A propriedade privada, em termos históricos, é recente. Entre os gregos pré-cristãos, a propriedade estatal comunitária das cidades-estados era muito comum, especialmente na área rural. Observe-se o relato feito por Sófocles, na tragédia "Édipo". Laio, rei de Tebas, e Políbio, rei de Corinto, na estação quente, mandavam seus pastores para terras comuns às cidades gregas. Portanto, são fatos que envolvem o período histórico da segunda metade do primeiro milênio anterior a Jesus Cristo.
Édipo deveria ser jogado pelos pastores tebanos em um precipício nas montanhas, por ordem do próprio pai Laio, Os pastores de Tebas, encontram-se nas montanhas com os pastores de Corinto, como o faziam todos os anos no período de verão. Doaram, então, o menino aos servos coríntios de Políbio, salvando-lhe a vida. Este rei, não tendo filhos, adota Édipo.
Já, entre os romanos, no início da era cristã, a divisão das terras em propriedades privadas era muito comum. Os patrícios constituíam uma classe de grandes proprietários rurais, formando uma oligarquia detentora do poder. A seguir, as invasões e expansão do império tinham como uma das principais metas a distribuição de terras para os cidadãos romanos.
As sociedades primitivas armavam-se e invadiam terras férteis. Construíam suas cidades e reservavam áreas coletivas para o pastoreio e para o plantio, assim como mantinham uma reserva florestal para extração de madeira, frutos e também para a caça.
Historicamente, no entanto, em todas as regiões do mundo, se foram estabelecendo os latifúndios. O surgimento de Roma e seu posterior poderoso império assim se originaram. Rômulo, herói do mito romano, é o símbolo desse processo de acumulação de terras. Junta um povo desgarrado e forma uma grande fazenda, que terá como resultado a cidade das margens do rio Tibre, que do nome de seu proprietário primeiro chamou-se Roma.
Esses grandes senhores criaram legislações que garantiam a posse de grandes áreas. Os que a eles se agregavam recebiam privilégios. Em Roma, surgiu a classe dos patrícios: em torno de trezentas famílias primitivas que se teriam associado a Rômulo.
A invasão dessas propriedades, consideradas sagradas, foi criminalizada. Entre os romanos, a palavra ladrão tornou-se execrável. "Fur", em latim, sequer era pronunciada. O ladrão era designado por "homo trium litterarum" (o homem das três letras). Roubar, apossar-se do alheio, passou a ser o crime mais hediondo na cultura romana. Era uma forma de sacralizar a propriedade, garantindo os privilégios da posse aos proprietários.
Roubar de um concidadão era o mais vergonhoso dos crimes. Há, inclusive, a história etimológica da palavra larápio. Consta que havia, em Roma, um conhecido gatuno da alta sociedade, cujo nome era Lucius Aurelius Rufus Apius. Ele costumava firmar-se como LARApius. Daí, o termo larápio.
Se roubar a um compatriota era crime, roubar aos estrangeiros era serviço à pátria. Assim, os romanos faziam acordos com os inimigos que valiam apenas até o momento em que tivessem força para invadi-los e espoliá-los. Quando o povo reclamava por terras, as autoridades promoviam uma invasão a terras estrangeiras e criavam-se novas províncias de tal forma que Roma foi se apossando de quase todo o mundo desde a Europa, passando pelo norte da África e chegando às margens do Ganges, na Índia.
Assim, gradativamente, desapareceram as áreas rurais públicas de todos os agricultores, que foram abocanhadas por grandes proprietários. Desapareceu com isso também a imagem poética do pastor de pequenos rebanhos, seguido por seus animais, como ocorria depois com o agricultor e seu cachorro.
Lembe-se a passagem do Evangelho que afirma:/"O pastor conhece as suas ovelhas e as ovelhas conhecem o seu pastor." Hoje, com as grandes propriedades, pastor não conhece ovelha alguma, que via de regra, são tratadas por pastores tornados peões. Cuidam para outros, rebanhos que deveriam ser deles.
O latifúndio conferiu poder ao proprietário. Gradativamente ele se foi transformando em rei. O desprotegido, afugentado pelo latifúndio, tornou-se ou escravo, ou servo, o peão da antiguidade. Caso se apropriasse de alguma fração de terras, era ladrão ou invasor.
Com a evolução da cidade e a migração de um grupo substancial de poderosos para esse meio, surgiu a sofisticação. Criou-se um símbolo da propriedade: a moeda, o dinheiro, que evoluiu para o capital. Ele não precisava mais possuir as coisas, pois tinha a moeda, o símbolo da posse da qualquer coisa, cujo valor se estabeleceu pela procura.
E a sacralização da posse migrou da terra para a moeda, o dinheiro, o capital, que a tecnologia foi gradativamente sofisticando e transformando tudo em números. E qualquer tentativa de socialização do capital é taxada de crime contra o sagrado poder da posse.
Assim se fez no novo mundo, a partir do século XVI. Seguindo o mesmo modelo dos antigos romanos, os estados europeus tomaram os países da África e da América. Pelo antigo processo da invasão, os reis concederam títulos de posse legal aos invasores particulares das terras conquistadas pelos exércitos.
As Capitanias Hereditárias foram o primeiro exemplo de parceria entre o Império Português e a rica elite portuguesa para a exploração das terras do Brasil.
No século XVIII, a invasão da Índia e do Paquistão pela Inglaterra, e da China e do sudeste asiático pela França seguem o mesmo modelo. Todas as invasões modernas aconteceram mascaradas pelo ideal religioso da cristianização dos povos. Camões canta em "Os Lusíadas":
"E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé e o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da \Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar engenho e arte."
Todas essas indecorosas manobras de dinheiros e de poder com que nos deparamos hoje possuem suas raízes encravadas nas brenhas da história. Essa não é uma situação apenas brasileira. Todos os países do mundo estão envolvidos nisso. A Suíça e todos os paraísos fiscais têm o maior componente de seu PIB ligado a essas falcatruas todas. Países moralistas como a França e a Inglaterra construíram sua prosperidade explorando os países mais pobres e ingênuos.
Empresas americanas e europeias sempre corromperam nossos empresários e políticos para tirar vantagens disso. Somente se diferenciam dos nossos pela discrição com que procedem. Os nossos, mais grosseiros e espalhafatosos, deixam vestígios de suas pegadas por toda parte. Mesmo assim, não fossem as dissidências entre eles, pouco se saberia desses desmandos todos.
Esse ideal infantil de possuir a qualquer custo aquilo que de nada lhes vai valer é marca da insanidade humanal. De que vale a um cidadão a posse de milhares de empreendimentos com resultados financeiros tão vultosos que sequer podemos imaginar? É esforço vão diante da fragilidade e brevidade de nossa passagem por este vale esperanças e frustrações.
O roubo é fruto da propriedade. Na ausência desta, simplesmente ele desaparece. Nossa casa deveria ser como uma tenda no deserto. Nossa vida é como a flor do campo que florece pela manhã e à tarde fenece. Este é um radicalismo cuja função é balizar.
Historicamente, no entanto, em todas as regiões do mundo, se foram estabelecendo os latifúndios. O surgimento de Roma e seu posterior poderoso império assim se originaram. Rômulo, herói do mito romano, é o símbolo desse processo de acumulação de terras. Junta um povo desgarrado e forma uma grande fazenda, que terá como resultado a cidade das margens do rio Tibre, que do nome de seu proprietário primeiro chamou-se Roma.
Esses grandes senhores criaram legislações que garantiam a posse de grandes áreas. Os que a eles se agregavam recebiam privilégios. Em Roma, surgiu a classe dos patrícios: em torno de trezentas famílias primitivas que se teriam associado a Rômulo.
A invasão dessas propriedades, consideradas sagradas, foi criminalizada. Entre os romanos, a palavra ladrão tornou-se execrável. "Fur", em latim, sequer era pronunciada. O ladrão era designado por "homo trium litterarum" (o homem das três letras). Roubar, apossar-se do alheio, passou a ser o crime mais hediondo na cultura romana. Era uma forma de sacralizar a propriedade, garantindo os privilégios da posse aos proprietários.
Roubar de um concidadão era o mais vergonhoso dos crimes. Há, inclusive, a história etimológica da palavra larápio. Consta que havia, em Roma, um conhecido gatuno da alta sociedade, cujo nome era Lucius Aurelius Rufus Apius. Ele costumava firmar-se como LARApius. Daí, o termo larápio.
Se roubar a um compatriota era crime, roubar aos estrangeiros era serviço à pátria. Assim, os romanos faziam acordos com os inimigos que valiam apenas até o momento em que tivessem força para invadi-los e espoliá-los. Quando o povo reclamava por terras, as autoridades promoviam uma invasão a terras estrangeiras e criavam-se novas províncias de tal forma que Roma foi se apossando de quase todo o mundo desde a Europa, passando pelo norte da África e chegando às margens do Ganges, na Índia.
Assim, gradativamente, desapareceram as áreas rurais públicas de todos os agricultores, que foram abocanhadas por grandes proprietários. Desapareceu com isso também a imagem poética do pastor de pequenos rebanhos, seguido por seus animais, como ocorria depois com o agricultor e seu cachorro.
Lembe-se a passagem do Evangelho que afirma:/"O pastor conhece as suas ovelhas e as ovelhas conhecem o seu pastor." Hoje, com as grandes propriedades, pastor não conhece ovelha alguma, que via de regra, são tratadas por pastores tornados peões. Cuidam para outros, rebanhos que deveriam ser deles.
O latifúndio conferiu poder ao proprietário. Gradativamente ele se foi transformando em rei. O desprotegido, afugentado pelo latifúndio, tornou-se ou escravo, ou servo, o peão da antiguidade. Caso se apropriasse de alguma fração de terras, era ladrão ou invasor.
Com a evolução da cidade e a migração de um grupo substancial de poderosos para esse meio, surgiu a sofisticação. Criou-se um símbolo da propriedade: a moeda, o dinheiro, que evoluiu para o capital. Ele não precisava mais possuir as coisas, pois tinha a moeda, o símbolo da posse da qualquer coisa, cujo valor se estabeleceu pela procura.
E a sacralização da posse migrou da terra para a moeda, o dinheiro, o capital, que a tecnologia foi gradativamente sofisticando e transformando tudo em números. E qualquer tentativa de socialização do capital é taxada de crime contra o sagrado poder da posse.
Assim se fez no novo mundo, a partir do século XVI. Seguindo o mesmo modelo dos antigos romanos, os estados europeus tomaram os países da África e da América. Pelo antigo processo da invasão, os reis concederam títulos de posse legal aos invasores particulares das terras conquistadas pelos exércitos.
As Capitanias Hereditárias foram o primeiro exemplo de parceria entre o Império Português e a rica elite portuguesa para a exploração das terras do Brasil.
No século XVIII, a invasão da Índia e do Paquistão pela Inglaterra, e da China e do sudeste asiático pela França seguem o mesmo modelo. Todas as invasões modernas aconteceram mascaradas pelo ideal religioso da cristianização dos povos. Camões canta em "Os Lusíadas":
"E também as memórias gloriosas
Daqueles reis que foram dilatando
A Fé e o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da \Morte libertando:
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar engenho e arte."
Todas essas indecorosas manobras de dinheiros e de poder com que nos deparamos hoje possuem suas raízes encravadas nas brenhas da história. Essa não é uma situação apenas brasileira. Todos os países do mundo estão envolvidos nisso. A Suíça e todos os paraísos fiscais têm o maior componente de seu PIB ligado a essas falcatruas todas. Países moralistas como a França e a Inglaterra construíram sua prosperidade explorando os países mais pobres e ingênuos.
Empresas americanas e europeias sempre corromperam nossos empresários e políticos para tirar vantagens disso. Somente se diferenciam dos nossos pela discrição com que procedem. Os nossos, mais grosseiros e espalhafatosos, deixam vestígios de suas pegadas por toda parte. Mesmo assim, não fossem as dissidências entre eles, pouco se saberia desses desmandos todos.
Esse ideal infantil de possuir a qualquer custo aquilo que de nada lhes vai valer é marca da insanidade humanal. De que vale a um cidadão a posse de milhares de empreendimentos com resultados financeiros tão vultosos que sequer podemos imaginar? É esforço vão diante da fragilidade e brevidade de nossa passagem por este vale esperanças e frustrações.
O roubo é fruto da propriedade. Na ausência desta, simplesmente ele desaparece. Nossa casa deveria ser como uma tenda no deserto. Nossa vida é como a flor do campo que florece pela manhã e à tarde fenece. Este é um radicalismo cuja função é balizar.
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