Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Sócrates e Xantipa
A história de Xantipa é muito controvertida, levando em especial consideração o mito que envolve a vida de seu marido, sendo ele, embora nada tendo escrito, talvez o filósofo de maior prestígio do ocidente.
Xantipa, esposa de Sócrates
Esse era o nome de uma das esposas do filósofo Sócrates, mãe de três de seus filhos: Lamprocles, Sofronisco, e Menexeno. Porém, mesmo isso não é ponto pacífico. Segundo Aristóteles, citado por Diógenes Laércio, Sofronisco e Menexeno eram filhos de sua segunda esposa Myrto, filha de Aristides, conhecido apenas como o justo.
Segundo uma tradição, Xantipa era muito mais jovem do que o filósofo ateniense, em torno de quarenta anos, como querem alguns. O filósofo ateniense teria contraído núpcias na velhice. Não há datas precisas, mas chega-se a afirmar que se teria casado com a jovem Xantipa quando ele já se aproximava dos sessenta anos.
Etimologicamente, o nome Xantipa significa cavalo loiro (ξανθός = loiro + ἵππος, -ου = cavalo). Os nomes em que aparece o radical ἵππος em grego clássico relacionam-se às famílias aristocráticas. Assim Hipócrates, que significa domador de cavalos; Filipos (Filipe), amigo, amante dos cavalos, apenas designam nomes de indivíduos pertencentes à aristocracia grega.
Ainda conforme Aristóteles, Sócrates teve duas esposas, a primeira seria Xantipa ou Xântipe e a segunda, Myrto. Diógenes Laércio afirma que, pela falta de homens em Atenas, devido a sucessivas guerras, permitiu-se aos homens que já tivessem um casamento, que viessem a ter filhos com uma segunda mulher. Essa lei teria permitido a Sócrates possuir duas esposas ao mesmo tempo.
De acordo com Platão no Diálogo Fédon, Xantipa aparece como sendo não mais que uma mulher devotada e mãe de família (60a-b, 116b). Xenofonte concorda com Platão, quando a menciona em sua obra Memorabília (2.2.7-9), ressalvando, no entanto, que o filho dela Lamprocles reclamava do temperamento extremamente rígido da mãe.
Platão e Aristóteles
Em Xenófanes, porém, na obra Symposium, ela aparece como "a pessoa mais difícil de se relacionar de todas as mulheres que existem" (cf, 2.10). Há ainda outra tradição segundo a qual Sócrates a teria escolhido por seu espírito argumentativo, que o levaria a questionar muitos princípios.
Diógenes Laércio
Ainda, conforme afirma Diógenes Laércio, Sócrates dizia que vivia com uma mulher desse feitio da mesma forma que os cavaleiros gostam de cavalos fogosos e "do mesmo jeito que, quando conseguem domá-los, podem facilmente dominar o resto, também eu, na companhia de Xantipa, hei de aprender a adaptar-me ao resto da humanidade."
Cícero - orador romano
Cícero, por sua vez, conta uma anedota que contesta a suposição de que a excepcional temperança de Sócrates era uma decorrência natural de sua constituição. Um fisionomista chamado Zópiro, capaz de discernir o caráter de um homem a partir de sua aparência física, enumerou diversos vícios para os quais Sócrates teria uma inclinação. Seus companheiros ridicularizaram as afirmações, pois jamais haviam visto qualquer traço de vício em Sócrates. Porém, Sócrates confirmou a interpretação de Zópiro, dizendo que tinha, de fato, uma tendência natural para cair nos vícios enumerados, mas que os tinha afastado de si com a ajuda da razão. (Cícero, Tusculanoe Disputationes).
Entre o número dos que a criticam, está o orador romano Claudius Elianus que a retrata como mulher extremamente ciumenta. Nesse sentido, narra um fato de certa ocasião em que o filósofo recebera um bolo de Alcibíades. Xantipa teria jogado o bolo ao chão e pisado sobre ele. Nesse particular, é preciso esclarecer o relacionamento pessoal entre Sócrates e Alcibíades. Sócrates, como resposta à atitude dela, teria dito que por virtude eles se privariam dos sabores do bolo.
Essa situação tem de ser analisada à luz dos costumes gregos dessa época. Era comum, entre gregos e romanos, um senhor mais velho ter um jovem amante. Esse era o relacionamento entre o filósofo ateniense e o lindo jovem loiro de cabelos crespos. Sócrates, em batalha pela defesa de Atenas, teria até mesmo arriscado a própria vida, para salvar Alcibíades que caíra ferido no campo de batalha e o carregado às costas para um lugar seguro.
Sócrates e Alcibíades
De Alcibíades afirma-se também: “O «menino terrível» do século, que se lança em todas as causas perdidas com a insolência da sua beleza fatal. Filho de família, menino mimado, pupilo de Péricles, que deposita nele todas as suas esperanças, amado por Sócrates até ao desespero, rompe todos os cordões umbilicais e entra na política como quem entra na Comédie Française, para aí desempenhar todos os papéis: o conspirador, o vira-casacas, a quinta-coluna, caudilho, o homem providencial, o dirigente de massas, o herói, o traidor e, apesar de tudo, o galã. As relações amorosas, filiais pedagógicas, mas sempre tempestuosas, entre Sócrates e Alcibíades eram um conhecido motivo de troça, mas também de reflexão: «Pode a 'virtude' transmitir-se?» Elas passaram a constituir um dos filões da literatura socrática: para além de dois diálogos que nos foram transmitidos (dos quais só o primeiro pode ser atribuído a Platão), havia pelo menos mais dois Alcibíades, o de Ésquines e o de Euclides.”(1)
No que diz respeito à opinião de Xenofonte sobre Xantipa, afirma-se ainda: “O machista de Xenofonte (Memoráveis, II, 7, Banquete, II, 10) faz dela uma megera rabugenta, e imagina-se um marido que suporta estoicamente as lamentações perpétuas ou que se refugia no ginásio para escapar às discussões dessa matrona. A galanteria de certos historiadores contemporâneos veio em seu socorro, mais por boa vontade, diga-se, do que propriamente com base em testemunhos, alegando circunstâncias atenuantes ou afirmando que a lenda do seu mau gênio se devia à maledicência de Antístenes (cf. Banquete, de Xenofonte), sem dúvida ele próprio bastante rabugento. Seja como for, Sócrates casara, para bem ou para mal, em todo o caso bastante tarde (415?), e certamente não foi o marido exemplar que uma jovem poderia esperar, mesmo sendo ateniense. Tiveram três filhos (Lâmproco, Sofronisco e Menexeno), o mais novo dos quais era ainda de tenra idade por altura do processo (cf. Fédon, 60 a). Boatos contraditórios atribuem a Sócrates uma outra esposa, uma certa Mirto, que ele teria tido antes, depois ou simultaneamente.”(2)
Pedro Carlos Louzada Fonseca, professor da Universidade Federal de Goiás, em artigo intitulado “Christine dé Pizan et le Livre La Cité des Dames: Pontos de Releitura da Visão Tradicional da Mulher” disponível em: (3) afirma: “Essa mulher, digníssima esposa de Sócrates, não só o incentivou na filosofia, mas o acompanhou como intemerata e amorosa esposa até à sua morte, arrancando-lhe o cálice de cicuta das mãos... E, citando Pizan: “Toda encharcada e lágrimas e prantos, dirigiu-se ao palácio, batendo o peito de dor, onde haviam prendido seu marido. Ela o encontrou no meio daqueles juízes indignos que já lhe haviam dado o veneno que iria abreviar seus dias. Ela chegou no momento em que Sócrates levava o cálice aos lábios. Precipitou-se até ele e arrancou-lhe o cálice das mãos, derrubando tudo ao chão." (PIZAN, 2006, p. 238).
Talvez outra obra que tenha contribuído para a imagem negativa que se tem de Xantipa seja o diálogo de Erasmo de Roterdam “La femme mécontente de son mari” (A mulher infeliz com seu marido) que aborda a vida da esposa de Sócrates e traz diálogos dela com uma amiga, abordando a vida conjugal.
Christopher Charles Taylor, em sua obra Sócrates, comenta: “Seu estilo de vida ascético era provavelmente mais a expressão de uma postura filosófica do que a evidência de uma pobreza real. Sua esposa era Xantipa, celebrada por Xenofonte e outros (embora não por Platão) por seu temperamento irascível. O casal teve três filhos, dois deles crianças pequenas à época da morte de Sócrates; obviamente o gênio difícil de Xantipa, se a descrição é verdadeira, não impediu que as relações conjugais continuassem até a velhice de Sócrates. Uma tradição posterior, pouco confiável, implausivelmente atribuída a Aristóteles, menciona uma segunda esposa, chamada Mirto, com quem o casamento é alternadamente descrito como anterior, posterior ou simultâneo ao casamento com Xantipa.” (TAYLOR, 2010, p. 12).
Há uma narrativa também consagrada sobre a relação entre Sócrates e Xantipa. Nela se afirma que a esposa insultava e reclamava do marido enquanto ele prosseguia impassivelmente suas exortações aos discípulos. Eis que, de repente, ela joga uma jarra de água sobre o esposo. Ele apenas responde: Depois da trovoada, vem a chuva.
Talvez Xantipa não tenha sido a megera que muitos autores afirmam. Foi, pelo contrário, uma mulher decepcionada com um homem que, em lugar de buscar a riqueza, dedicava-se à educação da juventude. Por fim, é condenado à morte e não foge à condenação. Numa visita ela teria afirmado: Mas tu és inocente. E ele teria perguntado: Querias que eu fosse culpado? A condenação do esposo deixa-a jovem, com filhos pequenos para criar.
Bibliografia:
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/socrates/vidadesocrates.htm#Familia1) (citação 1 e 2).
Diógenes Laércio, Dos Homens e suas Ideias. Coimbra: IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 2013.
Taylor Christopher Carl. Sócrates. Porto Alegre, L&PM, 2012.