terça-feira, 16 de dezembro de 2014

O SONHO DE UM PEQUENO LENHADOR


Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
Teria uns doze anos. Seu irmão, dois a menos. Chegaram ao proprietário do eito. Cada um com seu machado.
- Devem cravar duas estacas de cada lado para fazer a pilha. Cada pau deve ter um metro. Um cabo de machado. Pago no sábado. Sempre só no sábado. Três reais por metro.
É preciso destacar que, naqueles tempos, não havia motosserra. Toda lenha era feita a mão. Machado e braço humano. Quando as árvores eram muito grosas, havia os serrotes traçadores, puxados pelos braços de dois lenhadores, num vaivém, até o troco tombar.
Pois, os dois se achegaram, cada um a uma árvore e principiaram a bater no tronco, com os ferros afiados. Os machados pesam mais de 1kg em aço bruto. Quando o fio do aço atinge o tronco, o cabo vibra na mão.
As árvores não eram exageradamente grossas. Os trocos mais avantajados não passavam de 20cm de diâmetro. Além do mais, a árvore viva, verde é mais cortável do que um troco seco, morto.
Assim, foram vinte, trinta batidas de lâmina afiada para ouvir-se o tombar das duas primeiras plantas. Então, era desgalhar. Depois, partir os trocos em pedaços de metro, que deveriam ser empilhados em montes geométricos para a medição.
Como eram apenas eucaliptos, cujos troncos são bastante retos, as pilhas ficavam parelhas e facilmente mensuráveis. Desse modo, abatendo troncos, decepando varas, metro a metro, o dia foi correndo.

O sol subindo no céu claro e, pelo meio-dia, parecia cozer os cérebros dos meninos,  cobertos de cabelos bastos, por sob os chapéus de palha, ensopados de suor. Haviam abatido seis troncos cada um, que, somados, não passavam de um metro cúbico.

Dirigiram-se, então, ao outro lado do eito. Ali, quatro fortes rapazes, com mais de vinte anos, cada um cortava dez metros cúbicos por dia, a R$ 3,00 por metro, perfazendo um total de 40m3 diários, a cada jornada faziam jus a R$ 120,00. Assim, numa semana de seis dias, receberiam R$ 180,00 reais cada um.
Voltaram para o próprio eito, para devorarem a marmita fria e tocarem avante obra e sonho. Eles, que haviam cortado meio metro cada um em meio dia, produziriam dois metros no dia todo, se o cansaço e os calos das mãos permitissem, ou seja, R$ 3,00. Na semana, seriam R$ 18,00. O sonho era modesto. Decidiram prosseguir.

No segundo dia, as mãos cheias de bolhas ardiam severamente só ao aperto do cabo da ferramenta. Enfrentaram a dor, as bolhas explodindo, a carne nua exposta à madeira rija de cabo e tronco, os braços pesados, os troncos renitentes em deitar-se no monte e a produção caindo.
E assim, retornaram, jornada após jornada, a semana inteira, por pura teimosia. As bolhas infeccionadas, os músculos doendo, a madeira cada vez mais dura e pesada. O pai, em seus silêncios, assuntava com a própria alma, remoendo as aprendizagens necessárias, no trato com a vida. Arrastaram-se, no fim de tudo, pela manhã de sábado para receber o fruto do próprio esforço desumanizante.
O dono mediu a pilha. Mal feita, disse... frouxa... correu o metro novamente... olhou os troncos... Mal cortados, afirmou com o cenho franzido e puxou do bolso seis reais que passou às mãos do mais velho, dando-lhes as costas, com passo pesado, em cortante silêncio.
Retiraram-se lentamente... machados aos ombros... uma lágrima nos olhos do mais velho... o outro nem se dera conta da miséria recebida... Engolia a dor... rememorava as pequenas esperanças de um brinquedo para o Natal... mas, com aquilo? nada... absolutamente nada... Uma cruel desilusão turvou sua vista e maculou seu espírito... Titubeou... e o passo tropeçou no solo irregular... pés e alma pareciam caminhar por rumos distintos... E o sonho parecia morrer para sempre, naquela alma cândida...

Como reverter aquele destino tão inexorável... com mãos tão sensíveis e frágeis... e almas tão ingênuas e amarguradas?... Aí estava a encruzilhada de duas misérias: a indigência ou o crime... Haveria alguma outra alternância de perspectiva, para aquelas pobres criaturas desgraçadas, na Terra Prometida, onde até às aves silvestres, há sobeja abundância?

2 comentários:

  1. Historia triste muito triste, mas creio que ate hoje, em lugares remotos ainda existem esse tipo subserviência. Entretanto, aquilo que não mata fortalece. Dado aos fatos de que hoje, em dia, menores de idade não podem trabalhar como pincelado nesse conto, contudo, aquilo que não mata (Trabalho) contribui de forma harmonioso e saudável p/ o bem da juventude, a julgar que o ócio é um dos maiores catalisadores p/ aumentar o índice de criminalidade.

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  2. Caro amigo, obrigado pelo comentário ilustrativo de meu trabalho. E vi acontecerem fatos semelhantes a este. Contudo, concordo com o amigo. O trabalho, quando não prejudica a formação do indivíduo, é um bem. Quem trabalha e estuda situa o estudo no mundo real.

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