Posted by Thoth3126 on 18/09/2020
Capítulo 03 B – NO RASTRO DE MARIA MADALENA
Se Madalena fosse realmente a amante ou a esposa de Jesus, a sua enigmática posição no Novo Testamento estaria explicada. Ela parece importante, mas a razão da sua posição nunca é clarificada; talvez os autores esperassem que a sua audiência já tivesse conhecimento prévio da sua relação com Jesus…
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CAPÍTULO III C – NO RASTRO DE MARIA MADALENA
… Afinal, como tem sido referido, os rabis eram normal e tradicionalmente homens casados; um pregador solteiro teria causado muito maior sensação, e uma afirmação nesse sentido teria sido certamente incluída nos Evangelhos.
Numa cultura tão dinástica e patriarcal, se Jesus fosse solteiro e sem filhos, esse fato não só teria causado sensação como teria constituído uma parte mais óbvia do relato dos seus ensinamentos. De fato, o celibato era e é considerado tão horroroso, na tradição judaica, a ponto de ser considerado pecaminoso. Jesus teria sido conhecido por pregar o celibato; esta acusação nunca lhe foi feita, nem mesmo pelos seus inimigos mais implacáveis. A vida monástica foi uma inovação muito mais tardia do catolicismo ortodoxo e dogmático – mesmo Paulo, aparentemente misógino, admitiu que «é melhor casar que arder».
A própria ideia de Jesus como um ser sexual é tão desagradável à maioria dos católicos que, como vimos, a sequência imaginária do filme de Martin Scorsese, com Jesus e Maria na cama, provocou clamores de horror em massa pelo mundo católico. Por toda a parte, os católicos declararam-na sensacionalista, sacrílega e blasfema. Mas a verdadeira razão desta revolta foi nada menos que os subjacentes medo e ódio atávicos às mulheres (n.t. E a outra metade de Deus, o poder feminino).
Tradicionalmente, elas são consideradas como basicamente impuras, e a sua proximidade física como poluente do corpo, da mente e do espírito dos homens, “naturalmente” bons e puros; certamente que o Filho de Deus nunca se exporia a esse perigo mortal. O horror provocado pela ideia de Jesus, entre todos os homens, ser o parceiro sexual de qualquer mulher é multiplicado por mil quando o nome da sua amante é Maria Madalena – uma bem conhecida “prostituta”.
Embora este assunto seja minuciosamente analisado mais tarde, é suficiente dizer agora que a questão de ela ser, ou de realmente ter sido, uma mulher da rua deve permanecer em aberto. Há testemunhos pró e contra a sua antiga profissão, mas o aspecto mais significativo da questão é que a Igreja preferiu retratá-la como prostituta, mesmo que arrependida. Esta interpretação, altamente seletiva, da sua personalidade também serviu para transmitir duas mensagens importantes: que Madalena, em particular, e todas as mulheres, em geral, eram impuras e espiritualmente inferiores aos homens e que a redenção só se encontra na Igreja.
Se é impensável que Jesus e esta (suposta) ex-prostituta fossem amantes, também para a maioria dos católicos é quase igualmente ultrajante sugerir que eles fossem marido e mulher. Como vimos, os autores de The Holy Blood and The Holy Grail argumentam que, se Madalena fosse a mulher de Jesus, isso explicaria o motivo por que ela é tão importante para o Priorado de Sião e para a sua ideia de uma descendência sagrada e divina. Contudo, esta não foi, de modo algum, a primeira vez que esta ideia foi publicada.
Foi em 1931 que D. H. Lawrence publicou a sua última novela The Man Who Died, em que Jesus Cristo sobrevive à cruz e encontra verdadeira redenção através do ato sexual com Maria Madalena que é claramente identificada como uma SACERDOTISA DE ÍSIS (n.t. a aqui começa a razão do medo que a igreja romana tem de Madalena…). Lawrence também associa Jesus a Osíris, o deus morto-e-ressuscitado, consorte daquela deusa. Originalmente, a história foi intitulada The Escapes Cock, e como escreve Susan Haskins: o galo… está associado à ideia do corpo ressuscitado (a figura humana de Cristo, fazendo um jogo de palavras, exclama: «Ressuscitei!» quando, por fim, teve uma ereção…) parece estranho que se tivesse concentrado tanto a atenção em o Amante de Lady Chatterley, quando esta outra obra, potencialmente muito mais controversa, escapou à censura.
Embora seja possível apresentar bons argumentos a favor de Jesus e Madalena terem sido casados – e, por implicação, terem tido filhos -, esse fato, em si, parece uma fraca razão para que o priorado investisse tanta paixão na sua devoção a Madalena, porque, como vimos no capítulo anterior, há razões importantes para dar pouco crédito à ideia de que a dinastia merovíngia descendia dos dois. O seu fascínio reside noutra coisa, alguma coisa evasiva mas não impossível de se sentir. Sugestões desse encanto vislumbram-se no poder da sua imagem na nossa cultura, mas foi na França, dizem os entendidos, que a verdadeira mulher acabou os seus dias.
O mais famoso relato de Madalena, em França, é Golden Legend (já de 1250) de Jacobus de Voragine. Nele, De Voragine, o frei dominicano arcebispo de Gênova, descreve-a como Iluminata e Iluminatrix – a Iluminada e a “ILUMINADORA” -, o que é particularmente interessante porque são estes os papéis que lhe são atribuídos em todos os textos gnósticos proibidos pela igreja romana. Ela é retratada como sendo, ao mesmo tempo, a iluminada e a que confere a luz, iniciada e iniciadora: não há qualquer sugestão de que fosse espiritualmente inferior ao homem por ser mulher – é exatamente o contrário.
Como sucede com todas as lendas, há várias versões de um tema central que, todavia, permanece notavelmente constante. A história essencial é a seguinte: pouco depois da Crucificação, Maria Madalena, juntamente com os seus (Três) filhos, com Marta e Lázaro, em companhia de várias outras pessoas – as suas identidades variam, consoante a versão da história -, viajou por mar até à costa do que é agora a Provença, no sul da atual França. Entre o elenco dos seus acompanhantes, contam-se São Maximin, considerado um dos setenta e dois discípulos de Jesus e lendário primeiro bispo da Provença, Maria Jacobi e Maria Salomé, alegadamente tias de Jesus, uma serva negra chamada Sara e José de Arimateia, um homem rico, amigo (n.t. na realidade ele era tio) de Jesus e associado, muitas vezes, à história de Glastonbury na Inglaterra.
O motivo desta longa viagem, supostamente arriscada e incômoda, também depende da versão que lemos. Segundo uma versão, este grupo fugiu à perseguição dos judeus à Igreja Cristã primitiva (n.t. a heresia católica de Roma só surgirá após se passarem mais três séculos, em 325). Outro motivo essencial apresentado é que eles foram deliberadamente lançados à deriva num barco sem leme e sem remos. É evidente que foi literalmente um milagre terem alcançado terra firme eao atravessarem o Mar Mediterrâneo.
O quadro do Sul de França, nos tempos da chegada de Madalena e seus acompanhantes, pintado pela história medieval era o de um deserto remoto, habitado apenas por selvagens pagãos. Na realidade, a Provença era uma parte importante do Império romano – uma zona altamente civilizada, com prósperas comunidades romanas, gregas e mesmo hebraicas; a família Herodes possuía propriedades no Sul de França. E, longe de esta viagem ser extraordinariamente árdua e invulgar, ela era a rota normal dos navios mercantes e não era mais difícil que a viagem, digamos, de Tiro ou Sídon (Líbano) para Roma. Se este determinado grupo veio para a Provença, podia ter vindo voluntariamente, sem ter sido obrigado a fugir (n.t. e apenas obedecendo sua orientação interna, de acordo com os planos em desenvolvimento da Hierarquia Espiritual).
As lendas concordam que eles desembarcaram no que é hoje a cidade de Saintes-Maries-de-la-Mer (Santas Marias do Mar, nome sugestivo), na Camarga. Chegados ali, o grupo dividiu-se e seguiu caminhos diferentes para espalhar o Evangelho. Diz a história que Madalena pregou por toda a região, convertendo os pagãos, antes de se tornar eremita, numa caverna existente na região de Sainte-Baume. Segundo algumas histórias, ela viveu ali durante quarenta anos, um período improvável mas biblicamente venerável, passando o que deviam ter sido longos dias a arrepender-se dos seus pecados e a meditar sobre a mensagem de Jesus Cristo.
Para condimentar um pouco a história, diz-se que ela passou todo este tempo nua, à exceção de um cabelo curiosamente abundante que efetivamente a revestia e que faz lembrar as peles de animais de João Baptista. No fim da vida, dizem, ela foi transportada por anjos até junto de São Maximin (então o primeiro bispo da Provença), que lhe administrou os últimos ritos antes de ela morrer. O seu corpo foi enterrado na cidade a que deram o nome do bispo.
É uma história bonita, mas há nela alguma verdade? Para começar, é extremamente improvável que Madalena fosse eremita, durante qualquer período de tempo, numa caverna em Sainte-Baume. Mesmo o atual guardião oficial do santuário católico admite que ela nunca ali esteve. Contudo, o local não é desprovido de significado. Na época romana, longe de ser um eremitério na região mais remota da Terra, era uma região muito povoada, e a própria caverna era um centro de culto da deusa Diana Lucifera (Lucifera = a «portadora de luz» ou a ILUMINATRIX, a que ilumina).
Embora uma Madalena nua – mas sem o cabelo cortado – tivesse sido certamente o centro das atenções, dificilmente ela estaria sozinha naquele lugar de culto porque muitas outras sacerdotisas e cultistas teriam afluído à caverna. Mas, apesar de a “catolização” dos lugares pagãos, mesmo que apenas retrospectivamente, ser uma famosa prática histórica, outra coisa parece ser ali sugerida.
(Curiosamente, Arles – a populosa cidade mais próxima do lugar onde se julga que Madalena desembarcou – era um centro importante do culto de ÍSIS. Esta região pantanosa e inóspita parece ter abrigado vários grupos de culto da deusa e, sem dúvida, continuou a oferecer refúgio aos membros do culto numa época avançada e mais perigosa da era católica).
De fato, a metamorfose da outrora esplendidamente voluptuosa Madalena numa eremita magra e chorosa foi a versão da igreja católica deliberada de uma história muito mais ambivalente: todos os elementos importantes foram extraídos da lenda do século V relativa a Santa Maria, a egípcia, que foi também uma prostituta transformada em eremita e cuja penitência, no deserto da Palestina, durou quarenta e sete anos. (Obviamente, no entanto, os hábitos antigos são difíceis de perder, porque ela financiou a sua viagem de barco para a Palestina oferecendo aos marinheiros os seus habituais serviços pessoais – e, ainda mais singular, ela foi considerada santa por ter procedido assim…)
Evidentemente – e à luz de outros argumentos que serão apresentados mais tarde -, a «parte» penitente da história de Madalena é uma invenção deliberada da Igreja católica medieval para a tornar mais aceitável. Mas descobrir o que ela não foi não esclarece, só por si, nem a sua história nem a sua personalidade. No entanto, repetidas vezes enfrentamos a curiosa atração das pessoas por esta mulher que ultrapassa o simples carisma contemporâneo e cujo apelo não só sobreviveu aos séculos e milênios como parece estar aumentando no nosso tempo atual.
Há milhares de lendas de santas, umas mais credíveis que outras, mas, infelizmente, a maioria delas são simples fábulas. Por que deveria ser diferente no caso de Maria Madalena? Por que deveria haver alguma realidade nesta lenda? Muitos comentadores alegaram que a lenda de Madalena, em França, era a simples invenção de publicitários franceses astutos, ansiosos por criar para si mesmos um legado bíblico espúrio (muito semelhante às histórias do jovem Jesus visitando a região oeste da Inglaterra).
Inegavelmente, muitos pormenores da história francesa de Madalena são acréscimos posteriores, mas há razões para suspeitar de que, no todo, ela se baseia em fatos verdadeiros. Porque, embora seja ir demasiado longe pretender que Jesus visitou a região oeste da Inglaterra – na época, uma área muito remota, para além do Império romano -, dificilmente se compara a sugerir que uma mulher, com recursos financeiros independentes, embarcasse com destino a uma cultura florescente nas margens do Mediterrâneo romanizado.
Mas muito mais significativa era a natureza do seu papel nestas histórias: ela é explicitamente descrita como uma pregadora. Como vimos, logo no início, a Igreja referiu-se a ela como «a Apóstola dos Apóstolos», mas, na Idade Média, teria sido impensável atribuir este papel a uma mulher. Se, como afirmam os críticos, a lenda francesa de Madalena tivesse sido inventada por monges medievais, eles não lhe teriam atribuído o papel de apóstola, então enfaticamente masculino. Isto sugere que a história se baseou numa reminiscência verdadeira da própria mulher, embora embelezada, ao longo dos séculos. E, curiosamente, os historiadores concordam que o cristianismo foi instituído na Provença no século I.
Tomando a cidade de Marselha como base, partimos para visitar os principais locais associados à lenda de Madalena.
O rastro, como a própria história, começava em Saintes-Maries-de-la-Mer, a duas horas de viagem de Marselha, na Camarga, a região pantanosa salpicada de lagoas – étangs – onde o Rhône deságua no Mediterrâneo. Saintes-Maries-de-la-Mer é a única cidade de uma região que também se dedica à criação de cavalos, pelos quais a Camarga é famosa, e que constitui um santuário para muitas espécies de aves marinhas, incluindo bandos de flamingos que, vindos da África, visitam este litoral.
É um lugar selvagem, zumbindo com nuvens de mosquitos ao crepúsculo, e, após uma longa viagem através dos pântanos, desde Arles, é quase um choque chegar a Saintes-Maries e descobrir que é uma cidade com grande movimento turístico, incluindo feiras de diversões, bares e restaurantes. Como o resto da Camarga, a cidade tem um toque distintamente espanhol, até mesmo uma praça de touros – que, aqui, se situa junto à praia. A Igreja de Notre-Dame de la Mer (N. Sra do Mar), em forma de galeão, eleva-se, abruptamente, acima dos edifícios baixos da cidade, e não é surpresa saber que esta igreja foi completada com fortificações: situada numa remota cidade costeira, a igreja estava sob constante ameaça de piratas e de outros inimigos.
Três Marias são veneradas aqui: Maria Madalena, Maria Jacobi e Maria Salomé. A igreja tinha particular interesse para René d’Ánjou (1408-1489), rei de Nápoles e da Sicília e, segundo o Priorado de Sião, um dos seus antigos grão-mestres. O «Bom Rei René», como ficou conhecido na história, era um fervoroso devoto de Madalena e obteve autorização do papa para escavar a cripta. Encontrou dois esqueletos, que foram declarados como sendo os de Maria Jacobi e Maria Salomé, mas não encontrou vestígios de Madalena.
No interior da igreja existe um curioso altar, dedicado a Sara, a egípcia, supostamente a serva das Marias. Considerada, tradicionalmente de cor negra, ela é a santa padroeira dos ciganos, que convergem para a cidade aos milhares, todos os dias 25 de Maio, num festival em sua honra, se elege a rainha cigana de cada ano, para em frente da estátua de Sara, a qual é depois levada em procissão e cerimonialmente mergulhada no mar. Naturalmente, este evento tornou-se o principal programa turístico da região e tem atraído muitos nomes famosos ao longo dos anos – incluindo Bob Dylan, que se inspirou para escrever uma canção acerca da sua visita.
Entre outros visitantes ilustres, uma visita é comemorada por uma placa, na praça exterior à igreja: a do então cardeal Angelo Roncalli (1881-1963), então embaixador do Vaticano em França e, mais tarde, eleito o papa JOÃO XXIII. Tem-se afirmado que ele era membro do Priorado de Sião quando Jean Cocteau detinha o título de Jean (JOÃO) XXIII como grão-mestre.
Seguindo o que se afirma ter sido o itinerário da própria Madalena, regressamos ao calor e ao movimento de Marselha, onde ela pregava. Das duas catedrais que se erguem lado a lado, uma tem apenas 150 anos e continua a ser usada. Embora a sua decoração celebre o tema de Madalena, ela é, presumivelmente, o resultado da tradição e das expectativas locais. E o edifício mais antigo, o Vicille Major, que, indiscutivelmente, é o mais interessante dos dois e contém representações aparentemente autênticas da vida e da obra da santa naquela região. E, tal como a cúpula de Notre-Dame de France, em Londres, o teto foi decorado para parecer uma gigantesca teia de aranha. Atualmente considerada insegura, esta catedral já não está aberta ao público.
Construída no século XII, no local de um batistério do século v, a catedral é evocativa do antigo madalenismo. Não apenas possui uma capela, que é especificamente dedicada à Madalena, como a capela de São Sereno tem uma série de baixos-relevos que representam cenas da sua vida – que foram encomendados por René d’Anjou. Um deles representa-a, de fato, a pregar, reforçando assim a sua imagem de apóstola, segundo os Evangelhos gnósticos. E, provavelmente, como teve êxito na conversão dos «pagãos», alguém devia estar disponível para os batizar na fé cristã – mas quem? Poderia ser que ela, a Apóstola dos Apóstolos, assumisse também esse papel?
Segundo a tradição local, ela pregava nos degraus da escada de um antigo templo de Diana. Este edifício não serviu, de fato, de alicerce a qualquer das catedrais de Marselha, mas estava localizado, diz-se, no que é agora a Place de Lenche – num emaranhado de ruas, aproximadamente a 200 metros de distância. Ali não há nada a comemorar a sua pretensão à fama histórica, mas há alguma coisa de coercivo na insistência dos habitantes locais quando afirmam que este banal lugar triangular é o lugar onde, outrora, Madalena pregou.
Passado o forte de S. João Batista e o antigo e pitoresco porto, com o seu mundialmente famoso, se bem que de cheiro desagradável, mercado do peixe, situa-se a abadia de S. Victor. Este é outro lugar religioso importante – ali houve um mosteiro do princípio do século v, que, por sua vez, fora construído sobre um cemitério pagão. O atual edifício data do século XIII, mas a cripta é muito mais antiga e contém vários sarcófagos ornamentados datando da época romana. A cripta também contém uma capela, em forma de caverna, dedicada a Madalena. Mas para nós, indiscutivelmente, a nota principal deste lugar era a estátua de Notre-Dame de Confession, do século XIII. Segurando uma criança nos braços, a Virgem é representada como se fosse de raça negra. É uma das lendárias – e polémicas – «Madonas Negras».
A leste de Marselha, situa-se Sainte-Baume – a grande caverna em que se supõe que Maria Madalena acabou os seus dias como eremita. Uma estrada íngreme e sinuosa eleva-se, abruptamente, a muito perto de 1000 metros de altura, antes de atingir um planalto e, por fim, conduzir o visitante a um pequeno aglomerado de edifícios, que constituem a aldeia de Sainte-Baume. Dali, é uma caminhada longa, e com muito calor, através dos bosques até à gruta, agora um santuário católico.
Contudo, não se encontram ali quaisquer revelações, porque, como vimos, a Igreja inseriu Sainte-Baume na história de Madalena para a tornar paralela à vida de outra “prostituta-santa”, Maria, a egípcia, e no tempo em que, supostamente, Madalena ali viveu, a gruta era um centro de culto de uma deusa pagã. O mito tem o duplo valor de transformar a errante Madalena em alguém mais fácil de ser patrocinado pela Igreja e de transformar um antigo local pagão num centro de peregrinação cristã.
A partir de Sainte-Baume, a estrada continua até ao suposto lugar da morte e da sepultura de Madalena, Saint-Maximin-la-Sainte-Baume, onde o seu festival anual estava no auge.
A magnífica procissão da cabeça de Madalena começa com uma cerimônia religiosa, no interior da basílica de Saint-Marie-Madeleine; em seguida, as relíquias, que estão normalmente guardadas na sacristia, são colocadas em andores e transportadas ao longo de um percurso, fixado de antemão, pelas ruas estreitas e sinuosas de St. Maximin. Uma banda de gaitas-de-foles e de tambores, envergando os trajes tradicionais da Provença, abre o desfile, precedendo bispos, sacerdotes, monges dominicanos e dignatários locais. Talvez como uma espécie de «animação», seguem-se dois pequenos andores transportando pequenas imagens de santos menores.
Após uma longa espera, surge a cabeça (Caveira) de Madalena. Adornada com pequenas medalhas de ouro, ao longo da orla do pálio, a preciosa relíquia é, evidentemente, de grande importância. Habitantes da cidade empunhando lanças mantêm uma guarda simbólica em seu redor, e o poder de atração é tanto que localizamos uma rapariga que esqueceu totalmente as ideias de modéstia e se debruçou da sua janela para ver a procissão – estando nua. (Há quem possa dizer que isso era muito apropriado, no tocante a esta santa em particular.)
Por onde a relíquia passa, o mesmo refrão obsidiante eleva-se do clero oficiante e da multidão, um hino especial a Maria Madalena, que culmina com uma altissonante interpretação musical no interior da basílica, conduzida pelo seu grande órgão mundialmente famoso. Mas toda esta exuberância e este cerimonial são apenas fachada’? Dizem-nos alguma coisa sobre a verdadeira Maria Madalena, a enigmática mulher do Novo Testamento, que pode realmente ter sido a esposa de Jesus?
As suas relíquias foram encontradas, diz-se, enterradas na cripta da igreja de St Maximin, a 9 de Dezembro de 1279, por Carlos d’Anjou, conde da Provença. O que se julgava ser o seu esqueleto foi descoberto num rico sacórfago de alabastro, datando do século V. A explicação deste enterramento tardio encontrou-se em documentos descobertos no interior do sarcófago – dizendo que em 710 d.C. o corpo de Madalena fora escondido noutro sarcófago para o proteger dos invasores sarracenos e que apenas naquela data tardia o registo tinha sido corrigido.
O esqueleto ainda se encontra no seu ataúde de pedra, na cripta da basílica, embora a caveira fosse colocada no ornamentado relicário dourado, na sacristia. Carlos d’Anjou patrocinou a construção da basílica e também – com a aprovação papal – a confiou à proteção da Ordem Dominicana. O edifício, começado em 1295, foi aparentemente acabado duzentos e cinquenta anos depois, mas – como sucede com as catedrais – nunca foi realmente completado. A intenção original de Carlos fora torná-la um centro de peregrinos de Madalena, embora nunca conseguisse atingir a mesma fama de, digamos, S. Tiago de Compostela.
O comércio medieval de relíquias, mesmo nesta época, era considerado abominável pelas pessoas esclarecidas, como sendo uma prática clamorosa de conseguir dinheiro à custa da piedade simples. Milhares de peregrinos e de crentes lançavam dinheiro nos cofres das autoridades eclesiásticas, que alegavam possuir verdadeiras relíquias sagradas nos seus edifícios. É claro que, de longe, o tipo de relíquia mais lucrativo era o verdadeiro corpo de um santo, ou, no mínimo, parte dele. Em qualquer parte da Cristandade, tinha-se a certeza de encontrar a unha do pé de algum santo ou o lóbulo da orelha de outro.
Por ironia, mesmo os mais cínicos e indignos expositores de relíquias tinham dificuldade em convencer as hordas de ansiosos peregrinos de que possuíam alguma coisa relacionada com o próprio Jesus, pois não ascendera ele corporalmente ao céu’? O mais próximo que conseguiram arranjar eram espinhos da «coroa de espinhos», ou lascas da verdadeira Cruz – as quais eram tantas que, se fossem reunidas, julga-se que formariam uma verdadeira e imensa floresta.
Atualmente, muito poucos comentadores, especialmente os que estão à margem da Igreja Católica, têm dúvidas em declarar falsas quase todas as chamadas relíquias, admitindo mesmo que são mistificações tão patéticas que juntam o insulto à injúria, sendo a principal delas o “Santo Sudário de Turim”. Infelizmente, os «ossos de Maria Madalena», em St Maximin, são definitivamente falsos, e pode provar-se, sem margem para dúvida, que os documentos que, aparentemente, os autenticam são clamorosas falsificações – usam o sistema de datação corrente no século XIII, o qual era diferente do sistema do século VIII, e não houve qualquer ameaça sarracena em França na época indicada.
Há, no entanto, elementos nesta história que sugerem que alguma coisa mais que a simples venalidade estava por trás da mistificação. É verdade que a posse de relíquias era um negócio lucrativo, mas, no que diz respeito aos alegados corpos de grandes figuras históricas, há, muitas vezes, outro motivo implicado. Por exemplo, os supostos restos mortais do rei Artur e da sua rainha foram descobertos em Glastonbury no século XI. Muitas pessoas consideram esta descoberta apenas um estratagema do abade para pôr a sua abadia no mapa, mas ela tem uma outra dimensão.
Nessa época, os ingleses estavam envolvidos na conquista de Gales e, para os galeses, o rei Artur era um herói lendário, um símbolo da sua revolta, o qual, segundo a crença popular, não morrera, mas regressaria, em algum momento futuro, para os apoiar contra os seus inimigos. Ao apresentar o seu cadáver, os ingleses desferiram um golpe psicológico aos galeses.
Supunha-se que as ossadas de Maria Madalena se encontravam em Vézeley, na Borgonha, para onde tinham sido trazidas da Provença e conservadas sob o altar da abadia de Saint-Marie-Madaleine e nunca tinham sido vistas. Mas, em 1265, S. Luís, Rei de França – um grande colecionador e venerador de relíquias – ordenou que fossem exumadas e, dois anos mais tarde, exibidas numa cerimônia solene, à qual ele assistiu. Infelizmente, tudo o que os monges conseguiram arranjar foram alguns ossos dentro de uma caixa de metal e não o esqueleto completo que se supunha que eles possuíam. (Esta história é notável pela completa falta de expediente demonstrada pelos monges nesta situação.) Como neto de Luís, Carlos d’Anjou, então com 19 anos, teria estado presente nesta cerimônia.
Depois deste acontecimento, Carlos ficou convencido – por razões que permanecem um mistério – de que o verdadeiro corpo de Madalena ainda se encontrava algures na Provença, e ficou obcecado com a ideia de o encontrar. A sua paixão por ela sempre intrigou os eruditos e levou um historiador francês a escrever: «Gostaríamos de saber onde o príncipe foi buscar esta devoção.”
Carlos mandou fazer escavações por debaixo da igreja de St Maximin, cavando com as próprias mãos. Apesar de as relíquias que, eventualmente, foram desenterradas e que são hoje veneradas serem falsas, pelos atos de Carlos d’Anjou pareceria que, se houve fraude, ele foi a vítima e não o autor. Mas há outra possibilidade: a «descoberta» das relíquias em St Maximin foi, de fato, um expediente deliberado para impedir a continuação da busca das relíquias. Entretanto, secretamente, Carlos e a família continuaram a procurar…
Quando as ossadas foram encontradas, Carlos pressionou o papa para reconhecer oficialmente estas relíquias como superiores às de Vézeley – o que ele fez em 1295 – e para aprovar a construção da basílica. No entanto, parece que alguma coisa mais estava se passando, porque é sabido que Carlos fez os seus planos em encontros secretos com os arcebispos locais. Ele também estava muito interessado em que a Ordem Dominicana substituísse os beneditinos, que já estavam instalados em St Maximin, apesar de os primeiros se mostrarem relutantes em suceder aos beneditinos e, eventualmente, terem de receber ordem do papa para se instalarem.
A basílica foi colocada sob o controlo direto do papa e não do arcebispo local, mas a mudança de auspícios foi recebida com uma resistência local tão violenta que Carlos foi obrigado a enviar tropas para socorrer o novo senhor dominicano, os representantes do papa e o rei quando os dominicanos se instalaram oficialmente.
Uma curiosa consequência destes acontecimentos foi o fato de os dominicanos adotarem Madalena como santa padroeira, em 1297, com o epíteto de «filha, irmã e mãe» da ordem. Como vimos, um futuro descendente de Carlos, Réne d’Anjou (alegado grão-mestre do Priorado de Sião), também tinha Madalena em alta estima. Diz-se que possuía uma taça de forma semelhante à do Graal e que ostentava a enigmática inscrição:
“Aquele que beber até ao fundo verá DEUS. Aquele que beber tudo num só trago verá DEUS e Madalena (Deus masculino e FEMININO)”. Postado Dezembo 2014.
Continua …
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