As manifestações dos políticos internacionais em relação à Síria, como, aliás, ocorre quase sempre, são uma farsa. Uma coisa é o que se afirma, outra, o que se faz.
Para o bom entendimento da situação e dos conflitos dos países e dos povos árabes, é necessária uma reflexão que parta dos primórdios da tentativa de unificação das nações majoritariamente árabes a partir do império de Maomé.
Maomé, entre 622 e 632, ano de sua morte, apenas unificou a Península Arábica. Por não ter filhos homens, e não haver nomeado nenhum sucessor, muitos julgavam que seu herdeiro político deveria ser seu genro e primo Ali Ibn Abu Talib, porém, enquanto sua família providenciava as exéquias do líder, alguns companheiros do profeta elegeram como novo califa Abu Bakr. Esse grupo governante passou a designar-se de sunita, nome derivado de “sonnat”, que significa tradicionais.
Porém, um grupo considerável dos seguidores de Maomé defendia a posição de que Ali (Ali Ibn Abu Talib), o genro, deveria ser o sucessor de Maomé e passaram a chamar-se de “Shi’at-Ali” (seguidores de Ali), de onde provém o termo xiita.
Surge nesse momento a primeira grande cisão do mundo árabe: de um lado estavam aqueles que acreditavam dever a liderança político-religiosa dos muçulmanos ser exercida por pessoas da família do profeta, sendo seu genro Ali o legítimo sucessor e a sua corrente xiita deveria permanecer no poder; o outro grupo, os seguidores de Abu Bakr eram contrários a essa posição. Acreditavam que, como Maomé não havia nomeado sucessores, os muçulmanos seriam livres para escolher seus governantes e, assim o fizeram, nomeando seu líder Abu Bakr, como se viu acima, sucessor e herdeiro da função do profeta.
Abu Bakr foi sucedido por Omar. Este havia apoiado Abu Bakr como novo líder, pela ocasião da morte de Maomé. Assim, antes de morrer Abu Bakr nomeou Omar como seu sucessor. Após o assassinato do califa Omar, Otman (não se trata do mesmo Otman do Império Otomano) foi eleito califa por uma comissão de seis membros em 644.
Porém, Otman enfrentou uma grande oposição dos xiitas, partidários de Ali, que o acusavam de nepotismo com a nomeação de muitíssimos parentes para cargos administrativos, como também de esbanjamento do tesouro público. Otman foi assassinado por uma multidão que cercava sua casa.
Seu assassinado originou a Primeira Fitna, ou seja, a primeira Guerra Civil Islâmica (656-661). Com a morte de Otman, assume o califado o primeiro mandatário xiita, o genro de Maomé, Ali, que de há muito tempo pretendia a sucessão do sogro, mas que somente em 656 atingiu seu intento. Sua escolha foi contestada pelo líder do Levante, Muawiya, originando a já citada guerra civil, que se estendeu até o assassinato de Ali em 661.
Precisamos reconstituir fatos históricos concomitantes ao surgimento do Império Árabe de Maomé como o desenvolvimento do poderoso Império Bizantino, que sucedeu o Império Romano. Constantino, imperador romano, que não pertencia a nenhuma família nobre do Roma, optou por transferir a sede do Império Romano para Bizâncio, à beira do Bósforo, canal que conduz as águas do Mar Negro ao Mar Mediterrâneo e separa a Europa da Ásia. O novo imperador trocou o nome da capital de Bizâncio para Constantinopla.
Com a derrota de Roma para os povos do norte e o consequente fim do Império Romano na Europa em 476 d. C. (século V), surgiu o Império Bizantino, herdeiro do Império Romano do Oriente, criado por Constantino e seus sucessores. O império Bizantino dominava o Egito e separava-se do incipiente Império Árabe do século VII d. C. pelo Mar Vermelho e tinha mesmo fronteira com os muçulmanos na antiga província da Síria.
Depois, dessa exposição inicial sobre o grande conflito interno entre os árabes, sempre instigado pelos europeus, devemos ainda lembrar que há outros povos que habitam essas regiões desde há milênios, como é o caso dos persas e dos curdos.
Os curdos são os inimigos mais ferrenhos tanto de sunitas quanto de xiitas. Atualmente, eles formam uma comunidade de mais de 30 milhões de cidadãos, divididos basicamente entre a Turquia e o Iraque, com uma comunidade menor na Síria e em outros países da região.
Embora sejam milenares esses conflitos regionais, eles se acirraram após a Segunda Guerra Mundial. Os aliados europeus e norte-americanos haviam prometido a organização de um império árabe que congregasse todos esses povos muçulmanos que se estendem desde parte da Europa, na Albânia, na Trácia (Turquia Europeia), em toda a Turquia Oriental e no Oriente Médio, estendendo-se ainda pelo norte da África, do Egito ao Marrocos. Seria um império colossal e rico, com a posse das imensas reservas de petróleo dessa área. Anwar El Sadat, presidente do Egito ao final da grande guerra, era um dos ideólogos de uma grande República Árabe Unida.
Na realidade, foi feito exatamente o contrário. Toda a região foi fracionada em pequenos países, com o agravante de se terem facilitado a tomada do poder por líderes que se opunham entre si. Assim, no Iraque, foi colocado no poder Saddam Hussein, sunita, e no Irã, Reza Path Levy, um partidário do glorioso Império Persa pré-muçulmano. Isso apenas para citar um exemplo.
O cúmulo da afronta aos árabes foi permissão dos aliados para que se recriasse o antigo estado bíblico de Israel, extinto há dois mil anos pelo Império Romano. Esse conjunto de situações originou uma região extremamente instável política e militarmente.
Com o advento da primavera árabe, mais conflitos surgiram ainda. Somada à fragilidade do Iraque, invadido pelos exércitos estadunidenses por duas vezes, a região se viu envolvida em outros tantos conflitos. A Síria, que consolidara o governo dos Assad, é palco de forte conflito, que somente pode ser bem entendido dentro desse contexto milenar.
O Estado Islâmico (ISIS), que surge da primavera árabe, no Iraque e na Síria principalmente, passa a nutrir-se da própria riqueza regional, ou seja, o petróleo.
Vejam-se apenas alguns dados iniciais: Em 2013, a Síria produzia em torno de 400.000 barris diários de petróleo. Em 2014, esse total se reduziu para 97.000. Porém, desse total, 80.000 é produção do ISIS e apenas 17.000 do governo Sírio. O ISIS negocia seu petróleo basicamente com a Turquia, com uma empresa ligada ao Presidente da Turquia Recep Tayyip Erdoğan.
Por seu lado, os curdos do Iraque, recebem do governo central iraquiano uma quota diária de mais de 500 mil barris de petróleo que comerciam por oleoduto que abastece Israel, e por milhares de caminhões que transportam o óleo bruto para o Irã. Ainda infestam a região outros grupos não governamentais como a Al-Qaeda que também negocial petróleo e armas. Assim, Assad, na Síria enfrenta o ISIS, os curdos e a Al-Qaeda do falecido Bin Laden. Porém, Assad recebe o forte apoio dos russos, que se valem dessa situação para enfrentar o poder ocidental europeu-americano, da OTAN, países do Tratado do Atlântico Norte.
A falsidade das manifestações todas dos líderes de todos os países contra esses movimentos considerados espúrios é comprovada pelos negócios subterrâneos que todos esses grupos mantêm com o mercado dos movimentos árabes não oficiais, sem que nada seja declarado.
Todos os grupos que executam também atos de terror por toda parte adquirem suas armas com a venda de petróleo, de antiguidades extraídas de milenares lugares históricos, de sequestros e saques a bancos e instituições financeiras.
Se, por um lado, seu petróleo é adquirido nos portos ou em alto mar por navios a serviço dos terroristas a preços baixíssimos de 4 a 15 dólares ao barril, por outro, esses mesmos países, numa enorme e muito secreta cadeia de comércio ilícito internacional de armas, abastecem todas as facções em conflito na região com os armamentos mais sofisticados que a indústria moderna produz. Assim, Europa e América são os principais compradores e os principais fornecedores de todos os terroristas do Oriente Médio, antigamente conhecido como Levante.
A Síria toda é muito pequena, tem 185 mil km², um pouco mais da metade do estado do Rio Grande do Sul. O Iraque é um pouco maior 438 mil km², menor do que o estado de Minas Gerais. Países poderosos, com a força militar e tecnológica que possuem, facilmente, em alguns dias, varreriam da face da terra todos os grupos paramilitares do Oriente Médio.
Acontece que não há interesse nisso. É uma fonte constante de renda enorme para todos os comerciantes de armas, todos os compradores de petróleo no mercado negro. A mais sofisticada tecnologia de todas as procedências lá está, conforme constatam os repórteres de guerra. E não há perspectiva de fim desses conflitos controlados, que não saem desse restrito campo de enfrentamento. Além do mais, esse mercado negro do petróleo mantém baixos os preços do petróleo, prejudicando o faturamento da Rússia, maior produtor mundial de petróleo e gás natural.
A Europa, cujos países mais importantes são os grandes fornecedores e compradores dos terroristas, nega-se receber os fugitivos do conflito que ela mesma alimenta. Quando ocorrem atentados nos países mais avançados e se lamentam as dores das vítimas, dever-se-ia também lembrar que esses atos terríveis são fruto de ações escusas dos mesmos países alvos de ações terroristas.
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