Abri a velha porteira desconjuntada. Desajeitado já... A antiga pedra de detrás das ruínas. O forno de pão. O que dele restou... tudo olhava para mim... desconfiados... Tanto tempo... O estrago do tempo... Pés meio trôpegos... Cabelos? A casa... ruínas...
Tudo perdera a intimidade. Comigo? Não só. A tapera perde a intimidade que as coisas têm entre si. Casa sem gente. Galinheiro... galinhas? Pocilga... porcos? Somente o gado comendo entre as frestas mantinha alguma limpeza... limpeza? Alguém dos novos tempos somara aquelas pequenas propriedades numa fazenda.
O velho lajeado olhava-me. Pesaroso. Sentia toques estranhos. Sopros aos ouvidos. Ruídos sem origem. E um calor abafadiço. Parecia cercado por uma multidão.
Uma mosca teimosa pousou na minha cabeça. Forçava chamar-me a atenção. Queria invadir minha alma. Pelos olhos... orelhas. Desisti. Tapeá-la, inútil. Seria descendente longínqua das de minha infância.
Sentado numa parede caída... o velho Tancredo... Tranquedo, eu dizia. – E a siá Maria, perguntei? – Por aí... a voz do velho negro soou entre os escombros. As abelhas da caixa que apodrecera... um buraco nas fendas e o mel escorria descuidado... Passei o dedo... Lambi... bom...
Escutei a velha sanguinha cantando por entre pequenas pedras e raízes. Carregava folhas mortas para o mar. Como sempre. Tão longe. Sem pressa. Seria o velho sabiá da laranjeira? Estou doido... Estarei morto?
O Tancredo. É certo. O forno. A lenha que eu buscava com minha mãe. – Luizinho! Chamou-me o Tancredo. – E a Noêmia? – Mamãe se foi há tempo. – Vocês... catando lenha no mato... todo dia... Eu ajudava. Podia pouco. Velho, sabe.
Aquela pedra grande... a dos musgos. Desconfia de ti. Não te conhece. Tu tá tão mudado. Ela gosta de ti. Vai lá. Fala com ela. Meio boba. Ciumenta. Acha que tu não gosta mais dela. Ela chorou muito quando vocês se foram. Eu sempre falo com ela de noite.
Cheguei. Ela muda. Como ela estava mudada. Sem casa... galinha... porco... bezerro... pato... Tijolos velhos perdidos pela volta. Toquei-a... levemente. Ela estremeceu. Na sua dureza muda. Eu queria ouvi-la. Nada. – Conta as histórias de criança. Ela muda. Fria. Mais gelada do que qualquer pedra do mundo...
Quando saí, ouvi-lhe o pranto... Era tarde... tinha de ir-me. Coloquei uma flor de maracujá na sepultura do negro Tancredo, o antigo escravo. Fora ele a me ensinar os mais importantes segredos da minha infância.
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