quarta-feira, 27 de agosto de 2014

MEU ENCONTRO COM JULIO CORTÁZAR

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Nós, brasileiros, temos o hábito de, em termos de literatura, voltarmo-nos para a Europa e para a América do Norte. Eu, com meus doze anos de internato e formação filosófica e intelectual franciscana, não fugia muito disso. Havia olhado mais para o hemisfério norte.
Porém, na década de 1980, uma vice-reitora de universidade em que trabalhava, querendo reformular o Curso de Filosofia, foi à UNICAMP e contratou dez recém doutores, dentre os quais, quatro argentinos. Com eles entrei fundo na literatura hispano-americana e reli Cortázar. Depois, fui a Madrid e tive a sorte de encontra em uma promoção sua obra completa, patrocinada pela Fundação Cervantes.Foi nessa época que conheci o meu grande amigo e epecialista em filosofia da ciência Abel Lassalle Casanave, que também sabe muito de literatura.

POIS,  – ontem, 26 de agosto era aniversário de Cortázar, mais precisamente, ele faria cem anos, pois nasceu exatamente em 2014. Era o início da Primeira Guerra Mundial. Seu pai era do corpo diplomático e ele nasceu em Bruxelas. Somente aos quatro anos voltou à pátria.
         Cursou Letras, vivendo com a mãe em função da separação dos pais. Afirma-se que era doentio e triste. Fumante inveterado. Porém era leitor assíduo. Foi professor durante algum tempo.
Com o surgimento do peronismo, abandonou o magistério e dedicou-se à tradução, enquanto iniciava sua produção literária, publicando poesias.
Porém, em 1951, com uma bolsa do governo francês, transfere-se para Paris, onde fixou-se definitivamente. Continuou sua atividade de tradutor. Desposou sua conterrânea Aurora Bernárdez. Enfrentou dificuldades econômicas na capital francesa.
Obras principais:
Presencia, 1938;
La otra orilla1945;
Los reyes, 1949;
Bestiario, 1951;
Final del juego, 1956;
Las armas secretas, 1959;
Historias de cronopios y de famas, 1962;
Carta a una señorita en París, 1963;
La autopista del Sur, 1964;
Todos los fuegos el fuego, 1966;
La vuelta al día en ochenta mundos, 1967;
El perseguidor y otros cuentos, 1967;
Buenos Aires, Buenos Aires, 1967;
62/modelo para armar, 1968;
Casa tomada, 1969;
Último round, 1969;
Relatos, 1970;
Viaje alrededor de una mesa, 1970;
La isla a mediodía y otros relatos, 1971;
Pameos y meopas, 1971 (poemas);
Prosa del observatorio, 1972;
Libro de Manuel, 1973;
La casilla de los Morelli, 1973;
Octaedro, 1974;
Estrictamente no profesional, 1976;
Alguien que anda por ahí, 1977;
Territorios, 1979;
Un tal Lucas, 1979;
Queremos tanto a Glenda, 1980;
Deshoras, 1982;

Los autonautas de la cosmopista, 1982, Em colaboração com Carol Dunlop, sua companheira.



LUIZ LEIRIA - COMENTÁRIO DO ENDEREÇO DA INTERNEThttp://www.esquerda.net/dossier/cortazar-o-mestre-do-fantastico/33860Cortázar, o mestre do Fantástico


Cortázar, o mestre do Fantástico


Ninguém consegue ficar indiferente à leitura dos seus contos. O escritor argentino que faria 100 anos em 26 de agosto de 2014 foi um dos mais importantes protagonistas do “boom” da literatura latino-americana dos anos 60, e dois Prémios Nobel consideraram-no um modelo e um mentor: García Márquez e Vargas Llosa. O seu romance “Rayuela” continua a surpreender as novas gerações de leitores e a ser reeditado. Traçar-lhe um perfil é uma tarefa hercúlea – aqui fica uma tentativa.

25 de Agosto, 2014 - 18:30h - Luís Leiria Tweet Widget





“Nenhum escritor acredita que o essencial da sua obra está escrito; não seria um escritor se pensasse assim".
“Gostávamos da casa porque, além de ser espaçosa e antiga (as casas antigas de hoje sucumbem às mais vantajosas liquidações dos seus materiais), guardava as lembranças dos nossos bisavôs, do avô paterno, dos nossos pais e de toda a nossa infância.” Assim arranca o conto “Casa Tomada”, o primeiro que o então desconhecido Julio Cortázar publicou, em 1946, na revista literária Anales de Buenos Aires, dirigida por Jorge Luís Borges.
“Tenho orgulho de ter sido o primeiro a publicar um trabalho dele”, recordou Borges, que na época tinha 47 anos e já dera à estampa uma das suas obras maiores, “Ficciones”. “Lembro de um jovem alto que se apresentou no escritório e me entregou um manuscrito. Prometi que o iria ler, e ele regressou uma semana depois. O conto chamava-se 'Casa Tomada'. Disse-lhe que era excelente; a minha irmã Nora fez a ilustração”. Cortázar tinha 32 anos, escrevia desde criança, mas decidira só tornar público o seu trabalho quando achasse que o estilo já tinha atingido um nível aceitável.
“Devo ter pecado por vaidade, porque determinei uma espécie de teto, de nível muito alto, para começar a publicar, e tinha suficiente sentido autocrítico para ler o que ia escrevendo e dar-me conta de que estava abaixo”, explicaria Cortázar mais tarde.
Até àquela data, publicara apenas “Los Reyes”, um livro de poesia “meio clandestino”, mas escrevera um romance de 600 páginas, duas novelas, muitos contos e inúmeras poesias que nunca quis levar às editoras (na realidade, levou o romance, que foi recusado). “Sentia, sem saber muito bem porquê, que os meus primeiros contos não funcionavam e em vez de ficar a lamentar-me parecia-me mais lógico metê-los numa caixa ou deitá-los fora”, disse Cortázar na mesma entrevista.
“Até que um dia apareceu um conto que na minha opinião funcionava, esse trouxe outros – alguns que funcionavam, outros não – e outros que na sua maioria começaram a dar certo. Foi quando os dei à publicação.”
“O género fantástico, à falta de uma melhor designação”
Mesmo assim, foi um processo lento. Um ano depois, a mesma revista de Borges publicava “Bestiario”, e foi preciso esperar mais um ano para que saísse o terceiro, “Lejana”, na revista de artes e letras Cabalgata. Só em 1951, data da sua mudança para França, juntou os três contos, acrescentou mais cinco e publicou o primeiro livro, que recebeu o título “Bestiário”.

Jorge Luís Borges em 1951. Foto de Grete Stern
Era a primeira de muitas coletâneas de contos que Cortázar definia como pertencentes “ao género chamado fantástico, à falta de uma melhor designação”.
“Casa Tomada” passa-se num enorme casarão de família, onde vive um casal de irmãos que veem a sua residência ser paulatinamente tomada por entes nunca definidos, por vozes, por ruídos que forçam os irmãos a recuar, a ceder-lhes partes da casa, que fecham, para tentar deter a invasão.
“Bestiário” é a história de uma menina que vai de férias, como habitualmente, para a casa de uma família amiga que vive com um tigre. O quotidiano da casa é marcado pela necessidade de constantemente vigiar a fera, que se passeia livremente pelas salas da casa ou pelos jardins, de forma a que não haja encontros desagradáveis entre os humanos e o potencialmente agressivo felino.
Nos dois casos, como na maioria dos restantes contos, o fantástico de Cortázar (como, aliás, o de Borges) tem pouco a ver com o género que recebera o nome no século anterior, histórias góticas de terror, do horrível, centradas no “lado noturno” do homem. O fantástico (ou neofantástico, como lhe chamou o crítico literário Harold Bloom) de Cortázar mergulha o leitor num mundo em que o irreal invade e contamina o real. Uma espécie de deslocamento, como observa o escritor e jornalista uruguaio Omar Prego Gadea, numa longa entrevista a Cortázar. Na opinião de Gadea, em “Bestiario”, por exemplo, o elemento fantástico não é o tigre, mas sim a aceitação natural da sua presença e a adaptação de toda a rotina da família ao estranho convívio. Já em “Casa Tomada”, o clima fantástico instala-se devido à atitude dos irmãos, que em nenhum momento pensam em investigar a origem daqueles ruídos que vão assinalando a invasão da casa.
Hoje, “Bestiário” é sem dúvida um marco na literatura hispano-americana; mas na altura não foi assim visto. O livro de Cortázar ficava um pouco ofuscado por “Ficciones” e por “El Aleph”, de Jorge Luís Borges. Mas o jovem escritor tinha fé de que estava a fazer algo de original: “... tinha total certeza de que quase todas as coisas que mantinha inéditas eram boas, e algumas delas eram mesmo muito boas”, recordou, referindo-se a “um ou dois dos contos de 'Bestiário'”. E prosseguiu: “Havia outros, os admiráveis contos de Borges. Mas eu fazia outra coisa.”
Demoraria mais cinco anos a publicar um novo livro de contos, “Final del juego”.
A vida em França
Esses foram os anos em que se estabeleceu em França, país onde viveria pelo resto da vida, recebendo mesmo a nacionalidade francesa em 1981, outorgada pelo próprio François Mitterrand, sem porém renunciar à cidadania argentina.
Foi na verdade um regresso à Europa. De facto, Julio Cortázar nascera, “por total acaso” – como gostava de dizer – em Bruxelas, no ano que marcou o início da Primeira Guerra Mundial. O pai, Julio José Cortázar, era funcionário da embaixada, mas as vicissitudes da guerra forçaram a família a mudar-se para Genebra e depois para Zurique, onde aguardou o final do conflito. Em 1918, os Cortázar regressaram à Argentina, indo viver em Banfield, subúrbio de Buenos Aires. Logo o pai se separou e abandonou a família, e o pequeno Julio seria criado pela mãe, a tia e a avó. Formou-se em 1932 como professor primário e três anos depois como professor de Letras. Deu aulas em pequenas cidades do interior, Bolívar e Chivilcoy, e ensinou literatura na Universidade de Cuyo, mesmo sem ter qualquer título universitário. Em 1945, ano da eleição de Perón à Presidência da Argentina, desistiu da carreira docente e voltou para Buenos Aires, onde foi trabalhar na Câmara Argentina do Livro.
A oportunidade para a viagem a França surgiu com uma bolsa do governo francês e Julio chegou a Paris decidido a ficar. Levava apenas uma mala de roupa e um disco de jazz: “Stack O’Lee blues”.
Na época, conta, tinha “uma vida quase mínima, convencido a ser solteirão irredutível, amigo de muito pouca gente, melómano leitor de jornada completa, apaixonado pelo cinema, burguesito cego a quase tudo o que acontecia mais além da esfera estética”.
Aurora Bernárdes e Julio Cortázar
Conseguiu então um emprego como tradutor da ONU que, além de um salário regular, lhe permitiu viajar para muitos lugares e deu-lhe a oportunidade de realmente se estabelecer no país, como pretendia. E em 1953 abandonou as convicções celibatárias e casou-se com Aurora Bernárdez, como ele tradutora e argentina.
Pouco depois de “Final del Juego”, publicou uma tradução castelhana das obras completas de Edgard Allan Poe, até hoje considerada a melhor, naquela língua, do autor de “Histórias Extraordinárias”. Em 1959, saiu “Las armas secretas”, que inclui o famoso conto (ou novela) “El Perseguidor”, inspirado no saxofonista Charlie Parker. E no ano seguinte viajou à Argentina e publicou o primeiro romance, escrito durante a viagem de barco: “Los Premios”. Essa seria também a sua primeira obra traduzida para o francês e publicada em 1961 pela editora Fayard.
O “boom” literário sul-americano
Os anos 60 foram também marcados pelo “boom” da literatura latino-americana, um fenómeno editorial e literário sem precedentes que marcou a década e pôs em destaque uma geração de escritores sul-americanos que até então tinha grandes dificuldades para fazer circular as suas obras. Pela primeira vez, publicavam em editoras europeias e encontravam boa aceitação. O público, por outro lado, sentia-se atraído por autores que desafiavam convencionalismos estabelecidos e lançavam obras experimentais, algumas de caráter político que refletiam o clima do continente e o impacto da revolução cubana. Entre os expoentes deste “boom” estavam Cortázar, Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e Carlos Fuentes. Destes, Cortázar era o mais velho e e o que vivia em Paris, e por isso a sua casa passou a ser um pólo para os escritores latino-americanos que viajavam à Europa.
García Márquez dizia que desde a leitura de “Bestiario” compreendera que Cortázar era o escritor “que ele queria ser quando fosse grande”. 
García Márquez, por exemplo, dizia que desde a leitura de “Bestiario” compreendera que Cortázar era o escritor “que ele queria ser quando fosse grande”. Entre os dois havia 13 anos de diferença. O colombiano, que seria mais tarde Prémio Nobel, reconheceu que sentia verdadeira devoção pelo argentino. Antes de se tornarem amigos, García Márquez procurara Cortázar pelos cafés de Paris, na esperança de assistir ao seu processo criativo. “Alguém me disse que ele escrevia no café Old Navy, do boulevard Saint Germain, e lá o esperei várias semanas, até que o vi entrar como uma aparição”, recordou. “Vi-o escrever durante mais de uma hora, sem uma pausa para pensar, sem tomar nada além de meio copo de água mineral, até que começou a escurecer na rua e guardou a caneta no bolso e saiu com o caderno debaixo do braço, como o estudante mais alto e magro do mundo.”
Todos recordam a aparência jovem do autor de “Bestiario”, aparência essa que se devia à sua jovialidade, mas também à acromegalia, uma doença semelhante ao gigantismo, que se manifesta na idade adulta e que fazia com que nunca tivesse parado de crescer. Aos 60 anos, Julio tinha pés e mãos disformes e, ao morrer, com 70 anos, media 2,14m. Carlos Fuentes, outro que foi visitá-lo a Paris, conta que viu a porta ser aberta por um rapaz que aparentava ter 20 e poucos e a quem pediu que fosse chamar o pai. Mas era o próprio Cortázar, já com 50 anos de idade, que estava diante dele.
Mario Vargas Llosa e a segunda mulher, Patricia Llosa, José Donoso e a mulher, María Ester Serrano, Gabriel García Márquez e a mulher, Mercedes Barcha Pardo, em Barcelona nos anos 60. Foto de autor desconhecido, wikimedia commons.
Outro futuro Prémio Nobel, Mario Vargas Llosa, conheceu Julio em 1958, durante um jantar de amigos num restaurante de Paris, quando ficou sentado ao lado de “um rapaz alto e magro, de cabelos curtíssimos e grandes mãos que agitava ao falar. Tinha já publicado um livrito de contos e estava por publicar uma segunda compilação, numa pequena coleção dirigida por Juan José Arreola, no México. Eu estava prestes a publicar, também, um livro de contos e trocámos experiências e projetos, como dois jovenzinhos que fazem a sua velada de armas literária”, recordou o escritor peruano. “Só quando nos despedimos é que soube – pasmado – que era o autor de 'Bestiario' e de tantos textos lidos na revista de Borges e Victoria Ocampo, Sur, e o admirável tradutor das obras completas de Poe... Parecia meu contemporâneo, e, na realidade, era 22 anos mais velho que eu. Durante os anos 70, e em especial os sete que vivi em Paris, foi um dos meus melhores amigos e, também, algo assim como o meu modelo e o meu mentor. Eu admirava a sua vida, os seus ritos, as suas manias e os seus costumes tanto como a facilidade e a limpeza da sua prosa e essa aparência quotidiana, doméstica e risonha, que nos seus contos e novelas adotavam os temas fantásticos.”

O Perseguidor
“El Perseguidor”, o conto longo de 1959, vem marcar uma nova fase da literatura do escritor argentino. Até então, explicaria o próprio numa entrevista, os personagens dos seus contos podiam estar vivos, podiam comunicar alguma coisa ao leitor, mas não passavam de “marionetas ao serviço de uma ação fantástica”. Desta vez, a abordagem era diferente: o que fez neste conto foi o diálogo com um semelhante, “com alguém que não é um duplo meu, mas sim outro ser humano que não está posto ao serviço de uma história fantástica”. Neste caso, a história está determinada pelo personagem.
“El Perseguidor” baseia-se na vida do saxofonista Charlie Parker para criar o músico de jazz Johnny Carter, “um indivíduo que ao mesmo tempo tem uma capacidade intuitiva enorme, mas que é muito ignorante, primário. É muito difícil criar um personagem que não pensa, um homem que não pensa, que sente. Que sente e reage na sua música, nos seus amores, nos seus vícios, na sua desgraça, em tudo”.
O outro personagem é Bruno, jornalista e crítico de jazz numa revista especializada, autor de uma biografia do músico. Ele acompanha-o, protege-o, dá-lhe eventualmente dinheiro, mas por outro lado vive dele, parasita-o para aceder à sua própria glória como biógrafo do génio.
As intuições de Carter levam o músico a vislumbrar como que uma outra dimensão, algo que ele só verdadeiramente apreende através da música, uma realidade que às vezes define como “buracos”. “Na mão, no jornal, no tempo, no ar: tudo cheio de buracos, tudo esponjoso”, explica Carter. Um mundo ao qual ele tenta aceder sem sucesso e que não consegue explicar.
Numa das passagens marcantes de "El Perseguidor", Johnny Carter interrompe uma gravação com Miles Davis e começa a gritar: “Já toquei isto amanhã, Miles, é horrível, já toquei isto amanhã”.
Johnny Carter tem também uma perceção muito particular do tempo, um tema que sempre aparece nas suas conversas com Bruno. Para ele, o tempo é algo indefinido, maleável, variável. Diz: “Como se pode pensar um quarto de hora num minuto e meio?” E, numa das passagens marcantes do conto, interrompe uma gravação com Miles Davis e começa a gritar: “Já toquei isto amanhã, Miles, é horrível, já toquei isto amanhã”.
Bruno, o crítico, é o contraponto de Carter: racional, preciso, sabe bem o que quer, escreve uma boa biografia mas não consegue explicar por palavras a genialidade musical do biografado. Insiste que Carter lhe dê uma opinião sobre o livro e, depois de muito insistir, ouve o que não queria. “O teu livro é muito bom... Estás muito mais bem informado que eu, mas parece-me que falta alguma coisa... O que te esqueceste foi de mim”.
Quando acabou de ler "El Perseguidor", Juan Carlos Onetti ficou tão emocionado que partiu o espelho da casa de banho a murro. Foto de Elisa Cabot
No final, Carter morre, e o crítico ainda vai a tempo de incluir uma nota necrológica na segunda edição da biografia, que considera, assim, completa. “Talvez não seja certo eu dizer isto, mas como é natural situo-me num plano meramente estético”, conclui Bruno, satisfeito por já se falar de novas traduções da sua obra para sueco e norueguês.
Quando acabou de ler “El Perseguidor”, Juan Carlos Onetti, escritor uruguaio amigo de Cortázar, esmurrou o vidro da casa de banho até parti-lo. Depois, escreveu-lhe uma carta (coisa que ele só fazia muito raramente) a manifestar o seu entusiasmo pelo conto.

O Jogo da Macaca
O editor português do mais famoso romance de Cortázar, “Rayuela”, decidiu dar-lhe o título de “O Jogo do Mundo”. Publicado em Portugal com mais de 50 anos de atraso, a escolha é muito discutível, já que a tradução à letra deveria ser “O Jogo da Macaca” (no Brasil foi publicado como “O Jogo da Amarelinha”, título correto, já que o jogo infantil chamado “Macaca” em Portugal tem o nome de “Jogo da Amarelinha” no Brasil). Cortázar pensara chamar o romance de “Mandala”, mas como lhe soava pretensioso optou pelo nome do jogo infantil cujo objetivo é chegar ao nono quadrado, o céu, através de saltos ao pé coxinho. O céu, neste caso, representaria a quimera do protagonista Horacio Oliveira que procura obsessivamente alguma coisa que não sabe definir.
“Rayuela” foi publicado em 1963 e transformou-se com rapidez num clássico e até num livro de culto, uma das obras-chave do “boom” latino-americano.
Escrita como um diálogo interior do protagonista Oliveira, a obra chamou desde logo a atenção pela forma. Com 155 capítulos, pode ser lida de maneiras diferentes, e o próprio leitor terá de escolher como o vai fazer:
– Leitura normal, sequencial, do capítulo 1 ao 56, e prescindindo “sem remorsos” do resto;
– Pela sequência sugerida no início, seguindo uma tabela proposta pelo autor, que começa no capítulo 73 e segue para o 1, o 2, o 116...
No fundo, também pode ser lido pela ordem que o leitor desejar, até porque aconteceu a muitos perderem-se e só se darem conta, ao fim de muita leitura, que afinal tinham seguido uma ordem diferente da proposta.
Cortázar preferia o termo “contranovela”, para "Rayuela", porque o seu objetivo não era destruir a novela (romance) como género, mas “ver de outra forma o contacto entre a novela e o leitor”.
O livro teve uma receção entusiástica na América Latina. Pela primeira vez, o próprio leitor ganhava um protagonismo que não tivera antes, onde o seu papel era unicamente deixar-se conduzir passivamente pelo autor. Agora era diferente, e por isso alguns críticos chegaram a dizer que “Rayuela” era uma antinovela. Cortázar preferia o termo “contranovela”, porque o seu objetivo não era destruir a novela (romance) como género, mas “ver de outra forma o contacto entre a novela e o leitor”.
Qualquer que seja o termo que se escolha, o certo é que veio responder ao que os ventos de mudança pediam.
A receção da crítica em França, porém, foi bastante fria, com Roger Caillois – um promotor da literatura latino-americana e o primeiro a divulgar Borges no país – a recusar-se a publicá-lo na Gallimard.
Em contrapartida, “Rayuela”, traduzido como “Hopscotch”, teve um acolhimento entusiástico nos Estados Unidos, recebendo em 1967 um dos recém criados National Book Awards para livros traduzidos. James Irby, na revista Novel, publicou um estudo longo em que vinculava Cortázar a Cervantes e dizia que o romance é “uma meritória renovação do louco empreendimento proposto há séculos em Espanha pelo maior dos antinovelistas”. Um crítico do The New Republic disse de “Rayuela” que era a “mais poderosa enciclopédia de emoções e visões que emergiu da geração de escritores internacionais do pós-guerra”.
Carlos Fuentes foi um dos entusiastas de "Rayuella". Foto de MDCarchives
O mexicano Carlos Fuentes, numa recensão publicada na revista norte-americanaCommentary, recordou que oTimes Literary Supplement de Londres considerara “Rayuela” como “a primeira grande novela da Hispano-américa”.

Militância política
Em 1961, Cortázar visitou Cuba e passou por uma nova mudança. “A revolução cubana, por analogia, mostrou-me então e de uma maneira muito cruel, e que doeu muito, o grande vazio político que havia em mim, a minha inutilidade política. Desde esse dia dediquei-me a documentar-me, a compreender, a ler: o processo foi-se fazendo paulatinamente e às vezes de uma maneira quase inconsciente, os temas onde havia implicações de tipo político, ou ideológico mais que político, foram entrando na minha literatura”, lembraria Julio na já citada conversa com Omar Prego Gadea.
Para marcar essa nova fase, o escritor cita o conto “Reunión”, publicado em “Todos los Fuegos el Fuego” (1966) cujo personagem é o Che Guevara. “Esse é um conto que jamais teria escrito se tivesse ficado em Buenos Aires, nem nos meus primeiros anos de Paris”.
Na mesma conversa, Cortázar afirma que em muito pouco tempo surgiu nele aquilo “que atualmente se chama o compromisso... O que não quer dizer que vá ser um escritor de obediência, um escritor que se limita unicamente a defender a sua causa e a atacar a contrária, mas sim que vou continuar a viver em plena liberdade, no meu terreno fantástico...”
Um conto bastante representativo desta fase é “Satarsa”, incluído no livro “Deshoras”, publicado em 1982, uma parábola sobre a ditadura argentina sem uma única vez serem citadas as palavras “ditadura” ou “Argentina”.
Um conto bastante representativo deste caráter é “Satarsa”, incluído no livro “Deshoras”, publicado em 1982, uma parábola sobre a ditadura argentina sem uma única vez serem citadas as palavras “ditadura” ou “Argentina”. Este é um regresso à linha de “Bestiario”, 30 anos depois.
Um grupo de fugitivos, perseguidos por causas políticas, refugia-se na fictícia Calagasta, onde partilha a miséria da população local e, tal como ela, dedica-se à principal ocupação local: caçar ratazanas que são vendidas a uma empresa e embarcadas para a Dinamarca. O líder do grupo, Lozano, é um fanático dos jogos de palavras, especificamente dos palíndromos. Diante do boato de que os seus perseguidores estão prestes a chegar a Calagasta, decidem fazer uma grande caçada para obter dinheiro suficiente para fugir.
Em 1976, Cortázar viajou à Costa Rica, onde se encontrou com Sergio Ramírez e Ernesto Cardenal e com eles realizou uma viagem clandestina, cheia de peripécias, à localidade de Solentiname, na Nicarágua. Logo após a vitória da revolução sandinista, fez várias visitas ao país e escreveu diversos textos, reunidos no livro “Nicarágua, tan violentamente dulce”

Anos finais
Túmulo de Carol Dunlop e Julio Cortázar no cemitério de Montparnasse. Foto de Mertxe Iturrioz
Em 1981, Julio teve uma hemorragia gástrica que quase o matou. Mas, no ano seguinte, receberia um golpe maior, com a morte da sua terceira mulher, Carol Dunlop, mergulhando-o numa profunda depressão. Pouco depois, foi-lhe diagnosticada uma leucemia, que o mataria em 12 de fevereiro de 1984. Nos últimos meses, Aurora Bernárdez, a primeira mulher, acompanhou-o até ao fim. Foi sepultado no cemitério de Monptarnasse, no mesmo túmulo de Carol. Os visitantes costumam deixar sobre a lápide pequenas recordações, notas, flores secas, cartas, moedas, bilhetes de metro com os quadrados do jogo da macaca desenhados, um livro aberto ou pacotes de cerejas.
Numa entrevista que deu poucos anos antes, respondeu assim à questão se considerava que o essencial da sua obra estava feito: “Nenhum escritor acredita que o essencial da sua obra está escrito porque não seria um escritor se pensasse assim. Quando termino um livro, tenho imediatamente a impressão de que poderia tê-lo escrito muito melhor, que uma enorme quantidade de coisas ficaram de fora, e que então, dentro de um certo tempo, poderia escrever outro que complete um pouco as lacunas do anterior, sendo completamente diferente. A noção de essencialidade não existe para mim”.
Julio Cortázar nunca parou de escrever.








0 ESPÍRITO DA CASA

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
               


                Euclides vivia numa casinhola em ruínas, quase escondida entre pequenos arbustos, cujo crescimento não dava conta controlar. A casa de madeira de forma retangular sustinha-se sobre quatro esteios fortes de madeira antiga, unidos por linhas ainda sólidas em que se apoiavam as tesouras, caibros e ripas sobre as quais repousavam de há quase um século as velhas telhas de cerâmica cota, forjadas pelos escravos.
                Haviam aproveitado telhas da antiga sede da velha estância. Essas haviam sido confeccionadas nos sucessivos invernos, quando a atividade da salga da carne para o charque não era mais possível pela insuficiência de insolação. Os negros eram deslocados da indústria saladeril para as estâncias e empregados em outros serviços. Colhia-se, com enormes carretas puxadas a boi, argila de boa qualidade nos abundantes banhados. Então, classificavam-se os negros e negras, de acordo com a bitola de suas coxas, para que as telhas resultassem uniformes. E eram dias e dias de labor duro e gelado.
                Assim, com todo o cuidado, iam moldando na própria coxa, cada um suas telhas, que depositava ao sol para obterem certa consistência. Por fim, formava-se uma enorme fornalha para a cocção final. Por essas paragens, toda a telha era ainda oriunda desse processo primitivo e rude.
                Pois lá estava a velha casinhola, muito distinta do que fora. Os esteios de sustentação dos cantos já haviam pendido para o norte, ora pelo efeito das erosões não mais controladas que, ano a ano, iam retirando o solo de sustentação e apoio, ora pela ação dos fortes ventos minuanos que sopram do sul por meses a fio, sem trégua.
                Pois lá estava o velho octogenário Euclides, os poucos cabelos embranquecidos, as carnes levadas pela escassa alimentação e a pele enegrecida pelas constantes doenças e higiene precária, sentado à soleira da porta, aguardando o destino final.
                A casa era a imagem evidente da decadência. Mas estava lá, afrontando o tempo. Todo o conjunto inclinava-se como se estivesse a desabar. Fendas abriam-se acima e abaixo resultantes da perda do prumo. Os filhos se tinham ido dali à procura de trabalho. A velha Lili estava há anos habitando a colina dos ausentes de sob a lápide fria. Não tinha reservas nem condições físicas para manter uma vaca para o leite, uma galinha para um ovo, um leitão para carne. Vivia ali, sabe-se lá de quê. Mirrava, colhendo o sol débil das manhãs de inverno, sempre à mesma soleira, isolado como ninguém, naquele ermo, distante de tudo. Nos verões ardentes, a centenária figueira acolhia-o sob o galharedo farto e refrescante.
                Acontece que um passante notou. Outro falou no armazém. Os do ônibus  observaram. O caminhão coletor do leite também. E foram ver. Estava rígido como um salame velho. Estendido no chão da sala. Ninguém sabe desde quando.  E o velório. Enterro. Gente. Falas. Fim.
                E lá ficou a tapera. Nada que interessasse a ninguém. A velha figueira abandonada. O mato apagou o caminho da porta, da porteira e da estrada. Sem mais, em pouquíssimo tempo, a casa ruiu. Foi-se integrando à natureza. Os cupins as madeiras, a umidade os tijolos e telhas, tudo as forças invisíveis corroeram. Aos poucos, nada restou. Somente o observador atento descobrirá vestígios que o tempo apagará completamente.

                Mas enquanto alguém está sob o teto, tudo se mantém em seu lugar. Há a presença de uma energia que sustém as velhas residências, mesmo sob condições adversas. É o poderoso espírito da casa, que provém do âmago das entranhas da vida. Não há explicações. Simplesmente é.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

CORDAS DE ESPINHOS


Ao abrir minha janela esta manhã, vi minha pitangueira florida de noiva e lembrei esta canção:

(luiz coronel / marco aurelio vasconcelos)
Geada se vestiu de noiva
Os galhos da pitangueira
Ainda caso com Rosa
Caso ela queira ou não queira
Pra domar o meu destino
Comprei um buçal de prata
Nenhum pesar me derruba

Qualquer paixão me arrebata
Acordoei minha viola
Com seis cordas de espinho
Meu canto tem cor de sangue
Teu beijo gosto de vinho
Fui aprender minha milonga
Na água clara da fonte
O canto do quero-quero
Mais que um aviso
É uma ponte...
http://letras.mus.br/fafa-de-belem/460229/

domingo, 24 de agosto de 2014

DEMOCRACIA

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara

 – os períodos eleitorais sempre me trouxeram inquietações. Sou educador e gostaria de dividir minhas angústias. Poderia ser de outra forma?
         A DEMOCRACIA GREGA
         Quando em 507 a. C. Clístenes passou a administrar Atenas, reformou a legislação, deixando as decisões políticas ao encargo da eclésia (Εκκλησία), ou seja, a assembleia do povo, de todos os homens livres, com mais de 18 anos, nascidos na cidade. À primeira vista, parece uma democracia perfeita. Porém, primeiramente, quando se fala de povo, fala-se dos homens, excluindo todas as mulheres. Mas o modelo era ainda mais radical. Excluía todos os estrangeiros residentes na cidade, conhecidos como metecos,  também não incluía os escravos. Assim, os 400.000 habitantes de Atenas dessa época reduziam-se a míseros 40.000 cidadãos atenienses. Resulta, então, na mascarada República de Platão, cujo objetivo final é manter os privilégios de uma rica oligarquia ateniense.
         A DEMOCRACIA ROMANA
         Mais ou menos à mesma época da reforma política grega, ocorre, em 509 a. C., a promulgação da República Romana. Tendo a antiga monarquia dos patrícios caído em mãos de reis estrangeiros, os etruscos Tarquínios. Ocorreu uma virada de mesa, a criação do regime republicano, com a eleição de dois cidadãos que tinham poderes iguais e governavam por um ano, os chamados cônsules. Esses eram escolhidos apenas entre os patrícios. Somente eles podiam votar e ser votados. Esse direito foi, gradativamente, estendido a toda a população, mantendo sempre os vícios e corrupção da origem.

         DEMOCRACIAS MODERNAS

         Todas elas, as europeias, as americanas, a nossa são fruto de manipulações de forças subjacentes ao poder. Os candidatos são apenas os confiáveis de uma elite oculta e atuante. Sei que Churchill afirmava: "A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Quando se vota, não se escolhe o candidato. Esse já está determinado por forças poderosas.

sábado, 23 de agosto de 2014

DESPEITADO


         “A raposa, desprezando as uvas, porque não as pode alcançar, lembra os despeitados, que fazem pouco do que não se lhes parece acessível.” O Professor escreveu essa frase no quadro e solicitou que se buscassem relações da fábula de La Fontaine com certo tipo humano presente nessa narrativa. Isso valia a nota do mês.
         Não tinha certeza do que significava despeitado. Pensei nas meninas que falam mal dos colegas que não correspondem ao assédio delas. Lembrei o comprador que põe defeito no objeto que deseja adquirir.
         Peguei a folha de almaço e escrevi: Professor, ponha a nota que bem entender. Não dou na mínima importância para a nota. O que importa é que entendi a fábula.
         Quando recebi a prova, li esta avaliação: “Quem desdenha quer comprar”
Post scriptum: Não estou dizendo que "as uvas estão verdes", mas, na verdade eu nunca quis pertencer à Academia.(Mário Quintana).

BICHOS FALANTES


Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara

  

Eu teria meus dez anos. Na enorme e absolutamente silenciosa sala de estudos do seminário menor, com mais trezentos meninos, preparava-me para minha aula de francês. Decifrava a fábula do mestre La Fontaine, Le Corbeau et le Renard.
O tal corvo, como rezava na fábula, tinha roubado um queijo, que ostentava do alto de uma grande árvore. Eu sou filho de agricultores e nunca havia visto corvo comer queijo. Os corvos que eu conhecia, eram aves enormes e pretas que, aos bandos, devoravam carniça de animais mortos de doença pelos campos.
Raposa também, para mim, era um animalzinho lindo. Porém, seu cheiro espantava todo mundo. Devorava galinhas, pelas caladas da noite. E a narrativa se me parecia inverossímil. Não é preciso dizer que, por esses tempos, não havia o Google.
E a tal raposa, vendo a ave preta nas alturas de um carvalho, começou elogiar a beleza do bobão. Quando o coitado já se mostrava por todos os ângulos para que ela pudesse apreciá-lo melhor, a danada deu o golpe derradeiro, solicitando-lhe que cantasse, para apreciar-lhe a sonoridade da voz. E lá se foi o queijo árvore abaixo.
Depois de muito perguntar, remeteram-me à Enciclopédia Britânica e à Larousse. Até que enfim, depois de confabular com o octogenário Frère Exupéry de Savoie, descobri que o tal corvo da Europa não é nosso corvo. O nosso é o urubu carniceiro. O que eles chamam de corvo é uma ave muito inteligente, que fala como os papagaios. O velho leu, como exemplo, para mim, o poema O Corvo, do Poe.
Da raposa, o bondoso frade contou-me muitas histórias. Disse-me que havia crescido nas montanhas da Savoia francesa. Conhecera muitas damas da nobreza que usavam peles de raposa como mantas, nas festas de inverno.
Disse-me que a raposa europeia é um canídio lindo e silvestre. Caça galinhas e era caçada pelo valor de sua pele. A confusão com a nossa, que deveria ser chamada de gambá, pelo cheiro que a europeia não tem, resulta de outra razão. Essa confusão deve-se ao fato de ambas devorarem galinhas.
Assim, depois de três dias, sabia eu menino tudo de raposas e de corvos. Então, o velhinho encarregou-me de fazer um texto para os colegas sobre a fábula e os saberes prévios necessários para seu melhor entendimento.
Desse modo, fui gradativamente introduzido na interpretação daquilo que as fábulas têm de educativo. Há os bobos e os espertalhões. Isso por tempos sem conta e lugares mundo afora.
Sempre ouvi acusações ao gênero fabular. As fábulas seriam o veículo de manutenção da ideologia dominante e conservadora. Elas se inserem no nível do simbólico e servem a qualquer fim a que se vise. Não se pode acusar Millôr, de, em suas Fábulas Fabulosas, defender qualquer forma de conservadorismo.



Le Corbeau et le Renard
Jean de la Fontaine

Maître Corbeau, sur un arbre perché,
Tenait en son bec un fromage.
Maître Renard, par l'odeur alléché,
Lui tint à peu près ce langage :
"Hé ! bonjour, Monsieur du Corbeau.
Que vous êtes joli ! que vous me semblez beau !
Sans mentir, si votre ramage
Se rapporte à votre plumage,
Vous êtes le Phénix des hôtes de ces bois."
A ces mots le Corbeau ne se sent pas de joie ;
Et pour montrer sa belle voix,Il ouvre un large bec, laisse tomber sa proie.
Le Renard s'en saisit, et dit : "Mon bon Monsieur,
Apprenez que tout flatteur
Vit aux dépens de celui qui l'écoute :
Cette leçon vaut bien un fromage, sans doute. "
Le Corbeau, honteux et confus,
Jura, mais un peu tard, qu'on ne l'y prendrait plus.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

DE RAPOSAS E BODES

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara


         Minha mãe era professora de uma escolinha rural. Dentre os livros necessários que tinha, estava uma Seleta em Prosa e Verso. Pois, desde que aprendera a ler, era minha leitura preferida.
         Havia ali uma fábula ilustrada que eu relia constantemente, por não atinar-lhe o sentido. Pois contava a tal história que uma raposa tinha caído num poço. Não conseguindo sair de lá, porque a parede era escorregadia, finava-se gritando, quando apareceu um bode lá no alto.
         Eu me imaginava a tal raposa. Tinha já visto umas quantas. É bem verdade que já meio estraçalhadas pelos nossos cachorros, porque elas comem galinha Mas conhecia a tal bichana, e até as achava bonitas. Tinham pelo liso e escuro, com umas pintas bem branquinhas. O pior era o fedor que pegava em tudo.
         O bode, pois tinha um bode velho lá em casa que roía tudo o que encontrasse. Eu brincava pendurando-me nos chifres dele e o coitado empurrava-me com a cabeça, cuidando para não me furar com os chifres pontudos e curvos. Assim, eu me imaginava a cena.
         Nós tínhamos um algibe. Quem lavava era eu. Meu pai punha-me dentro do balde mundo de um escovão. Depois de esgotar o poço com uma mangueira em sifão, ele baixava-me com a corrente do poço, até o fundo. Ali de eu apreciava a água brotando. Esfrega bem, me dizia. Depois, eu entrava no balde e ele me puxava para cima. Esgotava a água suja, e tudo voltava à rotina das coisas. Isso uma vez cada ano, depois que eu tinha uns sete.
         Pois imaginava-me, a raposa lá no fundo, olhando a rodinha de luz da boca do poço, pedindo pro bode descer. O bobalhão, sem a corrente, que tombaço ele teria. Em seguida, o coitado, de patas estendidas na parede para a danada subir.

         Só agora começo a entender alguns bodes bobos na vida.


         Minha mãe era professora de uma escolinha rural. Dentre os livros necessários que tinha, estava uma Seleta em Prosa e Verso. Pois, desde que aprendera a ler, era minha leitura preferida.
         Havia ali uma fábula ilustrada que eu relia constantemente, por não atinar-lhe o sentido. Pois contava a tal história que uma raposa tinha caído num poço. Não conseguindo sair de lá, porque a parede era escorregadia, finava-se gritando, quando apareceu um bode lá no alto.
         Eu me imaginava a tal raposa. Tinha já visto umas quantas. É bem verdade que já meio estraçalhadas pelos nossos cachorros, porque elas comem galinha Mas conhecia a tal bichana, e até as achava bonitas. Tinham pelo liso e escuro, com umas pintas bem branquinhas. O pior era o fedor que pegava em tudo.
         O bode, pois tinha um bode velho lá em casa que roía tudo o que encontrasse. Eu brincava pendurando-me nos chifres dele e o coitado empurrava-me com a cabeça, cuidando para não me furar com os chifres pontudos e curvos. Assim, eu me imaginava a cena.
         Nós tínhamos um algibe. Quem lavava era eu. Meu pai punha-me dentro do balde mundo de um escovão. Depois de esgotar o poço com uma mangueira em sifão, ele baixava-me com a corrente do poço, até o fundo. Ali de eu apreciava a água brotando. Esfrega bem, me dizia. Depois, eu entrava no balde e ele me puxava para cima. Esgotava a água suja, e tudo voltava à rotina das coisas. Isso uma vez cada ano, depois que eu tinha uns sete.
         Pois imaginava-me, a raposa lá no fundo, olhando a rodinha de luz da boca do poço, pedindo pro bode descer. O bobalhão, sem a corrente, que tombaço ele teria. Em seguida, o coitado, de patas estendidas na parede para a danada subir.

         Só agora começo a entender alguns bodes bobos na vida.
DE RAPOSAS E BODES

         Minha mãe era professora de uma escolinha rural. Dentre os livros necessários que tinha, estava uma Seleta em Prosa e Verso. Pois, desde que aprendera a ler, era minha leitura preferida.
         Havia ali uma fábula ilustrada que eu relia constantemente, por não atinar-lhe o sentido. Pois contava a tal história que uma raposa tinha caído num poço. Não conseguindo sair de lá, porque a parede era escorregadia, finava-se gritando, quando apareceu um bode lá no alto.
         Eu me imaginava a tal raposa. Tinha já visto umas quantas. É bem verdade que já meio estraçalhadas pelos nossos cachorros, porque elas comem galinha Mas conhecia a tal bichana, e até as achava bonitas. Tinham pelo liso e escuro, com umas pintas bem branquinhas. O pior era o fedor que pegava em tudo.
         O bode, pois tinha um bode velho lá em casa que roía tudo o que encontrasse. Eu brincava pendurando-me nos chifres dele e o coitado empurrava-me com a cabeça, cuidando para não me furar com os chifres pontudos e curvos. Assim, eu me imaginava a cena.
         Nós tínhamos um algibe. Quem lavava era eu. Meu pai punha-me dentro do balde mundo de um escovão. Depois de esgotar o poço com uma mangueira em sifão, ele baixava-me com a corrente do poço, até o fundo. Ali de eu apreciava a água brotando. Esfrega bem, me dizia. Depois, eu entrava no balde e ele me puxava para cima. Esgotava a água suja, e tudo voltava à rotina das coisas. Isso uma vez cada ano, depois que eu tinha uns sete.
         Pois imaginava-me, a raposa lá no fundo, olhando a rodinha de luz da boca do poço, pedindo pro bode descer. O bobalhão, sem a corrente, que tombaço ele teria. Em seguida, o coitado, de patas estendidas na parede para a danada subir.

         Só agora começo a entender alguns bodes bobos na vida.

domingo, 17 de agosto de 2014

SILÊNCIOS REVELADORES

sabiá -laranjeira
.Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara



Fui criado por trás de largos silêncios... o silêncio repleto de vozes das montanhas e dos campos... o silêncio místico do claustro... O silêncio me fascina.

Nesta manhã de domingo faltou luz. Hão de dizer alguns: Faltou energia elétrica. E a metonímia, meu amigo? Uma palavra por outra palavra com que tem relação de certa proximidade de sentido.

VISTA A PARTIR DO MEU LEITO, O PÁTIO, OS FUNDOS DA CASA
E OS PÁSSAROS.


Pois faltou luz. Quando falta energia, tudo o que é barulhento se cala. Quanto pássaro diferente. Eu já havia escutado aqui no meu pátio o pio de um sabiá de papo branco. Pois ele não trina. Apenas pia, sem graça. De resto, é igual ao outro, o de papo laranja, o sabiá laranjeira, com seu trinar cadenciado, no entardecer de primavera. Mas, aqui eu só tenho o de papo branco, que, porém, evoca o outro do fundo da alma e da memória das jornadas da infância, no amanhecer das montanhas.
Depois, foi o arrolo suave e distante de um pombo chamando a amada, certamente escondida nas ramagens frondosas de um fundo de pátio. Por trás de tudo, como o burburinho da orquestra, os pios constantes e monótonos dos pardais. De quando em quando, o repetido canto da curuíra, a gente dizia carruíra. Os bem-te-vis indiscretos benteviziavam bem forte de cima dos telhados.
Pois não é que de há uns tempos para cá alguns joões-de-barro começaram a reunir-se por aqui. Mas o vizinho inventou de ligar um motor que substituiu todos os decibéis silenciados nesta manhã de domingo. É por isso que eu gosto que falte luz de quando em vez.

sábado, 16 de agosto de 2014

MEU ENCONTRO COM SÃO FRANCISCO DE ASSIS

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara

              Embora não pertença oficialmente a nenhuma das três ordens religiosas franciscanas, considero-me franciscano.
eu e meus pais

SÃO FRANCISCO DE ASSIS, DE VINÍCIUS DE
MORAES, POR OSCAR BRISOLARA
         Tarde ensolarada de fevereiro. 1957. Subo curioso e incauto a avenida margeada por duas cercas entrelaçadas de rosas claras que conduz à entrada do Seminário Santo Antônio, de Vila Flores.
         Eu tinha nove anos e juntei-me a outros trezentos e tantos meninos para ser iniciado na vida franciscana.
         Em poucos dias, aprendi a rotina da casa. Foi-me destinado um irmão guardião que me ia ensinado, passo a passo, a rotina diária da vida franciscana, no seminário dos frades capuchinhos.
         Não se podia falar com os outros, a não ser por absoluta necessidade. Havia, por toda parte, alguma leitura. Nas refeições, cada um lia uma página em voz alta, de vidas de santos ou textos instrutivos, enquanto os demais se alimentavam em silêncio
Seminário Santo Antônio - Vila Flores
         Aliás, levantávamo-nos às cinco horas, higiene, preleção, missa, sala de leituras e café às oito, seguido de limpeza do prédio, aula às nove, quinze para o meio-dia, culto ao Senhor e doze horas almoço. Depois disso, de modo geral se podia falar até as catorze horas, quando se iniciavam as aulas da tarde, que se estendiam até as 16 horas.
         Nesse horário, lanche e trabalhos nos pomares e hortas. Às 18 horas era a reza terço (rosário), em seguida, estudos até as 20 horas, quando se servia o jantar. Após esse, havia um período livre que podia ser empregado em leituras até que, às 21h e 30 min se faziam as preces da noite, após o que se ia dormir em dormitórios com cinquenta leitos cada um.
         E nisso, passaram-se doze anos. E o espírito franciscano, a filosofia e o pensamento cristo foram sendo gradativamente incutidos em nossas mentes e espíritos.

Gruta do Seminário - Vila Flores
         Férias, vinte dias anuais. Mas havia passeios pelos campos e rios, todos os meses, ora mais próximos, ora distantes. E Francisco foi-se-me revelando com todo o seu idealismo. Havia dias em que era apenas rotina, mas houve muitos encantamentos. Inclusive revelações cujo sentido ainda estou desvendando.
         Francisco nasceu Giovanni Bernardone, de Pietro Bernardone dei Moriconi e da nobre Pica Bourtemont, no remoto 1182, na rica família da burguesia de origem francesa, na pequena Assis, proximidades da Roma cristã, em pleno regime feudalista medieval. Seu pai dedicava-se ao seleto ramo do comércio de tecidos finos.
         Teve, o santo, uma infância feliz e privilegiada. O genitor aguardava o crescimento do filho para tomar a frente dos negócios da família. O jovem preparava-se, estudando na escola paroquial, como o faziam os demais jovens ricos desse tempo.
         Giovanni viajava muito à França, país que amava tanto que aconteceu receber o apelido do Francisco. Porém houve um conflito armado entre a sua Assis e a vizinha Perugia, que iniciara no ano de 1154. Enquanto Assis pertencia à facção política dos Ghibellini, Perugia estava com os Guelfi. O jovem idealista Francisco, nome pelo qual já era conhecido Giovanni, em 1202, alista-se com seus concidadãos e vai para a guerra. No entanto, é capturado pelo inimigo e encarcerado. A derrota e a prisão levam-no a repensar seu projeto de vida, até então fútil e sem sentido.
         Em 1203, retorna para casa, depois de um ano de prisão e pagamento de um resgate, porém, está gravemente enfermo. Trata-se em uma propriedade do pai, onde desenvolve o amor à natureza, que descobre ser obra divina.

com os pássaros, em Paris

         Recuperado, volta-se para o ideal religioso. Primeiramente, dedica-se ao amor ao próximo, iniciando por distribuir aos pobres, tecidos da loja paterna. Isso irrita profundamente o pai.
         Em nova investida cavalheiresca, decide participar das cruzadas que os cristãos empreendiam para libertar a terra santa, de modo especial Jerusalém, das mãos dos muçulmanos. Nessa primeira tentativa, é obrigado a desistir por causa de sua debilidade de sua saúde.
     Então, principia por dedicar-se, primeiramente aos leprosos, proscritos da sociedade a essa época. É conhecido o fato de ele ter presenteado um deles, num dia de inverno, com se próprio manto de luxo, e mais, contra qualquer precaução, beijou-lhe a face. A lepra era doença incurável e altamente contagiosa. Esse ato marcou uma mudança radical em seu comportamento.
     Foi então que ouviu a voz divina solicitando que para que reformasse sua igreja. Como é comum em todo o homem ao primeiro apelo divino, julgou que deveria reformar o templo. Assim, reconstruiu a pequena igreja de São Damião, fora dos muros da cidade, que se encontrava abandonada e em ruínas.
Nesse período, pela censura do pai à sua caridade que era considerada pela família como perdulária, abandona a casa paterna numa cena quase folclórica. Na igreja, diante do bispo, joga suas vestes aos pés do pai, renuncia à própria herança e pede asilo ao templo. O bispo, desde então, passou a protegê-lo.
Capela da Porciúncula
Basilica di Santa Maria degli Angeli
     Passa, desde então, a reformar igrejas com as próprias mãos. Afeiçoa-se de modo especial à igrejinha da Porciúncula, pequeno templo fora dos muros, pois é também nela que começa a reunir amigos também desiludidos com o sistema social então vigente. Eles passam a reunir-se nesse local e a viver da mendicância.
     Ao contrário do que se poderia esperar, mesmo homens ricos, desiludidos com os ideais da nobreza medieval, abandonam tudo e seguem o mendicante Francisco. Quando percebe que tem um grande número de seguidores, cria uma regra para si e seus irmãos, com 23 e três capítulos, para garantir a unidade da instituição.
     Em Roma, consegue a aprovação de sua regra, cujo objetivo era literalmente seguir a Jesus Cristo na mais absoluta pobreza, segundo os Evangelhos. O papa Inocêncio III reconhece a nova ordem.
     Como o abade beneditino responsável pela capela da Porciúncula doasse à nova ordem religiosa esse pequeno templo e a área adjacente, aí se tornou a sede inicial dos franciscanos.
     Essa capelinha se mantém até os dias de hoje dentro da grandiosa basílica de Santa Maria degli Angeli que foi construída sobre ela e, consagrada em 1679.
     Logo nos primeiros tempos, juntou-se a Francisco, Clara d'Offreducci, jovem contemporânea dele que seria a fundadora das irmãs Clarissas. A elas, Francisco conseguiu a liberação da capela de São Damião.
            Por volta desse tempo, quis juntar-se a ele também o espanhol Domingos de Gusmão a quem o jovem idealista italiano solicitou que fundasse sua própria ordem. Havia muita diferença entre suas concepções. Saliente-se que Francisco já havia acolhido muitos outros seguidores. Domingos funda, então, a Ordem dos Frades Dominicanos, que serão responsáveis pela chamada Santa Inquisição.
            Conta-se que nesse período o jovem santo fez diversos milagres. Dirigiram-se de navio à Síria, para pregarem o Evangelho, mas foram expulsos de lá. Conta-se que amainou uma tempestade e multiplicou os alimentos quando os marinheiros estavam a morrer de fome. De volta à Itália, curou diversos enfermos.
            Prosperava sua fama de santidade, quando recebeu a doação do monte Alverne, onde construiu um abrigo para seus confrades. Já em 1214 dirigiu-se ao Marrocos onde tencionava pregar aos mouros. Porém, foi nessa ocasião que se juntou aos cruzados.
            Inscreve-se em uma incursão militar das diversas que houve em apoio aos cruzados entre a quarta e quinta cruzada. Nesse período, os cristãos sofriam pesadas baixas frente às tropas muçulmanas do poderoso sultão Saladino (Selah'edînê Eyubî), que dominava o Oriente, da Síria ao Egito.
         Pois Francisco, arriscando a própria vida, dirigiu-se ao campo onde estava o sultão Malik AL-Kâmil, neto do poderoso sultão. Isso teria ocorrido em setembro de 1219.
         Enquanto os cristãos sofriam pesadas baixas enfrentando os muçulmanos curdos, Francisco prevê a derrota dos europeus. Não há certeza do teor do diálogo entre eles. Acontece que o sultão, após o contato de seu neto com Francisco, propôs um acordo de não agressão, embora os cristãos tivessem conquistado apenas uma pequena faixa no litoral.
Por esse acordo, cada facção ficaria de posse dos territórios que ocupavam nesse momento, porém seria permitido aos cristãos visitarem os lugares sagrados da sua religião, contanto que entrassem desarmados.
Depois, temendo que alguns dos de seu exército, pela eficácia da palavra de São Francisco, fossem convertidos para o Senhor, o sultão o fez conduzir, com toda sorte de considerações e em perfeita segurança, ao campo dos nossos, dizendo-lhe por despedida: Reze por mim para que Deus se digne de me revelar a lei e a fé que mais lhe agrada.
Segue-se, então uma série de milagres de todos os tipos. Um acontecimento que foi perenizado em diversos movimentos foi o apaziguamento do lobo de Gúbio. Tratava-se de um animal feroz que atacava animais e homens. E eis que, vendo muitos citadinos, os quais tinham vindo para ver aquele milagre, o dito lobo foi ao encontro de São Francisco com a boca aberta: e chegando-se a ele São Francisco fez o sinal da cruz e o chamou a si, e disse-lhe assim:
“Vem cá, irmão lobo, ordeno-te da parte de Cristo que não faças mal nem a mim nem a ninguém”.
Imediatamente após São Francisco ter feito a cruz, o lobo terrível fechou a boca e cessou de correr; e dada a ordem, vem mansamente como um cordeiro e se lança aos pés de São Francisco como morto.

São Francisco e o lobo de Gúbio - USA
Conta-se, que desse momento em diante, o lobo passou a viver nas ruas de Gúbio, recebendo alimento das pessoas, como se fora um cão doméstico, tendo vindo a falecer de morte natural dois anos mais tarde.
Francisco passou na ter êxtases místicos, continuando a pregar, mendigando por aldeias e cidades, pois o essencial em sua ordem religiosa eram os votos de pobreza, obediência e castidade.
Em 1223, organizou uma festa natalina em que fez o primeiro presépio, imitando a gruta em que nascera Jesus Cristo. Essa festa deu origem aos presépios tão usados até nossos dias. Tinha o hábito de embrenhar-se nas matas para meditar e orar. Afirma-se que tinha visões sagradas das quais, algumas vezes, alguns de seus frades mais íntimos compartilhavam. Nos estados contemplativos, eram-lhe reveladas por Deus, não somente coisas do presente, mas também do futuro, assim como lhe fazia conhecer as dúvidas, os secretos desejos e os pensamentos dos irmãos.
Numa dessas ocasiões, segundo relata a coletânea I Fioretti di San Francesco, o Irmão Leo o viu levar a mão ao peito e parecer tirar algo de lá e oferecer a uma língua de fogo que descera sobre ele. Perguntando depois o que sucedera, Francisco respondeu:
"Por que vieste aqui, irmão cordeirinho? Diz-me: viste ou ouviste alguma coisa?
"Leo respondeu: Pai, ouvi-te falar e repetir várias vezes: 'Quem és Tu? Quem és Tu, oh dulcíssimo Deus? E eu quem sou, verme desprezível e teu inútil servo?'

Giotto: Estigmatização de São Francisco (detalhe), 
c. 1300. Museu do Louvre.

         Nessa ocasião teria recebido os estigmas, as chagas do próprio Jesus Cristo, durante uma dessas meditações, em 14 de setembro de 1224, sendo o primeiro cristão a ser estigmatizado, mas enquanto isso lhe trazia alegria, sendo um sinal do favor divino, foi-lhe motivo de muito embaraço e sofrimento físico.
Procurou sempre ocultar os estigmas com ataduras ou mesmo com o próprio hábito que vestia de tal forma que poucos irmãos perceberam esses estigmas enquanto ele viveu. Seus amigos mais íntimos revelaram que essas chagas lhe causavam enorme dor.
Percebendo que a morte se aproximava, embora ainda fosse muito jovem, tinha apenas 44 anos, procurou, então, a amiga Clara, na capela de São Damião de quem se despediu, retornando, em seguida, para a capelinha da Porciúncula. Em 4 de outubro de 1226, depois de orar e ler algumas passagens do Evangelho, faleceu. Essa é sua data festiva, conforme o costume da época, pois a morte é o nascimento para a vida perene..
         Foi canonizado santo apenas dois anos após sua morte, em 1228. Em 1230 foi consagrada a Basílica de Assis, onde se encontram as relíquias do santo. A igreja foi decorada com afrescos do grande pintor Giotto di Bondone.
Basílica de São Francisco - Assis














OBRAS DE FRANCISCO DE ASSIS
CÂNTICO DAS CRIATURAS – TEXTO ORIGINAL EM DIALETO ÚMBRIO E TRADUÇÃO PORTUGUESA


Texto original em dialeto úmbrio
Tradução em português
Altissimu, onnipotente bon Signore,
Tue so' le laude, la gloria e l'honore et onne benedictione.
Ad Te solo, Altissimo, se konfano,
et nullu homo ène dignu te mentovare.
Laudato sie, mi' Signore cum tucte le Tue creature,
spetialmente messor lo frate Sole,
lo qual è iorno, et allumeni noi per lui.
Et ellu è bellu e radiante cum grande splendore:
de Te, Altissimo, porta significatione.
Laudato si', mi Signore, per sora Luna e le stelle:
in celu l'ài formate clarite et pretiose et belle.
Laudato si', mi' Signore, per frate Vento
et per aere et nubilo et sereno et onne tempo,
per lo quale, a le Tue creature dài sustentamento.
Laudato si', mi' Signore, per sor Aqua,
la quale è multo utile et humile et pretiosa et casta.
Laudato si', mi Signore, per frate Focu,
per lo quale ennallumini la nocte:
ed ello è bello et iocundo et robustoso et forte.
Laudato si', mi' Signore, per sora nostra matre Terra,
la quale ne sustenta et governa,
et produce diversi fructi con coloriti flori et herba.
Laudato si', mi Signore, per quelli che perdonano per lo Tuo amore
et sostengono infirmitate et tribulatione.
Beati quelli ke 'l sosterranno in pace,
ka da Te, Altissimo, sirano incoronati.
Laudato si' mi Signore, per sora nostra Morte corporale,
da la quale nullu homo vivente po' skappare:
guai a quelli ke morrano ne le peccata mortali;
beati quelli ke trovarà ne le Tue sanctissime voluntati,
ka la morte secunda no 'l farrà male.
Laudate et benedicete mi Signore et rengratiate
e serviateli cum grande humilitate…
Altíssimo, omnipotente, bom Senhor,
a ti o louvor, a glória, a honra e toda a bênção.
A ti só, Altíssimo, se hão-de prestar
e nenhum homem é digno de te nomear.
Louvado sejas, ó meu Senhor, com todas as tuas criaturas,
especialmente o meu senhor irmão Sol,
o qual faz o dia e por ele nos alumias.
E ele é belo e radiante, com grande esplendor:
de ti, Altíssimo, nos dá ele a imagem.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã Lua e as Estrelas:
no céu as acendeste, claras, e preciosas e belas.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pelo irmão Vento
e pelo Ar, e Nuvens, e Sereno, e todo o tempo,
por quem dás às tuas criaturas o sustento.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela irmã Água,
que é tão útil e humilde, e preciosa e casta.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pelo irmão Fogo,
pelo qual alumias a noite:
e ele é belo, e jucundo, e robusto e forte.
Louvado sejas, ó meu Senhor, pela nossa irmã a mãe Terra,
que nos sustenta e governa, e produz variados frutos,
com flores coloridas, e verduras.
Louvado sejas, ó meu Senhor, por aqueles que perdoam por teu amor
e suportam enfermidades e tribulações.
Bem-aventurados aqueles que as suportam em paz,
pois por ti, Altíssimo, serão coroados.
Louvado sejas, ó meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal,
à qual nenhum homem vivente pode escapar:
Ai daqueles que morrem em pecado mortal!
Bem-aventurados aqueles que cumpriram a tua santíssima vontade,
porque a segunda morte não lhes fará mal.
Louvai e bendizei a meu Senhor, e dai-lhe graças
e servi-o com grande humildade…

São Francisco e os pássaros - Gioto

Preghiera di San Francesco
Oh, Signore,
fa' di me lo strumento della Tua Pace;
Là, dove è l'odio che io porti l'amore.
Là, dove è l'offesa che io porti il Perdono.
Là, dove è la discordia che io porti l'unione.
Là, dove è il dubbio che io porti la Fede.
Là, dove è l'errore che io porti la Verità.
Là, dove è la disperazione che io porti la speranza.
Là, dove è la tristezza, che io porti la Gioia.
Là, dove sono le tenebre che io porti la Luce.
Oh Maestro,
fa' ch'io non cerchi tanto d'essere consolato, ma di consolare.
Di essere compreso, ma di comprendere.
Di essere amato, ma di amare.
Poiché:
è donando che si riceve,
è perdonando che si ottiene il Perdono,
ed è morendo, che si risuscita alla Vita eterna. 

Oração de São Francisco de Assis
Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o Amor,
Onde houver Ofensa, que eu leve o perdão.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Onde houver trevas, que eu leve a luz!
Ó Mestre,
fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna!
Amém.
Prière de saint François
Seigneur, faites de moi un instrument de votre paix.
Là où il y a de la haine, que je mette l’amour.
Là où il y a l’offense, que je mette le pardon.
Là où il y a la discorde, que je mette l’union.
Là où il y a l’erreur, que je mette la vérité.
Là où il y a le doute, que je mette la foi.
Là où il y a le désespoir, que je mette l’espérance.
Là où il y a les ténèbres, que je mette votre lumière.
Là où il y a la tristesse, que je mette la joie.
Ô Maître, que je ne cherche pas tant à être consolé qu’à consoler, à être compris qu’à comprendre, à être aimé qu’à aimer, car c’est en donnant qu’on reçoit, c’est en s’oubliant qu’on trouve, c’est en pardonnant qu’on est pardonné, c’est en mourant qu’on ressuscite à l’éternelle vie.
Visão de São Francisco - Giotto

Prayer of Saint Francis
Lord, make me an instrument of Thy peace;
where there is hatred, let me sow love;
where there is injury, pardon;
where there is doubt, faith;
where there is despair, hope;
where there is darkness, light;
and where there is sadness, joy.
O Divine Master,
grant that I may not so much seek to be consoled as to console;
to be understood, as to understand;
to be loved, as to love;
for it is in giving that we receive,
it is in pardoning that we are pardoned,
and it is in dying that we are born to Eternal Life.
Amen.
Oração a São Francisco de Assis em espanhol

Señor, haz de mí un instrumento de tu paz.
Donde haya odio, que yo lleve el amor;
donde haya ofensa, que yo lleve el perdón;
donde haya discordia, que yo lleve la unión;
donde haya duda, que yo lleve la fe;
donde haya error, que yo lleve la verdad;
donde haya desesperación, que yo lleve la esperanza;
donde haya tristeza, que yo lleve la alegría;
donde haya tinieblas, que yo lleve la luz.
Oh, Maestro, haz que yo procure más consolar, que ser consolado;
comprender que ser comprendido;
amar, que ser amado,
pues es dando como se recibe,
es perdonando como se es perdonado,
y es muriendo como se vive para la vida eterna.


Gebet im Geiste des Hl
Franz von Assisi

Herr, mache mich zum Werkzeug Deines Friedens:

dass ich Liebe bringe, wo man sich hasst.
dass ich Versöhnung bringe, wo man sich kränkt.
dass ich Einigkeit bringe, wo Zwietracht ist.
dass ich den Glauben bringe, wo Zweifel quält.
dass ich Wahrheit bringe, wo Irrtum herrscht.
dass ich die Hoffnung bringe, wo Verzweiflung droht.
dass ich die Freude bringe, wo Traurigkeit ist.
dass ich das Licht bringe, wo Finsternis waltet.
O Meister, hilf mir, dass ich nicht danach verlange:

Getröstet zu werden, sondern zu trösten.
Verstanden zu werden, sondern zu verstehen.
Geliebt zu werden, sondern zu lieben.

Denn:
Wer gibt, der empfängt,
wer verzeiht, dem wird verziehen.
Wer stirbt, der wird zum ewigen Leben geboren.
Amen.