Oscar Luiz Brisolara
Para livrarem-se de uma dinastia de reis estrangeiros, os romanos haviam criado um sistema de governo a que eles chamavam de república (res publica ou coisa pública), para se opor à antiga monarquia. Havia regras muito específicas que impediam o acesso ao poder aos estrangeiros. Também não era um sistema presidencialista. Era um sistema consular. Eram dois mandatários com poderes iguais. O termo cônsul provém do verbo latino consulo (consŭlo, consŭlis, consului, consultum, consŭlĕre) que significa consultar, discutir, ou seja, nenhum dos cônsules podia tomar decisões sem consultar o outro. Como a ditadura estava prevista nas leis dessa república em momentos em que a pátria corresse perigo de invasão estrangeiras, as diversas ditaduras que houve eram legais. A república iniciou em 509 a.C. e se prolongou por quase 500 anos até 27 a.C.
O general Júlio César, como outros já haviam tentado antes, arquitetou um plano para instaurar uma monarquia. Em 59 a.C., conseguiu eleger-se cônsul, junto com o conservador Bíbulo. Mas em 60 a.C, Júlio já havia feito um acordo espúrio sem valor jurídico algum com o poderoso general Pompeu e com o banqueiro milionário Licínio Crasso, em que formavam um poder paralelo à república. Júlio promoveu, então, uma guerra de conquistas, especialmente da Gália, onde aumentou astronomicamente sua fortuna. De volta a Roma, põe em prática seu golpe. Faz a guerra civil contra Pompeu, Crasso já havia morrido. Vencido Pompeu, em 49 a.C., Júlio instaura uma ditadura. Em 44 a.C., reelege-se cônsul. Nomeia-se, então, cônsul vitalício. Ora, isso é nomear-se rei. Os republicanos reagem e em 15 de março, Júlio é assassinado em plena reunião do senado.
Júlio tinha, então, um único filho homem vivo, Brutus, de sua amante Servília Cepião, que era senador. Não confiava nele. Deixara sua fortuna para o sobrinho neto Caius Octavianus. Júlio teve como um de seus principais assassinos o senador Brutus, aliado a outros republicanos.
Caio Otávio, aprendeu a lição. Foi mais ardiloso. Primeiramente, jamais se tornou ditador. Manteve sempre os cônsules. Providenciou uma história para si. Encomendou ao poeta Virgílio, um dos maiores de seu tempo, um poema que celebrasse a origem mitológica de Roma. Esse mito era de domínio público. O herói nacional era Eneias, que viera de Troia destruída pelos gregos. Um descendente dele teria uma filha sacerdotisa da deusa Vesta, virgem dedicada ao templo do fogo, chamada de Rea Sílvia. Ela teria engravidado por obra do deus Marte e gerado dois gêmeos: Rômulo e Remo.
Além de elaborar um poema magistral, cabia a Virgílio sutilmente inserir no mito os antepassados diretos de Otávio. Quando estava no décimo capítulo do livro, que estava projetado para ter doze, o poeta morreu. Lá, porém, já estava plantada a semente da origem divina dos antepassados de Otávio.
Lívia Drusila, a esposa de Otávio, providenciou prontamente para que todos soubessem dessa história. O livro, a Eneida, foi publicado inconcluso, criando um ambiente ainda mais misterioso e gerando um clima exotérico.
Paralelamente, Lívia fez uma campanha por todas as partes do país ao culto do divino Augusto, ou seja, o venerável, o exaltado, nome simbólico que Otávio adotara. Além do mais, a astuta esposa mandara confeccionar milhares de estatuetas de Augusto para serem postas sobre as lareiras, junto às estátuas dos deuses lares e aos vasos de cinzas dos penates.
Augusto formou um segundo triunvirato com o general Marco Antônio e o senador Lépido. Criou um conflito com seus pares. Venceu-os e foi nomeado pelo senado romano como Principal, já assumindo na prática o poder sobre a nação como o Augustus, um semideus, com sangue divino. Em 27 a.C., passou a ser chamado de Imperator.
Por que a elite romana aceitou tão facilmente essa mudança de poder?
Ora, durante os quase 500 anos de república, embora os cônsules todos fossem eleitos entre os patrícios, as elites tiveram muitas perdas. A elite romana era formada pelos patrícios, os descendentes dos fundadores da cidade, que garantiam seu poder pela posse da terra, era um governo dos latifundiários, portanto. A segunda camada da elite eram os cavaleiros (equites),os ricos líderes do comércio, que tinham cavalos. Os que mantinham a cavalaria para seu uso e para as guerras.
Vejam-se essas perdas: em 494 a.C. houvera um movimento paredista da plebe, que fez a exigência para a volta ao trabalho de representantes da plebe no senado com poder de veto, de uma reforma agrária e de um código de leis escrito, a lei era tradição sempre interpretada pelos juízes em favor dos ricos.
No século primeiro a.C., tinham conseguido tudo. Havia pelo menos três legados da plebe (legati populi) no senado com o desconfortável poder de veto a qualquer decisão senatorial. Havia a Lei das Doze Tábuas, uma constituição escrita. Fora feita uma reforma agrária pelos irmão Gracos, que reduzira sensivelmente os latifúndios, distribuindo glebas aos sem terras.
Augusto acabou praticamente com tudo isso. Importou grande quantidade de produtos agrícolas no período das safras, deixando os agricultores inadimplentes diante do banco de Roma que financiara o plantio. Tiveram que vender as terras por preços aviltantes e reconstituíram-se novamente os latifúndios. O senado aumentou o número dos legados da plebe criando uma confusão na hora do veto. As elites compravam os votos e nada mais era vetado. E fizeram-se muitas modificações na legislação . "Como não estamos habituados a essas manobras, estranhamos."
Assim se faz um golpe. Em não mudando nada, tudo se muda. A história é mestra da vida.
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