Capítulo 04 B – A PÁTRIA DA HERESIA
Os bogomilos e as suas ramificações, como os cátaros, eram dualistas e gnósticos: para eles, o mundo material é inerentemente mau, o espírito está prisioneiro num corpo imundo e o único meio de libertação é através da Gnosis, a revelação pessoal que conduz a alma à perfeição e ao conhecimento de Deus.
Há muitas raízes possíveis do gnosticismo – a antiga filosofia grega, cultos misteriosos, como o de Dionísio, e outras religiões, como o hinduísmo, o zoroastrianismo, são possíveis candidatos. (Mais pormenores podem encontrar-se no estudo magistral de Yuri Stoyanov, The Hidden Traditionin Europe, 1994.)
Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch
Capítulo 04 B – A PÁTRIA DA HERESIA – Livro “The Templar Revelation – Secret Guardians of the True Identity of Christ” de Lynn Picknett e Clive Prince.
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CAPÍTULO IV B – A PÁTRIA DA HERESIA
Confrontados com o gênero de literatura sobre o tema do catarismo (*), que se encontra nas lojas turísticas do Languedoc, é desculpável pensarmos que era uma espécie de visão rudimentar da New Age. com uma teologia bem definida e simplista, existem literalmente dúzias de livros e panfletos que glorificam o humanitarismo dos cátaros e as suas crenças em princípios tão «modernos» hoje como a reencarnação e o vegetarianismo. De modo geral, isso é um absurdo sentimental.
(*) O catarismo (do grego καϑαρός-katharós, “puro, imaculado” de onde também deriva o nome feminino Catharina) foi um movimento cristão de ascetismo extremo no sul da França, centralizado na região do Languedoc entre os anos de 1100 e 1200, estreitamente ligado aos bogomilos da Trácia. O movimento foi tão forte no sul da França e na Europa Ocidental que a igreja Católica Romana passou a considerá-lo uma séria ameaça à religião ortodoxa de Roma. As principais manifestações do catarismo centralizavam-se na cidade de Albi, motivo pelo qual seus adeptos também receberam o nome de “albigenses”. A nova crença também arregimentou adeptos na Catalunha, na Alemanha, na Inglaterra e na Itália.
Os cátaros praticavam o vegetarianismo, não somente pelo seu amor aos animais mas devido à sua aversão pela procriação, e apenas comiam peixe, na convicção de que os peixes se reproduziam assexuadamente. A sua ideia de reencarnação baseava-se no conceito do «bom fim» (morte), que significava geralmente ser martirizado pela sua fé. Se sofriam esse fim, não se punha a questão de voltar a reencarnar neste miserável vale de lágrimas, aqui na Terra, caso contrário, teriam de regressar até o conseguirem.
Tem-se tentado argumentar que o catarismo era inteiramente um produto local do Languedoc; isso é manifestamente falso, mas ele englobou elementos regionais na sua teologia. Curiosamente, uma coisa que era única dos cátaros era a crença de que Maria Madalena era mulher de Jesus Cristo, ou talvez sua concubina que com ele teve filhos. Esta crença, no entanto, não era considerada conhecimento apropriado para todos os cátaros, mas era reservada apenas para os principais iniciados – o círculo mais fechado e secreto.
Os cátaros eram exageradamente antissexuais e mesmo anticasamento, por isso era improvável que eles tivessem inventado esta ideia; talvez ficassem tão horrorizados com ela que a reservaram para aqueles que já tinham provado ser fiéis.
Por vezes, os cátaros encontraram-se numa posição teológica embaraçosa; por um lado, encorajavam ativamente os seus fiéis a ler a Bíblia (ao contrário do catolicismo ortodoxo, que se opunha energicamente ao acesso popular às Escrituras, qualquer uma, para o catolicismo romano quanto mais ignorância melhor), mas, por outro, tiveram de reinterpretar radicalmente os acontecimentos bíblicos para os harmonizar com as suas crenças. O exemplo principal da sua reinvenção do Novo Testamento é o da sua visão da crucificação, em que eles colocam um Jesus, feito de puro espírito, a ser pregado na cruz. Embora não exista qualquer fundamento bíblico para este conceito, eles tiveram de inventar este «outro» Jesus, devido à sua aversão pelo corpo físico – ter um Cristo corpóreo, para eles, era impensável.
Assim, a sua ideia de Jesus e Maria Madalena serem parceiros sexuais dificilmente pode ter sido o resultado de uma suposição desejada por eles. De fato, eles debateram-se com diferentes justificações teológicas para explicar o casamento, algo que não os teria preocupado tanto se sentissem que podiam considerar a história um completo absurdo. Isto parece apontar para a preponderância da ideia da relação de Jesus e Maria Madalena, no Languedoc da época – não era apenas uma parte integrante do que as pessoas vulgares acreditavam, sem qualquer dúvida, mas também tão central para todo o mundo cristão daquela região que tinha de ser resolvida, de preferência a ser ignorada. Como escreve Yuri Stoyanov:
Apresentar Maria Madalena como «esposa» ou «concubina» de Cristo parece ser, além do mais, uma tradição original cátara que não tem qualquer contrapartida nas doutrinas dos bogomilos. Embora Maria Madalena fosse, e ainda seja, uma mulher muito popular na Provença, onde se supõe que ela viveu, foi no Languedoc que ela se tornou o centro de crenças abertamente heréticas e – como iríamos descobrir – é também nesta região que essas crenças originam paixões espantosas, boatos insensatos e segredos misteriosos.
Como vimos, a idéia de Jesus e Maria Madalena serem amantes também se encontra nos Evangelhos de Nag Hammadi, que ficaram escondidos no Egito desde o século IV da era cristã. Seria possível que as crenças semelhantes do Languedoc tivessem origem neles ou numa fonte comum? Alguns estudiosos, especialmente Marjorie Malvern, especularam que o culto de Madalena, no Sul de França, preservou estas primitivas ideias gnósticas. E há algumas provas de que, de fato, foi este o caso.
Na terceira década do século XIV, um notável opúsculo, denominado Schwester Katrei (Irmã Catarina) foi publicado em Estrasburgo, alegadamente escrito pelo místico alemão mestre Eckhart – mas os estudiosos são de opinião de que o verdadeiro autor foi uma das suas discípulas. Apresenta uma série de diálogos entre a «irmã Catarina» e o seu confessor, relativos à experiência religiosa de uma mulher e, embora contenha muitas ideias ortodoxas, também expõe muitas outras que, decididamente, não são tão ortodoxas. Por exemplo, faz esta afirmação: «Deus é a Mãe (o feminino) Universal […]» e revela claramente uma forte inspiração cátara, além da influência da tradição dos trovadores/Minnesingers.
Este invulgar e claro opúsculo liga Madalena com Minne (o princípio feminino) – a Mulher amada dos Minnesingers, e o mais interessante é que constituiu motivo de reflexão para os estudiosos porque contém ideias sobre Maria Madalena que, de outro modo, só se encontravam nos Evangelhos de Nag Hammadi: ela é retratada como sendo superior a Pedro, devido à sua maior compreensão dos ensinamentos de Jesus Cristo, e existe a mesma tensão entre Pedro e Maria. Além disso, acidentes factuais que são descritos nos textos de Nag Hammadi também são referidos no opúsculo da Irmã Catarina.
A professora Barbara Newman, da Universidade da Pensilvânia, foca esta dificuldade acadêmica nestas palavras: «O fato de a irmã Catarina usar estes temas levanta um problema espinhoso de transmissão histórica», e confessa que é «um fenômeno real, embora desconcertante. Como é que o autor do texto da Irmã Catarina, no século XIV, obteve o conteúdo de textos que só foram descobertos no século XX?
Não pode ser por coincidência que o opúsculo revela a influência dos cátaros e dos trovadores do Languedoc, e a conclusão óbvia é que foi através deles que foi transmitido o conhecimento dos Evangelhos gnósticos relativos a Maria Madalena; os seus segredos podem residir não só no que conhecemos como textos de Nag Hammadi mas também em documentos semelhantes, que ainda não foram redescobertos.
É interessante que exista no Sul de França, uma crença permanente na relação humana completa entre o casal Madalena e Jesus Cristo (o feminino e o masculino divinos, como Krishna e sua consorte Radharani). A investigação inédita de John Saul desenterrou muitas referências a esta união, na literatura do Sul de França, até ao século XVII – especificamente em obras de autores associados ao Priorado de Sião, como César, filho de Nostradamus (a obra de César foi publicada em Toulouse, um centro do catarismo).
Víramos na Provença que onde existem centros de Madalena se encontram habitualmente lugares associados a João Batista. Como os cátaros pareciam ter grande consideração por ela, talvez também prestassem a mesma veneração a Batista. Mas, pelo contrário, parecia que os cátaros tinham uma forte antipatia por Batista, a ponto de o descreverem como «um demônio». Este sentimento vem diretamente dos bogomilos, alguns dos quais o referiram (de modo um tanto confuso) como «precursor do Anticristo».
Um dos poucos textos sagrados dos cátaros ainda existente é o Livro de João (também conhecido por Liber Secretum), que é uma versão gnóstica do Evangelho de um outro João (o evangelista, o discípulo amado por Cristo): grande parte dele é exatamente igual ao Evangelho canônico, mas contém algumas «revelações» extras, supostamente feitas por Cristo, em segredo, a João, o «discípulo amado». Estas revelações são ideias gnóstico-dualistas, que se harmonizavam com a teologia geral dos cátaros.
Neste livro, Jesus diz aos discípulos que João Batista era, de fato, um emissário de Satanás (o senhor deste mundo material), enviado para tentar sabotar a sua missão de salvação. Era um texto originariamente bogomilo e não foi completamente aceito por todos os bogomilos ou por todos os cátaros. Muitas seitas cátaras alimentavam ideias mais ortodoxas ainda em relação a João Batista, e existem mesmo sinais de que os bogomilos dos Balcãs celebravam ritos a 24 de Junho, o dia da sua festa.
O que é certo é que os cátaros tinham um especial respeito pelo Evangelho de João, o qual é geralmente considerado pelos estudiosos como sendo o evangelho gnóstico do Novo Testamento. (Nos círculos ocultistas há um antigo rumor de que os cátaros tinham uma outra versão, agora perdida, do Evangelho de João, e muitos ocultistas têm pesquisado a área em redor de Montségur, na esperança de o encontrar – mas sem sucesso.)
É evidente que os cátaros tinham ideias não ortodoxas, embora talvez confusas, sobre João Batista. Mas teria algum significado o seu conceito de um João perverso e de um Jesus bom? Talvez não houvesse, mas – como sugeriram alguns comentadores modernos – a relação entre dois homens talvez não tivesse sido tão bem definida como a maioria dos cristãos é levada a acreditar. A ideia cátara pode ter representado a sua filosofia dualista no seu máximo simplista: do par, João e Jesus, um é mau e outro é bom.
Mas, se é assim, então a conclusão lógica é que eles os consideravam como sendo opostos mas iguais. Isto implica que os cátaros os consideravam rivais, o que dificilmente é a visão católica tradicional – e revela que dúvidas desconcertantes acerca do apoio de João à missão de Jesus há muito tempo tinham sido reconhecidas nesta região. Como a revelação de Madalena e Jesus, também a de João e Jesus parece ter sido entendida como sendo radicalmente diferente da versão ensinada pela Igreja romana.
Superficialmente, é decepcionante contar com os cátaros para a confirmação da importância de João para os movimentos heréticos. Mas existe uma importante organização histórica que faz mais do que repor o equilíbrio. São, evidentemente, os Cavaleiros da Ordem do Templo, os Templários, para quem João Batista sempre foi – inexplicavelmente – objeto de grande devoção. E tal como a cruzada dos cátaros deixou uma visível herança dos seus traumas na paisagem do Languedoc, também os castelos destes enigmáticos cavaleiros ainda se erguem das brumas nas partes mais remotas desta região.
Os Templários são, nesta altura, uma espécie de lugar-comum esotérico, como saberá qualquer pessoa que esteja familiarizada com a ficção de Umberto Eco, e a maioria dos historiadores, os ditos “eruditos”, não sente qualquer constrangimento em afastar, com o maior desdém, qualquer coisa que pretenda ser inspirada nos seus «segredos». No entanto, qualquer mistério ligado ao Priorado de Sião também envolve estes guerreiros-monges, e, portanto, eles são parte intrínseca desta investigação.
Um terço de todas as propriedades européias dos Templários encontrava-se, outrora, no Languedoc, e as suas ruínas apenas aumentam a beleza selvagem da região. Segundo uma das mais pitorescas lendas locais, sempre que o dia 13 de Outubro cai a uma sexta-feira (o dia e a data da súbita e brutal supressão da ordem) estranhas luzes aparecem nas ruínas e vêem-se figuras misteriosas a deambular entre elas. Infelizmente, nas sextas-feiras que passamos naquela região, não vimos nem ouvimos nada, exceto os roncos alarmantes dos javalis selvagens; mas a história mostra como os Templários se tornaram parte da lenda local.
Os Templários continuam a viver nas lembranças dos habitantes locais, e essas lembranças não são, de modo algum, negativas. Mesmo neste século, a famosa cantora de ópera Emma Calvé, que veio de Aveyron para o norte do Languedoc, registrou nas suas memórias que os habitantes locais, a respeito de um rapaz ser especialmente bonito ou inteligente, dizem: «É um verdadeiro filho dos Templários.”
Os fatos principais relativamente aos Templários são simples. Oficialmente conhecidos por Ordem dos Cavaleiros Mendicantes do Templo de Salomão, foram organizados em 1118 pelo fidalgo francês Hugues de Payens, como escolta cavaleiresca dos peregrinos da Terra Santa. Inicialmente, eram apenas nove, durante os primeiros nove anos, depois a ordem expandiu-se e, em breve, estabeleceu-se como uma força a se considerar, não apenas no Médio Oriente mas também em toda a Europa.
Após o reconhecimento da ordem, Hugues de Payens iniciou uma viagem europeia, solicitando terras e dinheiro à realeza e à nobreza da Europa. Em 1129, visitou a Inglaterra e fundou o primeiro centro templário daquele país, no lugar que é agora a Estação do Metropolitano de Holborn, em Londres.
Como todos os outros monges, os cavaleiros faziam votos de pobreza, castidade e obediência, mas viviam no mundo e do mundo e comprometiam-se a usar a espada, se necessário, contra os inimigos de Cristo – e a imagem dos Templários tornou-se inseparavelmente associada às cruzadas que foram empreendidas para expulsar os infiéis de Jerusalém e conservá-la cristã.
Foi em 1128 que o Concilio de Troyes reconheceu oficialmente os Templários como uma ordem religiosa e militar. O principal protagonista que esteve por detrás deste movimento foi Bernardo de Clairvaux, o dirigente da Ordem de Cister, que, mais tarde, foi canonizado. Mas como escreve também Gascoigne:
Ele era agressivo, era injurioso… era um político desleal, pouco escrupuloso nos métodos que usava para abater os seus inimigos.
Bernardo foi, de fato, o autor da Regra dos Templários – que foi baseada na de Cister – e foi um dos seus protegidos quem, como papa Inocêncio II, declarou, em 1139, que os Cavaleiros apenas seriam responsáveis perante o papado a partir daquela data. Como a Ordem dos Templários e a de Cister evoluíram em paralelo, pode discernir-se alguma coordenação deliberada entre elas – por exemplo, o suserano de Hugues de Payens, o conde de Champagne, doou a S. Bernardo as terras de Clairvaux, em que ele construiu o seu «império» monástico. E, de modo significativo, André de Montbard, um dos nove Cavaleiros fundadores, era tio de Bernardo. Tem sido sugerido que os Templários e os cistercienses atuavam em conjunto, segundo um plano pré-estabelecido, para dominar a Europa, mas esse plano nunca teve êxito.
É difícil exagerar o prestígio e o poder financeiro dos Templários quando estavam no auge da sua influência na Europa. Dificilmente existia um centro importante de civilização onde eles não tivessem um preceptorado – como, por exemplo, a proliferação de topônimos, como Temple Fortune e Temple Bar (Londres) e Temple Meads (Bristol) em Inglaterra ainda mostra. Mas, à medida que o seu império se expandia, a sua arrogância aumentou e começou a envenenar as suas relações com os chefes de Estado temporais e também seculares ou a cobiça e a inveja destes mesmos como Felipe o Belo, rei da França, em relação ao poder e à riqueza possuída pelos Templários, despertou a ira na nobreza europeia contra a Ordem.
A riqueza dos Templários, em parte, era resultante da sua regra: todos os novos membros tinham de entregar os seus bens à ordem, a qual também acumulou uma considerável fortuna através de enormes doações de terras e de dinheiro feitas por reis e nobres. Os cofres da ordem em breve transbordavam de dinheiro, não menos devido a terem adquirido uma impressionante organização financeira, cuja consequência foi transformá-los nos primeiros banqueiros internacionais, de cujo critério dependiam as taxas de crédito das outras instituições. Foi uma maneira segura de se instituírem como um poder importante. Num curto espaço de tempo, o seu título de «Cavaleiros Mendicantes» tomou-se uma profunda hipocrisia, apesar de os soldados rasos (a maioria) poderem ter continuado pobres.
Além da sua espantosa riqueza, os Cavaleiros Templários eram famosos pela sua destreza, bravura e coragem em combate – por vezes, até ao ponto da entrega ao sacrifício em campo de batalha, um cavaleiro Templários jamais recuava, ou vencia ou perecia no campo de combate. Tinham regras específicas que regulamentavam a sua conduta como guerreiros, por exemplo, era proibido renderem-se, a não ser que as probabilidades em seu desfavor fossem superiores a três contra uma, e mesmo assim tinham de obter a aprovação do seu comandante. Eram os serviços militares especiais da sua época – uma força de elite, com cavalaria, armaduras, pesado armamento, com muito poder econômico e Deus do seu lado. Um exército convencional não era páreo para enfrentá-los.
Apesar dos seus melhores esforços, a Terra Santa caiu em poder dos sarracenos, pouco a pouco, até que, em 1291, o último território católico, a cidade de Acre, passou para as mãos inimigas. Não havia nada que os Templários pudessem fazer para além de regressar à Europa e planejar de lá a sua eventual reconquista, mas, infelizmente, nessa altura a motivação para tal campanha já desaparecera entre os vários reis que a podiam ter financiado. A sua principal razão de existir reduzira-se – aparentemente – a nada (n.t. isso para os neófitos que ainda hoje acreditam que a ordem foi fundada para defender peregrinos em passeio na (maldita) “terra santa”. Sem ocupação aparente, mais ainda ricos e arrogantes, eram a maior força militar da Europa e foram alvo de ressentimento generalizado porque estavam isentos de pagamento de impostos e apenas deviam obediência ao papa e a mais ninguém .
Assim, em 1307, inevitavelmente, caíram em desgraça. O paupérrimo e falido rei francês Filipe, o Belo, que inclusive teve sua própria vida salva pela Ordem, começou a orquestrar a queda dos Templários com a conivência do papa francês, o qual, em todo o caso, o rei elegera e dominava. Foram emitidas ordens secretas aos representantes aristocráticos do rei e os Templários foram capturados a 13 de Outubro de 1307, sexta-feira, presos, torturados e condenados à morte pelo fogo.
Pelo menos, esta é a história contada na maioria das obras “clássicas eruditas” sobre este tema. Fica-se com a ideia de que toda a ordem encontrou o seu horrível fim naquele dia longínquo e que os Templários foram efetivamente varridos da face da Terra para sempre. Contudo, nada pode estar mais longe da verdade.
Para começar, relativamente poucos Templários foram, de fato, presos e executados, embora a maioria dos que foram presos fosse «sujeita a interrogatório» – um velho eufemismo para o sofrimento de torturas atrozes. Relativamente poucos Templários foram condenados à fogueira, embora o seu grão-mestre Jacques de Molay, já com setenta anos, fosse queimado lentamente, até à morte, na Île de La Cité, à sombra da Catedral de Notre Dame em Paris. Dos milhares de outros Templários, apenas os que se recusaram a confessar ou se retrataram da sua confissão foram mortos. Mas que validade tinham as confissões arrancadas com ferros em brasa ou com instrumentos para esmagar os polegares? E que se esperava, exatamente, que eles confessassem?
Os relatos das confissões dos Templários são, no mínimo, coloridos e absurdos. Ficamos a conhecer que veneravam um gato ou que se entregavam a orgias homossexuais como parte dos seus deveres de cavaleiros ou veneravam um demônio conhecido por Baphomet e/ou uma cabeça decepada. Também foram acusados de terem pisado e cuspido na cruz num rito de iniciação. Tudo isto, evidentemente, parecia tornar absurda a idéia de que eles eram dedicados cavaleiros de Cristo e defensores do ideal cristão, e quanto mais eram torturados mais aparente se tornava esta divergência.
Mas isto não é surpreendente: não são muitas as vítimas de tortura que conseguem ranger os dentes e recusar concordar com as palavras que são postas na sua boca pelos carrascos. Mas, neste caso, há mais nesta história do que aquilo que é visível. Por um lado, tem havido sugestões de que todas as acusações apresentadas contra os Templários foram forjadas pelos que invejavam e queriam tomar posse da sua imensa riqueza, como o rei Filipe, e se sentiam exasperados pelo seu poder, e que essas acusações deram ao rei francês um bom pretexto para se libertar das suas conhecidas dificuldades econômicas, apoderando-se da riqueza dos Templários. Por outro lado, embora as acusações possam não ser estritamente verdadeiras, há provas de que os Templários encontraram algo misterioso, durante as suas escavações de quase dez anos no local do Templo de Salomão, em Jerusalém, logo no início da ordem, algo que se manteve «secreto», no sentido ocultista. É evidente que estas duas ideias alternativas não se excluem mutuamente.
Muita tinta tem corrido sobre o debate das acusações feitas aos Templários e às suas confissões. Cometeram eles, de fato, os atos que confessaram ou os inquisidores inventaram, antecipadamente, as acusações e simplesmente torturaram os cavaleiros até que eles concordassem com elas? (Alguns cavaleiros declararam que lhes tinham dito que Jesus era um «falso profeta», por exemplo.) É impossível afirmar uma coisa ou outra de forma conclusiva.
Há, contudo, uma determinada confissão que constitui motivo de reflexão. É a de um certo Fulk de Troyes, que disse que lhe tinham mostrado um crucifixo dizendo: «Não acredites nisto, porque é demasiado novo.» Dado o conceito rudimentar da história nessa época, parece improvável que um inquisidor tivesse inventado esta enigmática afirmação.
É certo que o Priorado de Sião alega ter sido o poder (uma ideia absurda) quem estava por detrás da criação dos Cavaleiros do Templo; se foi assim, então este é um dos segredos mais bem guardados da história. Diz-se, contudo, que as duas ordens foram virtualmente indistinguíveis até ao seu cisma, em 1188 – após o qual seguiram caminhos separados. Contudo, parece ter havido uma espécie de conspiração relativamente ao momento da criação da Ordem dos Cavaleiros Templários. O senso comum sugere que seriam necessários mais do que apenas os nove cavaleiros originais para proteger e oferecer refúgio a todos os peregrinos que visitavam a Terra Santa, especialmente durante nove anos; além disso, há poucas provas de que alguma vez eles tivessem feito uma tentativa séria nesse sentido.
Em breve os Templários verificaram que eram os meninos mimados da Europa, sendo-lhes concedidos privilégios e honras muito desproporcionados em relação àqueles que, de fato, mereciam. Por exemplo, foi-lhes concedida toda uma ala do palácio real de Jerusalém – o lugar que, anteriormente, era uma mesquita, e antes ainda foi o maior templo dos hebreus. Esta, por sua vez, julgava-se, ter sido construída sobre os alicerces do Templo de Salomão, do qual os Templários tomaram o seu nome completo.
Outro mistério ligado aos seus primeiros tempos centra-se no fato de que há provas de que a ordem já existia há bastante tempo, antes ainda de 1118, embora permaneça obscuro o motivo por que a data foi falsificada. Muitos comentadores sugeriram que o primeiro relato da sua criação – da autoria de William of Tyre e escrito cinquenta anos depois do acontecimento – foi simplesmente uma história de fachada. (Embora William fosse profundamente hostil aos Templários, ele estava, presumivelmente, a recontar a história tal como a conhecia). Mas, mais uma vez, o que o relato estava a encobrir é uma questão para especulação.
Hugues de Payens e os seus nove companheiros eram todos originários de Champagne e do Languedoc, incluindo o conde da Provença, o local de veneração de Madalena e das Virgens Negras, e é evidente que partiram para a Terra Santa, tendo em mente uma missão específica. Talvez, como foi sugerido, estivessem à procura da Arca da Aliança ou de outro tesouro ou documentos antigos que os conduzissem até ela ou de algum tipo de conhecimento secreto que lhes concedesse o domínio sobre as pessoas e as suas riquezas.
Recentemente, Christopher Knight e Robert Lomas, em seu livro The Hiram Key, afirmaram que os Templários procuravam e encontraram um esconderijo de documentos da mesma fonte dos manuscritos do Mar Morto. No entanto, por intrigante que esta sugestão possa ser, os autores não apresentam provas convincentes – e, como veremos, toda a questão da proveniência dos manuscritos está cheia de equívocos e mitos. Mas há provas de que os Templários, de fato, encontraram novo conhecimento junto dos árabes e de outros povos, em consequência das suas viagens.
Para nós, uma das coisas mais fascinantes relativamente aos Templários era a sua invulgarmente profunda veneração de João Batista, que parece ser bastante mais importante para eles do que o típico santo patrono. O Priorado de Sião – outrora, diz-se, inseparável dos Templários – dá o nome de «João» aos seus grãos-mestres, talvez por deferência para com ele. Contudo, é virtualmente impossível descobrir as razões da fidelidade dos Templários em qualquer história clássica; a explicação habitual é que João era especial para eles, porque foi o mestre de Jesus. Algumas pessoas sugeriram que a cabeça decepada, que se dizia ser venerada por eles, era a do próprio Batista – mas o culto deste totem implica, em todo o caso, que os Templários eram algo muito diferente do que simples cavaleiros cristãos.
Muito do seu simbolismo, aparentemente ortodoxo, esconde alusões específicas a «João». Por exemplo, o Cordeiro de Deus era uma das suas imagens mais importantes. Muitos cristãos presumem que ela se refere a Jesus Cristo – tendo Batista dito dele «eis o Cordeiro de Deus» -, mas, em muitos locais, como a região oeste de Inglaterra, presume-se que este símbolo se refere a João, e os Templários parecem ter-lhe atribuído o mesmo significado. O símbolo do Cordeiro de Deus foi adotado como um dos selos oficiais dos Templários; este símbolo era específico da ordem no Sul da França.
Uma pista de que a veneração de João Batista por parte dos Templários não era uma simples questão de prestar homenagem ao santo escolhido para patrono, mas escondia alguma coisa muito mais radical, encontra-se na obra de um sacerdote erudito de nome Lambert de St Omer. Lambert era companheiro de um dos nove Cavaleiros fundadores e lugar-tenente de Hugues de Payens, Godefroi de St. Omer. Em The Hiram Key, Christopher Knight e Robert Lomas reproduzem uma ilustração de Lambert que representa a «Jerusalém celeste» e observam que:
[…] aparentemente indica que o fundador [da Jerusalém celeste] é João Batista. Não há qualquer referência a Jesus em todo este documento chamado cristão.
Como no simbolismo da pintura de Leonardo, a implicação é que João Batista é importante por direito próprio e não apenas pelo seu papel de precursor de Jesus.
Dois anos depois das prisões em massa, enquanto os Cavaleiros estavam ainda a ser julgados, o visionário e o ocultista catalão Ramon Lull (c. 1232-c. 1316), anteriormente um firme apoiante da ordem, escreveu que os julgamentos revelam «perigos para o barco de S. Pedro (Para o Vaticano)» e acrescenta: Há talvez entre os cristãos muitos segredos, dos quais um [determinado] segredo pode dar origem a uma revelação incrível, tal como aquele [que está] a emergir dos Templários… uma infâmia tão pública e manifesta que pode, por si própria, pôr em perigo o barco de S. Pedro e afundá-lo definitivamente.
Lull parece estar se referindo não só aos perigos para a Igreja de Roma provocados pelas revelações acerca dos Templários mas também a outros segredos de igual magnitude; também parece aceitar as acusações feitas contra os Templários – embora, naquela fase, talvez fosse imprudente questioná-las. Podia o Languedoc, outrora pátria da maior concentração de Templários da Europa, fornecer algumas pistas quanto à verdade acerca da Ordem? Mesmo passado todo este tempo, esta é uma região com longas memórias e um saudável desrespeito pela convenção e um desprezo absoluto contra Roma.
Como vimos, os cátaros e os Templários floresceram aqui, ao mesmo tempo, mas, dada a interpretação que geralmente se faz dos seus valores relativos, pareceria que estes dois grupos, altamente influentes, deviam estar em lados opostos. Na verdade, o símbolo dos Templários, uma cruz vermelha sobre fundo branco, é tomado, muitas vezes, como o de um cruzado típico. Contudo, há muitas indicações de que os Templários eram, se não apoiantes ativos, certamente simpatizantes dos «heréticos» das montanhas – e é indiscutível que os Templários foram notáveis pela sua ausência e apoio na Cruzada dos Albigenses.
E reconhecido que o interesse primordial dos Cavaleiros, na época, se situava muito longe, na Terra Santa, e muitos deles eram oriundos das mesmas famílias dos cátaros, mas talvez nenhuma destas razões explique totalmente a sua falta de interesse em perseguir os hereges cátaros.
Quais eram, então, os verdadeiros interesses e motivos dos Templários ? Eram eles apenas os monges guerreiros que alegavam ser ou os seus planos tinham uma dimensão secreta, oculta?
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