou. O velho estava morto. Afastei a cama e examinei o cadáver. É, estava morto, bem morto. Pus a mão sobre seu coração e a mantive ali por muitos minutos. Não havia pulsação. Ele estava bem morto. Seu olho não me perturbaria mais. Se ainda me acha louco, não mais pensará assim quando eu descrever as sensatas precauções que tomei para ocultar o corpo. A noite avançava, e trabalhei depressa, mas em silêncio. Antes de tudo desmembrei o cadáver. Separei a cabeça, os braços e as pernas. Arranquei três tábuas do assoalho do quarto e depositei tudo entre as vigas. Recoloquei então as pranchas com tanta habilidade e astúcia que nenhum olho humano — nem mesmo o dele — poderia detectar algo de errado. Nada havia a ser lavado — nenhuma mancha de qualquer tipo — nenhuma marca de sangue. Eu fora muito cauteloso. Uma tina absorvera tudo - ha! ha! Quando terminei todo aquele trabalho, eram quatro horas — ainda tão escuro quanto à meia-noite. Quando o sino deu as horas, houve uma batida à porta da rua. Desci para abrir com o coração leve — pois o que tinha agora a temer? Entraram três homens, que se apresentaram, com perfeita suavidade, como oficiais de polícia. Um grito fora ouvido por um vizinho durante a noite; suspeitas de traição haviam sido levantadas; uma queixa fora apresentada à delegacia e eles (os policiais) haviam sido encarregados de examinar o local. Sorri — pois o que tinha a temer? Dei as boas-vindas aos senhores. O grito, disse, fora meu, num sonho. O velho, mencionei, estava fora, no campo. Acompanhei minhas visitas por toda a casa. Incentivei-os a procurar — procurar bem. Levei-os, por fim, ao quarto dele. Mostrei-lhes seus tesouros, seguro, imperturbável. No entusiasmo de minha confiança, levei cadeiras para o quarto e convidei-os para ali descansarem de seus afazeres, enquanto eu mesmo, na louca audácia de um triunfo perfeito, instalei minha própria cadeira exatamente no ponto sob o qual repousava o cadáver da vítima. Os oficiais estavam satisfeitos. Meus modos os haviam convencido. Eu estava bastante à vontade. Sentaram-se e, enquanto eu respondia animado, falaram de coisas familiares. Mas, pouco depois, senti que empalidecia e desejei que se fossem. Minha cabeça doía e me parecia sentir um zumbido nos ouvidos; mas eles continuavam sentados e continuavam a falar. O zumbido ficou mais claro — continuava e ficava mais claro: falei com mais vivacidade para me livrar da sensação: mas ela continuou e se instalou — até que, afinal, descobri que o barulho estava dentro de meus ouvidos. Sem dúvida agora fiquei muito pálido; mas falei com mais fluência, e em voz mais alta. Mas o som crescia - e o que eu podia fazer? Era um surdo, rápido — muito parecido com o som que faz um relógio quando envolto em algodão. Arfei em busca de ar, e os policiais ainda não o ouviam. Falei mais depressa, com mais intensidade, mas o barulho continuava a crescer. Levantei-me e discuti sobre ninharias, num tom alto e gesticulando com ênfase; mas o barulho continuava a crescer. Por que eles não podiam ir embora? Andei de um lado para outro a passos largos e pesados, como se me enfurecessem as observações dos homens, mas o barulho continuava a crescer. Ai meu Deus! O que eu poderia fazer? Espumei — vociferei — xinguei! Sacudi a cadeira na qual estivera sentado e arrastei-a pelas tábuas, mas o barulho abafava tudo e continuava a crescer. Ficou mais alto — mais alto — mais alto! E os homens ainda conversavam animadamente, e sorriam. Seria possível que não ouvissem? Deus Todo-Poderoso! — não, não? Eles ouviam! — eles suspeitavam! — eles sabiam! - Eles estavam zombando do meu horror! — Assim pensei e assim penso. Mas qualquer coisa seria melhor do que essa agonia! Qualquer coisa seria mais tolerável do que esse escárnio. Eu não poderia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Senti que precisava gritar ou morrer! — e agora — de novo — ouça! mais alto! mais alto! mais alto! mais alto! — Miseráveis! — berrei — Não disfarcem mais! Admito o que fiz! levantem as pranchas! — aqui, aqui! — são as batidas do horrendo coração!
THE TELL-TALE HEART - EDGAR ALLAN POE
TRUE! --nervous --very, very dreadfully nervous I had been and am; but
why will you say that I am mad? The disease had sharpened my senses
--not destroyed --not dulled them. Above all was the sense of hearing
acute. I heard all things in the heaven and in the earth. I heard many
things in hell. How, then, am I mad? Hearken! and observe how healthily
--how calmly I can tell you the whole story. It is impossible to say how
first the idea entered my brain; but once conceived, it haunted me day
and night. Object there was none. Passion there was none. I loved the
old man. He had never wronged me. He had never given me insult. For his
gold I had no desire. I think it was his eye! yes, it was this! He had
the eye of a vulture --a pale blue eye, with a film over it. Whenever it
fell upon me, my blood ran cold; and so by degrees --very gradually --I
made up my mind to take the life of the old man, and thus rid myself of
the eye forever. Now this is the point. You fancy me mad. Madmen know
nothing. But you should have seen me. You should have seen how wisely I
proceeded --with what caution --with what foresight --with what
dissimulation I went to work! I was never kinder to the old man than
during the whole week before I killed him. And every night, about
midnight, I turned the latch of his door and opened it --oh so gently!
And then, when I had made an opening sufficient for my head, I put in a
dark lantern, all closed, closed, that no light shone out, and then I
thrust in my head. Oh, you would have laughed to see how cunningly I
thrust it in! I moved it slowly --very, very slowly, so that I might not
disturb the old man's sleep. It took me an hour to place my whole head
within the opening so far that I could see him as he lay upon his bed.
Ha! would a madman have been so wise as this, And then, when my head was
well in the room, I undid the lantern cautiously-oh, so cautiously
--cautiously (for the hinges creaked) --I undid it just so much that a
single thin ray fell upon the vulture eye. And this I did for seven long
nights --every night just at midnight --but I found the eye always
closed; and so it was impossible to do the work; for it was not the old
man who vexed me, but his Evil Eye. And every morning, when the day
broke, I went boldly into the chamber, and spoke courageously to him,
calling him by name in a hearty tone, and inquiring how he has passed
the night. So you see he would have been a very profound old man,
indeed, to suspect that every night, just at twelve, I looked in upon
him while he slept. Upon the eighth night I was more than usually
cautious in opening the door. A watch's minute hand moves more quickly
than did mine. Never before that night had I felt the extent of my own
powers --of my sagacity. I could scarcely contain my feelings of
triumph. To think that there I was, opening the door, little by little,
and he not even to dream of my secret deeds or thoughts. I fairly
chuckled at the idea; and perhaps he heard me; for he moved on the bed
suddenly, as if startled. Now you may think that I drew back --but no.
His room was as black as pitch with the thick darkness, (for the
shutters were close fastened, through fear of robbers,) and so I knew
that he could not see the opening of the door, and I kept pushing it on
steadily, steadily. I had my head in, and was about to open the lantern,
when my thumb slipped upon the tin fastening, and the old man sprang up
in bed, crying out --"Who's there?" I kept quite still and said
nothing. For a whole hour I did not move a muscle, and in the meantime I
did not hear him lie down. He was still sitting up in the bed
listening; --just as I have done, night after night, hearkening to the
death watches in the wall. Presently I heard a slight groan, and I knew
it was the groan of mortal terror. It was not a groan of pain or of
grief --oh, no! --it was the low stifled sound that arises from the
bottom of the soul when overcharged with awe. I knew the sound well.
Many a night, just at midnight, when all the world slept, it has welled
up from my own bosom, deepening, with its dreadful echo, the terrors
that distracted me. I say I knew it well. I knew what the old man felt,
and pitied him, although I chuckled at heart. I knew that he had been
lying awake ever since the first slight noise, when he had turned in the
bed. His fears had been ever since growing upon him. He had been trying
to fancy them causeless, but could not. He had been saying to himself
--"It is nothing but the wind in the chimney --it is only a mouse
crossing the floor," or "It is merely a cricket which has made a single
chirp." Yes, he had been trying to comfort himself with these
suppositions: but he had found all in vain. All in vain; because Death,
in approaching him had stalked with his black shadow before him, and
enveloped the victim. And it was the mournful influence of the
unperceived shadow that caused him to feel --although he neither saw nor
heard --to feel the presence of my head within the room. When I had
waited a long time, very patiently, without hearing him lie down, I
resolved to open a little --a very, very little crevice in the lantern.
So I opened it --you cannot imagine how stealthily, stealthily --until,
at length a simple dim ray, like the thread of the spider, shot from out
the crevice and fell full upon the vulture eye. It was open --wide,
wide open --and I grew furious as I gazed upon it. I saw it with perfect
distinctness --all a dull blue, with a hideous veil over it that
chilled the very marrow in my bones; but I could see nothing else of the
old man's face or person: for I had directed the ray as if by instinct,
precisely upon the damned spot. And have I not told you that what you
mistake for madness is but over-acuteness of the sense? --now, I say,
there came to my ears a low, dull, quick sound, such as a watch makes
when enveloped in cotton. I knew that sound well, too. It was the
beating of the old man's heart. It increased my fury, as the beating of a
drum stimulates the soldier into courage. But even yet I refrained and
kept still. I scarcely breathed. I held the lantern motionless. I tried
how steadily I could maintain the ray upon the eve. Meantime the hellish
tattoo of the heart increased. It grew quicker and quicker, and louder
and louder every instant. The old man's terror must have been extreme!
It grew louder, I say, louder every moment! --do you mark me well I have
told you that I am nervous: so I am. And now at the dead hour of the
night, amid the dreadful silence of that old house, so strange a noise
as this excited me to uncontrollable terror. Yet, for some minutes
longer I refrained and stood still. But the beating grew louder, louder!
I thought the heart must burst. And now a new anxiety seized me --the
sound would be heard by a neighbour! The old man's hour had come! With a
loud yell, I threw open the lantern and leaped into the room. He
shrieked once --once only. In an instant I dragged him to the floor, and
pulled the heavy bed over him. I then smiled gaily, to find the deed so
far done. But, for many minutes, the heart beat on with a muffled
sound. This, however, did not vex me; it would not be heard through the
wall. At length it ceased. The old man was dead. I removed the bed and
examined the corpse. Yes, he was stone, stone dead. I placed my hand
upon the heart and held it there many minutes. There was no pulsation.
He was stone dead. His eve would trouble me no more. If still you think
me mad, you will think so no longer when I describe the wise precautions
I took for the concealment of the body. The night waned, and I worked
hastily, but in silence. First of all I dismembered the corpse. I cut
off the head and the arms and the legs. I then took up three planks from
the flooring of the chamber, and deposited all between the scantlings. I
then replaced the boards so cleverly, so cunningly, that no human eye
--not even his --could have detected any thing wrong. There was nothing
to wash out --no stain of any kind --no blood-spot whatever. I had been
too wary for that. A tub had caught all --ha! ha! When I had made an end
of these labors, it was four o'clock --still dark as midnight. As the
bell sounded the hour, there came a knocking at the street door. I went
down to open it with a light heart, --for what had I now to fear? There
entered three men, who introduced themselves, with perfect suavity, as
officers of the police. A shriek had been heard by a neighbour during
the night; suspicion of foul play had been aroused; information had been
lodged at the police office, and they (the officers) had been deputed
to search the premises. I smiled, --for what had I to fear? I bade the
gentlemen welcome. The shriek, I said, was my own in a dream. The old
man, I mentioned, was absent in the country. I took my visitors all over
the house. I bade them search --search well. I led them, at length, to
his chamber. I showed them his treasures, secure, undisturbed. In the
enthusiasm of my confidence, I brought chairs into the room, and desired
them here to rest from their fatigues, while I myself, in the wild
audacity of my perfect triumph, placed my own seat upon the very spot
beneath which reposed the corpse of the victim. The officers were
satisfied. My manner had convinced them. I was singularly at ease. They
sat, and while I answered cheerily, they chatted of familiar things.
But, ere long, I felt myself getting pale and wished them gone. My head
ached, and I fancied a ringing in my ears: but still they sat and still
chatted. The ringing became more distinct: --It continued and became
more distinct: I talked more freely to get rid of the feeling: but it
continued and gained definiteness --until, at length, I found that the
noise was not within my ears. No doubt I now grew very pale; --but I
talked more fluently, and with a heightened voice. Yet the sound
increased --and what could I do? It was a low, dull, quick sound --much
such a sound as a watch makes when enveloped in cotton. I gasped for
breath --and yet the officers heard it not. I talked more quickly --more
vehemently; but the noise steadily increased. I arose and argued about
trifles, in a high key and with violent gesticulations; but the noise
steadily increased. Why would they not be gone? I paced the floor to and
fro with heavy strides, as if excited to fury by the observations of
the men --but the noise steadily increased. Oh God! what could I do? I
foamed --I raved --I swore! I swung the chair upon which I had been
sitting, and grated it upon the boards, but the noise arose over all and
continually increased. It grew louder --louder --louder! And still the
men chatted pleasantly, and smiled. Was it possible they heard not?
Almighty God! --no, no! They heard! --they suspected! --they knew!
--they were making a mockery of my horror!-this I thought, and this I
think. But anything was better than this agony! Anything was more
tolerable than this derision! I could bear those hypocritical smiles no
longer! I felt that I must scream or die! and now --again! --hark!
louder! louder! louder! louder! "Villains!" I shrieked, "dissemble no
more! I admit the deed! --tear up the planks! here, here! --It is the
beating of his hideous heart!"
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