sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

DE PARDAIS E IMIGRANTES

Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara 
Seguindo os instintos da espécie e as necessidades históricas, um casal de pardais construíra
em Viena
seu ninho entre as armações do telhado de um velho armazém do porto de Gênova. Por gerações, seus descendentes foram seguindo o exemplo do primeiro casal, variando apenas o local ou o posto da confecção do leito nupcial. Sendo ali o alimento abundante e o hábito da caça já se tendo apagado das lides humanas daquela civilização, passaram a viver das sobras humanas, abundantes naquele poste de intercâmbio mundial de toda a sorte de bens.
Assim também, um velho montanhês, cujos ascendentes haviam passado dos hábitos da caça praticado por milênios ao cultivo das parreiras e à fermentação de vinhos; pois esse montanhês partigiano havia-se transferido para a mesma Gênova dos pardais, em cujo porto passou a trabalhar para matar a monotonia e prover a vida.
Ocorreu um dia que, fatigado da carga e descarga dos navios, já alquebrado o braço para as funções mais árduas, decidiu juntar esposa e filhos e transferir-se para a América, cuja fama de abundância ecoava em todos os portos da Europa, de Atenas a Londres. Venderam suas parcas propriedades e recolheram o resultado para recomeçar a vida do outro lado do oceano. E assim foi.
Acontece que, nessa mesma ocasião, estando todos os recantos de galpões ocupados e todos os telhados disponíveis tomados, um casal distraído de pardais incautos, acreditando tratar-se de um teto inacabado, acomodou seu ninho, entre as estaias e o mastro central de um navio de longo curso.
Passadas as primeiras horas de movimento da embarcação, clareando o dia, enquanto a esposa e os filhos do portuário imigrante contemplavam o balanço das ondas, o pequeno pássaro surpreendeu-se, percebendo que sua casa afastara-se já definitivamente da costa e que a força de suas asas não lhe permitiria mais retornar à terra onde vivera até então ao lado de seus pares.
Naqueles tempos, longas eram as viagens para o Novo Mundo. Passada já a primeira semana, habituara-se o animalzinho ao novo ambiente. Limitara seus voos ao espaço que separava a proa da popa. A fêmea passava a maior parte dos dias sobre os ovos, no ninho, quase no topo do mastro central. O machinho, no ponto mais alto, contemplava o horizonte que se apagava no azul. Alimentavam-se das sobras humanas como o faziam em Gênova.
Chegados ao sul do Brasil, os pardais, que, então, já eram seis. Acomodaram-se nos armazéns do porto e deram origem a uma nova geração: os pardais da América do Sul. Da mesma forma, os italianos instalaram-se nas montanhas do sul do país e voltaram às origens da família, ao cultivo das parreiras e à fermentação dos vinhos.
Numa tarde de verão, o velho italiano, já rico e pachorrento, contempla o vale repleto de casas de agricultores, enquanto um bando de pardais, revoando, pipilava pelos jardins.
Sequer sabiam eles que seus antepassados haviam sido companheiros de viagem do migrante senil. Já com os poucos cabelos que lhe restavam completamente alvos e desfeitos, dialogava com seus filhos e netos guiado por uma lógica singular. Referia-se a antepassados distantes, finados de há muito, como presentes. Em monólogos intermináveis, ora os repreendia, ora cobrava-lhes a presença e construía expressões que a nossa filosofia não explica: “Hoje estou muito bem, não sinto nenhuma dor... nem sabonete. Ontem, o tio do meu sapato esteva aqui, falando comigo...”.

Ocorreria o mesmo com os pardais mais antigos? Vai-se lá saber...

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