Prof. Dr. Oscar Luiz Brisolara
O
povo romano tinha um prazer especial em lidar com as palavras. Herdaram a
gramática que os gregos antigos forjaram e com ela construíram um idioma e uma
literatura incomparáveis.
Sofisticaram
o uso da linguagem. Tinham uma habilidade rara em trabalhar a sentença. Há
exemplos abundantes disso. Veja-se o seguinte: “Intelligenti pauca”. A locução
inicia com o dativo singular do substantivo latino da terceira declinação cujo
nominativo singular é intelligēns, sendo
o genitivo correspondente intelligentis.
Esse dativo singular intelligenti pode ser traduzido em língua portuguesa como ao inteligente. Já a forma pauca corresponde ao acusativo plural
neutro do adjetivo do primeiro grau paucus,
a, um (paucus, pauca, paucum), as formas correspondentes ao nominativo
singular masculino, feminino e neutro do adjetivo que em português pode ser
traduzido por pouco ou pouca. Como se trata de um acusativo plural, dependendo
do substantivo que modifica, pode significar poucos ou poucas.
Ora,
essa locução pode, então, ser traduzida, emblematicamente, como Inteligente
poucas (ou poucos). Caberia, assim, ao leitor intérprete complementar a locução
para fazer sentido. Geralmente, traduz-se a locução como: Ao inteligente,
bastam poucas informações (ou poucos dados). Também se pode traduzir assim: “Ao
inteligente bastam poucas palavras.”
Há na
cultura latina numerosos exemplos desse jogo linguístico. Outro exemplo
bastante conhecido é: “Festina lente.” Este é um oximoro, isto é, uma figura
que trabalha com termos de significados opostos para estabelecer um significado
intermediário entre os dois termos. Geralmente se atribui sua criação ao culto
imperador Augusto César.
A
locução inicia com a forma imperativa do verbo latino regular da primeira
conjugação festino, -as, -avi,
-atum, are (festino, festinas, festinavi, festinatum, festinare)
cuja tradução mais comum é apressar-se. Essa forma correspondente à segunda
pessoa do singular pode ser traduzida por apressa-te. Seguida da forma
adverbial do modificador do verbo lente,
poderia corresponder em oximoro português “Apressa-te lentamente.”
Desse
modo, o modificador adverbial lentamente moderaria o sentido do imperativo
apressa-te. O significado resultante seria: Faz tudo o mais rapidamente possível
que puderes, mas não o faças tão depressa que o faças mal.
Dessas
locuções chegaram à sofisticação dos palíndromos, que são construções
linguísticas que podem ser lidas em diversas direções. Assim, certas palavras
ou frases podem ser lidas da mesma forma de trás para frente. Forma-se o termo
palíndromo de elementos gregos: PALIN (πάλιν) de novo, para trás e DROMOS (δρóμος). Seria uma palavra cuja
leitura seria a mesma tanto para frete como para trás.
Isso
pode ocorrer tanto com palavras quanto com frases. Assim, em português, acontece
com a palavra sopapos. Acontece também com frases como: Socorram-me! Subi no ônibus em Marrocos! Mas, os romanos foram mais
adiante. Chegaram a um palíndromo em que um quadrado formado de diversas
palavras podia ser lido em todos os sentidos.
Embora
a tradução desse palíndromo seja objeto de diversas discussões, afirmando
alguns críticos que a versão tradicional é forçada, a maioria dos filólogos
aceitam-na como possível: SATOR, AREPO, TENET, OPERA ROTAS, seria “o semeador, com o seu carro, mantém com
destreza as rodas”, que não é muito clara. Há uma outra, talvez mais plausível,
que é a seguinte: “O semeador Arepo, sustenta o trabalho rotineiramente”
Esse palíndromo original foi encontrado nas
ruínas da cidade de Pompeia, soterrada pelo Vesúvio. Se não corresponde a uma
verdadeira frase latina, é muito bem elaborado. Como costumam afirmar
os italianos: "Se non è
vero, è ben trovato."
Há
muitos outros palíndromos como o aquele em forma de cruz, também em latim, do
período latino cristão:
Esse
gosto especial romano pelo jogo com as palavras legou-nos um enorme repertório
de exemplos com as mesmas características dos aqui apresentados.
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