Seguindo
os instintos da espécie e as necessidades históricas, um casal de pardais
construíra
em Viena |
seu ninho entre as armações do telhado de um velho armazém do porto
de Gênova. Por gerações, seus descendentes foram seguindo o exemplo do primeiro
casal, variando apenas o local ou o posto da confecção do leito nupcial. Sendo
ali o alimento abundante e o hábito da caça já se tendo apagado das lides
humanas daquela civilização, passaram a viver das sobras humanas, abundantes
naquele poste de intercâmbio mundial de toda a sorte de bens.
Assim
também, um velho montanhês, cujos ascendentes haviam passado dos hábitos da
caça praticado por milênios ao cultivo das parreiras e à fermentação de vinhos;
pois esse montanhês partigiano havia-se transferido para a mesma Gênova dos
pardais, em cujo porto passou a trabalhar para matar a monotonia e prover a
vida.
Ocorreu
um dia que, fatigado da carga e descarga dos navios, já alquebrado o braço para
as funções mais árduas, decidiu juntar esposa e filhos e transferir-se para a
América, cuja fama de abundância ecoava em todos os portos da Europa, de Atenas
a Londres. Venderam suas parcas propriedades e recolheram o resultado para
recomeçar a vida do outro lado do oceano. E assim foi.
Acontece
que, nessa mesma ocasião, estando todos os recantos de galpões ocupados e todos
os telhados disponíveis tomados, um casal distraído de pardais incautos, acreditando
tratar-se de um teto inacabado, acomodou seu ninho, entre as estaias e o mastro
central de um navio de longo curso.
Passadas
as primeiras horas de movimento da embarcação, clareando o dia, enquanto a
esposa e os filhos do portuário imigrante contemplavam o balanço das ondas, o
pequeno pássaro surpreendeu-se, percebendo que sua casa afastara-se já
definitivamente da costa e que a força de suas asas não lhe permitiria mais
retornar à terra onde vivera até então ao lado de seus pares.
Naqueles
tempos, longas eram as viagens para o Novo Mundo. Passada já a primeira semana,
habituara-se o animalzinho ao novo ambiente. Limitara seus voos ao espaço que
separava a proa da popa. A fêmea passava a maior parte dos dias sobre os ovos,
no ninho, quase no topo do mastro central. O machinho, no ponto mais alto,
contemplava o horizonte que se apagava no azul. Alimentavam-se das sobras
humanas como o faziam em Gênova.
Chegados
ao sul do Brasil, os pardais, que, então, já eram seis. Acomodaram-se nos armazéns
do porto e deram origem a uma nova geração: os pardais da América do Sul. Da
mesma forma, os italianos instalaram-se nas montanhas do sul do país e voltaram
às origens da família, ao cultivo das parreiras e à fermentação dos vinhos.
Numa
tarde de verão, o velho italiano, já rico e pachorrento, contempla o vale
repleto de casas de agricultores, enquanto um bando de pardais, revoando, pipilava
pelos jardins.
Sequer
sabiam eles que seus antepassados haviam sido companheiros de viagem do
migrante senil. Já com os poucos cabelos que lhe restavam completamente alvos e
desfeitos, dialogava com seus filhos e netos guiado por uma lógica singular.
Referia-se a antepassados distantes, finados de há muito, como presentes. Em
monólogos intermináveis, ora os repreendia, ora cobrava-lhes a presença e construía
expressões que a nossa filosofia não explica: “Hoje estou muito bem, não sinto
nenhuma dor... nem sabonete. Ontem, o tio do meu sapato esteva aqui, falando
comigo...”.
Ocorreria
o mesmo com os pardais mais antigos? Vai-se lá saber...
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