terça-feira, 31 de dezembro de 2013


GOETHE - GEDICHTE SIND GEMALTE FENSTERSCHEIBEN - POEMAS SÃO COMO VITRAIS PINTADOS (VON GOETHE)


Gedichte sind gemalte Fensterscheiben (von Goethe)

Gedichte sind gemalte Fensterscheiben!
Sieht man vom Markt in die Kirche hinein,
Da ist alles dunkel und düster;
Und so siehts auch der Herr Philister.
Der mag denn wohl verdrießlich sein
Und lebenslang verdrießlich bleiben.

Kommt aber nur einmal herein!
Begrüßt die heilige Kapelle;
Da ists auf einmal farbig helle,
Geschicht und Zierat glänzt in Schnelle,
Bedeutend wirkt ein edler Schein,
Dies wird euch Kindern Gottes taugen,
Erbaut euch und ergetzt die Augen!

Johann Wolfgang von Goethe




Poemas São como Vitrais Pintados ( Goethe)

Poemas são como vitrais pintados!
Se olharmos da praça para a igreja,
Tudo é escuro e sombrio;
E é assim que o Senhor Burguês os vê.
Ficará agastado? — Que lhe preste!...
E agastado fique toda a vida!

Mas — vamos! — vinde vós cá para dentro,
Saudai a sagrada capela!
De repente tudo é claro de cores:
Súbito brilham histórias e ornatos;
Sente-se um presságio neste esplendor nobre;
Isto, sim, que é pra vós,
filhos de Deus!
Edificai-vos, regalai os olhos!

Johann Wolfgang von Goethe, in "Poemas" Tradução de Paulo Quintela

O GRANDE MESTRE LUSITANO CAMÕES CONSAGROU A HISTÓRIA BÍBLICA DE JACÓ NESTES ENCANTADORES VERSOS:

Sete anos de pastor Jaco servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: — Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

MÁRIO QUINTANA - O VELHO DO ESPELHO

Mário Quintana
Por acaso, surpreendo-me no espelho: quem é esse
Que me olha e é tão mais velho do que eu?
Porém, seu rosto...é cada vez menos estranho...
Meu Deus, Meu Deus...Parece
Meu velho pai - que já morreu!
Como pude ficarmos assim?
Nosso olhar - duro - interroga:
"O que fizeste de mim?!"
Eu, Pai?! Tu é que me invadiste,
Lentamente, ruga a ruga...Que importa? Eu sou, ainda,
Aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra.
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!-
Vi sorrir, nesses cansados olhos, um orgulho triste...

SANTA CATARINA LABOURÉ

Catarina Labouré nasceu no dia 2 de maio de 1806, numa aldeia da Borgonha, Fain-les-Moutiers. Era a oitava dos dez filhos de Pedro e Madalena Labouré, proprietários da fazenda. A morte de Madalena, aos 46 anos, deixa a família mergulhada no luto. Catarina, em lágrimas, sobe numa cadeira para abraçar a estátua da Santíssima Virgem e lhe diz: "Agora, tu serás minha mamãe".

Aos vinte e quatro anos, Catarina, depois de ter vencido muitos obstáculos, entra como noviça na Casa Mãe das Filhas da Caridade, à rua do Bac, em Paris. Foi aí, na Capela, que a Santíssima Virgem lhe apareceu alguns meses mais tarde; a primeira vez, em 19 de julho de 1830, para lhe anunciar uma missão. A segunda vez, no dia 27 de novembro do mesmo ano, para lhe revelar a medalha que Catarina será encarregada de mandar cunhar.

No ano seguinte, seu seminário terminado, Irmã Catarina foi colocada em Reuilly, na época subúrbio localizado no sudeste de Paris. Ela será encarregada, até o fim de sua vida, dos anciãos que aí viviam, desconhecida de todos, enquanto que a medalha se espalhava, milagrosamente, pelo mundo inteiro.

Catarina Labouré morre, na paz do Senhor, em 31 de dezembro de 1876: "Parto para o céu… ver Nosso Sehor, sua Mãe e São Vicente".

Em 1933, por ocasiao de sua beatificação, foi aberta sua sepultura, na Capela de Reuilly. O corpo de Catarina foi encontrado intacto e transferido para a Capela da rua do Bac, sendo instalado sob o altar da Virgem do Globo.







































MANUEL BANDEIRA - O BICHO

Manuel Bandeira
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.

HORA ABSURDA - FERNANDO PESSOA

Fernando Pessoa
O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso... 
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas 
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso... 
Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto... 
Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e entanto 
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte... 
Abre todas as portas e que o vento varra a ideia 
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões... 
Minha alma é uma caverna enchida p'la maré cheia, 
E a minha ideia de te sonhar uma caravana de histriões... 
Chove ouro baço, mas não no lá-fora... 
É em mim... 
Sou a Hora, E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela... 
Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora... 
No meu céu interior nunca houve uma única estrela...
Hoje o céu é pesado como a ideia de nunca chegar a um porto... 
A chuva miúda é vazia... 
A Hora sabe a ter sido... 
Não haver qualquer cousa como leitos para as naus!... 
Absorto Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido... 
Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro, 
Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há, 
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro, 
E a minha bondade inversa não é nem boa nem má... 
Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos... 
Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas... 
Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas...
E a erva cresceu nas vias férreas com viços daninhos... 
Ah, como esta hora é velha!... 
E todas as naus partiram! 
Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam 
Do Longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram 
Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam... 
O palácio está em ruínas... 
Dói ver no parque o abandono da fonte sem repuxo... 
Ninguém ergue o olhar da estrada 
E sente saudades de si ante aquele lugar-outono... 
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada... 
A doida partiu todos os candelabros glabros, 
Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas... 
E a minha alma é aquela
luz que não mais haverá nos candelabros... 
E que querem ao lago aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?... 
Por que me aflijo e me enfermo?...
Deitam-se nuas ao luar Todas as ninfas... 
Vejo o sol e já tinham partido... 
O teu silêncio que me embala é a ideia de naufragar, 
E a ideia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido... 
Já não há caudas de pavões todas olhos nos jardins de outrora... 
As próprias sombras estão mais tristes... 
Ainda Há rastros de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora 
Um como que eco de passos pela alameda que eis finda...
Todos os casos fundiram-se na minha alma... 
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios... 
Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma, 
E eu ver isso em ti é um porto sem navios...
Ergueram-se a um tempo todos os remos... 
Pelo ouro das searas Passou
uma saudade de não serem o mar... 
Em frente Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras... 
Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente... 
Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol! 
Todas as princesas sentiram o seio oprimido... 
Da última janela do castelo só um girassol 
Se vê, e o sonhar que há outros põe brumas no nosso sentido... 
Sermos, e não sermos mais!... 
Ó leões nascidos na aula!... 
Repique de sinos para além, no Outro Vale... 
Perto?... 
Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula... 
Por que não há de ser o Norte o Sul?... 
O que está descoberto?... 
E eu deliro... 
De repente pauso no que penso... 
Fito-te E o teu silêncio é uma cegueira minha...
Fito-te e sonho... 
Há cousas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua ideia sabe à lembrança de um sabor de medonho... 
Para que não ter por ti desprezo? 
Por que não perdê-lo?... 
Ah, deixa que eu te ignore... 
O teu silêncio é um leque- 
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo, 
Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque... 
Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos... 
Murcharam mais flores do que as que havia no jardim... 
O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos, 
E os meus sonhos uma escada sem princípio mas com fim... 
Alguém vai entrar pela porta...
Sente-se o ar sorrir... 
Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem... 
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir, 
O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem... 
É preciso destruir o propósito de todas as pontes, 
Vestir de alheamento as paisagens de todas as terras, 
Endireitar à força a curva dos horizontes, 
E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras... 
Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã - como nos desalegra !... 
Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem 
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra... 
Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce... 
Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito... 
A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece, 
E o meu saber-te a sorrir é uma flor murcha a meu peito... 
Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!... 
Ah, se fôssemos as duas cores de uma bandeira de glória!... 
Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia batismal, 
Pendão de vencidos tendo escrito ao centro este lema - Vitória! 
O que é que me tortura?... 
Se até a tua face calma 
Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos... 
Não sei... 
Eu sou um doido que estranha a sua própria alma... 
Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...

BALADA DA NEVE - AUGUSTO GIL

(Augusto Gil - 1873-1929)

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria…
. Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.

AO BRAÇO DO MESMO MENINO JESUS QUANDO APARECEU - GREGÓRIO DE MATOS



Gregório de Matos Guerra - o Boca do Inferno
Modelo de poema conceptista
O todo sem parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas se a parte o faz todo, sendo parte, 
Não se diga que é parte, sendo todo

Em todo sacramento está Deus todo, 
E todo assiste inteiro em qualquer parte, 
E feito em partes todo em toda parte, 
Em qualquer parte sempre fica todo.

O braço de Jesus não seja parte, 
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo, 
Um braço que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.

CANTIGA SUA PARTINDO-SE - JOÃO RUIZ DE CASTEL-BRANCO

João Roiz de Castel-Branco (meados do séc.XV)

Senhora, partem tão tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora d' esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
(Cancioneiro Geral - Garcia de Resende - Lisboa - Casa da Moeda - vol. 
II, p. 324 - primeira edição 1516)

sábado, 28 de dezembro de 2013

BELO BELO -0 MANUEL BANDEIRA

Manuel Bandeira

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.


Petrópolis, fevereiro de 1947

O NOIVADO DO SEPULCRO - SOARES DE PASSOS

(Soares de Passos - PORTO - 1826 1860)

Balada
Vai alta a lua! na mansão da morte
Já meia-noite com vagar soou;
Que paz tranquila; dos vaivéns da sorte
Só tem descanso quem ali baixou.

Que paz tranquila!... mas eis longe, ao longe
Funérea campa com fragor rangeu;
Branco fantasma semelhante a um monge,
Dentre os sepulcros a cabeça ergueu.

Ergueu-se, ergueu-se!... na amplidão celeste
Campeia a lua com sinistra luz;
O vento geme no feral cipreste,
O mocho pia na mormórea cruz.

Ergueu-se, ergueu-se!... com sombrio espanto
Olhou em roda... não achou ninguém...
Por entre as campas, arrastando o manto,
Com lentos passos caminhou além.

Chegando perto duma cruz alçada,
Que entre os ciprestes alvejava ao fim,
Parou, sentou-se com a voz magoada
Os ecos tristes acordou assim:

"Mulher formosa, que adorei na vida,
E que na tumba não cessei de amar,
Por que atraiçoas, desleal, mentida,
O amor eterno que te ouvi jurar?

Amor! engano que na campa finda,
Que a morte despe da ilusão falaz:
Quem dentre os vivos se lembrara ainda
Do pobre morto que na terra jaz?

Abandonado neste chão repousa
Há já três dias, e não vens aqui...
Ai, quão pesada me tem sido a lousa
Sobre este peito que bateu por ti!

Ai quão pesada me tem sido!"e em meio
A fronte exausta lhe pendeu na mão,
E entre soluços arrancou do seio
Fundo suspiro de cruel paixão.

"Talvez que rindo dos prostestos nossos,
Gozes com outro d'infernal prazer;
E o olvido cobrirá meus ossos
Na fria terra sem vingança ter!"

- "Ó nunca, nunca!" de saudade infinita,
Responde um eco suspirando além...
- "Ó nunca, nunca!" repetiu ainda
Formosa virgem que em seus braços tem.

Cobrem-lhe as formas divinais, airosas.
Longas roupagens de nevado cor;
Singela c'roa de virgíneas rosas
Lhe cerca a fronte dum mortal palor.

"Não, não perdeste meu amor jurado:
Vês este peito? reina a morte aqui...
É já sem forças, ai de mim, gelado,
Mas ainda pulsa com amor por ti.

Feliz que pude acompanhar-te ao fundo
Da sepultura, sucumbindo à dor:
Deixei a vida... que importava o mundo,
O mundo em trevas sem a luz do amor?

Saudosa ao longe vês no céu a lua?"
- "Ó vejo sim... recordação fatal"
- Foi à luz dela que jurei ser tua
Durante a vida, e na mansão final.

Ó vem! se nunca te cingi ao peito,
Hoje o sepulcro nos reúne enfim...
Quero o repouso do teu frio leito,
Quero-te unido para sempre a mim!"

E ao som dos pios co cantor funéreo,
E à luz da lua de sinistro alvor,
Junto ao cruzeiro, sepulcral mistério
Foi celebrado, d'infeliz amor.

Quando risonho despontava o dia,
Já desse drama nada havia então,
Mais que uma tumba funeral vazia,
Quebrada a lousa por ignota mão.

Porém mais tarde, quando foi volvido
Das sepulturas o gelado pó,
Dois esqueletos, um ao outro unido,
Foram achados num sepulcro só.

ENCONTRO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

Meu pai perdi no tempo e ganho em sonho.
Se a noite me atribui poder de fuga,
sinto logo meu pai e nele ponho
o olhar, lendo-lhe a face, ruga a ruga.

Está morto, que importa? Inda madruga
e seu rosto, nem triste nem risonho,
é o rosto, antigo, o mesmo. E não enxuga
suor algum, na calma de meu sonho.

Oh meu pai arquiteto e fazendeiro!
Faz casas de silêncio, e suas roças
de cinza estão maduras, orvalhadas

por um rio que corre o tempo inteiro,
e corre além do tempo, enquanto as nossas
murcham num sopro fontes represadas.