Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
(republicado de 07/09/2013)
Os pássaros do meu jardim, hoje, cedinho, pela manhã, deram-me uma grande lição sobre a inconsistência dos nossos conceitos de propriedade. Bem-te-vis, um velho sabiá, alguns pombos silvestres e muitíssimos pardais barulhentos e alegres disputavam os fragmentos de pão que eu jogava da porta da minha cozinha. Primeiramente, nenhum deles suspeitou ontem, ao se recolher para dormir, que poderia não ter alimento no dia de hoje. E, nessa certeza, dormiu uma noite sem pesadelos e nem inquietações.
Voltei-me para os muros protegidos por uma terrível cerca elétrica. Um pombo maior , muito garboso, chegou com uma palha no bico. Fiquei feliz, julgando eu fosse fazer seu ninho na pitangueira do meu pátio, vestida de noiva, com seus milhares de flores brancas. Fui para debaixo da planta. Percorri com o olhar galho por galho. Nada. Tive uma decepção momentânea. Ele escolhera um abacateiro do meu vizinho, mais frondoso, mais alto, mais protegido. E foi-se abrigando, sem fazer requerimento a ninguém. Sequer solicitou um habite-se na Prefeitura Municipal.
Esse fato posto diante de mim, logo pela manhã de um dia feriado, e feriado do dia da criação da pátria, levou meu pensamento para nosso sistema de propriedade. Fomos, pelos milênios afora, fracionando este nosso planeta. Cada um foi tomando muito mais do que aquilo de que poderia dar conta. Juntou gente para proteger esse espaço, da cobiça dos outros. E foram criando leis e regras protecionistas, como se fora Deus que as criara de todo sempre. A população foi crescendo. As frações foram diminuindo de tamanho, embora haja ainda que se esconda em glebas que poderiam abrigar a população de nações.
E isso tudo parece tão natural como o sol que aparece pelas manhãs e desaparece à tarde. Nem mesmo ele é tão natural assim. Ora, dizem: Eu comprei. Paguei pela minha terra, pela minha casa, pelo meu lugar. Herdei de meu pai, que, por sua vez, recebeu de meu avô. E, assim, os laços de propriedade se perdem pelas brumas acinzentadas do tempo. Se olharmos para os processos históricos, veremos que esse desenvolver-se não foi nem tão liso, nem tão natural como parece.
Não nos pareceria estúpido haver quem não tenha onde morar num país em que poderia abrigar comodamente um sétimo da humanidade? Faltar pão para alguém num país que está produzindo 186 milhões de toneladas de grãos em 2013 (somente de grãos), o que daria quase três kg diários para cada cidadão, não nos parece absurdo? Não há argumento que justifique isso. É injustiça mesmo.
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